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Fernanda Pereira Medina
Joseph Kosuth: Análise de uma teoria para a arte
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Artes. Área de Concentração: Arte e Tecnologia da Imagem Orientador: Professor Doutor Stéphane Huchet
Belo Horizonte Escola de Belas Artes da UFMG 2007
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Agradecimentos:
Agradeço a Kosuth e aos que o antecederam, por me apresentarem caminhos tão sedutores. Agradeço a meu pai, ainda que não aprove os desvios no meu trajeto. Mas foi ele quem me ensinou a nunca escolher o caminho mais fácil e deu-me um conselho: “nunca siga os meus conselhos”. Agradeço à minha mãe, por me superestimar. À Escola de Belas Artes da UFMG, por receber bem uma mestranda desviada. Ao Professor Stéphane Huchet, por sua orientação pontual e precisa. Ao Professor Marcos Hill. Foi ele quem me apresentou Kosuth. A mim mesma e ao que há de curioso em mim. Ao que me impulsiona ao desconhecido. À minha coragem de me desviar, pois ninguém se desvia impunemente.
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Resumo:
Essa pesquisa baseou-se nos escritos de Joseph Kosuth, artista plástico norteamericano, expoente do movimento da arte contemporânea, conhecido como Arte Conceitual. Entre os artistas conceituais, foi um dos que mais se dedicou ao pensamento e à construção de bases teóricas consistentes para a delimitação deste movimento. Lançou novos desafios aos artistas, ao público e à crítica do final dos anos 60 e início dos 70. Sua mais polêmica tese, ele lançou no texto Art After Philosophy, de 1969. É quando afirma que o século 20 assiste a morte da filosofia e o nascimento da arte. Ele defende uma linha de pensamento que nega a dimensão estética da arte, buscando justificativas lingüísticas para as proposições artísticas. Seus argumentos encontram base no pensamento de filósofos analíticos e na teoria da linguagem de Ludwig Wittgenstein. As discussões levantadas por Kosuth opõem-se diretamente às convenções artísticas, postuladas pelo Modernismo e à crítica correspondente, sobretudo Clement Greenberg, o crítico modernista por excelência. A linha seguida no desenvolvimento deste trabalho discute as relações da Arte Conceitual com a estética kantiana, com a teoria lingüística de Wittgenstein e com o pensamento que Greenberg estabelecia para a arte.
Palavras-chave: Arte Conceitual; Estética; Modernismo
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Abstract
This research is based on Joseph Kosuth writings. He is an American plastic artist and is considered one of the most influent in the contemporary art movement, known as Conceptual Art. Among all of the conceptual artists, he was one who most dedicated his thoughts to the construction of consistent theoretical bases to the delimitation of this movement. He proposed new challenges to artists, public and critics in the end of 60s and beginning of the 70s. In his most controversial thesis, published in the text Art after Philosophy, in 1969, he states that the 20th century watches the death of philosophy and the birth of art. He defends a thought line which denies the aesthetic dimension of the art, in order to justify linguistically the art propositions. His arguments are based on the thoughts of some analytical philosophers and on the linguistic theory of Ludwig Wittgenstein. The discussions sent by Kosuth go straightly against the artistic conventions postulated on Modernism and the corresponding criticism, especially Clement Greenberg, the modernist critic for excellence. The guide line of this work discusses the relation between the Conceptual Art and the Kantian aesthetic, along with the Wittgenstein linguistic theory and the ways Greenberg would establish for the art.
Key words: Conceptual Art; Aesthetic; Modernism.
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Sumário:
I-
Introdução............................................................................................... 6
II-
Apresentando Kosuth.............................................................................. 14
III-
Figura 1…………………………………………………………………33
IV-
One and Three Chairs ............................................................................. 34
V-
A Arte Conceitual e o Modernismo.........................................................36
VI-
Figura 2....................................................................................................59
VII-
One and Eight..........................................................................................60
VIII- Da Estética à Lógica................................................................................62 IX-
Figura 3....................................................................................................85
X-
The Play of the Unsayable: Ludwig Wittgenstein and the Art of the 20th Century……………………………………………………………..86
XI-
Conclusão……………………………………………………………….87
XII-
Notas……………………………………………………………………93
XIII- Referências Bibliográficas……………………………………………...96
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Introdução:
Há uma dimensão do homem que não encontra sentido na ciência, por mais pragmático que ele tenha se tornado. Uma dimensão que não se satisfaz na razão. Freud dizia que o homem busca saídas para o mal estar imposto pela cultura e pode encontrá-las no trabalho, nas drogas, na religião e na arte. A Arte é uma das saídas, segundo ele, a mais sublime, para o mal estar imposto ao homem pela cultura. Desde a mais remota forma de civilização, realiza-se algum tipo de arte, que vem satisfazer uma necessidade exclusivamente humana. Para Hegel, a Arte deve sua superioridade a uma participação no espírito e, portanto, na verdade. Só o espírito é verdade. A palavra Arte, não importa em que cultura, não importa em que tempo, não importa em que sociedade, carrega uma carga de significados diferentes, desde a Grécia antiga. Algumas vezes, esses significados se contradizem e seu sentido amplo continua inesgotável através dos tempos. Talvez por isso, o homem não se canse de tentar defini-la de todas as formas de que dispõe. Assim se faz a história da arte, de tentativas para se definir o que talvez seja indefinível. A arte contemporânea, pelas vicissitudes de uma arte desalojada da representação tradicional e dos aspectos formais reconhecíveis, que fazem a arte do passado tão confortável, suscita em nós, antes de tudo, estranheza e estupefação. As noções de belo de que dispomos não são suficientes para lidarmos com esses sentimentos. Falar em arte do passado pode dar a impressão de que defendo aqui um pensamento evolucionista para a arte, como se um momento da história fosse sempre superado pelo momento posterior. Seria equivocado tal pensamento. Estabelecer essa referência é apenas para ressaltar a necessidade de uma distância temporal para a sedimentação do impacto provocado por determinados novos fatos. E é justamente o que ainda não temos da arte contemporânea. Distância. Por isso, tudo o que
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se diz a esse respeito é extremamente novo, passível de discussões acaloradas. Participar dessas discussões, ainda que modestamente, é participar da construção de uma teoria em nascimento. Minha escolha pela Arte Conceitual, dentre tantos movimentos contemporâneos, não é casual. De fato, nenhuma escolha é casual. Explica-se, de maneira razoável, pela minha pessoal ligação com a linguagem. Minha formação em psiquiatria e meu contato com a psicanálise fazem do pensamento e da palavra meus instrumentos de trabalho. Ora, que tipo de arte é esse fundamentado nos aspectos formais do pensamento? Como se faz arte, arte visual, sem a necessária produção de obras de arte?É possível fazer arte sem a presença empírica do objeto artístico? Quais são então os parâmetros de julgamento dessa arte? Todos esses questionamentos são pertinentes e me interpelaram, à medida que ia me envolvendo no estudo da Arte Conceitual. As relações entre imagem e texto não são uma novidade nas artes plásticas. A era moderna abre um terreno amplo para a experimentação, onde os limites entre os campos da produção de saber vão-se alargando. A Arte Conceitual cria uma relação entre imagem e texto incomum para as artes visuais. Não é uma relação complementar. É uma relação que sugere uma hierarquia entre os sistemas discursivos, delegando à linguagem um patamar de superioridade. Diante de um campo tão propício à discussão, Joseph Kosuth desponta como uma figura de destaque pela sua densa produção teórica e artística. Para este estudo interessará, sobretudo, a primeira. Há que se considerar as diferenças entre o texto como obra de arte e o texto essencialmente teórico. A atividade de Kosuth como artista e o exercício crítico que ele propõe aos artistas são atividades que se desenvolvem paralelamente. As intersecções não bastam para tornar o texto de um artista o seu trabalho de arte. Segundo Kosuth, “por trás de
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todo texto sobre arte, existe a possibilidade de um trabalho de arte, se não a presença de um”. 1 Mas há, ainda segundo ele, uma diferença ontológica entre um texto de arte e uma discussão sobre arte. Textos sobre arte promovem uma experiência diferente daqueles que são o trabalho de arte. Essa diferença separa também o que Kosuth nomeou de “ teoria primária” e “teoria secundária”. Assim, Kosuth faz uma distinção entre a atividade crítica do artista, nascida de dentro do contexto de seu trabalho de arte, estreitamente vinculada a sua prática e a atividade crítica geral. Os textos que me guiaram nessa pesquisa foram aqueles de finalidade claramente teórica e crítica. Essa sempre foi a inclinação de meu trabalho. Meu objetivo foi estabelecer os limites da Arte Conceitual, como um movimento especial da arte contemporânea, essencial para a compreensão de atividades que vão muito além desses limites. Em alguns momentos, o tratamento dado à discussão proposta aproxima o trabalho do campo da história da arte. Em outros, invade o terreno da filosofia. Na verdade, esses saberes se tocam e contribuem para o exercício de uma atividade crítica. Entre os artistas conceituais, Kosuth pode, seguramente, ser considerado um dos que mais se dedicou ao pensamento e à construção de bases consistentes para a fundação da Arte Conceitual. Ele lançou novos desafios ao artista e ao público de arte do final dos anos 60 e início dos 70. Propunha ao artista um novo papel, diferente daquele até então ocupado, de mero produtor de obras de arte. O artista, para Kosuth, deve promover, através da sua produção plástica e através de um compromisso teórico, discussões acerca da função da arte. Deve exercer o papel de crítico de arte e nomear-se a si mesmo como artista. Definir o que é, afinal, arte. Deve inserir-se na sua cultura. Analogamente a um antropólogo, afetar e ser afetado por essa cultura. Finalmente, como artista, comportar-se como um analista da linguagem e discutir a arte, a partir dos seus próprios elementos.
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Seu trabalho artístico é tão impactante quanto seus textos. Aliás, Kosuth quer que sua teorização seja vista com a mesma reverência que suas obras. Paradigmáticos de suas proposições em arte são os trabalhos One and Three Chairs e Néon Electrical Light English Glass Letters pink Eight. Estão postos, simultaneamente, diante de nossos olhos, o objeto, sua referência visual e sua referência verbal. A arte apresentada como uma tautologia, numa referência explícita a Wittgenstein. Minha intenção imediata, tão logo me pus em contato com essas obras, foi a de estudar as relações estabelecidas entre a Arte Conceitual e a linguagem, tendo como referência minha leitura em psicanálise. Pensava na lingüística Saussuriana e na inversão promovida por Lacan na sua teoria da formação do inconsciente. Iniciados meus trabalhos de pesquisa bibliográfica, percebi que não seria fácil definir a linha que iria me conduzir nessa empreitada. A Arte Conceitual, por si, já traz uma série de questões e polêmicas e a densidade teórica de Kosuth poderia me levar a várias direções. O caminho da filosofia seria uma delas. Aos poucos, afastei-me do objetivo inicial, a psicanálise, pois o uso que Kosuth faz da teoria da linguagem não o aproxima de Lacan, mas de Wittgenstein. Dispus-me a ouvir o que Kosuth tinha a me dizer. Fundamental nessa decisão tomada foi a leitura cuidadosa do texto Art After Philosophy, de 1969, que pode ser visto como a mais importante referência teórica para a arte conceitual. Em Art After Philosophy, Kosuth estabelece as direções essenciais para o que ele chama de arte, de Arte Conceitual, ainda que o termo não tenha sido cunhado por ele. Nesse canônico texto, ele faz a sua mais polêmica afirmação, a de que o século XX assiste a morte da filosofia e o início da arte. Define, a partir da relação de oposição que ele estabelece entre arte e estética, a linha de pensamento que irá conduzir todo o seu trabalho, desde 1966, segundo suas próprias palavras. Assim, a meu ver, desenvolve-se toda a rede que configura o
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terreno da Arte Conceitual: a discussão sobre a forma, sobre a materialidade do objeto de arte, sobre o papel do artista, sobre a função da arte, sobre o julgamento da obra de arte e sobre o papel do crítico de arte. O fio condutor desse trabalho foi estabelecido na leitura da coletânea de textos de Kosuth entre 1966 e 1990. Art After Philosophy and After. Collected Writings, 1966-1990 foi meu livro de cabeceira, desde que iniciei minha pesquisa. A partir das diretrizes apontadas por Kosuth para a Arte Conceitual, fui buscar embasamento teórico para realizar minha própria análise de sua teoria. Assim, busquei em Kant, na Terceira Crítica, os elementos para entender a estética e promover um diálogo com a concepção de estética que Kosuth manifesta em seus textos. Com Thierry de Duve, proponho uma possível validação da estética kantiana na arte contemporânea. Finalmente, uma leitura de Wittgenstein se impôs pela analogia que Kosuth estabelece entre sua teoria da linguagem e a Arte Conceitual. À medida que me afastava da intersecção com a psicanálise, mais me aproximava da filosofia. Então, não me furtei a uma incursão pela filosofia, ainda que não seja esta a proposta da dissertação. Não se trata de dissertar sobre filosofia. Meu objetivo foi-se definindo pela análise dos elementos que estruturam a Arte Conceitual, a partir da produção teórica de Joseph Kosuth, especialmente sua relação com a estética. Um aspecto que se mostrou fundamental para essa análise foi estabelecer um contraponto entre a teoria desenvolvida por Kosuth e suas ligações históricas e ideológicas. No primeiro capítulo da dissertação, apresento uma visão panorâmica do artista Joseph Kosuth, com algumas referências históricas e biográficas. Exponho seus principais textos, onde as relações com outros artistas contemporâneos que lhe serviram de referência, como Judd, Sol Lewiit, Ad Reinhardt e Marcel Duchamp estão esboçadas. Sua transformação como artista, suas justificativas para a Arte Conceitual e para seu próprio trabalho artístico
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estão postas. Um tratamento mais minucioso foi dado nos capítulos seguintes. É dessa apresentação que extraio o cerne das discussões posteriores. A relação de Kosuth com a crítica de arte é, numa visão ampliada, um aspecto de sua relação com o Modernismo. Kosuth opôs-se a certas premissas defendidas pelos críticos modernistas, melhor dizendo, por Clement Greenberg e pela crítica influenciada por ele. Greenberg, um formalista convicto, defendia a pintura abstrata como a única forma de se chegar ao que ele chamava de uma arte pura. O purismo na arte, pela visão de Greenberg, era algo a ser cultivado, através de um respeito aos limites próprios a cada tipo de linguagem artística. Com uma visão absolutamente oposta a de Kosuth, Greenberg acreditava na experiência estética como experiência imediata da arte. Fazia do julgamento de gosto o legítimo julgamento da arte. O debate teórico entre os dois forneceu-me um rico material para a construção do segundo e parte do terceiro capítulo dessa dissertação. O segundo capítulo traz uma análise da Arte Conceitual dentro do contexto histórico da época, final dos anos 60 e início dos 70 e de suas relações com o Modernismo e o Minimalismo. Tento delimitar um sentido mais restrito para o termo conceitual, demasiadamente amplo e inespecífico. O próprio Kosuth atenta para a necessidade de critérios mais rígidos na definição da Arte Conceitual. Ele rejeita, explicitamente, algumas formas de manifestações artísticas ,usualmente associadas ao conceitualismo. Busco na etimologia e na filosofia usos que podem ser aplicados à Arte Conceitual. No terceiro capítulo, faço uma breve incursão pela estética Kantiana, com o intuito de analisar a questão que me pareceu crucial durante toda a minha pesquisa: a relação de oposição que Kosuth estabelece entre a arte e a estética. Requerendo para a arte uma função analítica, acaba por transportar a arte para um outro campo, para ser mais exata, o da lógica. Kosuth não se apóia em nenhum de seus contemporâneos para justificar essa polêmica teoria. Ao contrário, ele esclarece que não fala em nome de mais ninguém e que chegou sozinho a
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essas conclusões. Trazer à tona uma conexão entre a morte da filosofia e o início da arte justifica-se, segundo ele, para analisar a viabilidade da arte e para fornecer um entendimento mais claro do termo “Arte Conceitual”. Não é em Kant que está apoiada sua teoria para a Arte Conceitual. Na verdade, a filosofia lingüística de Wittgenstein, sobretudo a do segundo Wittgenstein, forneceu-lhe boa parte de seus argumentos. Nasce assim a visão da arte como uma tautologia e a de conceito baseada no uso. Seus textos, porém, fazem crer que ele se preocupou com as categorias kantianas, como gosto, por exemplo. É preciso, sem dúvida, fazer uma crítica à sua leitura da Estética Kantiana. Com uma visão absolutamente oposta a de Kosuth, Greenberg faz uso das categorias kantianas no seu ofício de crítico de arte e, mesmo não sendo um filósofo, traz uma grande contribuição para as discussões teóricas no circuito da arte. Faço uso dessa contribuição para minha própria análise da Arte Conceitual. Greenberg tornou-se uma importante referência na elaboração desse debate, por sua relevância como crítico do Modernismo, e por sua produção teórica, não menos merecedora de uma análise. A oposição de Kosuth a uma linha de pensamento que mantinha a arte presa a convenções institucionalizadas era, em grande parte, uma oposição a tudo o que Greenberg defendia como essencial para o desenvolvimento de uma arte superior. Daí sua presença marcante neste trabalho. Durante a construção dessa dissertação, esbarrei em certas dificuldades, algumas minhas e outras inerentes à própria pesquisa. Joseph Kosuth não chega a ser um artista popular, principalmente no Brasil. Daí a escassez de referências a seus trabalhos, na língua portuguesa. A leitura de seus textos, densos e ricos em teoria, não ficou mais fácil na língua original, mas foi a menor das dificuldades a serem superadas. A linha adotada para a pesquisa tendia a uma perigosa aproximação com a filosofia. Perigosa, já que não é a linguagem que eu mais domino. Incrivelmente sedutora, ainda assim, como sempre me foi sedutora a própria
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arte. Esse terreno movediço criou alguma limitação, certo constrangimento, na execução do meu texto. As palavras pareciam levar-me a armadilhas. Não seria possível dizer qualquer coisa ou poderia botar tudo a perder. Nunca me pareceu tão necessária a precisão dos termos. Ao final do trabalho, gostaria de ter ido mais longe nessa análise. Poderia ter me aprofundado em alguns aspectos, como na minha incursão pela filosofia. Gostaria de ter aproximado mais a teoria da práxis, em relação ao trabalho plástico de Kosuth. Alguns pontos permanecem sem uma conclusão definitiva. Não me considero completamente satisfeita. Ainda bem. Cheguei, com certeza, a algumas respostas. Creio ter desenvolvido uma crítica original em relação ao assunto proposto. O que não foi possível concluir nessa ocasião, deixo suspenso, nunca esquecido.
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I - Apresentando Kosuth:
Não pretendo expor uma mera compilação de referências históricas e dados biográficos. A necessidade de uma apresentação cuidadosa de Joseph Kosuth está justificada pela complexidade de seu trabalho artístico, pela densidade de suas proposições teóricas e por sua importância na arte contemporânea. Um primeiro contato com sua produção plástica e teórica, aliás, ele associa uma à outra, não deixa dúvidas de se tratar de um artista perturbador. Sua visão da arte e do artista subverte a tradicional concepção de arte. Para ele, o artista é um intelectual. Tem a responsabilidade de questionar a função da arte e sua própria atuação como pessoa e como artista. Ele insiste na necessidade de uma produção teórica paralela à produção plástica e busca para o artista a responsabilidade de uma crítica em relação ao trabalho de arte. As referências teóricas que trouxe para as artes carreiam elementos da filosofia da linguagem, antropologia, marxismo e psicanálise. Seu trabalho investiga a natureza lingüística das proposições artísticas, seu contexto social, institucional, psicológico e etnológico. Sua produção plástica faz poucas concessões aos meios visuais tradicionais de apresentação, como cores e formas, mas é certamente visual, uma vez que se localiza e se desenvolve no tempo e no espaço. Jean-François Lyotard compara o trabalho visual de Kosuth às letras do Torah, à espera de seu uso, de seu sentido. As palavras, as sentenças escritas, tornam presente um gesto incapaz de ser lido no sentido literal do discurso. É uma ausência que se faz presente, numa dimensão espacial e temporal, cujo alcance vai muito além da legibilidade das palavras. “Eu comparo o trabalho visual de Kosuth às letras do Torah. Essas letras são também textos, mas estão à espera de sua pronúncia, suas vogais, sua pontuação, sua entonação, à espera de serem postas em prática. As palavras esperam para ser talhadas e definidas[...]E as definições léxicas em diversas línguas mostram que elas próprias são feitas de palavras, mas ainda estão à espera de seus sentidos”. 2
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Kosuth não é um poeta, não é um escritor, mas o meio com o qual nos apresenta a arte visual é a palavra escrita. Seu material é a linguagem. Mas ele rejeita as possíveis comparações entre seu trabalho e a poesia concreta que, segundo ele, é uma formalização do material do poeta. Os limites arbitrários entre as diversas formas de apresentação da arte, ele põe em questão e concebe a arte como um modo global de linguagem. Nos termos de Wittgenstein, em última análise, todas as artes têm uma semelhança de família. Evidenciamos, nos textos de Kosuth, uma distinção entre o termo geral arte e o que ele chama de linguagens artísticas, referindo-se à pintura, à escultura e às outras formas de apresentação das obras de arte. Poesia, pintura, escultura são palavras que devem ser abandonadas, porque dizem respeito a uma ação limitada ou especificam materiais limitados. Preferível a palavra Arte, que está cheia de sentido. Tem uma conotação geral e ainda guarda sua especificidade. Na sua razão de ser, está separada da ciência, da política, da filosofia e do entretenimento. Segundo Kosuth, a arte substituirá, em nosso tempo, o lugar metafísico que, no passado, foi preenchido pela filosofia e pela religião. Mas sua viabilidade, adverte, exige o abandono da experiência visual. Não foi Kosuth o “inventor” da Arte Conceitual. Nem mesmo foi ele quem usou o termo pela primeira vez. Segundo ele mesmo, a arte puramente conceitual foi vista pela primeira vez na obra de Terry Atkinson e Michael Baldwin em Coventry, Inglaterra. Os dois faziam parte do grupo Art & Language e usaram o conceito da “declaração” como uma técnica para fazer arte. Em 1967, formularam os Air conditioning show e Air show, uma série de afirmações referentes ao uso teórico de uma coluna de ar comprimindo a base de 1,6 km² de uma distância não especificada na dimensão vertical. Na sua própria produção, ele identifica como seu primeiro trabalho conceitual, a obra Leaning glass, de 1965. A peça consistia de uma chapa de vidro para ser recostada em qualquer parede.
