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Leonardo Chataignier Moreira Da Rocha - Puc-rio

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Departamento de Física ESTUDO DE DECAIMENTOS FRACOS NO EXPERIMENTO LHCb Aluno: Leonardo Chataignier Moreira da Rocha Orientadora: Carla Göbel Burlamaqui de Mello Bolsa PIBIC – Relatório Anual – 2012/2013 1) Introdução O Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN) desenvolve pesquisas a respeito dos constituintes fundamentais da matéria e verifica a validade de modelos teóricos, como o Modelo Padrão da Física de Partículas – que até agora tem sido amplamente corroborado. Dentre os principais experimentos do CERN que usam o Grande Colisor de Hádrons (LHC), está o Large Hadron Collider beauty (LHCb)[1], uma colaboração internacional de aproximadamente 700 cientistas, que também conta com a participação de brasileiros. Os cientistas do LHCb estudam a assimetria entre matéria e anti-matéria, uma marcante característica do Universo que ainda não compreendemos de maneira satisfatória. Com o armazenamento de uma gigantesca quantidade de dados referentes a decaimentos de mésons B (que contêm o quark beauty – b) e D (que contêm o quark charm – c), produzidos nas colisões de até 8 TeV entre prótons no tubo do LHC, aplicam-se diferentes métodos de análise em busca de corroborações de modelos já feitos e efeitos de nova Física. Este projeto de iniciação científica em Física de Partículas a Altas Energias se voltou para o estudo de decaimentos via interação fraca de mésons D, que são instáveis, produzindo 3 hádrons (píons ou káons) no estado final. Preocupamo-nos, principalmente, em encontrar um método confiável e prático para simular diferentes tipos (“canais”) de decaimentos no referencial do laboratório. A simulação de decaimentos de partículas por métodos computacionais é de grande importância para a análise de dados reais, fornecendo um valioso entendimento da cinemática e dinâmica das Partículas Elementares. O projeto culminou em um algoritmo para que tais decaimentos fossem simulados (“gerados”) de maneira isotrópica no referencial de centro de massa do decaimento e então todas as variáveis físicas relevantes calculadas (“transformadas” de acordo às Leis da Relatividade Restrita) para o referencial do laboratório. 2) Física de Partículas 2.1) O Modelo Padrão O Modelo Padrão da Física de Partículas [2,3] explica, a menos de parâmetros livres, como os constituintes fundamentais da matéria interagem, por meio de quatro tipos de forças. Matéria e anti-matéria são feitas a partir de tijolos básicos, as Partículas Elementares. Exemplos são quarks (e anti-quarks) e elétrons (e anti-elétrons – os chamados pósitrons). O século passado trouxe excitantes descobertas de uma miríade de partículas, o que colocou a necessidade de sintetizar teoricamente nosso conhecimento a respeito desses pequenos blocos fundamentais. O Modelo Padrão, após anos de pesquisa, foi o resultado. Até hoje, esse modelo concordou de maneira excepcional com os testes experimentais. A descoberta do bóson de Higgs em 2012, já confirmada, foi apenas o mais recente dos triunfos desse quadro teórico. De acordo com o modelo, a matéria é constituída por férmions (partículas de spin semi-inteiro) e mediadores de interações, os bósons, cujo spin é um número inteiro. Dentre os férmions, distingue-se os seis léptons – o elétron e seu neutrino, o múon e seu neutrino, e o tau e seu neutrino – dos seis quarks – up (u), down (d), charm (c), strange (s), bottom ou beauty (b), top (t). Os neutrinos têm massa presumivelmente muito pequena e carga nula. Os demais léptons apresentam carga elétrica igual a do elétron ( coulombs), já a carga Departamento de Física dos quarks é fracionária. Isso parece contradizer a famosa lei de que só observamos múltiplos inteiros de carga elétrica na Natureza. Mas, de fato, aparentemente não se vêem quarks livres, somente estados ligados de hádrons. O confinamento de quarks é, hoje, uma ativa área de pesquisa. Os hádrons podem ser pares quark-antiquark, ou grupos de três quarks, formando partículas chamadas de mésons e bárions, respectivamente. Um próton é um exemplo de bárion, formado pela trinca