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Educação crítica: Uma via apontada por educadores e estudantes para a transformação social Elisabete Santos A educação é uma prática social presente em diferentes espaços e momentos da vida em sociedade, porém é a educação escolar que cumpre um importante papel nos processos formativos. Mas, muitas vezes a escola reforça algumas ideologias, como, por exemplo, aceitar como normal e natural um determinado padrão de aprendizagem para parte dos estudantes, ampliando o processo de exclusão dos já excluídos socialmente, seja pela etnia, pela condição econômica e cultural. Por essa razão, existe a necessidade de investigar a educação crítica para a conscientização e formação da autonomia dos estudantes e de pensar e propor uma educação de qualidade que se faça crítica. Dessa forma, pode-se efetivar a participação da educação no processo de mudança da sociedade, pois ela possui uma relação de subordinação aos processos sociais e políticos, contribuindo contraditoriamente para a transformação e manutenção destas relações. Portanto, não é possível pensar em mudança na educação sem pensar em mudança na sociedade, uma mudança que possibilite promover uma formação sólida, crítica, ética, articulada com políticas de inclusão e resgate social. Uma mudança que, se for pensada por uma educação que se compromete com a superação das condições socialmente desiguais e assume posicionamentos críticos, poderá contribuir com a transformação da sociedade. A escolarização para a formação da autonomia, conscientização crítica e transformação social A educação formal, aqui entendida como a escolarização, não ocorre fora do âmbito da estrutura da vida social, visto que ela é um acontecimento gerado nos processos históricos de cada sociedade. Nesse caso, a escola mantém relação estreita com a sociedade e seus interesses políticos, econômicos e sociais. Essa relacionalidade compreendida dialeticamente implica em considerarmos que os acontecimentos operados na escola refletem na sociedade e muitos problemas de ordem social, por sua vez, são refletidos no espaço da escola. Sobre essa relação entre sociedade, escola e transformação social, a professora Paula, que ensina Biologia na escola Alaíde há sete anos, comenta que "não tem como transformar a sociedade sem a educação, uma coisa está ligada a outra, não tem outro caminho. Na verdade o maior investimento na questão da transformação social é na educação". Para ela a única maneira de conseguir modificar a realidade social injusta é através das práticas educacionais. A educação não criou os sistemas sociais, mas ela pode ser uma força que influencia a vida na sociedade. Isso só será possível através de ações conscientes, no âmbito da escola, as quais podem iniciar um processo de transformação do sujeito que, segundo Freire (2000), pode ser operada no âmbito da escola através do educar para a "re-escrita" do mundo e da sociedade. Para essa re-escrita, ou seja, uma reinterpretação do mundo, entende-se que sejam necessárias mediações que auxiliem os estudantes a compreenderem aspectos de sua realidade e no despertar da criticidade, já que para alcançar indivíduos críticos é necessário conteúdos que o favoreçam, porém não fora do exercício critico e autônomo, em experiências críticas concretas, ou seja, além de ensinar é preciso vivenciar essas experiências. Um exemplo dessas possibilidades pode
ser observado na fala de dois professores participantes da pesquisa, os quais desenvolvem atividades que proporcionam aos estudantes iniciarem esse processo de reescrita. Essa atividade favorece a conscientização dos estudantes, sobre os processos históricos e a realidade na qual estão, conscientizar-se para Freire (2001) é o olhar mais crítico possível da realidade para conhecê-la. Nota-se, nas duas falas, que as mediações realizadas permitem aos estudantes terem contato com os conteúdos de maneira participativa e prática, fazendo articulações que contribuem para a compreensão e o posicionamento cada vez mais crítico dos estudantes. No entanto, não significa que é preciso apenas desenvolver essas atividades, ensinar para a autonomia, a qual segundo Gadotti (2004) é a capacidade que o sujeito possui de autodeterminar-se de autorealizar-se, significa autoconstrução e compreensão crítica frente às questões sociais, exige que os professores respeitem os saberes presentes em sala de aula e que esses saberes, construídos na prática social, sejam discutidos. Propor essas práticas, de respeito aos saberes dos estudantes, requer que o professor se preocupe em desenvolver uma atuação crítica, esteja em um movimento constante de atuar e pensar sobre essa atuação. Freire (1996) pondera que é o pensar criticamente a prática de ontem e de hoje que possibilita melhorar essa atuação. Nesse processo de reflexão sobre a atuação, faz-se importante compreender que ao longo da história a escola serviu, e ainda hoje serve, a muitos e diferentes interesses. Cristiane, estudante do colégio Bom Jesus, ao falar sobre o papel da escola aponta para um aspecto desses interesses que permeiam o espaço escolar, A educação hoje está mais voltada para o trabalho, para conseguir um certificado, pois o mercado exige que você tenha um nível de escolaridade e as pessoas pensam que a educação é isso, mas educação não é só isso, a educação é mais do que isso é como a gente vai vê o mundo, e se você vê o mundo tão pequeno só no olhar de emprego, a gente vai vir na escola só pra tirar nota receber o certificado e pronto.