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Joseph Kosuth teve uma formação pictórica, período ao qual se referia como de uma ingenuidade artística, da qual logo tentou desvencilhar-se. Em entrevista a Jeanne Siegel, ele sintetizou a evolução pela qual passou sua produção plástica, desde que deixou de pintar. Na primeira peça que produziu, nessa nova perspectiva, utilizava vidro porque solucionava um dos problemas da composição, a cor. Para superar a forma, tentou apresentar o trabalho em condições variadas: despedaçado, moído, empilhado. Com a primeira peça de vidro, Any Five Foots Sheet of Glass To Lean Against Any Wall, Kosuth tentava evitar os problemas da composição e fabricar um objeto que não era nem pintura e nem escultura, numa forte referência minimalista. Um aspecto importante do Minimalismo, segundo o próprio Kosuth, é que não produziu nem pintura, nem escultura, mas simplesmente arte. Um ponto final na trajetória do formalismo. Como explica Donald Judd, em Objetos Específicos3,considerado o manifesto teórico do Minimalismo:
“Os novos trabalhos tridimensionais não constituem um movimento, escola ou estilo. Os aspectos comuns são muito gerais e muito pouco comuns para definirem um movimento. As diferenças são maiores do que as semelhanças. [...] A tridimensionalidade não está tão próxima de ser simplesmente um continente quanto a pintura e a escultura parecem estar [...].” “Grande parte da motivação subjacente aos novos trabalhos é livrar-se de tais formas. O uso das três dimensões é uma alternativa óbvia. Abre espaço para qualquer coisa. Muitas das razões para esse uso são negativas, de reação à pintura e à escultura [...]”.
Depois, Kosuth passou para as fotografias, usando verbetes de dicionários, buscando uma maneira de fazer arte sem seus componentes formais tradicionais. Tendo sempre em mente a premissa de que os objetos são conceitualmente irrelevantes para a condição artística, o artista pode pintar ou esculpir, se quiser, mas isso provavelmente não importa. Se tal objeto for fundamental para um determinado comentário sobre arte, então seu uso se justifica. Caso contrário, não há porque produzir mais objetos num mundo já repleto deles. Dizendo de outro
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modo, é importante separar a arte de seu meio de apresentação. As cópias fotostáticas, que aparecem várias vezes em seus trabalhos, são, como ele explica, apenas um meio de a idéia ser apresentada. Um meio sem importância, que poderia ser jogado fora e refeito a qualquer momento. É assim que Kosuth define sua relação com os objetos de arte:
“O que torna um artista, ou qualquer outro pensador, importante é no que ele contribuiu para a história das idéias[...]. Não há nada de errado em se usar objetos na arte – se eles, como ferramentas, podem arcar com o contínuo crescimento da complexidade dos debates em arte. E por essa razão, nesse momento, textos são o resultado necessário das atividades da Arte Conceitual. Quando objetos são usados – por mim ou por Bambridge ou Hurrel, por exemplo – eles são normalmente usados como um tipo de linguagem ‘formal’, necessária para um claro entendimento dos termos envolvidos.” 4
Entre seus contemporâneos, alguns são particularmente ovacionados por ele como referência inequívoca para a Arte Conceitual. É o caso de Sol Lewitt, a quem ele atribui a criação de um ambiente que tornou aceitável a Arte Conceitual. Mas suas influências mais diretas são Ad Reinhardt, Duchamp e Donald Judd. Kosuth sempre se preocupou com uma definição mais precisa da Arte Conceitual. Por seu pensamento radical, sempre foi uma polêmica e influente figura, num movimento que, até hoje, ressoa nas produções artísticas contemporâneas. Por essas razões e por outras que, porventura, tenham sido omitidas, uma apresentação de Kosuth faz-se necessária. Joseph Kosuth nasceu em 31 de Janeiro de 1945, em Toledo, Ohio. Freqüentou a Toledo School of Design de 1955 a 1962 e estudou sob a orientação do pintor belga Line Bloom Draper. Em 1963, ingressou no Cleveland Art Institute. Mudou-se para Nova York em 1965, após passar um ano viajando pela Europa. Tinha então vinte anos de idade. Tão logo chega a Nova York, o jovem artista imergiu inteiramente na vida cultural da cidade. Desde o início de sua carreira, ele deixou clara sua escolha de não ser um mero fabricador de objetos artísticos. Sempre provocou reflexões que levavam a um entendimento crítico do fazer artístico. Promoveu encontros e discussões com outros artistas, como On
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Kawara, Roy Lichtenstein, Claes Oldenburg, Sol Le Witt, Robert Smithson e Donald Judd. Com eles, manteve permanente trocas de idéias a respeito de arte. Em 1967, Kosuth fundou a Lannis Gallery, um espaço destinado a exibições alternativas, que logo passaria a ser chamado The Museum of Normal Art. Foi neste espaço que organizou a Opening Exhibition of Normal Art. Ali, além de seus próprios trabalhos, mostrava obras de Carl André, Mel Bochner, Walter de Maria, On Kawara e Sol Le Wittt. Numa importante homenagem ao recém falecido Reinhardt ( 1913 – 1962 ), Kosuth deu a seu trabalho, desenvolvido entre 1966 e 1975, o subtítulo Art as Idea as Idea, numa referência à bem conhecida sentença de Reinhardt, Art as Art. Esses trabalhos tornaram-se ícones da Arte Conceitual. As obras consistiam de palavras e verbetes, que traziam definições dicionarizadas de muitos dos termos chaves presentes no debate sobre a natureza e o status da arte moderna – “significado”, “objeto”, “representação”, “teoria”. Depois, passaram para conjuntos compostos por um objeto, sua fotografia e a definição em dicionário do objeto. O espectador é submetido à experiência de relacionar, instantaneamente, o objeto “real”, sua imagem icônica e sua correlação lingüística. Cada um dos três elementos deixa de ser puro texto ou pura imagem, rompendo a pretensa hierarquia existente na relação entre palavra (nome) e coisa. Este é o caso da série One and Three Chairs, de 1965. As três representações da cadeira (o objeto real, a fotografia e a definição de dicionário) problematizam as relações entre o objeto, sua referencia visual e verbal. Este trabalho faz parte da série de Protoinvestigações. Traz a intenção de erradicação da aura da obra de arte e de imersão numa nova proposta, surgida para levantar questões sobre a natureza da arte e sua relação com a linguagem. 5O nome do programa foi dado posteriormente pelo artista, em função de seu programa de pesquisa posterior: The First Investigation, The second... Em The Second
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Investigation, Kosuth ampliou seu campo referencial e realizou inserções textuais fora do ambiente artístico tradicional, em jornais, outdoors e em espaços urbanos. Ad Reinhardt foi sempre uma importante referência para o jovem Kosuth. Ele estudou história da arte na Universidade de Colúmbia e depois pintura, na Academia Nacional de Desenho norte-americana. Sua admiração por Reinhardt data do primeiro encontro dos dois artistas, em 1964, quando Reinhardt esteve no Cleveland Art Institute, como artista visitante. Suas pinturas, segundo o historiador Paul Wood, representam um caso limite no modernismo e foram concebidas sob uma rubrica exclusiva: “A única coisa a dizer sobre a arte é que ela é uma coisa. A arte é arte-como-arte e todo o resto é todo o resto. Arte-como-arte nada é além de arte. A arte não é o que não é arte.” (REINHARDT, 1962). 6
Em 1951, Reinhardt inicia uma série de quadros monocromáticos, chegando às suas Black paintings. Elas aspiram a uma espécie de não-cor, em que a pintura exista em si mesma, sem a interferência de efeitos de luz. O mesmo se vê nas Ultimate painting, que recomeça, sistematicamente, ao longo de dez anos. Em 1962, Reinhardt publica Art-as-art, em Art International. O texto foi retomado em várias ocasiões, até 1967, reiterando seus princípios da arte pura e atemporal, de uma art-for-art’s sake, como única possibilidade da arte em um mundo dominado pelo mercado. A pintura abstrata pura, autenticamente sem maneiras, desimpedida e desembaraçada, sem estilo e universal, era sua proposta de arte. Kosuth define a pintura de Reinhardt como uma espécie de passagem, onde a tradição da pintura parece ter-se concluído para a arte começar a se redefinir. Mais importante que sua qualidade formal é a auto-reflexão que promove, dentro do contexto do Modernismo. E essa auto-reflexão ou redefinição da arte toca nas questões da crítica e do mercado, pontos de grande relevância nas discussões propostas por Reinhardt. Para ele, o artista deveria ter a responsabilidade pelo sentido de seu trabalho. Kosuth diz que a pintura de Reinhardt, assim como seus escritos, iniciou um processo de auto-reflexão nas artes. Ela é, ao mesmo tempo,
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pintura e a negação da pintura, pois estabelece uma relação de negação com a cor e com as outras qualidades pelas quais a pintura é usualmente julgada. Os nove quadrados negros que compõem as Black paintings, se vistos isoladamente, são iguais mas, quando analisados em conjunto, põem em evidência um jogo de relações mais profundo. Em 1968, na Lannis Gallery, Kosuth promoveu o que ele chamou de sua primeira exibição “secreta”. Intitulada 15 People Present Their Favorite Book, a mostra trazia o que o título prometia. O artista pediu a outros artistas que contribuíssem com seus livros favoritos para a exposição. Neste mesmo ano, tornou-se professor na School of Visual Art. Foi quando começou a ganhar notoriedade como a principal e controversa figura do movimento emergente, conhecido como Arte Conceitual. Nesta época, ele conheceu Seth Siegelaub, que se interessou por seu trabalho e, mais tarde, veio a se tornar um dos primeiros marchand da Arte Conceitual. Foi ele o responsável pela série de exposições coletivas que deu origem ao famoso catálogo 5-31 January, 1969. O trabalho produzido indagava o que era uma exposição, o que fazia um artista e os limites do que poderia ser tido como uma obra de arte. Enquanto alguns exemplos materiais de obra eram mostrados em prédios alugados, o verdadeiro espaço da exposição era o catálogo. Nos termos de Siegelaub, tornou-se informação primária e não mais secundária. O ano de 1969 foi crucial para a carreira de Kosuth. Foi o ano de sua primeira exposição individual na Leo Castelli Gallery e foi quando publicou seu primeiro texto importante, Art After Philosophy. Neste ensaio, publicado na edição de outubro do periódico Studio International, suas investigações receberam o mais efetivo suporte teórico. É possível ser um artista sem ser um pintor e nem um escultor? Nos conturbados e fecundos anos 60, essa foi uma pergunta que cruzou a cabeça de muitos artistas. Sem dúvida, contribuiu para que Kosuth escrevesse Art After Philosophy, que pode ser considerada a mais
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extensa declaração teórica feita por um artista conceitual, até aquela altura. Nesse texto, ele apresenta sua conhecida tese em que afirma que o século XX marca o fim da filosofia e o início da arte, sustenta uma distinção entre arte e estética e rejeita toda forma tradicional de linguagem artística, marcadamente o par pintura/escultura. Esse foi um texto chave na compreensão do discurso teórico e da prática artística de Kosuth, àquela época, além de desenhar as proposições principais do movimento da Arte Conceitual. Suas críticas recaem sobre a filosofia tradicional, sobretudo a influenciada por Hegel que, diz Kosuth, no século XIX , foi capaz de oferecer uma solução aceitável para o conflito entre a teologia e a ciência. O resultado da influência de Hegel, se aceitarmos o pensamento de Kosuth, foi transformar os filósofos contemporâneos em historiadores da filosofia, “bibliotecários da Verdade, por assim dizer”. Devemos, então, segundo Kosuth, abandonar a filosofia tradicional e seguir o pensamento dos filósofos analíticos da linguagem? Seus argumentos fazem referências à linha de pensamento defendida pelo filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, que caracterizava as leis lógicas como tautologias.7 Com base no pensamento de Wittgenstein, Kosuth propõe que não nos ocupemos mais com a filosofia do continente, referindo-se ao existencialismo e à fenomenologia: “Refiro-me com isso ao existencialismo e à fenomenologia. Mesmo Merleau-Ponty, com sua posição intermediária entre o empirismo e o racionalismo, não foi capaz de expressar a sua filosofia sem o uso de palavras (portanto usando conceitos); e seguindo esse caminho, como alguém pode discutir a experiência sem distinções nítidas entre nós e o mundo?”
Kosuth defendia que a condição artística poderia ser percebida em qualquer objeto, apresentado num contexto artístico, e tem sua razão de ser em condições absolutamente alheias à sua implicação material. Essa condição, seguindo seus argumentos, é análoga a uma proposição analítica. A apreciação feita por A. J. Ayer da distinção entre analítico e sintético é aplicada por Kosuth a esta linha de pensamento: “Uma proposição é analítica quando sua validade depende apenas das definições dos símbolos que contém e sintética quando sua validade é determinada pelos fatos da experiência”.
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Continuando com Ayer, “Os axiomas de uma geometria são simplesmente definições e os teoremas de uma geometria são simplesmente a conseqüência lógica dessas definições. A geometria não traz em si o problema físico do espaço. Não traz em si nenhuma questão sobre qualquer outra coisa.Mas nós podemos usar a geometria para raciocinar sobre o espaço físico...se a geometria pode ser aplicada ao mundo físico ou não, é uma questão empírica, que está fora do âmbito da geometria em si. Não há sentido em se questionar qual dos vários conhecimentos geométricos são falsos ou quais são verdadeiros. Já que estão livres de contradições, eles são sempre verdadeiros.” 8
As obras de arte, defende Kosuth, se observadas dentro de seu contexto, como arte, são proposições analíticas, pois não veiculam qualquer informação sobre outra coisa. O artista, assim como o analista, não está diretamente preocupado com as propriedades físicas das coisas, mas com as conseqüências das proposições artísticas. Para Kosuth, elas são lingüísticas e não factuais. Finalmente, Kosuth aproxima um trabalho de arte à lógica e à matemática, no momento em que define um denominador comum as três, a tautologia. As proposições lógicas e matemáticas são verdadeiras a priori e isto equivale a dizer que são tautológicas. Tautologias, mesmo se pensarmos que podem nos servir de guia para as pesquisas empíricas, não contém, em si, nenhuma informação, nenhum fato experimental. Um trabalho de arte é uma tautologia, uma vez que é a apresentação da intenção do artista. Isto é, se ele diz que um trabalho particular de arte é arte, ele está propondo uma definição de arte. A idéia de arte e arte são a mesma coisa e podem ser apreciados enquanto arte, sem sairmos de seu contexto para verificação. Desde Duchamp e do reaparecimento da vanguarda artística, estava claro que uma obra de arte dependia tanto de seu contexto artístico, como de sua nomeação como arte pelo autor. Então, o fato daquilo ser arte é, a priori, verdadeiro. É o que Judd quer dizer ao afirmar que “se alguém chama algo de arte, isso é arte”. Naturalmente, suas teorias não brotaram sem precedentes. Seus argumentos a favor de uma arte eclipsando a filosofia estão fundamentados no reconhecimento de uma linha de
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pensamento, desenvolvida por outros artistas que o precederam. Todos eles, de uma maneira ou de outra, direta ou indiretamente, estiveram envolvidos no debate crítico da cena artística norte americana, após o Expressionismo Abstrato:
“A arte abstrata, ou não pictórica, tem a mesma idade desse século, e embora seja mais especializada do que a arte precedente, é mais clara, mais completa e, como todo pensamento e conhecimento moderno,mais exigente em seu domínio de relações.” ( Ad Reinhardt [1948]). 9 “A única coisa a ser dita sobre a arte é que ela é uma coisa. A arte é arte-como–arte e todo o resto é todo o resto. A arte como arte não é nada além de arte. A arte não é o que não é arte.” ( Ad Reinhardt [1963]).10
“A principal qualificação para a posição inferior da pintura é a de que os avanços na arte nem sempre são avanços formais”. ( Donald Judd [1963]).11 “A metade ou mais da metade dos melhores trabalhos novos nos últimos anos não foram nem pintura nem escultura.” ( Donald Judd [1965]).12 “ A principal virtude das formas geométricas é que elas não são orgânicas, como todo o resto da arte é. Uma forma que não fosse nem geométrica nem orgânica seria uma grande descoberta” (Judd [1967]).13 “ A idéia se torna uma máquina que faz a arte”. (Sol LeWitt [1967]).14 “Para cada trabalho de arte que se torna algo físico há diversas variações que não se tornam.”(LeWitt).15 “Na França há um velho ditado, “burro como um pintor”. O pintor era considerado burro, mas o poeta e o escritor eram considerados muito inteligentes. Eu queria ser inteligente. Eu tinha que ter a idéia de invenção. Não é nada fazer o que seu pai fazia. Não é nada ser outro Cézanne. Em meu período visual há um pouco daquela burrice do pintor. Toda a minha obra no período anterior ao Nu era pintura visual. Então cheguei à idéia. Eu pensei que a formulação ideática era um modo de escapar das influências. ( Marcel Duchamp).16
Reconhecer esses precedentes não significa identificar uma relação direta entre tais artistas e Kosuth, principalmente quando a questão em foco é a oposição entre arte e estética. Ao contrário, o próprio Kosuth alega que chegou sozinho a essa conclusão e que fala apenas em seu nome, quando defende essa premissa. A influência de Marcel Duchamp é particularmente importante no pensamento de Kosuth a respeito da Arte Conceitual. Em Apropos of Ready-mades, de 1961 – uma palestra para o simpósio Art of Assemblage, no MOMA, em Nova York - Duchamp declara que a
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escolha dos ready- made funda-se numa “reação de indiferença visual”. Mais enfático ainda ele foi em 1962, em carta a Hans Richter, publicada, em 1965: “Quando eu descobri os ready-mades eu pensei em desencorajar a estética. O NeoDada retomou meus ready-mades e encontrou beleza neles. Eu atirei um suporte para garrafas e um urinou na cara deles como um desafio e agora eles os admiram por sua beleza estética.”