de quarks uud, enquanto píons e káons são mésons. As partículas de matéria e anti-matéria interagem por meio de quatro tipos de interação (forças): Forte, Eletromagnética, Fraca e Gravitacional. Hoje, temos um entendimento satisfatório (ou até mesmo excelente) a respeito do funcionamento dessas interações em nível quântico, com a exceção da Gravidade, que fica de fora do Modelo Padrão. Experimentalmente, verifica-se que essas interações fundamentais são mediadas pela troca de um bóson: no caso forte, os glúons; mediando a interação eletromagnética, o fóton; para a força fraca, os bósons e Z0. O gráviton seria o bóson mediador de uma Teoria de Gravitação Quântica, mas por um lado ainda não foi detectado, por outro lado, ainda não existe uma formulação quântica-relativística adequada para a gravitação. 2.2) Matéria e Anti-Matéria Partículas de matéria (ou simplesmente, partículas) têm suas versões em anti-matéria, que são chamadas anti-partículas. A diferença está nos números quânticos: por exemplo, antipartículas apresentam cargas opostas àquelas das partículas. Um fóton – de carga elétrica nula – é um exemplo de partícula que é a própria anti-partícula, mas o nêutron, apesar de não apresentar carga líquida, é formado pela trinca udd de quarks, de carga não-nula. Então, a trinca ̅ ̅ ̅ forma o anti-nêutron. Uma barra em cima do símbolo indica uma anti-partícula. Dos modelos teóricos, os físicos acreditam que o Big Bang deveria ter criado a mesma quantidade de partículas e anti-partículas. A matéria, contudo, predomina no Universo atual. É possível que existam aglomerados de anti-matéria ainda não observados. De qualquer maneira, algum mecanismo deve ter sido responsável pela assimetria observada. O Modelo Padrão prevê pequenas diferenças nas quantidades de partículas e anti-partículas que deveriam ter sido criadas, mas essas são insuficientes para explicar o que observamos. Os grandes aceleradores modernos, porém, criam constantemente anti-partículas por meio de colisões e é a partir desses experimentos que investigamos suas propriedades. O LHCb, assim, pesquisa propriedades de partículas e anti-partículas para que, futuramente, confirmemos, refutemos ou elaboremos modelos que incluam o predomínio de matéria. Os cientistas se surpreendem com a assimetria entre anti-matéria e matéria porque quando uma partícula e uma anti-partícula colidem, ocorre sua aniquilação, um processo de resulta em apenas energia, que pode voltar a se materializar. Se, como prevê nosso atual modelo, quantidades aproximadamente iguais de partículas e anti-partículas tivessem sido produzidas no Universo jovem, não deveriam ter se formado vastos aglomerados de matéria, após a aniquilação. A ideia comum para solucionar o problema é que diferenças (ainda pouco conhecidas) entre matéria e anti-matéria seriam responsáveis pela assimetria. Já foram observadas transições espontâneas e de frequência altíssima entre partículas e suas anti-partículas [4]. Acredita-se que o mecanismo desconhecido tenha interferido nessas transições no Universo jovem. No LHCb, as colisões entre feixes de prótons permitem recriar as condições energéticas características dos instantes iniciais após o Big Bang, quando os quarks mais pesados, como b e c, eram bastante comuns. Quarks e anti-quarks b e c são instáveis e decaem rapidamente em outras partículas. Então, o estudo de decaimentos se torna extremamente relevante, já que discrepâncias nas taxas com que partículas e anti-partículas decaem poderiam explicar porque uma pequena fração de matéria sobrou da aniquilação e formou o Universo observável. Departamento de Física 3) Fundamentos Teóricos para o Estudo de Decaimentos Decaimentos em três corpos Decaimentos em n corpos são reações do tipo que respeitam a conservação de energia e de momentum linear, onde é chamada partícula mãe e , partículas filhas. O projeto deu destaque aos decaimentos em três corpos. O algoritmo desenvolvido para simular decaimentos isotrópicos no laboratório (conforme próxima seção) pode ser usado para qualquer canal (tipo) em três corpos. Em particular, contudo, tomamos como referências para estudo os decaimentos: onde D+ é um méson formado pela dupla de quarks ̅ , que decai em káons ou píons, que são também mésons. Os dados de um decaimento real são coletados no detector de um acelerador de partículas e, após a aplicação de técnicas de seleção e remoção de ruídos, os cientistas dispõem de informações sobre quais partículas estavam envolvidas. Os dados são, claramente, coletados no referencial do laboratório, então é útil entender como ocorrem tais decaimentos nesse referencial, até mesmo para verificar modelos teóricos. 