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Mudança tecnológica, formação para o trabalho e o planejamento da educação SÔNIA REGINA MENDES Orientadora educacional do Colégio de Aplicação da UERJ, professora titular da UNIRIO e mestre em Educação pela UERJ.
As mudanças tecnológicas, ao mesmo tempo que fazem com que o processo de trabalho se modifique, impulsionam novas formas de abordagem sobre a relação trabalho e capital. Tais mudanças trazem também implicações significativas para a definição de uma política educacional. Devido ao avanço tecnológico, ao impacto da informatização, à mundialização da economia, aos novos padrões de organização do trabalho, a grande indústria começa a reclamar por mudanças no sistema de ensino. A educação agora passa a ser uma questão econômica essencial para o desenvolvimento do sistema produtivo; assume centralidade nas discussões como necessidade estratégica dos países na promoção do desempenho econômico eficaz de sua população e única alternativa possível para o ingresso no novo cenário de competição internacional. Essa tem sido, até então, a argumentação mais usada nos programas educacionais, tanto do governo quanto do empresariado, para assegurar aos indivíduos conhecimentos, habilidades cognitivas e competências sociais de acordo com as exigências do mundo do trabalho. Se o processo de industrialização nos seus momentos iniciais exigia pouco da escola, e o domínio do conhecimento científico estava restrito aos criadores de máquinas e a alguns técnicos especializados, o momento atual, de mudanças substanciais na organização da produção e do trabalho, passa a requerer, além da expansão da escolaridade mínima, uma reorganização do sistema educacional que contemple o preparo de homens capazes de utilizar, difundir e produzir conhecimento científico necessário à competitividade dos setores produtivos. Ao mesmo tempo que a demanda de ampliação das atividades educacionais se intensifica, o incremento da racionalização da organização da produção e do trabalho elimina a necessidade de um grande número de trabalhadores. As novas tecnologias e formas organizacionais do trabalho demandam uma qualificação superior da força de trabalho, o que poderá ser feito com a parcela de incluídos. Há, assim, no ar um ressuscitar da teoria do capital humano construída nos anos 60; os trabalhadores incluídos no processo de trabalho vão necessitar de novas capacidades intelectuais e comportamentais e a educação passa a se constituir em pilar fundamental do novo padrão de desenvolvimento econômico. O perfil do novo trabalhador deverá incluir atributos como raciocínio lógico; capacidade de comunicação, de decisão e resolução de problemas; cooperação e capacidade de aprender, A automação flexível exige do trabalhador a polivalência - "uma certa abertura quanto à possibilidade de administração do tempo pelo trabalhador e não importa necessariamente mudança qualitativa das tarefas."1 Assim, a educação a ser dada ao trabalhador deve possibilitar que ele se aproprie das novas formas de conhecimento científico e tecnológico. Na opinião de Neves:
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/.../a nova escola passa a apresentar como finalidade principal a formação técnica e comportamental daquele novo tipo humano capaz de decifrar e produzir os códigos culturais de uma civilização urbano-industrial que tem na crescente racionalização das relações sociais de produção - indissociabilidade entre teoria e prática - seu elemento - chave.2 Acreditando que a reorganização da escola não deveria ter somente como ponto de discussão a necessidade de elevar o padrão de escolaridade devido aos requisitos econômicos modernizantes, mas a possibilidade de atender aos interesses de todos os trabalhadores, incluídos e excluídos, é que nós nos propomos a investigar o discurso do governo e dos empresários no que concerne à proposta de ação na área educacional de forma a analisar criticamente a visão "otimista" que procura conjugar as aspirações educacionais das massas aos interesses das classes dominantes. É nossa intenção, também, deslocar a discussão para a possibilidade de as novas orientações sobre a educação estarem impregnadas da compreensão crítica da realidade social e atenderem às necessidades das classes trabalhadoras. A atribuição de prioridade para a educação deverá ser compreendida também pelo que oculta. Enquanto trabalhadores estão sob as exigências da nova lógica de utilização da força de trabalho, os excluídos vão estar engrossando os bolsões de pobreza em todo o mundo. É preciso considerar que estamos diante da convivência de novas formas de organização de trabalho com ex-trabalhadores substituídos pela automação.