A direção tomada, ao se admitir essa linha de argumentação, leva-nos a aceitar a irrelevância conceitual da estética para a arte. Esse é um dos apontamentos mais conhecidos e polêmicos que Kosuth levanta em Art After Philosophy. Ao afirmar que o século XX trazia o fim da filosofia e o início da arte, ele não destaca, naturalmente, nenhum sentido mecanicista nessa conexão, mas também não vê o fato como acidental. O que ele quer é separar estética de arte, porque a estética ocupa-se com opiniões sobre a percepção do mundo em geral. Isso não diz respeito a considerações feitas dentro de um contexto artístico. Qualquer coisa física pode ser tomada como um objeto de arte, mas isso nada tem a ver com o fato de ser ou não esteticamente agradável. Esta conexão equivocada entre estética e arte perpetuou-se em razão do apego da arte tradicional e da crítica correspondente aos aspectos morfológicos e decorativos dos objetos artísticos. “É necessário separar a estética da arte porque a estética lida com opiniões sobre a percepção do mundo em geral. No passado, um dos destaques da função da arte era seu valor como decoração. Assim, qualquer ramo da filosofia que lidasse com a beleza, e, portanto com o gosto, era inevitavelmente obrigado a discutir também a arte. A partir desse hábito surgiu a noção de que havia uma conexão conceitual entre a arte e a estética.”... (KOSUTH, 1969)17
“De fato as considerações estéticas são sempre alheias à função ou à razão de ser de um objeto. A não ser, é claro, que a razão de ser de um objeto seja estritamente estética. Um exemplo de objeto puramente estético é um objeto decorativo, uma vez que a função primordial da decoração é acrescentar algo de modo a tornar mais atrativo; adornar; ornamentar, e isso se relaciona diretamente com o gosto. O que nos leva diretamente à arte e à crítica formaslistas.” 18
Kosuth, além de absorver a influência de Duchamp, creditou a ele o ineditismo do questionamento a respeito da função da arte. Mesmo reconhecendo uma tendência a autodefinição da arte, a partir de Cézanne e através do cubismo, Kosuth define suas obras
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como tímidas e ambíguas, em comparação com o trabalho de Duchamp. Mesmo dizendo coisas novas, a arte moderna permanecia ligada aos trabalhos anteriores pela linguagem artística utilizada. O evento que concebeu a idéia de que se podia “falar outra linguagem” e isso ainda ter sentido de arte, foi o primeiro ready-made “sem assistência” de Marcel Duchamp, o Suporte para Garrafas, de 1914. Mas a verdadeira celeuma surgiu alguns anos mais tarde, com a Fonte, de 1917. Um urinol, comprado em uma loja de ferragens, assinado com um dos pseudônimos de Duchamp, “R. Mutt”, submetido ao comitê de seleção de uma exposição aberta de esculturas em Nova York. Era uma provocação. A obra foi rejeitada pelo júri e não foi exibida. Com os ready-made, Duchamp estava dizendo que a arte mudara seu foco da forma da linguagem para aquilo que estava sendo dito. Uma mudança de “aparência para concepção”. Para Kosuth, estava marcado o eclipse da morfologia da arte e se iluminava a intenção do artista e o valor contextual do trabalho de arte. Segundo análise de Gabriele Guercio,19 duas linhas de pensamento correntes na época aparentemente se encontram em Art After Philosophy. Uma delas, a que considera a intenção do artista, data provavelmente de 1934. Foi quando André Breton, para uma publicação do Minotaure, define os ready-made como objetos industriais, promovidos à dignidade de arte pela vontade única do artista. Essa definição encontra eco, posteriormente, nos escritos do grupo Art & Language. A segunda linha de pensamento originou-se somente no final dos anos 60 e dá aos ready-made o valor de um denunciador da arte como uma instituição social. É uma noção exibida nos escritos de Arthur Danto e P. Bürger. Em Transfiguração do Lugar-Comum, Danto examina a diferença ontológica entre os trabalhos artísticos e os objetos do cotidiano, algumas vezes indistinguíveis. Essa indiferenciação se vê, especialmente, após a consagração das tendências artísticas surgidas entre as décadas de 50 e 60, como a Arte Pop, o Minimalismo e a Arte Conceitual. Ele discute a idéia do fim da arte, fim de uma narrativa evolutiva da arte, desde a mimese até o
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Modernismo, que colapsa com o episódio da Brillo Box, de Warhol. A conseqüência deste colapso, segundo Danto, é a distinção entre arte (e sua crítica) e estética (como disciplina filosófica).20 Bürger, por sua vez, identifica, em Theorie der Avantgarde (1974), uma noção de vanguarda, através de uma crítica da arte como uma instituição social. Para ele, o Dadaísmo representa o movimento mais radical da vanguarda européia. 21 Em suma, duas posições primordiais apóiam as afirmações de Art after Philosophy. Uma delas é de que a arte é sempre anterior a sua materialização e, finalmente, subordinada ao agenciamento do artista. De acordo com Kosuth, a arte só poderia libertar-se das constrições morfológicas tornando-se ciente de seu funcionamento como tautologia, definindo-se a si mesma e, assim, absorvendo a função antes delegada aos críticos. Utopicamente, Kosuth pretendia promover a idéia de que a arte deveria prescindir de qualquer intermediação entre o público e o artista. Ele próprio deveria ser um analista, questionando a linguagem da arte e promovendo o contato direto com o não artista. Esta imagem do artista, como um analista que questiona a linguagem da arte, carrega certas implicações que levam a um retorno a Reinhardt. Reinhardt possuía um forte senso de responsabilidade moral do artista. Ele repudiava a idéia corrompida de um artista que não sabe o que faz, ou que quer fazer acreditar que não sabe o que faz. Para ele, havia alguma coisa errada com a imagem corrente de uma falta de controle sobre a interpretação do trabalho do artista e sua subseqüente manipulação pela mídia e pelo mercado. Em 1970, em sua Introductory Note, Kosuth atenta para o fato de que o questionamento sobre a natureza da arte torna a Arte Conceitual uma atividade tão informativa e séria quanto a filosofia. Em entrevista a Jeanne Siegel, transmitida pela WBAIFM, em Abril de 1970, quando questionado sobre o que ele quis dizer ao afirmar que um
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artista é alguém que questiona a natureza da arte, ele responde apontando a larga implicação social de sua definição de artista. A não ser que o artista assuma sua responsabilidade como pessoa e sobre as implicações sociais de seu trabalho, todo o valor da arte será submetido ao mercado e se tornará um negócio de classe alta, completa Kosuth. A partir da década de 70, Kosuth passa a estudar antropologia na Graduate Faculty of The New School of Social Research. Seus textos ganham uma crescente tonalidade social e política. Cada vez mais, ele reivindica um novo papel para o artista, mais intelectualizado, engajado e preocupado com os efeitos de sua atuação cultural. Em The Artist as Anthropologist, de 1975, o mosaico de citações que constitui a primeira parte do texto, sugere um modelo de arte enriquecida pelas possibilidades de seu entendimento dentro de um contexto social e histórico. O papel das instituições e de todo o aparato que cerca o mundo da arte, questões já implícitas em Art after Philosophy, são novamente discutidas. Agora, num contexto mais abrangente e político. Tudo isto pode ser lido como uma espécie de prelúdio para as críticas de Kosuth à ideologia cientificista, com sua lógica da neutralidade, e seu alerta de que a Arte Conceitual deve dissolver essa pretensa autonomia da arte em relação ao mundo. A arte, diz Kosuth, deve internalizar e fazer uso de sua consciência social. A falácia do Modernismo é seu posicionamento a favor de uma cultura do cientificismo. Para ele, o Modernismo oferece duas escolhas, dois caminhos: um da impessoalidade e da objetividade. O outro, de uma subjetividade idiossincrática (referindo-se ao expressionismo abstrato), logo tornada objeto do mercado da arte. Isso é arte fora do homem, uma arte que vive para si mesma. Esse chamado por uma consciência social nas artes derivou de uma crescente compreensão de Kosuth das contradições a que o conceitualismo estava submetido. Isto tinha ficado claro pelo crescente envolvimento do cenário artístico novaiorquino com as questões políticas. Durante a década de 60, uma onda de ativismo político anti-guerras havia sacudido
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Nova York. A década de 70 ganhou um tom mais teórico e marxista. Muitos artistas em Nova York passaram a escrever mais do que produzir objetos artísticos. Nesse contexto, Kosuth criou, em 1975, a revista Fox. A despeito de sua curta existência, apenas um ano, teve um importante papel na promoção de debates sobre política e arte. Entre outras questões discutidas na revista, o fracasso da arte conceitual frente à voracidade do mercado de arte, que acabou por assimilar o conceitualismo como uma mera ruptura estilística. Kosuth, nesta época, já lidava com a delicada missão de redefinir o conceitualismo, dentro de uma perspectiva antropológica. Em The Artist as Anthopologist, Kosuth reconhece que a Arte Conceitual, se tomada dentro de sua perspectiva primordial, como um modelo analítico de arte, tem uma capacidade limitada para criar uma crítica incisiva ao Modernismo. A importância desse texto não está só na sua proposta de um comprometimento social da arte. Nele, Kosuth continua a traçar um papel distintivo para o artista, num mundo pós-moderno. O que está em questão é uma percepção das condições sob as quais o artista existe no mundo e que interferem no aparato artístico. Visto como um antropólogo, o artista não deve abandonar sua faceta de analista da linguagem da arte. Deve combiná-la com uma visão da arte dialeticamente relacionada à cultura e à história. Assim, a arte deve ser entendida e criticada como uma criação do homem. O artista, analogamente a um antropólogo, deve fazer-se presente numa cultura. Não numa cultura alheia à sua, como no caso do antropólogo, mas na sua própria cultura. Deve, ao mesmo tempo, afetar e ser afetado por essa cultura, num processo dialético. Uma prática analítica da arte, como proposta pela Arte Conceitual, não poderia ser realizada numa perspectiva que mantivesse a ideologia da neutralidade, defendida pelos modernistas. Aparentemente, nessa nova etapa, Kosuth passa a manifestar objeção por uma característica assumida pelo conceitualismo que é o isolamento o que, para ele, contribuiu para um certo fracasso de suas proposições. De certa forma, The Artist as Anthropologist,
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pode ser lido como uma tentativa de correção para as ambivalências existentes em Art after Philosophy. O próprio Kosuth reconhece um isolamento nesse tipo de arte analítica, que não deixa de manter proximidade com a crença modernista de uma arte autônoma, que existe para si mesma. Essa foi uma perspectiva amplamente combatida pelo artista ao longo de seus escritos. A postura antropológica do artista, envolvido não só com a análise da linguagem da arte, mas com uma responsabilidade cultural, deveria ser uma saída para esses impasses ,diagnosticados nas propostas anteriores. Apesar disso, Art after Philosophy ainda pode ser lido como uma tentativa radical de mudança na arte, o que logo se viu, seria mais difícil de atingir do que se poderia pensar em 1969. Nos anos seguintes, Kosuth assumiu uma política que pode ser sumarizada por um princípio dialético entre a prática individual do artista ,ao lado do aparato da arte (instituição artística) e a capacidade criativa, como parte de um contexto social abrangente. Isto é o que tornava possível a existência de uma arte que produzisse sentido. Em 1977, em Within the Context: Modernism and Critical Pactice, ganha mais força a idéia, já discutida nos textos anteriores, a respeito da arte imaginada dentro de um domínio conceitual de recepção, interpretação e reciclagem de informações, sob o agenciamento do artista. O artista, tomado como um analista ou como um antropólogo, é percebido como um criador de sentido, cuja reflexão crítica é uma atividade tão importante quanto o próprio trabalho de arte. A proposta para a arte passou a defender a eliminação da dualidade entre a subjetividade do artista e a objetividade do trabalho. Não que isso pudesse eliminar as diversas possibilidades de interpretação contidas num trabalho de arte. Em outras palavras, o que Kosuth propunha era que o trabalho dos artistas conceituais trouxesse a subjetividade do artista e a discussão sobre a função da arte, ambas integradas na sociedade e na história. Nesses termos, Kosuth continua a tecer uma crítica à arte autônoma e anti-histórica postulada pelos modernistas. Kosuth desejava a humanização do trabalho de arte. Produzir sentido
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deveria levar em conta a relação entre duas subjetividades, a do criador e a do espectador. Afinal, segundo ele, sentido é feito por homens e é esse “produzindo sentido” o que nos conecta uns aos outros e ao mundo. Mais recentemente, na década de 80, Kosuth mostra seu interesse pela psicanálise, mais precisamente pela obra de Sigmund Freud. Suas referências a Freud são visíveis em um grupo de trabalhos, produzidos a partir de 1980: Cathexis ( 1980-81), Hypercathexis (1982), Fort! Da! (1985), Intentio (Project) (1985), Zero @ Not ( 1985-89), It Was It ( 1986) e Modus Operandi (1987-89). É dessa época também o texto Necrophilia Mon Amour, publicado na Artforum de Maio de 1982. Suas alusões a Freud não estão baseadas em nenhuma escola específica e nem numa aplicação particular da psicanálise, mas numa reflexão sobre a teoria freudiana em si. O artista ,disposto a reconhecer as estruturas e relações que produzem o sentido e que afetam a arte e a cultura, deve levar em conta a teoria freudiana. Para Kosuth, o que ela representava era um sistema culturalmente internalizado de crenças e um meio de ampliar o princípio de significação na arte. Em Notes on Cathexis, publicado em 1982, em conjunto com a exposição Cathexis ( Nova York), Kosuth define a intenção de compreender as condições do conteúdo. Esse processo de entendimento, finalmente, se transforma no conteúdo do trabalho. Por conteúdo, não se deve entender o sentido como um tipo de instrumento, mas as condições que permitem a construção do sentido. O material desse trabalho são relações. O desejo de Kosuth era construir o trabalho (o sentido que ele tem como arte), por baixo da superfície visível, que são fragmentos de outros discursos (um sistema de sentido). Esta série é composta de textos e fotografias invertidas de pinturas de velhos mestres e serve de convite para que o espectador a veja, para além da forma do trabalho. A pintura, o texto e as cores estabelecem essa relação de sentidos, mas são eventos momentâneos, um ponto de entendimento dessa estrutura de relações que constitui o trabalho de arte.
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Vê-se, neste período, uma forte identificação do artista com o analista freudiano e, não por acaso, com o arqueólogo. Freud, em Construções em Análise, de 1937, vê a psicanálise como um tipo de arqueologia do sujeito. Kosuth desenha um paralelo implícito entre a arqueologia e a Arte Conceitual, dotando essa última de uma função de produtora de sentido, reconhecida dentro de um contexto social. Desde Art After Philosophy, um pouco antes, talvez, Kosuth se dedica a definir e redefinir os contornos da arte, traçando para a Arte Conceitual pressupostos polêmicos e radicais, nem sempre inequívocos. Ele reconsiderou algumas de suas proposições, redefiniu conceitos, refinou sua teoria, mas mantém a essência de uma arte nascida com a missão de discutir a arte. Rompeu definitivamente com as convenções da arte moderna, sempre promovendo acirrados debates no terreno artístico. A justificativa para sua produção artística e teórica ele buscou nos filósofos analíticos, com a atenção especialmente voltada para a teoria lingüística de Wittgenstein. Kosuth explora, desde sua série Protoinvestigações, de 1965, o pensamento de Wittgenstein, estabelecendo relações entre arte e linguagem. Em 1989, foi o curador da exposição The Play of The Unsayable (Viena e Bruxelas, 1989), em comemoração ao centenário de nascimento de Wittgenstein. Essa exposição, constituída como uma grande instalação, questiona os formatos e processos tradicionalmente usados nas organizações de mostras de arte. Paralelamente a este denso trabalho teórico, desenvolve sua obra visual e determina para o artista uma função muito mais ampla e abrangente que a tradicional produção de obras de arte. Tornam-se convergentes, a partir de sua teoria, os papéis do artista, do crítico de arte, do antropólogo e do analista. As linhas traçadas por ele são, a meu ver, fundamentais para a compreensão da Arte Conceitual e, de uma maneira mais ampla, da arte contemporânea. Hoje em dia Kosuth mantém-se ativo no circuito da arte, tanto como artista quanto como teórico da arte. Vive entre Nova York e Bélgica. Desde a década de 90, seu trabalho
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tem-se alternado entre “trabalhos privados”, que exibe temporalmente em galerias e museus e obras públicas permanentes, em diversas cidades da Europa, Austrália e Ásia. Seus trabalhos, a despeito de suas duras críticas ao mercado da arte, fazem parte da coleção de vários museus pela Europa e Estados Unidos. Talvez seja impossível superar a força do mercado. Mesmo para alguém como Kosuth. Ainda hoje, ele defende uma posição para a Arte Conceitual de um movimento que vai muito além de um estilo ou um “ismo”. Ele mantém as posições que assumiu na década de 60, principalmente em relação à celeuma entre o artista, responsável por um discurso produtor de sentido, e a crítica de arte. Para ele, o principal motivo de desencontro entre os artistas contemporâneos e os historiadores e críticos é a negligência desses últimos em relação às intenções do artista, na produção de seu trabalho. A maior parte dos artistas contemporâneos tem questionado a primazia do objeto em sua proposta criativa, enquanto os historiadores e críticos seguem aferrando-se ao mesmo para o desenvolvimento de seu trabalho. (KOSUTH, 2003).22 Nas páginas que se seguirão, tentarei estabelecer, a partir dos textos de Kosuth, o que foi a essência da Arte Conceitual, suas relações com o Modernismo e com a crítica correspondente, sua relação com a filosofia e com a teoria da linguagem de Wittgenstein.
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One and Three Chairs, 1965
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One and Three Chairs : Esta é uma das primeiras obras de Kosuth dentro de seu programa de Protoinvestigações, em que atualiza o pensamento de Wittgenstein e a relação que estabelece entre a arte e a linguagem. Estão em evidência os elementos constituintes da linguagem, assim como o processo de produção artística. Está eliminada a aura do objeto artístico e a habilidade técnica do artista como produtor de arte. Afinal, o que Kosuth entende por arte nos leva a uma dimensão em que a produção de sentido se dá fora do campo formal. Não posso deixar de pensar na relação de similitude que Magritte nos apresenta com a pintura do cachimbo e a frase que a nomeia: “Ceci n´est pas une pipe”. O desenho ingênuo e o enunciado simples que o comenta. Seria um “mal-escrito”, um mal-entendido? Magritte denuncia que uma imagem não deve ser confundida com um aspecto do mundo nem com alguma coisa de tangível. A pintura denuncia a semelhança, que é um ato essencial do pensamento: “A semelhança é um pensamento suscetível de tornar-se visível pela pintura [...] Uma imagem da semelhança mostra tudo o que ela é, quer dizer, uma reunião de figuras onde nada é subentendido”.
Isto é uma cadeira... Isto não é uma cadeira... Uma cadeira é... As cadeiras são três. Ao contrário do cachimbo de Magritte, a cadeira de Kosuth é uma cadeira real. Poderíamos nos sentar nela. A segunda cadeira, a fotografia, é a imagem que aponta para a relação de similitude. Esta não é uma cadeira. É a representação da cadeira. Mas há ainda a terceira cadeira. Nela, a relação de similitude está criada pela palavra, que dá nome, que descreve convenientemente o objeto, o mundo.
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Nosso pensamento é, então, impelido ao esforço de associar, simultaneamente, o objeto, sua imagem e sua descrição verbal. Os três elementos submetem-se uns aos outros. Formam uma unidade visível, sem hierarquia de nenhum sistema discursivo. Separa-los, seria uma mutilação no seu sentido. Kosuth nos apresenta os elementos da linguagem. A palavra, o verbo, existe para delimitar um sentido. Uma cadeira é sempre uma cadeira. Não pode ser nada além de uma cadeira. Ironicamente, entretanto, a cadeira de Kosuth pode ser substituída por qualquer outra cadeira, infinitamente, a cada nova montagem da instalação. Mas as três cadeiras permanecerão sempre justapostas, pela intenção do artista. O conjunto é visualmente simples. One and Three Chairs pode ser julgado pela sua obviedade ou, por outro lado, como um complexo arranjo de signos. O espectador, quando vai além da mera visualidade, é obrigado a se perguntar: o que é real aqui? O que é real, na intenção de Kosuth, é a relação estabelecida pela linguagem e evidenciada pela cadeira, que é uma e é três. “O famoso cachimbo... Como fui censurado por isso! E entretanto... Vocês podem encher de fumo, o meu cachimbo? Não, não é mesmo? Ela é apenas uma representação. Portanto, Se eu tivesse escrito sob meu quadro: ‘isto é um cachimbo’, Eu teria mentido.”