3.1) Dalitz Plots e Massas Invariantes ao Quadrado Um meio gráfico de análise de dados extremamente oportuno é o Dalitz Plot. O tipo de decaimento estudado e a presença de partículas com spin ou de partículas intermediárias (as chamadas ressonâncias, que interagem via força forte) podem ser lidos diretamente desse gráfico, que é uma representação - bidimensional, no caso de três partículas filhas - do Espaço de Fase de um sistema de partículas. O Espaço de Fase nada mais é que o conjunto de variáveis dinâmicas não vinculadas que descrevem completamente o sistema estudado. Representá-lo em um Dalitz Plot é conveniente porque, assim, é possível contornar dificuldades inerentes ao problema, como determinar as direções de emissão das partículas filhas, que devem respeitar a isotropia do problema em uma simulação computacional. Cada ponto de um Espaço de Fase (e de um Dalitz Plot) representa um evento de decaimento. A distribuição de eventos é determinada por variáveis cinemáticas e dinâmicas. É possível construir grandezas invariantes sob Transformações de Lorentz [2,5] (isto é, que independem do referencial inercial adotado) para traçar o gráfico. Essas grandezas são massas invariantes (ao quadrado) de subsistemas de partículas que participam do decaimento e apresentam limites cinemáticos que formarão a fronteira de um Dalitz Plot. Dado um decaimento em três partículas filhas, a conservação do vetor energiamomentum (quadri-momentum) nos dá: (1) onde P0 é o quadri-momentum da partícula mãe e Pi (i = 1,2,3) correspondem aos quadrimomenta das partículas filhas. Se A é um quadri-vetor, então é invariante sob a Transformação de Lorentz [2,5]. Assim, são definidas as seguintes grandezas, que serão invariantes: (2) Somando-as, por (1) e pela relação [2,5] (onde mi é a massa da partícula de índice i e c é a velocidade da luz no vácuo), obtemos: Departamento de Física (3) Essas grandezas são invariantes por construção, mas sua própria definição garante que √ possa ser interpretada como a massa invariante do subsistema de partículas (i,j) em um decaimento. A equação (3) acima é uma restrição aos valores que essas grandezas assumem e a partir dela são traçados os Dalitz Plots. Para isso, é possível calcular os valores máximo e mínimo que as massas invariantes ao quadrado poderão assumir e, pela restrição (3), encontrar seus limites cinemáticos no Espaço de Fase. Todo decaimento, se representado por meio dessas massas invariantes ao quadrado, irá preencher o Espaço de Fase por elas gerado somente em uma dada região (a região do Dalitz Plot) devido a esses limites cinemáticos. Eventos fora dessa região são considerados, por isso, não-físicos. Além disso, a partir da identidade e da conservação do quadri-momentum, podemos definir a massa invariante de um sistema de três partículas filhas, como se segue. ⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗ [2,5], i = (1,2,3), j = (1,2,3), sendo ⃗⃗⃗ a notação para o para a energia total da partícula de índice i, segue (tomando c = 1): De tri-momentum e |⃗⃗⃗ | De ⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ onde ⃗ ⃗⃗⃗ |⃗⃗⃗⃗ | |⃗⃗⃗⃗ | |⃗⃗⃗ | ⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ |⃗⃗⃗ | : [ ⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ |⃗⃗⃗ | |⃗⃗⃗⃗ | ⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ |⃗⃗⃗⃗ | ⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ |⃗ | ⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ |⃗⃗⃗ | |⃗⃗⃗⃗ | ⃗⃗⃗⃗ . Substituindo (5) em (4), obtemos: |⃗⃗⃗⃗ | [ |⃗ | |⃗⃗⃗⃗ | (5) |⃗ | |⃗⃗⃗⃗ | |⃗ | ⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ ] (4) ] |⃗ | (6) onde . A equação (6) é a definição de massa invariante para um sistema de três partículas, já que é análoga à definição para o caso de duas partículas nas equações (2). Em um decaimento em três corpos, uma aplicação dessa definição é calcular o espectro de massa da partícula mãe (m0) a partir de medidas das energias e dos momenta das partículas filhas. 