Para a estudante a educação deve ir além do seu objetivo instrumental, pois a escola é lugar de proporcionar uma educação com uma dimensão política, bem coerente com o pensamento de Paulo Freire. Diante disso, deve-se questionar em que momento da história a escola realmente se preocupou, ou irá se preocupar, com os interesses, as aspirações, os desejos e necessidades dos que deveriam ser o alvo de seu maior interesse: os estudantes e a sociedade, proporcionando-lhes reais transformações das condições sociais desiguais. Fala-se, então em qualidade do ensino, que é uma questão política, pois tem a ver com a discussão dos direitos de cidadania. Assim, ensino de qualidade para todos constitui-se para Libâneo, Oliveira e Toschi (2003, p.145) "[...] dever do Estado em uma sociedade que se quer mais justa e democrática". Essa qualidade da escola, passa por dar condições aos estudantes de participar da vida social e política do país. Nessa perspectiva, a escola constitui-se um espaço favorável para aprendizados críticos e autônomos, não sendo suficiente, à promoção da cidadania, que ela ensine apenas a ler e escrever, pois ao pensar em sua função social é preciso empenho na formação de sujeitos participativos nas manifestações por justiça social e na transformação da realidade, entendendo que é função da escola, através de seus atores sociais como os professores, por exemplo, preparar os estudantes para o desempenho desse papel.
Assim, o espaço escolar é um local de ensino e socialização do conhecimento. Suas atividades, segundo Libâneo (1999), contribuem para a compreensão da realidade objetiva e, em seguida, à aplicação do conhecimento adquirido para transformar a prática social. Este autor considera ser objetivo da escola garantir a todos o saber e as capacidades necessárias a um domínio de todos os campos da atividade humana, como condição para redução das desigualdades sociais. Conjugando com esse pensamento Elaine, estudante do colégio Bom Jesus, em entrevista diz que: "a função da escola é de transformar a pessoa, mudar seu modo de agir e de pensar". Nota-se que, para ela, o que pode ser chamado de função social da escola é relativo ao dever de assumir ações, as quais busquem a modificação das relações sociais, através da transmissão do saber escolar. Sobre esse assunto Libâneo, Oliveira e Toschi (2003) dizem ser, ao lado de outras mediações, a aquisição de conhecimentos e habilidades que possibilitarão maior participação das classes populares na definição de um projeto amplo de transformação social, para esses autores "O grande desafio é o de incluir, nos padrões de vida digna, os milhões de indivíduos excluídos e sem condições básicas para se constituírem cidadãos participantes de uma sociedade em permanente mutação" (p.116). Assim, a educação pode ser entendida como fator de superação das desigualdades sociais. A escola implica formação humana, ela lida com pessoas, seus valores, tradições, crenças e opções, isso exige dos profissionais de educação responsabilidade e respeito ao pensar suas práticas. Como observam os autores acima citados, é a escola que promove o domínio dos conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades cognitivas e afetivas para o atendimento de necessidades individuais e sociais dos estudantes. A educação pública, para esses autores, tem a responsabilidade de ser agente de mudanças, gerando conhecimentos, bem como preparar cidadãos aptos a entender o mundo, seu país, sua realidade e transformá-la positivamente. Para a coordenadora Henriqueta do colégio Bom Jesus, a formação desses sujeitos é possível pelo ensino crítico, ela diz, “aqui na escola as aulas são pensadas para desenvolver a criticidade [...] os alunos críticos têm um papel importante no processo de ensino, pois eles cobram, reivindicam”. Segundo ela são os estudantes críticos que têm condições de modificar, transformar a realidade desigual, através da reivindicação de melhores condições educacionais e sociais. Nesse sentido, falar em transformação social representa falar de uma série de fatores que contribuem para diminuir as desigualdades