( René Magritte)
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II - A arte conceitual e o modernismo:
Passo agora ao segundo momento dessa análise. Tendo feito a apresentação de Joseph Kosuth e dos aspectos principais de seu trabalho, tratarei de situar sua teoria para a Arte Conceitual. A história, nesse caso, traz argumentos indispensáveis para uma compreensão mais abrangente do que se tratou, afinal, esse movimento tão controverso. As relações ideológicas que os artistas da época estabeleciam entre si, com o público e com a crítica especializada, suas concepções da arte, da política, da vida de uma maneira geral, merecerá uma análise nessa etapa. É de especial interesse os pontos de conflitos entre a teoria da Arte Conceitual e os paradigmas, até aquele momento, consolidados pelo Modernismo. Para ser mais exata, refiro-me ao tipo de arte que, após 1945, passou a ser celebrada como Expressionismo Abstrato ou Pintura Americana. Não existe uma uniformidade na arte moderna americana, se considerarmos as primeiras décadas do século XX, até o período que ficou consolidado na história da arte como Modernismo. A mudança drástica nos paradigmas teóricos e práticos da arte americana, do período naturalista ou social-realista, de 1930 até mais ou menos 1940, para a fase de abstração pictórica, explica-se, em grande parte, pela atuação de certos críticos e historiadores. Em particular, Clement Greenberg. Ainda que não se possa falar de uma única forma de arte modernista, Greenberg teve seu período de glória entre artistas e críticos da arte, entre as décadas de 40 e 50, influenciando os acontecimentos no cenário artístico americano dessa época. Foi uma importante figura para o que ficou conhecido como Expressionismo Abstrato. A despeito de sua fama de déspota, foi um crítico de relevo e um estudioso dedicado da história e filosofia
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da arte. Apesar de publicar desde 1939, seus escritos ganharam maior relevo, a partir de fins da década de 40 e início de 50, influenciando ativamente a carreira de diversos artistas e o pensamento de jovens críticos, como Michael Fried. A arte americana do século XX pode ser dividida em dois momentos bem marcados. As razões não são meramente didáticas. Vê-se, de fato, uma verdadeira ruptura entre os valores do período anterior à Segunda Guerra Mundial e o período pós-guerra. Antes de 1945, as instituições de arte americanas demonstravam pouco interesse pela arte moderna nacional, tida como secundária, em relação aos artistas e movimentos europeus. A pintura dos anos 30 refletia uma sociedade enraizada numa auto-imagem doméstica, provinciana, com formas de produção artística baseadas em perspectivas “realistas”. De uma maneira geral, as pinturas dessa época revelam o apego a uma função da arte como elemento de autodefinição de uma sociedade. A partir de meados da década de 40 e início de 50, há uma abertura da sociedade norte-americana para a cultura internacional e um desprezo ao provincianismo das obras regionais. Além disso, a Europa, desgastada pela guerra, perde o poderio econômico e cultural e deixa de ditar as regras no mercado da arte. A arte dos anos 50, nos Estados Unidos, é decididamente abstrata, universalista e desapegada das preocupações sociais. Em Pintura à Americana, texto de 1955, Greenberg avalia a importância do fenômeno “expressionismo abstrato” para a pintura norte americana, sobretudo em Nova York, na década de 40. Muitos dos nomes ovacionados nesse período tiveram suas carreiras alavancadas pela crítica favorável de Clement Greenberg. É o caso de Arshile Gorky, Willem de Kooning, Hans Hofmann e Jackson Pollock. É claro que não podemos dizer que a arte é determinada por uma visão crítica específica. Sabemos, porém, que ela é determinada também por um mundo que está além do atelier. Um mundo que produz idéias sobre a arte e a institucionaliza. As relações entre arte e crítica de arte são questões para uma investigação ampla. Essas relações são problematizadas
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nos textos de Joseph Kosuth. Como já vimos, ele combatia o autoritarismo do crítico de arte ( e das instituições ) e instigava o artista a produzir uma crítica do seu próprio trabalho em andamento. Em referência direta aos expressionistas abstratos, Kosuth dizia que suas obras costumam ser “ejaculações”, apresentadas na linguagem morfológica da arte tradicional. A única importância que teve Pollock, segundo ele, foi a criação de um método novo de pintura, fora do cavalete e não suas noções de auto-expressão. Essa importância terminou quando ele passou a pendurar esses drippings na parede. Greemberg distinguia aspectos bons e ruins no Expressionismo Abstrato. Acreditava, mesmo assim, que esse era o tipo de pintura que se podia classificar como uma arte maior e ambiciosa, com a grande missão de desbancar o provincianismo da arte moderna americana:
“Se eu disser que desde os dias do cubismo não se viu uma galáxia de pintores vigorosamente talentosos e originais como a formada pelos expressionistas abstratos, serei acusado de exagero chauvinista, ou até de falta de senso de proporção. Mas será que posso ao menos sugeri-lo?” (Greenberg, 1955 ). 2
O que se converteu em uma vantagem adicional, foi a distância que os Estados Unidos da América mantiveram da guerra e a presença no país, durante os anos da guerra, de artistas europeus como Mondrian, Léger, Chagal, Ernst e Lipchitz, bem como de críticos, marchands e colecionadores. Os pintores expressionistas abstratos assimilaram a arte importante dos períodos anteriores, com Klee, Miró, Picasso e Matisse. Segundo Greenberg, todos eles partiram da pintura francesa, adquiriram dela seu senso básico de estilo e mantiveram algum tipo de continuidade com ela. Talvez por isso mesmo, o Expressionismo Abstrato tenha sido o primeiro fenômeno na arte norte americana a conquistar o respeito de um setor considerável da vanguarda parisiense. A grande ousadia dos expressionistas abstratos foi ultrapassar as
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convenções “dispensáveis” da pintura anterior, das quais receberam influência. Assim, segundo Greenberg, superaram Miró, Klee, Kandinsky e o cubismo de Picasso. As pinturas, para um olhar não iniciado, parecem repousar em demasia no acidente, no capricho, nos efeitos fortuitos, registrando apenas uma espontaneidade desgovernada. Mas para Greenberg, devem sua realização a uma disciplina mais severa do que a que pode ser encontrada em outras áreas da pintura contemporânea. A arte “avançada” ou “ambiciosa” dos expressionistas abstratos testa os limites das formas e gêneros herdados e do próprio meio. Assim o fizeram, à sua época, os impressionistas, os fauvistas, os cubistas e os neo-plasticistas, como Mondrian. Na década de 60, Greenberg dedicou-se à teorização e à valorização de um novo tipo de pintura, que se seguiu ao Expressionismo Abstrato e que recebeu o nome de “Abstração Pós-Pictórica”. (Pós-pictórica porque, na sua opinião, dava seguimento e ao mesmo tempo contrastava com o estilo associado a Pollock). Já havia quase duas décadas de nascimento do Expressionismo Abstrato. Ele já não tinha mais a mesma qualidade inovadora que desconcertou o mundo, na década de 40. Como outros estilos, teve seus altos e baixos. Tendo produzido arte de importância maior, para ser fiel às palavras de Greenberg, transformou-se numa escola, depois numa maneira e, finalmente, num conjunto de maneirismos. Seus pioneiros passaram a ser imitados e seus imitadores passaram a imitar a si mesmos. Tornou-se uma moda, a ser substituída por outra moda, a pop art, à qual Greenberg nunca chegou a dar seu aval. “ Por mais divertida que seja a pop art, não a considero realmente original. A pop art desafia o gosto apenas superficialmente. Até agora ( com exceção, talvez, de Jasper Johns ), a pop art equivale a um novo episódio na história do gosto, mas não a um episódio autenticamente novo na evolução da arte contemporânea.” ( Greenberg – 1964) 3
Um novo episódio na evolução da arte contemporânea, segundo Greenberg, foi um tipo de pintura surgida como reação contra a estandardização que tinha se transformado o
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estilo expressionista abstrato. Esse novo tipo de pintura trazia uma clareza linear, uma abertura estrutural, que mostrava uma nova expressividade. A maior parte desses novos pintores aprendeu com a abstração pictórica dos expressionistas. O fato de tomarem um novo caminho não constituía um retorno ao passado. Seu propósito era ilustrar uma tendência na pintura abstrata. Nessa nova fase, Greenberg passa a dar atenção especial a novos pintores, como Kenneth Noland e Morris Louis. O trabalho de ambos tinha características parecidas. Tinham grandes dimensões, eram abstratos e pintados em acrílico. Os dois realizavam pinturas que exploravam propriedades relativamente novas na época. A tendência a uma representação não figurativa, vejamos, não surgiu e não terminou com o Expressionismo Abstrato, embora ele tenha firmado sua solidificação na arte moderna americana. Quando, em 1913, Malevich colocou um quadrado negro sobre um fundo branco, ele afirmava que “a arte não deseja mais ilustrar a história dos costumes, não quer ter mais nada a ver com o objeto como tal e acredita que pode existir em si mesma, sem as coisas”. Com isso, ele lançou os alicerces para uma arte desligada de propósitos utilitários e afastada da função de representação realista. O Suprematismo sustentava “uma posição estética em que a construção de um objeto apontaria para uma geometria imediata e legível”. 25 Na verdade, os suprematistas, a despeito da distância temporal, precederam os minimalistas na crença de que uma obra de arte deve ser completamente concebida pela mente antes de sua execução. No Minimalismo, todas aquelas prioridades que o Expressionismo Abstrato, com seus excessos de profunda subjetividade, tinha infundido na arte durante a década de 50, passaram a ser rejeitadas com maior força. O Minimalismo trazia um desprezo ao objeto canônico, um apelo ao racionalismo, uma valorização do rigor conceitual na arte. Opunha-se aos valores do Expressionismo Abstrato, que predominou nos Estados Unidos, durante a década de 50. A expressão tridimensional foi característica minimalista marcante, mas não se tratava exatamente de escultura. Define-se melhor como objetos. Judd, em especial, viu sua
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atividade como uma alternativa para as convenções da pintura e da escultura. Ele foi um dos artistas minimalistas que teve grande influencia na Arte Conceitual. A arte do final dos anos 50 e começo dos 60, nos Estados Unidos e na Europa, foi pontilhada de esforços protoconceituais, pós-duchampianos, contextualizados e postulantes do não-objeto. Em sua grande maioria, porém, segundo Roberta Smith, esses esforços permaneceram na periferia da corrente modernista predominante. Geralmente, nas imediações de carreiras dedicadas à pintura e à escultura. Nessa vertente, Smith avalia o Desenho apagado de De Kooning, de Robert Rauschenberg, de 1953, algumas performances do grupo Fluxus e happenings ,organizados por jovens artistas de Nova York. Foi só a partir de meados da década de 60 que a contribuição revolucionária de Duchamp foi retomada e ganhou nova dimensão, na leitura dos artistas conceituais. O conceitualismo emergiu em fins da década de 60, num momento histórico fecundo, marcado por um inconformismo na política e nas artes, que inquietava estudantes e jovens intelectuais. Os Estados Unidos da América viviam uma crise política que, em grande parte, girava em torno das reações de oposição ao militarismo e ao racismo. Até o final de 1968, 30.500 americanos haviam morrido na Guerra do Vietnã e o governo gastava 30 bilhões de dólares por ano com a guerra. Protestos violentos assolavam os quatro cantos do país, a maioria liderada por grupos estudantis hostis à burocracia e às desigualdades sociais. Ao lado da violência dessas manifestações, havia um espírito utópico, de romântica rebeldia, que apoiava os happenings, a música, as comunidades, a maconha, o power flower e o amor livre. Como movimento artístico, o conceitualismo nasce de uma tendência de negação aos preceitos aos quais estava submetida a arte tradicional, em relação aos elementos formais e às instituições e mercado da arte. Àquela altura, o Modernismo estava consolidado como paradigma teórico e prático. Em grande parte, isto se deveu aos escritos de Clement Greenberg e às reações que suscitaram
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em artistas e críticos mais jovens. Desde o sucesso atingido pelo Expressionismo Abstrato, na década de 50, Greenberg passou a ser visto de maneira ambígua. Por um lado, como uma fonte de apreciação sobre a arte posterior e, por outro lado, como um alvo natural para os que se opunham aos valores difundidos pelo Modernismo. A pintura moderna “ambiciosa” ou “importante”, segundo as referências greenberguianas, tendia para uma eliminação da ilusão de tridimensionalidade, para uma rendição à resistência de seu meio, ou seja, a planaridade da tela e para o abandono do trompe l’ loeil. A abstração era a conseqüência necessária do desenvolvimento da arte, em busca daquilo que Greenberg considerava como arte pura, despida do desejo estéril de imitação da natureza e voltada para as questões intrínsecas a seu meio de expressão. Como ele afirma em Rumo a um mais novo Laocoonte, de 1940,
“A história da pintura de vanguarda é a de uma progressiva rendição à resistência de seu meio; resistência esta que consiste, sobretudo na negativa categórica que o plano do quadro opõe aos esforços feitos para atravessá-lo em busca de um espaço perspectivo-realista. Através dessa rendição, a pintura se desembaraça não só da imitação - e com ela da “literatura”- como também do corolário da imitação realista, a confusão entre pintura e escultura. ( A escultura, de sua parte, enfatiza a resistência de seu material aos esforços do artista para submete-lo em formas não características da pedra, do metal, da madeira, etc.) A pintura abandona o claro-escuro e a modelagem sombreada...”26
Esse direcionamento dado à arte pelos críticos modernistas, seja para a pintura, seja para a escultura, corresponde ao efeito de uma política defendida, sobretudo por Greenberg, de construção de uma arte autônoma. A arte moderna, desde Cézanne, oferecia a promessa de libertação de uma tradição acadêmica, por meio da ênfase sobre a forma pictórica, independente da representação. Os modernistas eram contrários à idéia de arte como uma “janela” aberta para o mundo, um dos paradigmas da representação. A concepção veiculada pela arte moderna propunha uma arte livre de traços narrativos ou descritivos e apontava na direção de uma abstração. A abstração falava da busca de uma essência pictórica e de uma arte que eliminava as referências com um mundo exterior distinguível.
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Mesmo tendo um trabalho restrito às artes plásticas, Greenberg tentava situar a especificidade de cada uma das linguagens artísticas, sobretudo a pintura. Ele afirmava uma competência específica de cada meio artístico e condenava uma “impureza” ou “contaminação”, indesejável, da pintura por outros meios artísticos, concepção compartilhada por Michael Fried. A representação seria, para os críticos modernistas, uma contaminação da pintura. Estaria implícita, na representação, uma legibilidade da imagem, trazendo para a pintura um significado que não é ela mesma. Essa legibilidade da imagem carrega uma analogia com os sistemas discursivos e os críticos modernistas não concordavam que a legitimação da arte pudesse residir em processos lingüísticos, pensamento contrário ao dos artistas conceituais. Segundo Greenberg, a literatura, por razões históricas, havia conquistado uma ascendência em relação às outras artes, nos séculos XVII e XVIII. Foram os efeitos da literatura que a pintura e a escultura se esforçavam para atingir. Com isso, a ênfase do trabalho artístico estava transferida para o tema e não para o conteúdo, que deveria estar voltado para os meios específicos da pintura e escultura. A edição da Artforum, de setembro de 1970, trazia um artigo do crítico de arte Michael Fried, cujos artigos e catálogos contribuíram muito para consolidar o status de vários artistas modernistas. O título era “The Artist and Politics: A Symposium”. O texto consistia nas respostas de artistas à seguinte pergunta: Qual é a sua posição com respeito aos tipos de ação política que devem ser empreendidos pelos artistas? As respostas foram previsivelmente heterogêneas. Uma delas foi a do crítico e pintor Walter Darby Bannard, amigo e colega de Fried. Foi Bannard quem apresentou o artista Frank Stella a Clement Greenberg, em 1958. Ele e outros artistas faziam parte do que foi chamado de “ Greenberg e o grupo”, uma poderosa formação social no mundo artístico de Nova York. Bannard respondeu que cada artista deve
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empreender a ação política que preferir, pois as coisas da política não devem afetar a produção da arte. A resposta de Bannard exemplifica bem a visão modernista de Greenberg e Fried, para quem a “tendência da arte ambiciosa tem sido tornar-se cada vez mais preocupada com questões e problemas intrínsecos a si mesma”. A política de autonomia, característica marcante do Modernismo, desde as primeiras décadas do século XX, foi uma importante área de disputa entre o Modernismo e a Arte Conceitual. Para os que se opunham a Greenberg, havia um paralelismo entre a autonomia e o exílio, como se a arte autônoma chegasse inevitavelmente a um solipsismo. A “arte pela arte” era acusada de isolar o artista de seu público e das questões ideológicas, intrínsecas à política e à sociedade. Porém, a forma como Greenberg se refere à autonomia artística, sugere uma visão mais ampla, enraizada na sua defesa de uma arte pura, superior e na crença de que a arte não deve se ocupar de nada além daquilo que diz respeito explicitamente a ela. A arte tem um fim em si mesmo, que não deve ser confundido com a moral ou a lógica. A arte pura deve libertar-se do tema e ater-se ao conteúdo. Na teoria de Greenberg, o conteúdo está nos elementos formais da obra de arte. Tudo o mais é circunstancial e supérfluo. Afasta-nos da arte. O artista, dizia Greenberg, quando faz arte, deve estar preocupado com a arte, ainda que esta preocupação não se manifeste em sua consciência. Como ser humano, apartado de seu fazer artístico, que ele demonstre sua preocupação com a sociedade. Kosuth criticava essa neutralidade cientificista pretendida pela arte modernista. Incitava o artista a uma posição ativa dentro da sociedade. Para ele, não se separa o homem de sua atividade e o artista tem um dever ético com a sociedade. De que maneira a Arte Conceitual discute a sociedade? É uma pergunta cabível já que a arte, também para os artistas conceituais, deve discutir a própria arte. Não é isso que quer dizer a tão afamada sentença de Reinhardt “ Art as Art”? E “ Art as Idea as Idea” não nos conduziria também ao mesmo
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solipsimo ,do qual se acusara à arte modernista? Um solipsismo ainda mais radical, se levarmos em conta a premissa de que a arte pode existir apenas no pensamento do artista. Num sentido óbvio, não é fácil definir em que ponto há uma atuação política dos artistas conceituais. Mas a Arte Conceitual não é óbvia, em nenhum de seus aspectos. Exige uma análise mais fina dos seus elementos. Quando Kosuth faz uma analogia entre o artista e o antropólogo ele, na verdade, propõe uma atividade artística envolvida com a realidade social. A “arte antropologizada” retrata e concebe uma sociedade. Em termos diferentes, porém, da antropologia e da filosofia, pois a arte é manifestada na práxis. Enquanto retrata, relaciona-se dialeticamente com essa sociedade, de uma maneira histórica (num sentido de memória cultural) e contemporânea (fabricando uma realidade presente). Nas proposições dos artistas conceituais, há uma crítica legítima aos valores da sociedade de consumo, que transforma tudo em objeto descartável de comércio. Em contraste com a gratificação imediata dos artefatos e entretenimentos da cultura de massa, os trabalhos da Arte Conceitual e da arte contemporânea, de maneira mais ampla, parecem especializados e obscuros, se não esotéricos e elitistas. Kosuth via a grande dificuldade que a sociedade do final do século XX tinha em fazer distinção de sentido, fora das relações de poder econômico. Ele chamava isso de crise de sentido (meaning crisis). Via a concepção científica da vida como uma das responsáveis por isso. A arte teria, segundo ele, essa missão de suprir uma sociedade carente de sentido. Quando se faz uma crítica ao Modernismo, é preciso não perder o foco dessa crítica. Se, por um lado, a arte autônoma trazia a possibilidade real de uma liberdade nunca antes experimentada, por outro lado, essa liberdade implicava em alguns perigos. Quem teria autoridade para dizer se uma determinada configuração pictórica constituía um todo harmônico e estético? Na prática, tornou-se uma arte dependente da autorização de um outro, exterior ao processo de criação, o crítico de arte. Foi esse um dos problemas que Marcel Duchamp ressaltou ao inventar os ready-mades não assistidos. Na verdade, além de botar em
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cheque a validade das apreciações estéticas para a arte, ele queria dizer que é o artista quem detém o poder de validação de um trabalho de arte. Ele o autoriza, quando o nomeia como arte e se autoriza a si mesmo como artista. As críticas acirradas à crítica da arte, sobretudo aos críticos do Modernismo, foram recorrentes nos escritos de Kosuth. A Clement Greenberg, o crítico modernista por excelência, Kosuth chamou “o crítico do gosto”. Queria dizer com isso que suas críticas, fundamentadas na morfologia da obra de arte, baseavam-se em considerações estéticas e refletiam seu próprio gosto. Michael Fried, cujas descrições detalhadas de pinturas são, para Kosuth, apenas a exibição de uma erudição, também não mereceu avaliações mais condescendentes. Os limites conceituais do Modernismo e do futuro Conceitualismo já se esboçavam à altura da Primeira Guerra Mundial. O Modernismo, porém, sobreviveu e tornou-se hegemônico, apesar das vanguardas críticas que se desenvolviam, desde o início do movimento: o Dadaísmo, o Surrealismo e o Construtivismo. Entretanto, a aparente coerência da pintura, da escultura e da crítica modernistas, sobretudo no início dos anos 60, foi obtida graças a uma série de exclusões. Eram continuamente menosprezados pela crítica modernista o trabalho dos dadaístas, as fotomontagens, os artistas da pop art e outras modalidades vanguardistas da arte dos anos 50 e 60. Eram classificadas em termos imprecisos, como “montagem”, “performances” ou “happenings”, por exemplo. A Arte Conceitual só veio a se desenvolver de fato no final da década de 60, estendendo-se ao longo da década de 70. Muitos dos temas recorrentes da vanguarda, como a identidade da obra de arte, a relação entre arte e linguagem, a relação da arte com o mundo da produção de mercadorias, além da pergunta sobre a função do artista, podem ser vistos como seus prefiguradores. Joseph Kosuth, com seu trabalho plástico e sua teorização, propondo uma reavaliação da arte como um todo e da figura do artista, teve enorme destaque neste período.
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Dentro dessa análise das relações entre a Arte Conceitual e seu contexto histórico, é preciso estabelecer um sentido mais restrito para o termo “conceitual” do que este que é usado amplamente e que, na realidade, pouco define. Mesmo os historiadores da arte referem-se à Arte Conceitual como um movimento vanguardista, bastante heterogêneo, que pode dizer respeito a qualquer manifestação artística pós-moderna que se contraponha aos pressupostos da arte tradicional. Exemplo ilustrativo dessa realidade é o modo como Roberta Smith inicia seu texto sobre arte conceitual:
“ Em meados da década de 60, teve início um vale-tudo em arte que durou cerca de uma década. Este vale-tudo, conhecido como arte conceitual, ou de idéias, ou de informação – junto com um certo número de tendências afins rotuladas variadamente como arte corporal, arte performática e arte narrativa - , fazia parte de uma rejeição geral desse artigo de luxo único, permanente e, no entanto, portátil (e, assim, infinitamente vendável) que é o tradicional objeto de arte.” 27
Visto desse modo, desde que um artista produza algum tipo de arte que questione a validade do tradicional objeto de arte, feito para a contemplação, ele pode ser chamado de um artista conceitual. Esse termo, assim como outros que se tornaram sinônimos, como arte-linguagem ou conceitualismo, passou a ser empregado em meados da década de 60. Designavam uma multiplicidade de atividades artísticas, com base na linguagem, fotografia e outros processos, como performances e happenings. Num contexto de modificações políticas e culturais, criticavam as instituições artísticas e reviam a própria arte e seus cânones. Arte Conceitual passou a carregar uma variedade de significados e conotações. Por um lado, pode ter um caráter pejorativo e zombeteiro, empregado por aqueles que ainda esperam da arte a velha e reconhecível feição. Por outro lado, é identificada com qualquer prática que não tenha encontrado sua classificação ou justificativa. A arte como idéia foi decomposta e desdobrada em arte como filosofia, como informação, como lingüística, como matemática, como autobiografia, como risco de vida, como piada, etc.