4) Metodologia – Desenvolvimento de um Algoritmo de Geração de Decaimentos Isotrópicos no Referencial do Laboratório 4.1) Geração de um Decaimento no Referencial do Centro de Massa De início, é mais prático simular eventos de um canal de decaimento no referencial do centro de massa de um sistema de N partículas, que pode ser identificado como aquele em que vale (7) abaixo. Departamento de Física ⃗⃗⃗⃗ ∑ ⃗⃗⃗ ⃗ onde ⃗⃗⃗⃗ é o tri-momentum da partícula mãe e ⃗⃗⃗ (i = 1,...,N) são os tri-momenta das partículas filhas. Vamos nos concentrar no caso N = 3. Em uma simulação computacional, as massas invariantes ao quadrado podem ser tomadas como variáveis aleatórias e o tipo de distribuição dessas variáveis determinará o tipo de decaimento simulado. É conveniente, então, expressar as energias e momenta das partículas envolvidas em função das massas invariantes. A partir daqui, tomaremos c = 1 nos cálculos. 4.1.1) Energia e Momenta como funções de s12, s13 e s23 Como o tri-momentum da partícula mãe no referencial do centro de massa é nulo, podemos escrever: Por outro lado, devido à (1), e, então, Em particular, como expressa como: (i = 1,2,3), a energia da partícula de índice 1 pode ser Um cálculo análogo leva a fórmulas similares para as energias das partículas de índice 2 e 3. Abaixo, coletamos esses resultados. É importante observar que essas fórmulas valem apenas no referencial do centro de massa do decaimento, que é o referencial de repouso da partícula mãe. Para simular, então, uma distribuição de decaimentos, um procedimento eficiente consiste em sortear valores para as variáveis do Dalitz Plot, por exemplo, para s12 e s13. O sorteio pode seguir uma distribuição uniforme, que corresponde a gerar eventos de decaimento direto, ou outras mais elaboradas, para decaimentos por etapas (quando estão presentes as ressonâncias, por exemplo). Uma vez sorteadas as variáveis do Dalitz Plot, que aqui tomamos como s12 e s13, podemos determinar a terceira, no caso, s23, a partir de (3) e obter valores para as energias das partículas no referencial do centro de massa a partir de (8). As normas dos tri-momenta das partículas, nesse referencial, pode ser determinada a partir da relação básica |⃗⃗⃗ | Departamento de Física Estamos supondo, é claro, que as massas das partículas são conhecidas e serão dadas como parâmetro da simulação. Então, para gerar uma distribuição de decaimentos do canal 2 , por exemplo, definimos as variáveis de massa como 0,494 GeV/c para os káons e 0,140 GeV/c2 para o píon, além da massa do méson D, 1,869 GeV/c2. Em seguida, geramos aleatoriamente valores de s12 e s13, determinamos s23 e as energias e normas dos momenta. 4.1.2) Decaimentos Isotrópicos Até aqui, o método desenvolvido garante uma distribuição de valores de energiamomentum no referencial do centro de massa, mas não caracteriza uma distribuição de decaimentos reais, porque ainda não foi fornecida nenhuma informação a respeito das direções de emissão das partículas filhas. Dado que tanto a partícula mãe como as três partículas filhas tem spin 0, espera-se que a distribuição de momento das partículas filhas seja isotrópica, isto é, que não haja direções privilegiadas de emissão. Descrevemos agora um método para simular isotropia na distribuição. Um Começo Anisotrópico: Orientações Relativas entre os Momenta É mais simples começar escolhendo eixos arbitrários em relação aos quais estão definidos os tri-momenta para cada evento. A conservação desses vetores garante que o decaimento ocorre em um plano: como o momentum da mãe é nulo, a soma dos momenta das filhas deve ser zero. Estabelecendo um sistema de eixos cartesianos ̅ ̅ no plano, conforme a Figura 1, podemos colocar o momentum ⃗⃗⃗ no eixo ̅ e escrever: onde denotamos respectivamente. |⃗⃗⃗ | (i = 1,2,3) e θ2 e θ3 são os ângulos que ⃗⃗⃗⃗ e ⃗⃗⃗⃗ fazem com o eixo ̅ , Figura 1: Sistema ̅ ̅ no plano do decaimento. O sistema (10) é apenas a expressão da conservação do momentum no