sociais, transformando a situação de pobreza, desemprego, fome, entre outras, mas é principalmente falar em transformar o sujeito da condição de massa de manobra, de oprimido, a fim de que ele possa elaborar a consciência crítica, questionar sua condição histórica, compreender a realidade, se libertar, criando caminhos próprios de solução. De acordo com essa perspectiva, a educação permite a construção de oportunidades para esses caminhos, para essas soluções, na medida em que desconstroi as "verdades" impostas e possibilita que os estudantes saibam se organizar coletivamente de maneira autônoma e crítica. Conclusão A educação representa formação e não treinamento, e ela é uma opção política que depende da maneira como os professores, coordenadores se vêm no mundo e a serviço de quem estão. Assim, mesmo em uma sociedade desigual se os educadores não compactuam com ela, vão lutar por uma sociedade mais justa e menos excludente. E
essa luta só pode ser pensada de "baixo" para "cima", ou seja, dos oprimidos, buscando em lugar da adaptação a intervenção e a inserção no mundo. Sobre esse aspecto, de maneira geral, coordenadores, professores e estudantes declaram comprometimento com um ensino consciente e crítico e relacionam a escolarização com a formação autônoma e crítica, que ocorre através da conscientização. No entanto, é importante refletir que está registrado na fala dos educadores não garante a efetivação de uma educação de qualidade e crítica. Assim, coordenadores, professores e estudantes precisam reconhecer a educação à autonomia crítica como meio de efetivar a transformação social, mas apenas reconhecer sua importância não significa a realização, para isso, é necessário planejar ações efetivas. É necessário, também empenho dos poderes públicos, dos educadores e da sociedade organizada, para que a escolarização seja percebida como um meio possível de transformação social, a qual não representa a "salvação da humanidade", mas possibilita a conscientização dos indivíduos, tornando-os capazes de práticas de superação da realidade social injusta. Isso é possível através da atuação de professores que respeitam e valorizam a condição de ser humano dos estudantes e suas diferentes realidades, buscando nos desafios e dificuldades de sua prática diária, espaços para um fazer que possibilite a formação autônoma e crítica dos sujeitos. Enfim, uma concepção de educação transformadora assume um caráter crítico, a fim de não adaptar os sujeitos à ordem social estabelecida, e sim para que sejam estudantes críticos e comprometidos com a transformação da realidade injusta. Porém, observou-se que historicamente o sistema escolar foi pensado para atender as necessidades do mercado de trabalho e formulado de acordo com os interesses da elite no poder, e não para possibilitar o desenvolvimento da autonomia e da consciência crítica dos estudantes, no entanto, pode-se observar que algumas manifestações foram importantes na tentativa de romper com essa realidade. Esse fato mostra que, atualmente, ações e reivindicações de professores e coordenadores comprometidos com um ensino que proporcione o rompimento das práticas elitistas, discriminatórias e alienantes podem ser significativas e fundamentais. Essas ações, muitas vezes, vão ocorrer no exercício das funções, com mediações críticas e autônomas em sala de aula, as quais podem iniciar um verdadeiro processo de transformação social. Referências ARROYO, Miguel G. Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 34 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. ________. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000. ________. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paul Freire. 3. ed. São Paulo: Centauro, 2001. GADOTTI, Moacir. Escola cidadã. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2004. LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da Escola Pública: A pedagogia crítico-social dos conteúdos. 16 ed. São Paulo: Loyola, 1999. LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira; TOSCHI, Mirza Seabra. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003.