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Kosuth mostrava-se insatisfeito com esse esfacelamento nos contornos da Arte Conceitual e fazia críticas às novas práticas, novas operações artísticas que tinham se tornado uma tendência nos anos 60. Ele falava de um cisma na Arte Conceitual, entre os conceitualistas teóricos, entre os quais se incluía, assim como a Terry Atkinson e Michael Baldwin e os conceitualistas “estilistas”, aqueles que tomavam a Arte Conceitual como um estilo alternativo dentro do modernismo. Para Kosuth, seguindo uma concepção defendida pelo grupo de artistas britânicos Art & Language, o trabalho teórico sobre arte pode ser considerado como trabalho de Arte Conceitual. Para ele, uma boa parte dos trabalhos desta época, excetuando-se o do grupo Art & Language e os seus próprios, é claro, consistiam em experimentações morfológicas e estilísticas. Sob essa avaliação, ele desqualifica trabalhos de artistas como Morris, Serra, Hesse e outros que, embora representem um avanço em relação às tendências formalistas ou antiformalistas, não deveriam ser considerados Arte Conceitual no sentido “mais puro” do termo. O grupo de artistas britânicos Art & Language foi um dos pioneiros da Arte Conceitual e deu grandes contribuições para o estabelecimento dos seus princípios teóricos, tendo como veículo de sua prática artística Art-Language: The Journal of Conceptual Art. Kosuth tornou-se o editor da revista nos Estados Unidos. Os editores fundadores da revista britânica mantiveram contatos permanentes com os artistas americanos Sol LeWitt e Dan Graham, estabelecendo relações entre a Arte Conceitual na Inglaterra e nos Estados Unidos. Quem primeiro empregou a expressão “arte conceito” foi o escritor e músico Henry Flynt, já em 1961, associada às atividades do grupo Fluxus de Nova York. Aparentemente, o termo tornou-se corrente em associação às atividades de Robert Barry, Douglas Huebler, Kosuth e Lawrence Weiner, na América, e as do grupo Art & Language, na Inglaterra. Segundo ele, “arte conceito” é, acima de tudo, um modo de arte no qual o material são os conceitos. Uma vez que conceitos vinculam-se à linguagem, a arte conceitual teria por
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material a linguagem. Lucy Lippard comentaria que a leitura de Flynt da “arte conceito” ,baseada no Fluxus, tinha poucos vínculos com o que ela acreditava constituir a arte conceitual em Nova York, na segunda metade da década de 60. Segundo Lippard, poucos artistas que produziam em Nova York, naquela época, tinham o mesmo entendimento de Flynt a respeito da arte conceitual. Segundo Roberta Smith (1981), foi Edward Kienholz quem cunhou o termo arte conceitual, no início da década de 60, mas, de acordo com sua indicação, só ganhou uma consistência teórica em 1967, com os escritos de Sol LeWitt.28 LeWitt publicou os seus “Parágrafos sobre Arte Conceitual” em 1967, seguidos das “Sentenças sobre Arte Conceitual”, em 1969. Ambos refletem a nova tendência nas artes visuais e renovam questões surgidas com o trabalho de Duchamp. Esses textos marcam a introdução da linguagem como meio de reconstrução do significado do objeto artístico e esboçam reflexões acerca dos processos que envolvem a arte, como o fazer artístico, a concepção do objeto de arte e seu destino:
“Vou me referir ao tipo de arte em que estou envolvido como Arte Conceitual. Na Arte Conceitual, a idéia do conceito é o aspecto mais importante da obra... A idéia se torna a máquina que faz a arte. Esse tipo de arte...normalmente é livre da dependência da habilidade do artista como um artesão.” 29 “ A própria idéia, mesmo no caso de não se tornar algo visível, é um trabalho de arte tanto quanto qualquer produto terminado.”30 “Quando palavras como “pintura” e “escultura” são usadas, elas conotam toda uma tradição e em conseqüência implicam uma aceitação dessa tradição, impondo assim limitações ao artista, que relutaria em fazer uma arte que fosse além das limitações.”31 “Idéias em si podem ser trabalhos de arte; estão em uma cadeia de desenvolvimento que eventualmente pode achar alguma forma. Nem todas as idéias precisam ser transformadas em algo físico.” 32
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Assim como há discussões a respeito do nome, as origens e o legado da arte conceitual não são de modo algum consensual. As críticas do período e os relatos históricos surgidos mostram uma miscelânea de observações, embates verbais e referências teóricas não raramente confusas e imprecisas. Paul Wood cita a guerra promovida na imprensa por membros do grupo inglês Art & Language, em meados da década de 90, com relação à história de suas atividades na década de 70. Em 1989, no catálogo dedicado à exposição L’art Conceptuel, no Centre Pompidou, em Paris, Joseph Kosuth rebate veementemente as acusações do historiador Benjamim Buchloh de que o artista teria mentido sobre seu verdadeiro papel nas origens do movimento. A própria crítica Lucy Lippard, já em 1973, recebeu duras condenações de Mel Bochner a seu Livro Six Years, uma espécie de compilação da Arte Conceitual entre 1966 e 1972. De um modo geral, há uma tendência na história da arte de se ampliar o alcance da Arte Conceitual para além dos limites do eixo anglo-americano, onde efetivamente ela se estabeleceu, especialmente entre 1965 e 1975. É comum ouvirmos que sobre o terreno arado pela Arte Conceitual estabeleceu-se quase toda forma da arte contemporânea ocidental. É o que afirma, por exemplo, uma recente compilação de ensaios intitulada Rewriting Coceptual Art, de 1999. Também nesse ano, uma importante exposição organizada em Nova York, com o título Global Conceptualism, parece sair em defesa de um conceitualismo generalizado. Acreditar nisso seria um exagero e uma omissão desconsiderar a importância das reformulações promovidas por esse movimento. A Arte Conceitual pulverizou-se em uma diversidade de meios. Sua proposta original, a de um tipo “analítico” de arte, perdeu-se ao longo do tempo. Joseph Kosuth é citado por muitos teóricos como um artista conceitual “puro”, principalmente quando se analisam suas atividades entre os anos de 1965 e 1975. Sua primeira utilização pública do termo Arte Conceitual, em relação a seu próprio trabalho, foi no catálogo da exposição
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intitulada Non-Anthropomorphic Art, na Lannis Gallery. Foi em referencia a uma série de trabalhos chamados Double Sized Models, anteriores à série Art as Idea as Idea e contemporâneos às investigações com os diversos estados físicos da água. Segundo ele, a razão para começar a chamar suas atividades de conceituais foi enfatizar o fato de que a arte não está no material usado. Para ele, a matéria é apenas um meio transitório a serviço da arte. Do mesmo modo, o sentido de uma fala não está no fonema. Uma vez compreendido isso, diz Kosuth, compreende-se que toda arte é conceitual. Ele evita lidar com o conceito como objeto, pois assim, explica, estaria trabalhando dentro de uma concepção predominantemente formalista. Para ele a idéia ou o conceito é o trabalho de arte em si. É na idéia que se apresenta o verdadeiro contexto criativo. A forma é, para Kosuth, apenas uma criação a serviço da idéia. O uso de objetos só se justifica se funcionarem como ferramentas capazes de promoverem discussões sobre as questões inerentes à arte. Ele prefere chamar seu trabalho de uma investigação ou uma proposição em arte e rejeita os termos pintura e escultura. Uma das razoes para isso é que o termo arte denota o contexto geral de sua atuação. Pintura e escultura descrevem qualidades particulares dos materiais que podem ser usados dentro de sua investigação. Além disso, há uma grande desvantagem nesses termos específicos, que é a limitação que impõem à arte. Esse limite seria contrário à natureza da arte. É isso que justifica a atividade de um artista: a investigação (conceitual) sobre a natureza da arte. O termo arte, então, refere-se a uma atividade e não a qualquer resíduo físico que possa resultar dessa atividade. Quanto ao uso das palavras, Kosuth diz que foi uma solução pessoal para problemas pessoais, quer dizer, os problemas formais da arte. O texto é o resultado necessário da Arte Conceitual porque não necessita de uma linguagem adicional para o claro entendimento dos termos. As imagens, na visão de Kosuth, não têm essa mesma autonomia. É um pensamento que encontra bases em alguns lingüistas de tradição Saussuriana e em alguns semiólogos,
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como Roland Barthes, por exemplo. Barthes, em Elementos de Semiologia, de 1964, define a linguagem humana como o principal sistema de signos dotado de profundidade sociológica. A Semiologia tem por objeto qualquer sistema de signos: as imagens, os gestos, os sons, os objetos e os complexos dessas substâncias que se encontram nos ritos, etc. Apesar da capacidade de significação da qual a imagem é dotada, na sua visão, ela não constitui um sistema autônomo. Qualquer sistema semiológico, por mais que constitua um sistema de significação, repassa-se, necessariamente, de linguagem. Mesmo os objetos só alcançam um estatuto de sistema quando passam pela mediação da língua, que lhes dá o nome (significante) e função (significado). Sentido só existe onde há nomeação e o mundo dos significados é o mundo da linguagem. Barthes traça uma via de relações estruturais entre a linguagem e as imagens, objetos ou qualquer outro sistema de significação e coloca a linguagem numa posição hierarquicamente superior. 33 Quando deixou de pintar, a primeira coisa que produziu foi uma peça de vidro, em que conseguia evitar os problemas de composição, como o problema da cor e da forma. Any Five Foot Sheet of Glass to Lean Against Any Wall consegue escapar dos problemas formais e cria uma ambigüidade, uma vez que não é um trabalho de escultura e nem um trabalho de pintura. Uma concepção bem próxima aos objetos minimalistas. Em 1965, começa a desenvolver trabalhos em que mistura texto e objeto e mais tarde prescinde dos objetos para usar somente definições. Foram assim seus trabalhos iniciais no terreno da Arte Conceitual. A série First Investigations, de 1967, sub intitulada Art as Idea as Idea é sua primeira tentativa explícita de romper com os processos formalistas da arte. Ele começou usando cópias fotostáticas de definições dicionarizadas de materiais com os quais vinha trabalhando (ex. water). Neste caso, ele diz, a água tem uma qualidade especial que é sua indeterminação formal. Ele tentava chegar a um estado de abstração antiformal e parece ter chegado assim às palavras.
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Apesar do uso de textos, Kosuth rejeita qualquer aproximação entre seu trabalho e a poesia concreta. Para ele, um poema concreto é um tipo de formalismo tipográfico, que pode ser “recortado” por palavras, mas é mudo para a linguagem. Kosuth não se interessa pelo uso das palavras como objetos, mas pela linguagem como um sistema gerador de sentido. Em vez de trabalhar relações entre objetos ou formas ele prefere trabalhar relações entre relações. A linguagem possibilita um tipo de relação intersubjetiva, na qual a arte se inclui. Essa relação, segundo Kosuth, vai além do mero prazer visual. Suas investigações conceituais focam o sentido dos elementos ou proposições e não as percepções sensoriais vindas desses elementos. As impressões percebidas pelos nossos sentidos e que geram preferências subjetivas nós chamamos de gosto e são assuntos concernentes à estética. Qualquer coisa da realidade, produzida ou não pelo homem é capaz de impressionar nosso sensório e nos proporcionar algum tipo de experiência estética. Isso independe dessa coisa estar ou não num contexto artístico. Por isso, para Kosuth, o julgamento estético de um objeto é irrelevante em termos de arte. Aparentemente, o que decorre dessas informações é o entendimento da arte dentro de um aspecto cognitivo, onde a natureza sensorial está excluída. Se fizermos uma breve incursão pela etimologia, veremos que o termo conceito tem sido usado em acepções muito diversas, com freqüência em um sentido muito geral e vago. É, às vezes, equiparado a noção, às vezes a pensamento, às vezes é traduzido por logos, essência, idéia, etc. É pouco provável que tenha ocorrido esse rigor conceitual na determinação do termo Arte Conceitual, mas certas relações filosóficas podem ser encontradas. Kosuth, assim como outros artistas conceituais, usa a palavra conceito como sinônimo de idéia. Entretanto, o próprio termo idéia não é assim tão óbvio como pode nos parecer. As múltiplas significações de idéia dão lugar a vários modos de se considerar este termo. Em sua origem grega, idéia relaciona-se com a visão de um aspecto ou figura de uma coisa. Para Platão, que tem a definição mais extensa de idéia, ou melhor, da Idéia, o termo se
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refere à forma imutável de uma realidade. São muitas as passagens onde Platão trata do problema das idéias, mas podemos resumi-las em seis definições principais: (1) aparência exterior de algo; (2) condição ou constituição; (3) característica que determina um conceito; (40) conceito; (5) gênero ou espécie; (6) realidade objetiva designada pelo conceito. Em vista dessa diversidade, surgem muitas interpretações da doutrina platônica das idéias, mas, este não é o assunto específico dessa análise. Limitar-me-ei aqui a apontar para uma possível concepção de idéia, que é sua relação com a forma objetiva da realidade. Poderia representar uma contradição na análise dos paradigmas propostos por Kosuth para a Arte Conceitual, se não fosse o detalhe de que, para Platão, essa realidade nunca é a realidade sensível, mas a realidade inteligível. Portanto, as idéias não são visíveis sensivelmente, mas apenas inteligivelmente. Idéia pode, por um lado, ser entendida psicologicamente, quando equiparada a uma certa entidade mental. Por outro lado, pode-se entendê-la metafisicamente, quando equiparada a uma certa realidade. Finalmente, pode-se entendê-la logicamente, quando equiparada a conceito. Certamente, é esse o modo como Kosuth utiliza o termo idéia, deslocando a arte de sua tradicional concepção estética para uma concepção lógica. O que se queria definir como Arte Conceitual era um tipo de trabalho artístico que, prescindindo dos aspectos formais do objeto e tendo como material a idéia ou o conceito, pudesse produzir um novo sentido dentro do contexto da arte. Projeto ambicioso e complexo. Nunca esteve livre de contradições, mesmo entre os artistas conceituais. O próprio Kosuth, em diversas ocasiões, tentou estabelecer limites mais precisos para este tipo de arte, criticando e desqualificando muitas das propostas que surgiam no cenário artístico da época. Tendo como objetivo a definição dos aspectos essenciais da Arte Conceitual, Kosuth divide a atividade artística na América em três áreas, denominadas por ele de estética, reativa e conceitual. Por estética ou formalista entendiam-se as atividades de pintores, escultores,
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escritores e críticos que, como Clemente Greenberg, defendiam a experiência estética como algo imediato e inteiramente coincidente com a experiência artística. Essa também é a noção geral de arte abraçada pela maior parte do público leigo. Por arte reativa, ele chamava o amontoado das novas expressões artísticas do século XX, associadas à arte idéia, mas que, para ele, não passavam de uma série de ações angustiadas e cegas. O engano estava, na visão de Kosuth, na ênfase que esses artistas davam ao trabalho. Em vez de focar no porque, focavam na forma, frequentemente material, dos elementos da proposição. Isto acaba se revelando uma mera justificativa fora da arte, para a atividade destes artistas. Apesar de surgirem como uma necessária reação à linguagem tradicional da arte, eram ações superficiais e incapazes de converter arte em idéia. Muitos dos trabalhos referenciados por jornalistas e críticos como anti-form, earthworks, process art, etc, fazem parte desse hall chamado arte reativa. Muitos artistas traziam para as galerias e museus pedaços de árvores, terra ou enormes fotografias de seus trabalhos realizados fora desses ambientes. O impacto continuava sendo causado pelo material. Muitos deles realmente percebiam a necessidade de uma ruptura com as antigas linguagens da arte, mas não se dispunham o suficiente para romper com o grande mercado. O mercado de arte acaba neutralizando as tentativas de independência da arte em relação à tradição. Finalmente, a arte reativa, apesar de manter alguma diferença em relação aos formalistas, torna-se tão equivocada quanto a pintura ou a escultura. O que Kosuth desejava que o mundo entendesse por conceitual, num sentido estrito e radical, era o tipo de arte que levantasse uma discussão efetiva sobre a natureza da arte e não veiculasse qualquer outra informação que fugisse do contexto artístico. O conceito, portanto, estabelece-se no contexto artístico, numa formação tautológica, onde a análise da obra não vai além da análise de seus próprios elementos. Sua formulação de conceito está intimamente associada à sua leitura da teoria lingüística de Wittgenstein, com seus jogos de linguagem, nos quais o sentido da palavra é relativo e é dado pelo seu uso específico.
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Assim, não era apenas a atividade de construir proposições artísticas, mas uma ampla reflexão sobre todas as implicações do conceito arte. A Arte Conceitual deveria abraçar também a função da crítica e tornar, assim, segundo Kosuth, a figura do crítico desnecessária. A Arte Conceitual altera também o tipo de audiência esperado para o espetáculo artístico. Ela não exerce o papel de entretenimento e seu público torna-se restrito a artistas e ao espectador que mantém uma leitura bastante refinada da arte. Este aspecto torna o conceitualismo um tipo de arte especial e, em certos momentos, incompreensível para o público leigo. Um tipo de arte voltada para si mesma, para os aspectos intrínsecos à própria arte, parece conduzir a um mesmo solipsismo, do qual a arte modernista fora acusada, pela sua política de autonomia. Kosuth não estava indiferente a isto e, como vimos, tentou solucionar essa questão com sua proposta de aproximação da arte à antropologia. Se por um lado, Kosuth impele o artista a uma produção que se inclua na sua própria cultura, Greenberg defende a autonomia na arte. Em resposta às acusações de que essa autonomia leva a uma reação de indiferença social, ele afirma que a arte abstrata, como qualquer outro fenômeno cultural, reflete as condições sociais e outras circunstâncias da época em que seu criador vive. (1940) 34 Dessa rede intrincada de teorias, alguns aspectos se repetem e devem ser mais demoradamente examinados. Uma questão recorrente é a relação que Kosuth estabelece entre o nascimento da arte e a morte da filosofia, traçando uma oposição entre a estética e a condição artística. A lógica parece uma conseqüência necessária para embasar esse tipo de proposta de arte destituída de sensualidade e calcada na idéia. Outro aspecto crucial nessa análise é o uso que Kosuth faz da palavra, do texto e, mais amplamente, do termo linguagem. Para ele, a linguagem precisa ser tomada como um sistema que organiza nossos códigos culturais, nossos horizontes herdados culturalmente, com os quais se constrói o sentido. Não é a linguagem usada como objeto, como na poesia concreta, mas a linguagem que permite que se estabeleçam relações entre relações.
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“Eu me preocupo em não usar palavras como objetos – poesia concreta e esse tipo de coisa. É pensando na linguagem como um sistema cultural, paralelo à arte, o que a torna mais útil, tanto na teoria como na prática.” “ Em vez de trabalhar com relações entre objetos ou formas, como a maioria, eu tento trabalhar com as relações entre relações.” 35
Se a arte não existe por razões estéticas, então quais são as razões que a justificam? Kosuth identifica uma ralação entre os elementos intrínsecos à arte e a linguagem. Melhor dizendo, pode-se lidar com a arte como se lida com a linguagem, nos termos que a constituem. É em Wittgenstein ( “ O sentido é o uso” ) e no seu jogo de palavras que ele se apóia para justificar a produção de sentido que reivindica para a arte conceitual. Qualquer consideração estética a respeito de um objeto feito pelo homem está separada de seu uso, a não ser que seu uso seja meramente estético. Ele identifica, no trabalho de Wittgenstein, dois pontos relativos à sua concepção de arte. No primeiro, a construção de uma crítica geral da linguagem, na qual a lógica e a ciência têm um papel próprio na formação de uma linguagem descritiva, onde a representação do mundo segue um modelo paralelo à matemática e aos fenômenos físicos. O segundo aspecto é o que Kosuth considera mais importante para a arte. É quando a teoria de Wittgenstein ultrapassa os limites da linguagem descritiva, quando as questões éticas e o sentido da vida podem ser objetos de um outro tipo de tratamento. A partir desses comentários, podemos supor que tipo de relação Kosuth quer que a Arte Conceitual estabeleça com a linguagem. É precisamente onde os elementos que constroem as asserções indiretas são encontrados, que a arte se manifesta. A arte não realiza, portanto, um discurso direto, baseado na função descritiva da linguagem. Há uma outra semântica, própria à arte, que precisa ser compreendida. Os elementos dessa semântica são análogos aos elementos que constituem a linguagem e que estabelecem sua rede de relações.
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Nas páginas seguintes, examinarei os problemas relacionados à estética e à filosofia lingüística de Wittgenstein, nos seus aspectos relevantes para a discussão travada pela Arte Conceitual.
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One and Eight- A Description, 1965
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One and Eight – A Description O néon salta aos olhos. Eu o vejo. Vejo as palavras. As palavras me dizem aquilo que eu vejo. Eu leio o mesmo que eu vejo. Esta imagem legível me leva a uma circularidade, de onde se faz o sentido. O que haveria, ainda, para ser lido?
A imagem é um fato, como queria Wittgenstein. Os elementos da imagem se relacionam entre si da mesma maneira que as coisas se relacionam entre si. A forma da representação pictórica é a possibilidade de as coisas se relacionarem entre si, como os elementos da imagem. Cada imagem é uma imagem lógica. O que a imagem representa é o seu sentido. A imagem lógica dos fatos é o pensamento. Dessa intrincada teoria da linguagem, Kosuth extrai sua justificativa para a arte. O que a arte tem em comum com a Lógica? A Tautologia. Esse é um belo exemplo de tautologia na obra de Joseph Kosuth. Aqui, de modo diferente do que ocorre na Lógica, a tautologia não é sem sentido. Dizer a mesma coisa de modos diferentes. Nesse caso, as palavras existem para serem vistas. A escrita toma corpo como matéria, como expressa a palavra hebraica davar, como se as palavras e as coisas ainda não tivessem sido separadas. A linguagem, para Wittgenstein, descreve uma realidade. A arte, para Kosuth, não só descreve uma realidade, mas denuncia o modo como descreve essa realidade.