sistema ̅ ̅. Nota-se que esse é um sistema de duas equações para duas variáveis, já que as normas p 1, p2 e p3 já foram determinadas por (9). Dessa forma, podemos determinar θ2 e θ3: Departamento de Física Primeiro, elevamos a primeira equação do sistema (10) ao quadrado e depois utilizamos a segunda equação para eliminar θ3. Podemos fazer exatamente o mesmo procedimento para eliminar θ2 e obter: Assim, a solução de (10), expressa em senos e cossenos de θ2 e θ3, fica: √ Agora, não só sabemos o valor das normas dos tri-momenta para cada evento, como também suas orientações em um sistema de eixos ̅ ̅ arbitrário no plano do decaimento. É verdade que a solução (11) é dupla, como se vê pelo sinal duplo na segunda equação. Isso representa uma liberdade do sistema (10): de fato, dele podemos determinar duas funções trigonométricas de θ2 e θ3, como e . Já que temos que especificar quatro funções trigonométricas para descrever completamente as orientações dos momenta no sistema ̅ ̅ escolhido, haverá necessariamente uma indeterminação (obtida ao extrair a raiz quadrada na segunda equação de (11)). Na simulação, a escolha do sinal é feita, em geral, pelo sorteio de um número n que será 0 ou 1, tomando-se então 2n-1. Para que a simulação valha, contudo, é preciso que as orientações dos momenta sejam aleatórias, mas não o sistema de eixos. O leitor talvez não tenha notado que, ao colocar ⃗⃗⃗ no eixo ̅ , estamos automaticamente definindo uma família de sistemas ̅ ̅ para cada evento de decaimento, pois uma distribuição de decaimentos inclui uma distribuição de ⃗⃗⃗ , o que acarreta em uma distribuição de eixos ̅ . Mas não é isso que queremos. Para garantir isotropia dos decaimentos, devemos estabelecer um sistema de eixos no referencial do centro de massa em relação ao qual a distribuição de ângulos será aleatória. Portanto, as equações (11) representam somente a orientação relativa entre os momenta, que está fixa, porque rotações do sistema de eixos preservam ângulos. O que é preciso fazer, a seguir, é uma composição de rotações que leve à isotropia. Rotações Aleatórias Sabemos que a orientação relativa entre os tri-momenta das partículas filhas está fixa pelas equações (11) para cada evento e que os vetores estão em um plano, o qual podemos considerar, sem perda de generalidade, que passa pela origem do sistema de eixos cartesianos mais geral do referencial do centro de massa. Como já explicado, que ̅ ̅ são apenas coordenadas acessórias no plano, que usamos para obter a orientação relativa entre os momenta. A distribuição dos vetores deve ser isotrópica no referencial do centro de massa, portanto deve apresentar simetria esférica. Tudo o que precisamos fazer é localizar o plano dos vetores no sistema . Para isso precisamos de três ângulos. É possível entender isso se pensarmos os três momenta como eixos de um corpo rígido. Para localizá-los, portanto, é preciso determinar os três ângulos de Euler. Para favorecer o entendimento do método, porém, oferecemos uma explicação. No sistema do referencial do centro de massa, podemos localizar o plano em que se encontram os tri-momenta das partículas filhas de um decaimento por três pontos ou duas retas. Um ponto já é conhecido: a origem. Para completar a primeira reta, tomamos um ponto do plano com distância unitária da origem. A localização desse ponto, em coordenadas Departamento de Física esféricas, fornece os ângulos , medido a partir do eixo , e , medido a partir do eixo . O terceiro ponto também pode ser tomado de forma a ter distância unitária da origem. A origem e ele determinam a segunda reta do plano. Podemos especificá-lo pelo terceiro ângulo ψ, medido a partir da primeira reta, como mostra a Figura 2. Figura 2: O ângulo é medido a partir do eixo x, a partir do eixo z (esq.) e pela origem e pelo ponto (em coordenadas esféricas) (dir.). a partir da primeira reta, que passa A localização do plano do decaimento está relacionada, portanto, a uma transformação de coordenadas do sistema de eixos para as coordenadas ̅ ̅ do plano, para cada decaimento. Explicitamente, começando com o sistema , fazemos uma rotação de ângulo em torno do eixo e obtemos o sistema . Fazemos mais uma rotação, de ângulo , em torno do eixo , obtendo os eixos . Por fim, terminamos com uma rotação de ângulo em torno de , chegando ao sistema ̅ ̅ . Consideramos que, em cada evento, o decaimento ocorre no plano . Como, de (11), sabemos os ângulos que os tri-momenta fazem com os eixos ̅ ̅, podemos aplicar a transformação inversa (do sistema ̅ ̅ para ) para obter os vetores no sistema geral . Se, no sistema ̅ ̅ , os momenta são ̅̅̅ ̅̅̅ ̅̅̅ onde p1, p2 e p3 são dados por (9) e θ2 e θ3 por (11), então, em , os momenta serão ⃗⃗⃗ ̅ para i = 1,2,3, com sendo a matriz de rotação em torno do eixo , em torno do eixo e em torno de . A isotropia é garantida pela aleatoriedade de , e . Dessa forma, tudo o que uma simulação computacional precisa garantir é que a distribuição desses valores seja, de fato, uniforme. Aqui, é preciso elaborar um raciocínio cuidadoso. Conforme explicado, os ângulos , determinam a primeira reta do plano, formada pela origem e o ponto em coordenadas esféricas. O ângulo determina a segunda reta do plano e foi definido a partir da primeira reta. Então, podemos considerar que o sorteio de , nos coloca na superfície da esfera unitária e o sorteio de nos leva a outro ponto nessa superfície ao longo da circunferência equatorial que passa por . Mas sortear um ponto nessa circunferência nada mais é do que sortear um valor de maneira uniforme entre 0 e 2π. Departamento de Física É preciso ter mais cuidado ao sortear e , contudo. Esse sorteio localiza um ponto na esfera unitária, portanto a distribuição de e deve ser uniforme na superfície esférica Distribuir uniformemente na esfera (em ) significa garantir que cada pequena porção de área tenha igual probabilidade de ser sorteada. Um argumento simples nos leva ao método correto de distribuição na esfera. Essencialmente, o que sabemos é sortear em uma reta (em ) ou um segmento de reta (como, por exemplo, o intervalo entre 0 e 2π). Para sortear em um plano (em , que é o produto cartesiano ), basta fazer uma distribuição uniforme em duas retas: os dois eixos cartesianos. Portanto, se distribuímos uniformemente e , cada porção de área de terá igual probabilidade de ser sorteada. Para sortear em , podemos escrever o elemento de área de maneira formalmente idêntica ao elemento de área , porque nesse caso sabemos como fazer o sorteio. Para isso, basta notar que e: Assim, basta que as distribuições de e sejam uniformes para que a distribuição de um ponto em seja uniforme. Computacionalmente, distribuir uniformemente é simples: basta sortear um número entre e A distribuição de é uniforme entre 0 e 2π. Aqui concluímos a base teórica para um algoritmo de simulação de decaimentos isotrópicos no referencial do centro de massa, respeitando a conservação de energiamomentum e as conseqüentes orientações relativas entre os momenta das partículas filhas, dadas por (11). Agora é possível dar um passo à frente: simular o decaimento no referencial do laboratório. 4.2) Transformação do Decaimento para o Referencial do Laboratório Vimos que é mais conveniente gerar as variáveis no referencial do centro de massa, onde o tri-momentum total é nulo. Porém, em situações reais, medimos as grandezas relacionadas às partículas no referencial do laboratório em que é feito o experimento. É preciso, então, que a simulação descreva o decaimento nesse referencial. O próximo passo consiste em transformar os valores de energia e momenta para o referencial do laboratório. Se é um quadri-vetor, sua transformação de um referencial inercial para outro é dada por: ∑ onde pode ser um boost [2,5] no eixo de ambos os sistemas (considerando suas origens coincidam e os eixos sejam respectivamente paralelos a e com a mesma orientação). Por simplicidade, colocamos o boost no sentido positivo de (se o referencial linha é o do laboratório, isso significa que o referencial sem linha, que tomamos como sendo o do centro de massa, se move no sentido positivo de ). Assim, que em ) e | | √ √ Departamento de Física onde que Portanto, é o produto escalar de tri-vetores. Com essa transformação, considerando e ⃗⃗⃗⃗ ̂ ̂, podemos escrever: ̂ ⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ ̂ ̂ ⃗⃗⃗⃗ ̂ ̂ ⃗⃗⃗⃗ ̂ ̂ ̂ ̂ ̂ Como estamos justamente considerando o boost no eixo , se convencionarmos que a partícula mãe é sempre emitida nesse eixo, vale que ⃗⃗⃗⃗⃗ |⃗⃗⃗⃗⃗ | ⃗ |⃗ | ̂ ̂ , onde ⃗⃗⃗⃗ é o tri-momentum [2,5] da partícula mãe em um decaimento no referencial do laboratório. É útil expressar a transformação em termos dessa grandeza, porque em uma simulação computacional ⃗⃗⃗⃗ pode ser dado por meio de uma distribuição. Assim, transformamos as ⃗ para o referencial do laboratório, que grandezas do referencial do centro de massa ⃗⃗⃗⃗ se move com velocidade em relação ao anterior. A transformação geral para o trimomentum da i-ésima partícula filha é facilmente encontrada se substituímos por ⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗ nas fórmulas acima: ⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗ (⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ |⃗⃗⃗⃗ | |⃗⃗⃗⃗ | A fim de reduzir o número de cálculos na simulação, podemos também levar em conta que | | de massa e que |⃗⃗⃗⃗⃗ | , é a energia da i-ésima partícula filha no referencial do centro √ para obter a fórmula (15) abaixo. Também coletamos a equação para transformar as energias das partículas filhas para o referencial do laboratório, obtida de ̂ com as devidas substituições. ⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗ (⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ |⃗⃗⃗⃗ | ⃗⃗⃗⃗ As fórmulas (15) podem ser aplicadas a cada ⃗⃗⃗ (i = 1,2,3) obtido de (13), levando em conta (8), tendo como parâmetros e ⃗⃗⃗⃗ . Dessa forma, podemos obter os tri-momenta das partículas filhas no referencial do laboratório. Assim, o algoritmo de geração de decaimentos isotrópicos no referencial do laboratório fica completo. Em suma, devemos:  Gerar valores para s12 e s13 a partir de uma dada distribuição, respeitando seus limites cinemáticos.  Determinar s23 a partir de (3).  Determinar as energias das partículas filhas no referencial do centro de massa, a partir de (8).  Determinar os tri-momenta das partículas filhas no referencial do centro de massa, a partir de (9).  Determinar a orientação relativa entre esses vetores, a partir de (11). Departamento de Física   Determinar sua orientação em relação aos eixos cartesianos por meio de rotações, a partir de (13), levando em conta (14) para a distribuição de ângulos das rotações. Transformar os valores dos tri-momenta e das energias assim obtidos para o referencial do laboratório, usando (15). 5) Resultados O ROOT [6] é um pacote gráfico que consiste em um ambiente de programação orientada por objetos, desenvolvido no CERN com base na linguagem C++. Usamos o programa para implementar o algoritmo acima desenvolvido e analisar os resultados em histogramas e árvores de dados. Como exemplo de trabalho, estudamos o decaimento . Para isso, ajustamos os parâmetros de massa no programa desenvolvido para (massa do méson D), (massa do káon), (massas dos píons). As unidades são GeV/c2, embora tenhamos adotado c = 1 por simplicidade. Na versão atual do programa, não foram contemplados decaimentos com partículas intermediárias, ou seja, ressonâncias. Utilizamos uma distribuição uniforme para gerar s12 e s13 em seus limites cinemáticos, por meio da função gRandom->Rndm() do ROOT. Em cada simulação, usamos 300000 eventos. 5.1) Simulação com Valor Fixo para ⃗⃗⃗⃗⃗ no eixo A simulação mais simples para o teste do algoritmo colocou o momentum da partícula mãe, usado em (15) para fazer a transformação das variáveis para o referencial do laboratório, com o valor fixo de 100 GeV/c na direção do eixo , conforme a demonstração daquela fórmula. A geração uniforme de s12 e s13 forneceu o Dalitz Plot da esquerda da Figura 3. Após aplicar o algoritmo, para verificar sua validade, recalculamos as variáveis do Dalitz Plot usando (2) e os valores de energias e momenta no referencial do laboratório. Como se vê na direita da figura abaixo, recuperamos o gráfico com as variáveis recalculadas, como era esperado, já que s12 e s13 são invariantes e, portanto, não importa em qual referencial os calculamos. Figura 3: Dalitz Plot gerado com distribuição uniforme para s12 e s13 (esq.) e o gráfico recuperado (dir.) ao usar o valor das energias e momenta no referencial do laboratório. Departamento de Física