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Kosuth não quer que a arte funcione dentro dos mesmos limites que a linguagem. Ele não quer que o espectador ( leitor) leia o sentido descritivo da linguagem, mas que veja as palavras. A linguagem, na obra de Kosuth, é feita para ser vista, muito mais do que para ser lida. Não é uma sentença para fazer sentido fora de seu contexto, do contexto visual, mais que isso, do contexto de arte visual. Como diz Lyotard, a escrita, no trabalho visual de Kosuth, torna presente um gesto que está além do legível. A tautologia do visível e do legível evoca um sentido que está ausente na legibilidade das palavras.
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III - Da Estética à Lógica: “O artista que quer desenvolver arte além das possibilidades da pintura é forçado à teoria e à lógica” ( Kasimir Malevich)
Kosuth traz à tona a relação entre o fim da filosofia e o início da arte. Ele quer, segundo suas palavras, que os outros entendam os argumentos da sua arte e, por extensão, os de outros artistas. Quer fornecer um entendimento mais claro da Arte Conceitual. Da maneira como foi apresentada por ele, a Arte Conceitual teve como tema recorrente a polêmica relação entre arte e estética. Para Kosuth, essa relação é de oposição. Foi questão determinante para a construção de seu pensamento e de seu trabalho, a partir de 1966. Nessa época, Kosuth defendia um pensamento, introduzido pelos filósofos de tradição analítica, para quem a questão primordial para o conhecimento era a relação lógico-lingüística. Por isso, não é possível chegarmos a uma análise razoável da Arte Conceitual sem nos determos neste ponto. Kosuth foi um radical defensor da arte que floresceu, em fins dos 60, entre artistas rebeldes contra a antiga linguagem artística. O formalismo era encarado como um conservadorismo, negativo, na arte. Seu radicalismo, porém, não era compartilhado por todos os artistas conceituais e o conceitualismo, em alguns momentos, transformou-se em mais uma ruptura estilística. A questão central, apesar disto, nunca deixou de ser posta em discussão: a recusa das bases tradicionais sobre as quais a arte se erguera. Todas as outras são tangenciais ou derivações dessa prerrogativa. A proposta de uma forma de arte fundamentada em procedimentos analíticos transferia para o terreno da lógica o que pertencera ao domínio da estética. Uma análise dessa condição contribui na delimitação de fronteiras mais precisas para a Arte Conceitual.
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Permitam-me um pequeno parêntese. Voltando à Antiguidade Clássica, chegaremos ao início do que chamamos hoje “Filosofia da Arte”. Platão, na República ( 595 AC), define o que, modernamente, passamos a designar como Belas Artes. Sua essência é a mimese. Em Platão, as artes miméticas, entre elas a pintura e a poesia, são censuradas por seu distanciamento da realidade, sua produção de simulacros e phantasmas. A mimese repousa na aparência sensível e é uma traidora da verdade, que reside na Idéia. A condenação que Platão faz às artes justifica-se pela necessidade de fundação de uma cidade ideal, onde reina a verdade e a justiça. A ilusão é uma falta moral e, portanto, uma ameaça à cidade. Já em Aristóteles, todos os gêneros artísticos estão condicionados à mimese. Para ele, o homem é naturalmente mimético, tanto no sentido de sua produção, quanto no sentido de recepção. Ele aprende através da mimese e sente prazer com o reconhecimento das formas miméticas. Vê-se que esse prazer tem um caráter cognitivo implícito. Para os gregos, a formação mimética pertence ao domínio das technai, quer dizer, de um saber fazer refletido e fundado no pensamento. Platão afirmava que todas as technai compreendem um momento de criação. Para Aristóteles, no domínio das technai, as miméticas são consideradas superiores, não pela criação de uma semelhança, nem pelo seu caráter pedagógico, mas pela subordinação a um quesito superior que é o da verossimilhança. Interessante pensarmos como essa discussão atualiza-se, na arte contemporânea, e em toda a celeuma que há no entorno da produção de obras de artes, da especificidade técnica e habilidade do artista. A questão estética coloca-se aos artistas, aos críticos, aos historiadores e aos amantes da arte e exige uma discussão acerca do estatuto da arte, no mundo contemporâneo. Apesar de toda a polêmica que cerca as reflexões filosóficas na arte, a estética mereceu lugar de destaque na obra de pensadores importantes, como Kant, Schelling, Hegel, Nietzsche, Heidegger, Adorno e Benjamin. Em todos eles, a arte possui um status especial,
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pois diz de uma experiência, cuja característica principal é a de que se furta a uma conceitualização total de seu significado. É a reflexão estética que parece garantir esse status particular conferido à arte. i Caminhando em sentido oposto, a Arte Conceitual veio para tentar destruir os dogmas mais cristalizados da arte, como a atitude contemplativa e a própria existência da obra de arte. Não detém, entretanto, o ineditismo da questão. São preceitos que mantêm vínculos com uma discussão histórica acerca da arte e de seus paradigmas. O estatuto do objeto artístico, a aura concedida ao artista e a função da arte sofreram modificações em seu sentido, ao longo da história. O que chamamos de arte e o lugar do artista, hoje, não é o mesmo que na Grécia antiga, não era o mesmo no Impressionismo ou no Modernismo. É preciso, portanto, o cuidado de se perceber as sutilezas nessas mudanças para não se ter a impressão de uma ruptura brusca. Muitos dos termos relacionados à Arte Conceitual precisam ser mais bem referenciados. O conceito de desmaterialização, por exemplo, é mal compreendido ou supervalorizado pelo público, leigo ou não. Foi um termo cunhado por Lucy Lippard em Six Years: The Dematerialization of the Art Object, propondo um debate sobre a nova concepção da arte. Pode ser lido, em parte, como uma tentativa de resolver problemas elementares, como cor e forma e como o resultado de uma tendência progressiva de desvalorização do objeto artístico. Pouco antes da Arte Conceitual, o Minimalismo ensaiou essa “desmaterialização”, desobrigando o artista da tarefa de produzir obras de arte. O objeto poderia ser comprado, numa loja de ferragens, por exemplo, ou executado por qualquer pessoa. Mas os minimalistas ainda apresentavam seus trabalhos de maneira formal, mesmo que desqualificando as categorias tradicionais de pintura e escultura. É evidente que não podemos prescindir de um ponto material, sensível, para a existência da arte, ainda que ela não se encerre no fenômeno. Mesmo nos momentos mais
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radicais da Arte Conceitual, quando os artistas deixaram a critério do público a decisão sobre a construção ou não do objeto descrito, havia sempre uma presença material. O mundo nos chega de modo sensível. O próprio Kosuth utiliza meios materiais diversos no seu trabalho. Em seus textos, em várias passagens, ele trata da possibilidade de existência do objeto, mesmo que apresentado nas linguagens tradicionais. O importante é que a existência da arte não seja condicionada ao objeto. Na sua definição de arte, ele aponta para uma irrelevância conceitual dos objetos na condição artística, mas isso não determina se uma investigação particular deve ou não empregar objetos, substância ou material. Estes são aspectos menos importantes do trabalho. A crítica, em geral, é que se preocupa demais, equivocadamente, com o resultado final da proposição. Na verdade, o que a Arte Conceitual faz é redefinir o estatuto desse objeto, sob uma perspectiva extrema. Esse novo cenário criado para as artes veio exigir uma nova reflexão por parte de artistas, críticos e do público em geral. Questões controversas vieram à tona, de maneira explícita ou não. A idéia da representação, da imagem, da materialidade do objeto artístico e outras, direta ou indiretamente relacionadas. Como se portar diante de uma arte que se contrapõe a preceitos admitidos, até então, como condição invariável da arte, como a mimese, por exemplo? Qual o papel da crítica quando o objeto artístico se afirma como artístico pela determinação prévia de que tal contexto é o contexto da arte? Questões que, apesar de sua atualidade, vêm sendo discutidas desde Cézanne. Talvez nunca como no período de ebulição da Arte Conceitual. E talvez poucos artistas o tenham feito com tanta veemência quanto o fez Kosuth. Em seu canônico texto de 1969, Art after Philosophy, Kosuth afirma que há uma relação direta entre o fim da filosofia e o início da arte, invertendo o aforismo hegeliano que profetizava a morte da arte. Hegel dizia que a arte, no início do século XIX, não garantia mais a satisfação das necessidades espirituais, que outros tempos buscaram nela e que outros povos
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só encontraram nela. Os interesses e exigências dos homens, àquela altura, deslocaram-se na esfera da representação e, para satisfazê-los, houve a necessidade de se recorrer à reflexão, aos pensamentos, às abstrações, a representações abstratas e gerais. A arte, então, como destinação suprema, era coisa do passado e cedera seu lugar, no mundo moderno, para a ciência, as leis, os deveres e os direitos. ii Kosuth teoriza sobre essas relações na arte contemporânea. Segundo sua visão, o julgamento estético de um objeto é irrelevante em termos artísticos. Já que a estética lida com opiniões sobre a percepção do mundo em geral e que qualquer objeto pode ser apreciado esteticamente, ela não diz respeito ao que acontece dentro de um contexto artístico. Essa conexão equivocada, entre estética e arte, perpetuou-se em razão do apego da arte formalista e da crítica correspondente aos aspectos morfológicos do objeto. Para Kosuth, o aspecto decorativo da arte é o que faz sua conexão com este campo da filosofia, destinado ao estudo do belo e do gosto. Na Arte Conceitual, a idéia ou o conceito é o aspecto mais importante do trabalho. É o processo mental do artista, seu objetivo, que é apresentado ao espectador. O trabalho de arte não visa à construção de um objeto artístico, destinado à contemplação. É apresentado como proposições em arte. Proposições, afirma Kosuth, de caráter lingüístico. Pode-se lidar com a arte, segundo ele, como se lida com a linguagem, nos termos próprios de sua constituição interna, num paralelo com regras lingüísticas e com a filosofia da linguagem. Essa é a linha de pensamento dos filósofos analíticos, dentre os quais Wittgenstein é aquele que influenciou diretamente a teoria de Kosuth para a Arte Conceitual. Um traço comum na filosofia analítica é o recurso à lógica, em um sentido amplo, englobando a natureza das proposições e a constituição dos significados. A semântica examina a relação entre a linguagem e a realidade. iii Havia, entre os artistas e intelectuais da década de 60, uma tendência a adotar essa linha teórica, o que não garantiu a hegemonia do
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pensamento defendido por Kosuth. Na verdade, o ponto de maior tensão em sua teorização é a negação da estética como um campo de saber pertinente à arte. Merece uma consideração especial a antinomia criada, a este respeito, entre ele e Clement Greenberg, o célebre defensor do modernismo. Greenberg não só via uma confluência da estética e da arte, como sustentava uma sobreposição das duas. Segundo sua doutrina, existe uma perfeita coincidência entre a arte e a experiência estética. Onde não há um julgamento de gosto, ou seja, um julgamento estético, também não existirá arte. Para Greenberg, era imprescindível, no julgamento de uma obra de arte, poder atribuir-lhe o adjetivo de boa ou má arte. A categoria da qualidade era fundamental. Para Kant, ela pouco importava, pois o julgamento do gosto não dizia respeito ao belo artístico, mas ao belo natural. Em Greenberg, dizer que uma obra é boa equivale a dizer que é bela. Será interessante demorarmo-nos um pouco mais nessa questão do gosto, na teoria de Greenberg. No final da década de 60 e início dos anos 70, poucos eram os que defendiam o julgamento de gosto como pertinente para o julgamento da arte. Na verdade, o pensamento pós-moderno opunha-se a esta categoria, pois via nela um sinal de autoritarismo filosófico. Essa era, aliás, uma das acusações das quais Greenberg tinha constantemente que se defender. Ele respondia, reiteradamente, que o gosto não é o mesmo que uma preferência pessoal e que os juízos estéticos são imediatos, não deliberados e involuntários. Você não pode decidir se gosta ou não de uma obra de arte. Isto não significa que, na arte, tudo seja uma desordem e que não seja possível fazer-lhe uma crítica. Ele queria dizer que as coisas, no campo específico das artes, seguem um acordo próprio e que ninguém á capaz de prever ou recusar tal acordo. Atribuir uma qualidade à obra de arte, fazer um julgamento de gosto é uma coisa possível a qualquer pessoa, independente de informações do tipo cognitivas ou acadêmicas. Toda pessoa é capaz de ser afetada por uma obra de arte do mesmo modo, sendo um artista, um crítico, um intelectual ou o mais humilde espectador. É a defesa da universalidade do
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gosto, postulada por Kant. Apesar do discurso democrático, Greenberg não deixava de atribuir a certas pessoas, e não a outras, a capacidade de expressão de uma opinião a respeito da arte. Em caso de desacordo entre dois juízos, levando-se em conta que ambos tenham partido de pessoas autorizadas a fazerem tal julgamento, um deles estaria equivocado e deveria retornar à obra e redefinir seu julgamento. Na prática, isso, sem dúvida, adquire uma tonalidade autoritária, já que esse papel de discursar sobre arte fica restrito a poucos teóricos e críticos de arte. Segundo sua apreciação, “os juízos estéticos são dados e contidos na experiência imediata da arte. Coincidem com ela; não são algo a que se chegue posteriormente através de reflexão ou pensamento.” iv Assim, “a pintura e a escultura se esgotam na sensação visual que produzem. Não há nada para identificar, associar ou pensar, apenas a sentir.” As artes, de uma maneira geral, cada qual através de sua linguagem específica, devem produzir unicamente sensações. Os aspectos adventícios da arte devem desaparecer. Entenda-se, por aspecto adventício, tudo aquilo que não diz respeito intimamente à arte e aos seus meios intrínsecos de produção. As artes visuais são meios de expressão que trazem, instantaneamente, a emoção plástica. São as qualidades puramente plásticas ou abstratas da obra de arte as únicas que contam. Para ele, o fato é simples assim. Greenberg não reconhecia os valores artísticos de trabalhos posteriores à derrocada do Modernismo, ou melhor, à forma de fazer arte enquadrada no modelo específico chamado de Modernismo. Resistiu à estética proposta pela Pop Art, pelo Minimalismo e, evidentemente, às proposições relacionadas ao não-objeto. Para ele, a arte, se não for comunicada através de uma linguagem reconhecida e firmada, historicamente, como uma linguagem artística, seja pintura, escultura, desenho, fotografia, música ou dança, é uma arte feita para o artista apenas. Assim como Kosuth, Greenberg via a necessidade de fazer uma distinção entre arte e não-arte, mas com parâmetros absolutamente opostos. Não é por acaso
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que é tão divergente a leitura que os dois fizeram dos ready-made de Duchamp. Enquanto Kosuth considerava Duchamp um divisor de águas no terreno das artes, dizendo que toda arte depois dele é conceitual, Greenberg admitia apenas que seus ready-made prestaram um grande serviço teórico para a história das artes. Como poderia ser diferente já que, para ele, o que conta num trabalho de arte é o resultado final e um resultado estritamente visual, no caso específico das artes plásticas. Para Kant, a estética não se ocupa da arte. Na verdade, ocupa-se com o belo na natureza. Hegel já define a estética como um ramo filosófico, destinado ao estudo do belo artístico, pois dela se se exclui o belo natural. O belo artístico, na concepção hegeliana, é superior ao belo natural, por ser um produto do espírito que, superior à natureza, comunica esta superioridade aos seus produtos, por conseguinte, à arte. Não nos cabe aqui determinar o ponto em que a estética kantiana passa a aplicar-se ao belo artístico. A pertinência de uma discussão nesse terreno também não está em saber se Kosuth tinha ou não razão em distinguir estética e arte, mas em definir o que é estética para ele. Esse termo, empregado como ciência do belo ou filosofia da arte, foi cunhado pelo filósofo alemão Alexander Baumgarten ( 1714-1762). Ele dividiu o saber em gnoseologia inferior, ou doutrina do saber sensível e gnoseologia superior, ou saber intelectual. Para Baumgarten, a estética, originada do grego aesthesis ( sensação), era teoria liberal da arte, gnoseologia inferior, ciência da cognição sensitiva. O estético era tratado como algo inferior e confuso frente ao consciente e ao racional. v Somente em Kant (1724 – 1804), na Crítica da Faculdade do Juízo ( 1790 ), uma estética moderna começa a se desenvolver. A descoberta dessa nova espécie de princípio a priori levou Kant a dedicar-se ao estudo de uma faculdade do espírito humano, responsável pelos sentimentos de prazer e desprazer, suscitados pelo belo. As faculdades do espírito, para Kant, são três: a faculdade do conhecimento, cujos princípios a priori foram tratados na
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Crítica da Razão Pura (teórica), a faculdade de desejar, tratada na Crítica da Razão Prática e o sentimento de prazer e desprazer, matéria da terceira crítica. A Crítica da Faculdade do Juízo é a obra que reúne os elementos de toda a estética: uma definição do belo, uma teoria do gênio e uma classificação das belas-artes. Dedica-se à exposição e à dedução transcendental do julgamento do gosto, do julgamento que postula que uma coisa é bela. Para Kant, é bela a natureza. Kant não pretendia teorizar sobre arte ao escrever a terceira crítica. Poderíamos pensar que a questão do belo dirige-se somente à natureza, mas Kant afirma que o belo não é objetivo. Não é a coisa que é bela. Belo é o sentimento que a representação da coisa (natural ou artística) suscita em nós. Ou seja, o belo é subjetivo. Observando a natureza, há casos em que ela parece dever sua configuração a uma operação de arte, mas não podemos atribuir à natureza uma necessidade de unidade, totalidade ou finalidade. O conceito de finalidade serve à nossa necessidade de observação, da nossa necessidade de conceituação. A obra de arte deve sua forma a um fim que é pensado antes que ela seja realizada. Ela manifesta uma finalidade que não pode relacionar-se a um fim consciente, pensado por um entendimento, que corresponde à concepção mecanicista da natureza, que domina a Crítica da Razão Pura. Também não pode estar subordinada à apetição, ou a qualquer necessidade, tratadas na Crítica da Razão Prática. A descoberta dessa finalidade não implica o repúdio do mecanismo da primeira e segunda críticas, mas exige a elaboração de uma terceira, que explique uma faculdade de julgar que não é determinante, mas reflexiva. Os juízos reflexionantes (ou não cognitivos) são os estéticos e os teleológicos, ambos tratados na Crítica da Faculdade do Juízo. Ao contrário dos juízos determinantes, que são os tipicamente teóricos, lógicos, os reflexionantes não consistem na aplicação de conceitos a priori do entendimento. Na reflexão, a imaginação é que está no comando e não
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presta obediência ao entendimento. Essa é uma noção relevante para o entendimento da estética Kantiana e influenciou muito a geração de filósofos que se seguiu, principalmente aqueles que se dedicaram de um modo privilegiado à questão da arte, como é o caso de Schelling. A estética Kantiana distingue-se das demais estéticas do século XVIII, divididas, grosseiramente, em racionalistas e empiristas, pois é bipartida. Nem racionalista, nem empirista. A noção de reflexão garante sua universalidade. Ressalte-se que o sentimento de prazer, Kant o definiu como um prazer da reflexão e não da sensação ou do entendimento puro. O prazer com a reflexão supõe o ir e vir entre as faculdades, o livre jogo entre a imaginação e o entendimento. A estética, para Kant, é a faculdade de julgar o belo, sem que isso diga nada a respeito do objeto. É o sentimento de prazer e desprazer que é suscitado, no sujeito, pela representação do objeto. Não há, como em Platão e Aristóteles, uma identificação do belo com o bom, o que subordinaria o belo a valores extra estéticos. O belo, em Kant, não é reconhecido objetivamente como um valor absoluto. Ele exige do sujeito um desprendimento e uma atitude desinteressada e dedicada à contemplação. Esta faculdade judicativa transcende a mera sensibilidade, tem um princípio a priori e é reflexiva. Não é correto, portanto, atribuir ao gosto uma qualidade estritamente sensorial. Se assim o fosse, os juízos estéticos pertenceriam ao campo meramente empírico. Ao contrário, a estética Kantiana é universalista e não empirista. A faculdade de julgar é a faculdade que permite relacionar o particular com o universal. Kant reivindica para a faculdade de julgar o belo um caráter reflexivo. É mediado por um princípio de conhecimento, mas não é lógico, pois não produz nenhum conceito sobre o objeto. O julgamento reflexivo dispõe do particular, mas deve encontrar o universal. O juízo de gosto é, pois, um juízo subjetivo, mas não pessoal, ou não seria universal, compartilhado
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por toda a humanidade. É um juízo de valor, mas nele não há a satisfação de um desejo ou correspondência com uma vontade moral, mas sim um prazer desinteressado. O desinteresse caracteriza a atitude estética no mesmo sentido que o jogo é uma atividade puramente lúdica, sem finalidade útil ou moral. Assim, o estético é independente e não pode estar a serviço de fins alheios a ele. É o que Kant chama de finalidade sem fim. Uma questão impõe-se hoje aos amantes da arte: como devemos nos portar diante do objeto artístico? Qual atitude pode ter o espectador, diante de obras como os ready-made e tantas outras que vieram depois, que nos submetem a um sentimento de estranheza, muitas vezes de repúdio? Não é possível negar este sentimento imediato. É verdade que as obras de arte tradicionais, feitas para a contemplação, são muito mais facilmente compreendidas pelo público em geral, seja ele leigo ou não. A arte contemporânea impõe um desafio sem precedentes ao publico e à crítica especializada. Falamos do declínio da aura da obra de arte. Questionamos a atitude contemplativa diante do objeto artístico. Rejeitamos o que, no passado era tido como belo na arte. O que há entre o caminho que nos levaria a uma desconsideração de toda arte, que não segue a linguagem tradicional, e aquele que repele o crítico e reserva ao artista a atribuição de construir uma crítica pessoal e hermética de seu trabalho? Para uma arte nova, uma nova crítica de arte. Sob que parâmetros? Há os teóricos que propõe uma atualidade da estética kantiana, mesmo à luz dos ready-made. É o caso de Thierry de Duve. Em Kant after Duchamp ele nos indica uma nova leitura de Kant, modificando os termos isto é belo, para isto é arte. Duchamp dispensou a categoria de gosto, quando fez sua escolha do ready-made. Foi uma escolha, segundo ele mesmo, baseada numa reação de indiferença visual, uma completa anestesia, em termos estéticos. De Duve não crê na simplicidade dessa afirmação, como não crê na possibilidade de uma completa indiferença visual. Mas é claro que ele não defende uma crítica baseada num julgamento do gosto pura e simplesmente. Aliás, segundo De Duve, o
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grande obstáculo à aceitação da doutrina de Greenberg é a sobreposição que ele faz entre arte e estética, sob o nome de gosto. Sua crítica a Greenberg recai sobre esse apego irredutível à categoria de gosto. Isso não significa, entretanto, que ele admita a teoria de Kosuth, que clama por uma arte definida por procedimentos analíticos. Art after Philosophy merece, para De Duve, tantas ressalvas quanto a teoria de Greenberg. Para ele, nem a inversão do hegelianismo, nem a proposição de um wittgensteinianismo resistem a um exame mais cuidadoso. O conceitualismo ignora a modernidade da versão kantiana do julgamento de gosto. Portanto, formalismo e conceitualismo são insatisfatórios, como teoria, pois analisam apenas um dos lados da antinomia. Para De Duve, a clássica colocação estética, que julga algo como belo ou não, precisa ser substituída pela colocação de algo como arte ou não. Dizer que um urinol ou um porta-garrafas é belo está, absolutamente, fora de propósito, segundo De Duve. O que está em questão são os parâmetros que fazem um trabalho ser ou não aceito como arte. Quando um trabalho contemporâneo de arte é imediatamente recusado sob os protestos de “isto não é arte”, o que está sendo levado em conta é o clássico julgamento de belo. “Isto não é arte” quer, na verdade, dizer “isto não é belo”. De Duve quer nos mostrar que o julgamento que diz se isto é arte ou não é um legítimo julgamento estético sem que, com isso, precise ser entendido como um julgamento de gosto. Ele propõe uma nova leitura da terceira crítica, sob essa rubrica, garantindo uma atualidade da estética para a arte depois dos ready-made. A este respeito, permitam-me a ousadia de uma observação. Em Kant, lembremonos, o belo não é objetivo, ou seja, não é uma característica do objeto. Quando falamos que uma coisa é bela, nada estamos dizendo a respeito da coisa, mas do sentimento que a coisa, ou melhor, sua representação suscita em nós. Essa é a condição exposta no primeiro momento da Analítica do Belo, que trata da qualidade ou do desinteresse, próprio da experiência do belo. Para purificar o juízo do gosto, ou para chegar à sua característica de desinteresse, Kant foi
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obrigado a livrar a faculdade de julgar (o belo, o feio, o sublime) da faculdade de apetição: tanto do motivo sensível, que desperta o nosso desejo (ou o juízo seria meramente empírico, dos sentidos), quanto do comando da razão superior (caso em que o juízo estaria ligado à prática, à utilidade ou à moralidade). “Quer-se saber somente se esta simples representação do objeto em mim é acompanhada de complacência, por indiferente que sempre eu possa ser com respeito à existência do objeto desta representação. Vê-se facilmente que se trata do que faço dessa representação em mim mesmo, não daquilo em que dependo da vi existência do objeto, para dizer que ele é belo e para provar que tenho gosto.”
Nesse sentido, porque não admitir a categoria de belo para o urinol, ou o portagarrafas, vistos a partir de um contexto artístico? Afinal, nenhum parâmetro objetivo estaria sendo levado em consideração, nesse julgamento. Como dizia o próprio Kant, o verdadeiramente belo só ocorre se dilata ou aumenta o sentimento de vida, se intensifica as faculdades do homem. Partindo da premissa levantada por De Duve, de que os ready-mades admitem um legítimo julgamento estético, não seria pertinente admitirmos como legítima a experiência do belo, na arte contemporânea? Seria necessária uma análise mais apropriada do belo para seguirmos nessa interpelação, tarefa da qual me isento, neste momento, pois me forneceria um novo problema, que supera as expectativas deste trabalho. Longe de me opor à antinomia criada pelo Sr. De Duve, a do isto é belo, substituído pelo isto é arte. Aceito-a, parcialmente, como um artifício que possibilita uma reclassificação dos objetos que não se encaixam em nenhuma categoria conhecida das Belas-Artes, como é o caso dos ready-made e de toda arte autorizada por eles. Um ready-made é um objeto escolhido entre tantos outros da vida cotidiana e trazido para um contexto diferente daquele de origem, para o contexto artístico. Ele não exige nenhuma habilidade técnica do artista, o que poderia levar-nos a supor que qualquer um pode ser um artista. Essa diluição dos limites que separam vida e arte, artista e público, tão nítidos na arte formalista, é um dos pontos que faziam com que Greenberg se opusesse à Arte
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Conceitual. Ele não compartilhava da crença numa criatividade universal, tão em voga nos utópicos anos 60. Duchamp também não nutria essa crença. Diante de um ready-made, é verdade, o privilégio técnico do artista sobre o homem leigo é apagado e não há mais diferença entre fazer arte e apreciá-la. Já que se esvaziou essa restrição ao homem leigo, qualquer homem poderia ser um artista, se assim desejasse. Isso não é o mesmo que garantir a todos uma criatividade inequívoca. Se assim fosse, a arte, depois de Duchamp, teria caído numa permissividade absoluta, uma visão pobre e periférica da arte contemporânea. Longe de defender uma criatividade universal, De Duve recorre ao conceito kantiano de sensus communis, o sentimento assumido como comum a todos os homens e mulheres. A noção de sensus communis aparece pela primeira vez no quarto momento da Analítica do Belo. Esse aspecto do julgamento do gosto, o da modalidade ou da necessidade exemplar, abre o gosto para uma perspectiva da intersubjetividade. Esse substrato suprasensível da humanidade, aliado ao substrato suprasensível do objeto, é o que dá ao julgamento de gosto o estatuto de uma faculdade. Entende-se por suprasensível aquilo que está além da sensibilidade. Trata-se, então, de uma faculdade de julgar e não de uma questão de bom e mau gosto nas artes. A faculdade de julgar o belo, agora renomeada como a faculdade de julgar a arte tem, no sensus comunis, o elo que faz a ligação entre o artista e o não artista. O artista escolhe ou nomeia seu objeto de arte e, ainda que o faça solitariamente, ele o faz em resposta a uma demanda que emana do próprio objeto. Por sua vez, o espectador, imerso no mesmo sensus communis, será capaz de repetir o julgamento do artista. Ainda que Kosuth não tenha recorrido a Kant para justificar sua teoria para a Arte Conceitual, é quase impossível pensar que não tenha lido cuidadosamente a Crítica da Faculdade do Juízo. Mesmo indiretamente, Kosuth faz diversas referências à estética kantiana, como quando se refere à questão do gosto, por exemplo. É possível extrair de seus textos uma tentativa de definição de certos conceitos que, enfim, nos levam a seu
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entendimento de estética. Kosuth leu a subjetividade do sentimento estético como sinal de uma percepção sensorial da experiência e gosto como preferência individual. Pela qualidade essencial do juízo do gosto, a universalidade, é um equívoco reduzir a crítica de arte a um julgamento determinado por um gosto pessoal. No sentido kantiano, gosto não diz respeito a nenhuma preferência pessoal, desse ou daquele crítico em particular. O termo estética, para Kosuth, parece ser usado no sentido de Baumgartem e isso fica especialmente claro quando ele diz que alguém pode ter uma reação estética a qualquer informação percebida pelo sensório: paladar, olfato, visão ou tato. Em outras palavras, podemos lidar esteticamente com qualquer coisa que esteja no mundo e que se apresente aos nossos sentidos, sem que isso constitua uma existência artística. Qualquer consideração a respeito de um objeto feito pelo homem, em termos estéticos, está separada de seu uso e, assim, de seu sentido. A não ser que esse sentido seja meramente estético, o que, para Kosuth, aplica-se, por exemplo, aos objetos decorativos. Sendo assim, entende-se o modo como Kosuth referiu-se à estética, como algo inferior e confuso. Por isso, talvez esteja justificada sua tentativa de separar a arte da estética. Antes de relegarmos Kosuth ao limbo destinado aos autores ingênuos, o que não seria verdadeiro, vejamos o momento especial de nascimento da Arte Conceitual. O final da década de 60 e início de 70 foi um período que ficou marcado na história pelas revoluções de caráter político e social. Os artistas tomaram a direção do questionamento cultural e dos protestos contra as instituições de poder, incluindo as que detinham o poder nas artes. Os críticos, as galerias, os museus, as revistas, tudo o que constituía o chamado mercado de arte, quem efetivamente estabelecia as regras do jogo, passou a ser combatido como inimigo da liberdade criativa e da própria arte. A legitimidade da arte não deveria estar subordinada a leis econômicas. A Arte Conceitual, de certa forma, deveria ser um empecilho para a tirania das leis que regiam o comércio de objetos de arte.
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Nesse contexto, Kosuth era um dos que defendiam um comprometimento dos artistas nessa cruzada contra as velhas estruturas que formavam o mundo da arte. Em sua forma agressiva de teorizar, ele sugeria que a revolução armada também poderia ser vista como um tipo de ato cultural, porque buscaria uma mudança social. Para ele, não bastaria uma ruptura com as instituições e com as tradicionais formas da arte, representadas pela pintura e pela escultura. A destruição desses modelos seria apenas um primeiro passo para a construção de um novo modelo de arte, calcado numa forte atitude crítica e teórica do artista. Em vários momentos, Kosuth declarou que sua atividade teórica e sua produção artística não deveriam ser separadas. Para ele, teorizar também é produzir arte. E que tipo de arte Kosuth queria que os artistas conceituais produzissem? Para usar suas palavras, um tipo de arte que fizesse sentido. Fazer sentido, para Kosuth, traz uma intrínseca relação com a estruturação da linguagem, em Wittgenstein. A Arte Conceitual defendida por Kosuth nasceu de bases teóricas sólidas. Em termos gerais, tem na filosofia analítica as justificativas para sua existência. Os filósofos desta tradição, surgida ao final do século XIX, esboçam uma reação contra o idealismo absoluto de inspiração hegeliana e, em parte, contra a filosofia transcendental de origem kantiana. De certa forma, Kosuth abandona, mais tarde, o tom agressivo de Art after Philosophy. A polêmica antinomia criada entre estética e arte dá lugar a um estudo mais profundo sobre a teoria lingüística de Wittgenstein e sobre a teoria psicanalítica freudiana. Ludwig Wittgenstein nasceu em Viena, em 1889 e, desde muito cedo, mostrou-se intensamente interessado pelo estudo da lógica. Além do Tractatus Lógico-Philosophicus, publicado em 1921, deixou outras obras de extrema importância, como Investigações Filosóficas, os Cadernos Azul e Marrom e Conferências e Discussões sobre Estética. Com exceção do Tractatus e de um artigo de 1929, todos os seus escritos foram publicados postumamente.
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Costuma-se distinguir dois períodos no pensamento de Wittgenstein. O “primeiro Wittgenstein”, caracterizado pelo pensamento expresso no Tractatus e o “segundo” pelas Investigações Filosóficas. O último período é, em grande parte, uma reação contra o primeiro, mas as diferenças entre ambos não impedem que haja um modo de pensar comum entre eles. Em ambos os casos, o centro da preocupação de Wittgenstein é a linguagem. Segundo ele, todo seu trabalho filosófico consiste em explicar a natureza das sentenças. Os temas do Tractatus têm como centro a idéia de que uma sentença é uma figuração da realidade. As sentenças figuram mesmo a realidade, não se tratando de um “como se”. Em outras palavras, para ele, haveria um paralelismo completo entre o mundo e as estruturas da linguagem, entre as coisas e os nomes. Ele afirma que os limites da linguagem significam os limites do mundo, uma tese acusada frequentemente de conduzir a um solipsismo lingüístico. A tautologia é um caso limite entre as proposições lingüísticas. Foi definida por ele como uma proposição de linguagem incondicionalmente verdadeira e, por isso, vazia de sentido, pois não representa nenhuma realidade possível. No extremo oposto, estaria a contradição, uma proposição incondicionalmente falsa e também vazia de sentido. As proposições da lógica, segundo Wittgenstein, são tautologias. Não expressam pensamento, não representam nenhuma realidade. Mostram as propriedades formais (lógicas) da linguagem. Aí está o único sentido que possuem. Os filósofos do chamado Círculo de Viena retiraram do Tractatus a idéia de que as proposições matemáticas são tautologias e, portanto, despidas de significado factual. vii Os pensamentos expressos nas Investigações Filosóficas, de 1945, que caracterizam o “segundo Wittgenstein”, contrariam as afirmações do Tractatus. Não que o filósofo as considere simplesmente errôneas, mas incapazes de elucidar todos os problemas da linguagem. Segundo ele, a linguagem engendra, ela mesma, superstições das quais é preciso desfazer-se. O centro desse enfeitiçamento produzido pela linguagem encontra-se nas
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tentativas para se descobrir a sua essência. É necessário, ao contrário, abrir os olhos para ver e elucidar como ela funciona. A linguagem funciona em seus usos, não cabendo indagar sobre os significados das palavras. O significado está no uso. As possibilidades de uso são múltiplas e variadas. Não podemos dizer que exista uma única linguagem, mas um conjunto de “jogos de linguagem”, que servem para descrever, perguntar, ou para indignar-se, etc. “Chamarei também ao todo formado pela linguagem com as atividades com as quais ela está entrelaçada o ‘jogo de linguagem’”. viii
Wittgenstein refere-se às múltiplas possibilidades de uso de uma palavra e faz uma crítica a seu próprio pensamento, expresso anos antes, no Tractatus: “É interessante comparar a multiplicidade das ferramentas da linguagem e dos seus modos de aplicação, à multiplicidade das espécies verbais e proposicionais, com o que os lógicos têm dito acerca da estrutura da linguagem. (E também o autor do Tractatus lógico – Philosophicus)”.
E, ainda, para compreender os “jogos de linguagem”: “ Para o nosso jogo de linguagem há diversas possibilidades, diversos casos em que diríamos que um símbolo designa, no jogo de linguagem um quadrado desta e daquela cor.” ix
A atividade que Kosuth propunha aos artistas e que lhe serviu de modelo para construir o que ele chamou de Arte Conceitual estava referenciada, em grande parte, na teoria de Ludwig Wittgenstein. Kosuth leu o Tractatus como uma crítica geral da linguagem, na qual se vê que a lógica e a ciência desempenham papel de destaque numa representação do mundo, análoga aos modelos matemáticos. Uma análise como esta, que ultrapassa os limites descritivos da lingüística, segundo Kosuth, é o aspecto da teoria de Wittgenstein que mais se aplica à arte. O convite de Kosuth era para um trabalho de reflexão sobre o que se entendia por arte, uma atividade pós- filosófica, que deveria ir muito além de uma mera continuidade da tradição vanguardista. The Play of The Unsayable: A Preface and Ten Remarks on Art and Wittgenstein, de 1989, foi escrito para introduzir uma exposição de mesmo nome, da qual Kosuth foi o curador (Viena e Bruxelas). O texto mostra algumas das diretrizes do que ele definia como uma forma
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revolucionária de arte, feita para produzir sentido. O desejo de compreender os códigos culturais, de onde a arte deve nascer, é o que justifica uma atualização dos escritos de Wittgenstein. Kosuth destacava as relações entre a arte e a linguagem, argumentando que a arte, como a linguagem, descreve uma realidade. Dessa relação, desenha-se uma linguagem, cuja função mais estrita é a de mostrar, muito mais que dizer. Um trabalho de arte guarda similitudes e diferenças em relação à linguagem. Diferentemente da linguagem, pode (e deve) ser auto-referencial e descrever como descreve a realidade. Aqui, a tautologia não é sem sentido. Mas é precisamente no indizível que encontramos a maior contribuição de Wittgenstein para a arte. Diz o próprio Wittgenstein, existe com certeza o indizível. Ao admitir a existência no mundo de realidades que se situam além do limite da linguagem, ele nos remete a uma dimensão que talvez seja bem ilustrada por uma frase de Veléry: “ Reconhecemos a obra de arte pelo fato de que nenhuma idéia que ela suscita em nós, nenhum ato que ela nos sugere pode esgotá-la ou concluí-la... e não há lembrança, pensamento ou ação que possa anular-lhe o efeito ou libertar-nos inteiramente de seu poder" x
A proposição final do Tractatus, “o que não se pode falar, deve-se calar”, não constitui apenas um aforismo, mas traduz a existência de um terreno a respeito do qual nada se pode dizer. Buscando sempre o sentido para a arte, Kosuth nos lembra, citando Wittgenstein, que um poema, apesar de composto na linguagem da informação, não é usado, no jogo da linguagem, para dar informação. Disso subentende-se que o sentido que Kosuth buscava não é o mesmo do discurso. É no indizível que reside a diferença entre o discurso e um trabalho de arte. É o que Lyotard diz sobre o trabalho visual de Joseph Kosuth. Ele é uma meditação dentro da escrita, mas rememora um gesto que está além de sua legibilidade. O sentido óbvio da escrita esconde outros sentidos. O meio visual é aplicado para expor esse sentido ilegível que a escrita esconde, para rememorar uma presença que está ausente na apresentação perceptível. xi
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Eu gostaria de poder analisar o sentido do termo conceitual, na estrutura proposta por Kosuth para a arte. Voltemos a Kant. Na primeira Crítica, relativa aos conceitos puros do entendimento, a dedução transcendental diz respeito à necessidade de conformidade entre os fenômenos e os conceitos. Kant sugere que essa dedução pode ser vista como uma tentativa de exorcizar o espectro do caos transcendental (ou desordem transcendental) que existiria, caso os fenômenos pudessem ser apresentados de tal modo, que o entendimento não os considerasse de acordo com as condições de sua unidade. Para a experiência empírica, não valem os conceitos universais, ou do entendimento, mas permanece ainda a exigência de uma certa sistematicidade e unidade, alcançadas unicamente por um conceito a priori. Kant afirma que, se não tivéssemos essa unidade ou totalidade, não seríamos capazes de vivenciar nenhuma experiência. Ou seja, para que possamos experimentar o mundo, precisamos de conceitos apriorísticos, sem os quais os fenômenos nada nos diriam. Levando-se em conta o princípio da finalidade da natureza, somos incapazes de atribuir a ela uma tal necessidade de unidade, da qual nós necessitamos. Não podemos determinar uma lei para a natureza. O conceito de finalidade da natureza serve unicamente à nossa necessidade de observação e classificação do mundo. Dizendo de outro modo, dar conceito a alguma coisa significa dotá-la de unidade ou totalidade. Seria essa a intenção do artista conceitual? O conceito, nesse caso, teria o efeito de apaziguar o artista, temeroso do caos? Seria essa a função da arte, uma função reguladora, apaziguadora? Tomando de empréstimo o questionamento da professora Virgínia Figueiredo, quando dizemos “isto é um cachimbo!” não encerramos ali a conversa e somos liberados para seguir adiante, sem nos preocuparmos mais com tal cachimbo? Dar o conceito da coisa não significa sossegá-la, cristalizá-la em sua essência? Quero dizer: a coisa mesma deixará de atormentar-nos? Uma vez cachimbo, sempre cachimbo? Em contrapartida, como será o mundo que o artista experimenta? Será a experiência de um mundo carente de formas? Ou,
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pelo menos, de formas insuficientes? Insatisfatórias? Ou desprazerosas? Necessitando retoques? De um mundo em constante mutação? Numa palavra, não temerá o artista o caos empírico? Seu fantasma, ao contrário do kantiano, será o tédio da regularidade?