Figura 4: Histogramas para a energia-momentum do káon. A Figura 4 acima mostra a distribuições de valores para a energia e momentum da partícula de índice 1 (o káon) obtidos no referencial do centro de massa e os correspondentes no referencial do laboratório. Percebe-se que as únicas distribuições afetadas pela Departamento de Física Transformação de Lorentz (15) foram as da energia e da componente do momentum conforme esperado pela teoria. Obtivemos resultados similares para os píons. Outro teste de consistência do algoritmo consistiu em usar (6) para re-obter a massa da partícula mãe. Após o cálculo, já com os valores de e ⃗ no referencial do laboratório, obtivemos o valor 1,869 para a massa do méson D. 5.2) Simulação com distribuição gaussiana para a componente de ⃗⃗⃗⃗⃗ Para simular um decaimento de maneira mais realista, utilizamos uma distribuição gaussiana para os valores da componente do momentum da partícula mãe e, para cada evento, colocamos o momentum transverso (componente de ⃗⃗⃗⃗ perpendicular ao eixo ) como 10% do valor da componente . Como na simulação anterior, verificamos o sucesso do algoritmo ao recuperar as variáveis do Dalitz Plot e a massa do méson D a partir dos valores de energia-momentum no referencial do laboratório. As figuras abaixo ilustram esses resultados. Observa-se que, como nessa simulação o momentum transverso era não nulo, todas as componentes do quadri-momentum do káon se transformaram. Histogramas similares foram obtidos para os píons. Figura 5: Dalitz Plot gerado e recuperado para simulação de 300000 decaimentos com distribuição gaussiana da componente do ⃗⃗⃗⃗⃗ e momentum transverso de 10%. Departamento de Física Figura 6: Histogramas para a energia-momentum do káon. Departamento de Física 6) Conclusões Neste projeto, o objetivo era simular de maneira confiável decaimentos em três corpos de mésons B ou D, como base para o estudo de tais processos com dados reais - como os que estão sendo produzidos no LHCb. Tais decaimentos, se analisados independentemente para partícula e anti-partícula, podem trazer importantes informações sobre os fenômenos responsáveis pela assimetria de matéria-antimatéria. O estudo foi bem-sucedido, resultando em um algoritmo para a geração de diferentes canais de decaimentos no referencial do laboratório, uma valiosa ferramenta tanto para o entendimento da teoria por trás dos decaimentos de partículas relativísticas quanto para a análise de dados de decaimentos reais. Os métodos de verificação, como a reconstrução do Dalitz Plot e da massa da partícula mãe, forneceram os mesmos valores fornecidos como parâmetros no início da simulação. Os poucos erros nesses valores, observados em algumas simulações, podem ser atribuídos a erros computacionais de precisão. Não foram, no atual estágio, implementadas as ressonâncias no programa, mas o algoritmo é flexível o suficiente para que isso seja feito. Este projeto, apesar de introdutório, teve um caráter amplo. O estudo da Relatividade Restrita [2,5] e de Estatística [7] foram imprescindíveis para o entendimento dos objetivos e metas do projeto e formaram uma enriquecedora base de conhecimentos, que foi devidamente aplicada no desenvolvimento do algoritmo de simulação. O problema da assimetria entre matéria e anti-matéria, apesar de não ter sido diretamente abordado, foi tema das discussões cotidianas, e o método de simulação aqui desenvolvido figura como uma técnica importante para a busca de respostas na análise de dados do LHCb. Referências [1]LHCb home page: http://lhcb-public.web.cern.ch/lhcb-public/en/Physics/Physics-en.html. [2] GRIFFITHS, David, Introduction to Elementary Particles, Wiley-VCH, 2ª Ed., Capítulos 1, 2 e 3 (2008). [3]Página do CERN sobre o Modelo Padrão: http://home.web.cern.ch/about/physics/standardmodel [4]Página do CERN sobre Antimatéria: http://home.web.cern.ch/about/physics/searchantimatter [5] RINDLER, Wolfgang, Relativity: Special, General and Cosmological, Oxford University Press, 2ª Ed., vol. único, Capítulo 6, 2006. [6] http://root.cern.ch/drupal/ [7] BARLOW, R.J., Statistics: A Guide to the Use of Statistical Methods in the Physical Sciences, The Manchester Physics Series, John Wiley & Sons,1989.