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O artista, seja ele conceitual ou não, vivencia de certa forma o tédio que a professora Virgínia nomeia como “experiência existencial do conceito”, a monotonia da experiência do mundo, dos fenômenos sempre apresentados da mesma forma. xiii O artista não teme o caos empírico. Se assim fosse, como se sustentaria, então, a liberdade de que a arte necessita para instalar no mundo um objeto que ainda não estava lá? Como agiria o artista sem essa estreita margem oferecida pela indeterminação conceitual? Os artistas conceituais vêem o mundo com excesso de formas, não com escassez, portanto, recusam-se a produzir mais. Não acreditam em retoques formais, ou, em outras palavras, em novas linguagens artísticas para se dizer a mesma coisa. As objeções à pintura e à escultura ressoam na arte contemporânea, antes mesmo dos artistas conceituais postularem a irrelevância da existência do objeto de arte. Não é isso que Donald Judd quer dizer com “ a metade, ou mais, dos melhores novos trabalhos que se tem produzido nos últimos anos não tem sido nem pintura nem escultura”? Ou ainda, “o desinteresse pela pintura e pela escultura é um desinteresse por fazê-las de novo.”? (1965) Não há, nessas atitudes, uma busca pelo apaziguamento que a determinação conceitual parece garantir. Marcel Duchamp teria criado a categoria dos ready-made se não fosse insubordinado à determinação conceitual? A subversão exercida na escolha do objeto que, retirado de seu contexto habitual e recolocado no mundo, dentro de um novo contexto, numa nova função, não nos traz, em nenhum aspecto, o apaziguamento da determinação conceitual. Há uma semelhança na atitude de Duchamp, ao nomear seu urinol, ou melhor, A Fonte, e a atitude de René Magritte que, ao contradizer a imagem- Isto não é um Cachimbodenuncia a irrealidade da pintura. Nos dois casos, o pensamento é forçado ao exercício de
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redefinição. Essa é uma atitude conceitual. O exercício da redefinição da arte. Por isso, não vejo, como intenção da Arte Conceitual, a proposta de limitação da arte pelo conceito. Não se trata, a meu ver, de um tipo de conceito que resulte numa forma cristalizada da coisa. Mesmo porque a coisa em questão, para os artistas conceituais, é a própria arte. Trata-se de dar conceito em relação à própria arte. Nada que possa nos remeter à faculdade pura do entendimento, para continuar usando os termos kantianos. Se assim fosse, é verdade que a Arte Conceitual estaria predestinada a fracassar, no momento mesmo de sua origem. É precisamente na referencia à tautologia que devemos procurar uma resposta para a Arte Conceitual. Se, para a linguagem, a tautologia resulta num discurso sem sentido, para a Arte Conceitual, é nesse processo que reside o sentido proposto. A produção de sentido, da qual Kosuth tanto fala e que coloca como função própria da arte, desenha um círculo em torno dos próprios elementos formadores da arte. Nesse procedimento analítico, de caráter lingüístico, estaria todo o sentido produzido pela Arte Conceitual. Não há, portanto, uma busca de informação, de conhecimento. A qual sentido nos remete o texto Néon Electrical Light English Glass Letters Pink Eight? O texto e a imagem, vistos simultaneamente, antes que a supremacia discursiva soterre o impacto visual. Esse é um bom exemplo da tautologia na obra de Joseph Kosuth. Sem a imagem, o texto não teria sentido e sem o texto, a imagem deixaria de existir. Não há sentido, neste caso, fora da tautologia. Na linguagem, a tautologia não faz sentido, pois ela é uma proposição sempre verdadeira. Ela só encontra sentido na arte. O que Kosuth nos aponta, ao assumir a existência do indizível, é que há algo na arte que vai além do discurso, mesmo que ela seja feita de palavras. Isso garante a sobrevivência da Arte Conceitual. Algumas questões ressoam ainda sem resposta. Diante das obras de Kosuth somos submetidos a algum tipo de experiência, da mesma forma que nos submete a alguma experiência uma pintura ou uma escultura. Seriam essas experiências de uma mesma ordem?
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Admitamos que os objetos artísticos nos afetem empiricamente e nos promovam uma experiência estética. A que tipo de experiência estamos submetidos diante da Arte Conceitual? Estendendo um pouco a questão: é possível admitirmos um julgamento artístico que não seja também um julgamento estético?
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Installation, The Play of the Unsayable, 1989
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The Play of the Unsayable: Ludwig Wittgenstein and the Art of the 20th Century:
Em razão da comemoração do centenário de Wittgenstein, em 1989, Kosuth realizou a curadoria da exposição The Play of the Unsayable, montada em Viena e no Palácio de Belas Artes de Bruxelas. Sua instalação pretendia ser uma ferramenta crítica que desenvolvesse um conhecimento prático e teórico, simultaneamente. A exposição foi usada como um espaço discursivo, como queria Kosuth. Os elementos textuais não estão presentes como justificativas dos objetos escolhidos, aludindo a critérios estéticos ou históricos. Eles são a obra de arte. Objetos e texto dialogam entre si, com o espaço e com o espectador. A exposição foi criada com o intuito de ser, ela mesma, a obra artística. Kosuth não tentou ocultar a subjetividade de seus critérios seletivos e organizativos, mas os colocou em evidência. Segundo Kosuth, a distribuição de objetos e palavras distintas obedeceu à intenção de se criar um significado subjetivo. The Play of the Unsayable permite que o público experimente pessoalmente os mecanismos que estão ativos nos processos de criação artística.
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Conclusão:
Aproxima-se o final. Quisera fosse um grand finale, o grande momento que coroa toda uma apresentação, o verso que encerra um soneto, a chave de ouro. Infelizmente, a despeito dos esforços da autora, não creio que veremos glória parecida nesse trabalho. Especulações teóricas podem levar a estradas muito longas, cujo percurso dá por vezes a impressão de não chegar a lugar algum. Mesmo assim, é preciso concluir. Espero fazê-lo com êxito, sem decepcionar o leitor que chegou até aqui. Foram três os momentos dessa dissertação. No primeiro, fiz uma apresentação geral de Joseph Kosuth, de seu percurso na arte contemporânea, de sua formação artística e de seus apontamentos teóricos para a arte. Sem essa primeira visão, muito geral, não seria possível iniciarmos uma discussão sobre a Arte Conceitual, sem cairmos na superficialidade e na banalidade. Foi preciso conhecer os passos que levaram Kosuth ao patamar de teórico e, permitam-me dizer, de ícone da Arte Conceitual. Daí extraí o fio condutor de minha análise, o aspecto que julguei mais relevante na teoria esboçada por Kosuth: a relação de oposição entre a estética e a arte. Esse tema foi desenvolvido nos dois momentos que se seguiram, sobretudo no terceiro capítulo, todo ele dedicado às relações da estética e da lógica com a Arte Conceitual. É claro que toda a teorização de Kosuth não pode ser resumida nisso. Além do mais, ele continua produtivo, tanto como teórico, quanto como artista. Ainda assim, mesmo sendo um aspecto pontual de sua produção, constituiu o cerne dessa dissertação. O segundo momento trouxe uma perspectiva histórica. Julguei crucial esclarecer as relações existentes entre a Arte Conceitual e o ambiente que a cercava, do ponto de vista político e ideológico. Eu trabalhei numa perspectiva que entende que o estabelecimento de uma visão artística depende tanto de questões intrínsecas à arte, quanto das circunstâncias que
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a cercam. No caso da Arte Conceitual, essas circunstâncias dizem respeito a um momento especialmente fecundo na política e na vida cultural, que foi a segunda metade da década de 60 e o início da década de 70. As relações ideológicas que se estabeleceram entre os artistas e os paradigmas consolidados para as artes plásticas, naquela época, foram tratadas nesse capítulo. Nessa discussão, Clement Greemberg não poderia deixar de figurar como um personagem de destaque, por sua importância como crítico e teórico do Modernismo, sua influência no cenário artístico americano e por sua visão diametralmente oposta à de Kosuth. Na verdade, ele personificou um tipo de pensamento, bem consolidado na segunda metade do século vinte, ou um pouco antes, que tratava as artes plásticas de um modo bastante específico, talvez rígido demais. Greenberg tinha uma relação autoritária com o mundo das artes, tanto no que diz respeito à crítica, quanto a seu trabalho como teórico. Frequentemente era interpelado por essa posição. A despeito de suas defesas, é possível ler, nas entrelinhas de seus textos, algo que denuncia uma postura despótica. Se não fosse por sua posição rígida e autoritária, o que poderia explicar sua indiferença, melhor dizendo, sua recusa em relação aos movimentos que se seguiram ao Expressionismo Abstrato e à Abstração Pós-Pictórica? Foi assim com a Pop-Art, com o Minimalismo e, obviamente, com a Arte Conceitual. Talvez esse possa ser lido como seu grande pecado como teórico e crítico de arte. Sua inflexibilidade o fez incapaz de uma reação menos conservadora em relação às mudanças, pelas quais passava a arte, do final da década de 60. Em alguns momentos da história do Modernismo, as características postuladas por Greenberg para a pintura transformaram-na num estilo. Após algum tempo, tornou-se repetitivo e estéril. Foi o que aconteceu com o Expressionismo Abstrato, movimento que se firmou nas artes plásticas norte-americanas, na década de 40 e 50, e que teve Greenberg como
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seu grande defensor. Não é possível, porém, como queria Kosuth, encarar Clement Greenberg como um ingênuo e desprezar toda a sua contribuição para o desenvolvimento da arte moderna nos Estados Unidos. A abstração e a política de autonomia para a arte libertaram as artes plásticas de uma perspectiva que remonta ao Renascimento, a Alberti. A pintura era uma “janela” aberta sobre o mundo. A pintura moderna evoluiu. Uso essa palavra com receio, já que pode criar um sentido de valor, o que não é minha intenção. Desvencilhou-se da representação tradicional. Não podemos deixar de reconhecer os méritos de Greenberg no desenvolvimento dessa concepção. No terceiro momento dessa análise, tratei do aspecto que julguei crucial na teoria que Joseph Kosuth desenhou para a Arte Conceitual: a relação de oposição que ele estabeleceu entre a arte e a estética. Extraído de seus textos, este é o ponto nevrálgico dessa discussão. Não poderia deixar de ser dissecado, pois ajuda a delimitar os contornos de um movimento tão controverso. Caminhando no sentido contrário à corrente de pensamentos estabelecida pela história, que reconhece a estética como um campo de saber próprio às artes, Kosuth propõe uma visão da arte muito mais próxima da lógica. Desse estranhamento inicial, parti para um trabalho analítico. Busquei os elementos que constituem as bases desse pensamento. À medida que avançava na leitura dos textos de Kosuth, mais me questionava a respeito da veracidade de sua afirmação polêmica de que a arte não guarda relação com a estética. A leitura de Kant, da Crítica da Faculdade do Juízo, serviu-me de embasamento teórico, na filosofia. Forneceu-me os argumentos necessários para um diálogo com Kosuth. Desse diálogo participaram também Clement Greenberg e Thierry De Duve, duas grandes contribuições para a formação de minha própria visão crítica do trabalho de Joseph Kosuth. A dialética entre dois pensamentos antagônicos, entre um artista conceitual e um crítico esteta, nunca visou a uma batalha, com vencedores e derrotados em lados opostos. Minha intenção não foi a de confrontar os pontos dissonantes entre os dois para, ao final,
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dizer quem esteve com a razão. Em arte não há a Verdade, aspecto em que ela se assemelha à filosofia. A idéia era achar um contraponto que estabelecesse um debate teórico mais produtivo. Clement Greenberg foi esse contraponto. Greenberg sustentava uma visão da crítica de arte como um ofício essencialmente movido pela estética, embasado na sua própria leitura da estética kantiana. Kosuth, que também é um grande teórico, vê a estética como uma preocupação externa à arte. O pensamento que Kosuth defendia estava muito mais próximo daquele dos intelectuais e artistas da época, envolvidos com a chamada “virada lingüística” e com a leitura dos filósofos analíticos, como Wittgenstein. Já Greenberg, tido como reacionário e autoritário, confirmava a pertinência da categoria do gosto como essencial num julgamento artístico, numa época em que falar em gosto era quase uma heresia no mundo das artes. Ao falar em estética, Kosuth e Greenberg expuseram suas interpretações pessoais e seus próprios entendimentos. Suas leituras, tão distintas, foram essenciais no delineamento de suas opiniões acerca da arte. Por um lado, Kosuth creditou à estética uma origem exclusivamente sensorial, ignorando o livre jogo entre a imaginação e o entendimento. Greenberg apegou-se excessivamente ao gosto, atribuindo a ele uma qualidade objetiva. De fato, sua concepção essencialmente formalista da arte exigia essa atribuição de qualidade ao objeto artístico. Como conseqüência, se gosto é a categoria principal para um julgamento estético e precisa ser compartilhado, então foi preciso retirá-lo do âmbito subjetivo. Ambos, a meu ver, tiveram uma leitura parcial e tendenciosa da Terceira Crítica. Se Kosuth negligenciou os aspectos inovadores da estética kantiana, Greenberg apegou-se à objetividade e acabou dando um aspecto excessivamente empírico ao problema do gosto. A princípio, parecia-me uma verdade inequívoca a aproximação que a Arte Conceitual faz com a linguagem e a defesa de uma supremacia da linguagem escrita, em relação aos outros sistemas de significação. Atribuo esse pensamento à minha formação em psiquiatria e à
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minha leitura da psicanálise lacaniana. Aliás, o abandono dessa linha de pesquisa, que chegou a ser cogitada, foi uma feliz decisão. Pouco contribuiria para a construção de uma crítica que tocasse, efetivamente, nos questionamentos que Kosuth trouxe para a arte. Seria muito difícil traçar uma analogia entre a linguagem, na Arte Conceitual, e a teoria lacaniana que, partindo da lingüística Saussuriana, propõe uma estruturação do inconsciente embasada na linguagem. Os caminhos da filosofia e da história da arte permitiram-me ir mais longe nessa trajetória. Mesmo afirmando que o século XX trouxera a morte da filosofia e, sobre ela, o nascimento da arte, o modo como Kosuth constrói seu pensamento aproxima-o de um filósofo da arte. Mesmo acreditando que o pensamento está estruturado como linguagem e que, desse modo, podemos aceitar que os outros sistemas de significação estejam submetidos a ela, isto não nos leva a concluir que a arte se separou da estética. Toda forma de apresentação artística, e não me refiro somente às artes plásticas, nos chega de um modo sensível. Somos submetidos a algum tipo de experiência. Que essa experiência não seja da ordem meramente sensorial, isto me parece claro. Mas será possível concluir a que tipo de experiência se trata, caso aceitássemos a hipótese de Kosuth de que não se trata de uma experiência estética? Estou inclinada a pensar de um outro modo, a discordar de Kosuth, neste ponto específico. Muito mais do que responder a qualquer questão, essa pesquisa fez-me refletir. Deu-me sobre o que pensar. Pensar, por exemplo, na relação da estética com a arte que, para mim, não é uma relação dissonante, mas que está longe de ser totalmente esclarecida com esse trabalho. Para encerrar, proponho a pertinência de uma discussão em torno dessas questões, ainda que tratemos da arte contemporânea. Na pós-modernidade, o que assistimos na arte nos deixa a inquietante sensação de incerteza. Não digo isso como um aspecto negativo do nosso tempo, mas não é fácil situarmo-nos nesses terrenos pouco conhecidos, cujos limites se adelgaçam sempre mais. Evocar conceitos do passado evita que nossa inteligibilidade do
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momento atual caia numa rasa banalidade, devido ao não conhecimento das forças que formam a arte contemporânea. As surpreendentes assertivas de Kosuth, sem dúvida, ressoam nas produções contemporâneas e encontram apoio em teóricos atuais. Não seria justo, porém, dizer que as propostas artísticas pós-modernas simplesmente negam os pilares sobre os quais se ergueu a arte do passado. Mesmo os ready-made merecem uma análise mais refinada, em relação à pretensa postura anti-arte que postulam. Neles, ocorre uma reversão aparentemente simples: em lugar de mimetizar a realidade, o objeto comum, deslocado da realidade quotidiana, é chamado a mimetizar a obra de arte. Também não seria justo definir o julgamento estético como uma análise meramente morfológica ou como uma simples questão de gosto, no sentido vulgar do termo. Foi o que tentei estabelecer nessas páginas. Reflexões mais finas dos temas recorrentes na Arte Conceitual e, mais amplamente, da arte contemporânea. Por fim, dois problemas se apresentam a mim, ao final de toda essa discussão. A princípio, podem parecer um único problema, mas são questões diferentes, embora tangenciais: no terreno da crítica de arte, é possível uma crítica legítima que não seja um julgamento estético? E, no âmbito da criação artística, como pensar na arte sem o envolvimento da experiência estética?
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Notas: 1
KOSUTH, J. Art after Philosophy and after: Collected Writings, 1996-1990. Cambridge: M.I.T. Press, 1993. p. 284.
2
LYOTARD, J.F. Foreword: After the words. In: KOSUTH, J. Art after Philosophy and after: Collected Writings, 1996-1990. Cambridge: M.I.T. Press, 1993. p. xvii 3
Texto publicado originalmente em Arts Yearbook 8, em 1965, com numerosas reedições. Cf.In: FERREIRA, G.; CONTRIM, C. (orgs.) Escritos de Artistas: Anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. p. 96.
4
KOSUTH, 1993. p.84.
5
Para Ferdinand de Saussure, o signo lingüístico é uma unidade binária, que une não uma coisa e uma palavra, mas um conceito e uma imagem acústica (entenda-se por imagem acústica a representação natural da palavra, de caráter psíquico). Conceito e imagem acústica, na terminologia Saussuriana, são substituídos, respectivamente, por significado e significante. (SAUSSURE, p.80).
6
FERREIRA, G., 2006. p.72.
7
A significação habitual do vocábulo tautologia é de índole retórica: tautologia é o nome que recebe a repetição de um mesmo pensamento em diversas formas. Na lógica, se chama tautologia a uma fórmula sentencialmente válida. Costuma-se definir as tautologias como fórmulas que são sempre verdadeiras, qualquer que seja o valor de verdade dos elementos componentes. Cf. In: MORA, J.F. Diccionário de Filosofía. Madri:Alianza Editorial,1988. Vol.4. pp. 3195 – 3196.
8
AYER, A.J. Language, Truth and Logic. London: Victor Gollancz LTD, 1964. p.78.
9
10
11
FERREIRA, G., 2006. p .226. Ibdem, p. 213. Ibdem
12
Ibdem
13
Ibdem. p.226
14
Ibdem. p.213
15
Ibdem .p.226
16
Ibdem, p.226
17
Ibdem, p.214
18
Ibdem. p.215
19
GUERCIO, G. Introduction. In: KOSUTH, J. Art after Philosophy and after: Collected Writings, 19961990. Cambridge: M.I.T. Press, 1993. p.xxv. 20
Fonte: http:/forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.painel/entrevistas/danto
21
Cf. notas de Gabriele Guercio, In. KOSUTH, 1993. p. xlii
22
Fonte:.http://www2.unia.es/arteypensamiento03/ezine/ezine09/nov04.html
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23
FERREIRA, G.; CONTRIM, C. (orgs.). Clement Greenberg e o Debate Crítico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. 24
Ibdem, p.115
25
GABLIK, S. Minimalismo. In STANGOS, N. Conceitos da arte moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. p.174
26
FERREIRA, G. 1997. p.55
27
SMITH, R. Arte Conceitual. In: STANGOS, N. Conceitos da arte Moderna. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor, 1998. p. 182
28
Conferir, a esse respeito, nota 1 de Gabriele Guercio, In: KOSUTH. 1993, p. xxxix
29
FERREIRA, G. 2006. p. 176
30
Ibdem. p.179
31
Ibdem p.205
32
Ibdem.p.206
33
No lançamento de Elementos de Semiologia, que é de 1964, a Semiologia era uma ciência nova, em constituição, ainda estreitamente ligada à lingüística, mas aplica-se também a sistemas não lingüísticos de significação. Já nesta época, Barthes apontava para a possibilidade de a Semiologia desprender-se do modelo lingüístico. 34
FERREIRA, G.,1997. p. 45.
35
KOSUTH, 1993. p. 50.
36 37 38 39 40 41
FREITAS, V. Adorno & a Arte Contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. p. 9 HEGEL, G.W.F. O Belo na Arte. Tradução de Orlando Vitorino. Martins Fontes. São Paulo. 1996. p.19 MARCONDES, D. Filosofia Analítica. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor. 2004. p.14 FERREIRA, G., 1997. p. 117 MORA, J.F. Diccionário de Filosofía. Madri. Alianza Editorial. 1988. vol. 2, pp. 1031-1035. KANT, I. Crítica da Faculdade do Juízo. trad. De Valério Rohden e Antônio Marques. Rio de Janeiro:
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Ibdem, 217. LEBRUN, G. A mutação da obra de arte. Arte e Filosofia. FUNARTE. Cadernos de textos n° 4. 1977. p. 21 LYOTARD, in. KOSTH, 1993. p.xvi
FIGUEIREDO, V. Os três espectros de Kant. Cadernos do Departamento de Filosofia da PUC-Rio. Rio de Janeiro, Setembro de 2004. p.72
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“Aqui, se vocês me derem licença, gostaria de fazer uma breve digressão, a que chamaria (por mais estranho que pareça) investigação sobre a experiência existencial do conceito”. Tenho vivido obcecada ( todos nós temos direito aos nossos fantasmas e espectros) pela frase do personagem joyceano, Stephen Dedalus, queixando-se da “inelutável modalidade do visível”, reclamando da monotonia da experiência no mundo, dos fenômenos sempre apresentados da mesma forma”. ( ibdem).
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