PARADIGMA TÉCNICO-ECONÔMICO E A NECESSIDADE DE UM NOVO TRABALHADOR O modo de produção capitalista teve sempre um caráter evolutivo, transformações sempre ocorreram e se sucedem. Mais recentemente, alterações significativas vêm acontecendo atribuídas, principalmente, às inovações no campo tecnológico, em especial, o avanço da informática e robótica. Temos agora, dentro do mesmo modo de produção, inovações que têm imposto a reorganização do processo de trabalho dentro dos vários setores econômicos da sociedade. Os modelos tayloristas e fordistas, ainda presentes em larga escala, principalmente em países periféricos como o nosso, passam a conviver com setores mais avançados em que a organização do trabalho passa a ser baseada na substituição de trabalhadores em atividades isoladas; fragmentadas e desconectadas do produto final por uma dinâmica que possibilita desde o controle pelo homem de vários equipamentos relacionados a tarefas integradas até a instauração de equipes-tarefa que se incumbem de uma parte da produção. A linha de produção do esquema industrial fordista vai dando, aos poucos, lugar ao trabalho reorganizado em equipes incumbidas de dar conta de um segmento de produção final. Nesse contexto de reorganização do processo de trabalho no interior da produção capitalista, em função da competitividade mundial por parte dos mercados consumidores, países do primeiro mundo vêm enfrentando algumas questões sérias diante das mudanças significativas na relação homem/ trabalho:
As análises histórico-empíricas mostram de forma inequívoca que as mudanças tecnológicas deste final de século, por se gestarem e difundirem na lógica da apropriação privada, na lógica do capital, em muitos casos ampliaram os processos de exclusão, discriminação e desgaste dos trabalhadores. O tempo "livre" dos subempregados, dos empregados temporários, do desempregados, pura e simples mente excedente estrutural de mão-de-obra, tornou-se um tormento.3 Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 2, maio/ago., 1995
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Os excluídos vão estar engrossando os bolsões de pobreza, fazendo repensar toda a dinâmica das políticas de bem-estar social e o próprio processo de supremacia do desenvolvimento econômico como norteador das ações de organização dos países. Em paralelo, o padrão flexível de organização da produção leva o trabalhador a ajustar-se às novas exigências. O que temos diante de nós é a supremacia dos interesses do capital na exigência de novas qualificações na continuidade da exploração do trabalho do homem. Os debates sobre relação trabalho/educação se avivam sob o comando do novo padrão de racionalidade do processo de produção. Atualmente, no campo educacional brasileiro, a tendência nos debates tem sido marcada pelas exigências dos setores produtivos em requerer outro tipo de trabalhador mais adaptado à dinâmica do processo de organização do trabalho: o trabalhador polivalente. Do trabalhador polivalente vai se exigir habilidades básicas tais como: adaptação às mudanças; possibilidade de lidar com regras e normas em situações diferenciadas; curiosidade; motivação; iniciativa; vontade de aprender; e responsabilidade. Muitas das habilidades exigidas vão estar ligadas à educação básica, mas na o pressupõe, necessariamente, uma revolução na escola. Essas habilidades, de um modo geral, se farão no próprio trabalho pela participação nas novas formas de sua organização e pelo treinamento em serviço. Exprimindo as demandas do capital, a formação polivalente representa um movimento de revalorização da educação geral:
/.../uma das implicações da revolução tecnológica em curso é que os conteúdos gerais da -educação regular passaram a ser vistas como instrumentais para a formação profissional de todos e não mais apenas para as que ocupam postos gerenciais, técnicas e administrativas. Essa dimensão deverá alterar profundamente aquela postura dos empresários face à política educacional no sentido de as empresas buscarem exercer um controle mais direto sobre o sistema escolar. 4 Nesse sentido, é preciso estar atento aos chamamentos de melhoria da qualidade de ensino dentro da educação brasileira. A questão parece estar identificada somente com a perspectiva econômica, ou seja, o predomínio do enfoque do capital como articulador das políticas educacionais. É preciso estar atento: tanto educadores como instituições escolares deverão se aproximar da realidade social. Assim sendo, o controle democrático das políticas educacionais passa a ser elemento essencial para que a escola garanta aos trabalhadores os conteúdos necessários à compreensão e à intervenção na civilização tecnológica, bem como também seja o instrumental político necessário ao exercício pleno da cidadania, na medida em que ainda constatamos que ao capital basta somente a escola formadora de trabalhadores voltados para a produção por ele controlada.
AS NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABAILHO E O PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO: REVENDO ALGUMAS PROPOSTAS PARA A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO ATUAL O que se pretende nesse texto é identificar algumas propostas que vêm sendo colocadas, quer pelo Estado, quer pelo empresariado, em relação à educação no País a partir das transformações no campo da tecnologia e nos processos de trabalho. Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 2, maio/ago., 1995
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Há uma tendência da indústria contemporânea rumo à produção mais flexível. As novas modalidades de organização e desenvolvimento industrial advindas dos processos de automação vêm alterando os processos de trabalho. Automação flexível, flexibilização das funções, trabalho flexível marcam o processo produtivo. Sabendo-se que em países desenvolvidos não se configura a superação do paradigma tradicional de produção em massa fordismo - é preciso assinalar que no nosso País Já se observa em alguns setores a emergência em implementar um novo padrão de organização do trabalho e produção nas grandes indústrias dinâmicas de forma a torná-las competitivas. O panorama brasileiro se apresenta bastante heterogêneo. Convivem, lado a lado, setores flexibilizados com setores taylorizados e/ou fordistas dentro das empresas, e da mesma forma, umas em relação às outras. Contudo, diante de novas formas de mercado concorrencial, passam a ser objetivos empresariais a qualidade de produtos e a flexibilização da produção. De qualquer forma, é preciso considerar que:
Com a flexibilização funcional um novo perfil de qualificação de força de trabalho parece emergir e, em linhas gerais, pode-se dizer que estão sendo postas exigências como: posse de escolaridade básica, da capacidade de adaptação a novas situações, de compreensão global de um conjunto de tarefas e das funções conexas, o que demanda capacidade de abstração e de seleção, trato e interpretação de informações. 5 A conjugação de inovações tecnológicas e organizacionais colocou novas exigências em termos de qualificação para o trabalhador, o que passa a ser um ponto bastante critico para o País diante da precariedade da escola pública fundamental e da formação Profissional ainda restrita ao desenvolvimento da capacidade técnica. Assim, nesse contexto, é possível identificar alguns aspectos que vêm marcando o interesse do empresariado pela educação. Não se pretende afirmar que todo empresariado brasileiro esteja comprometido com um projeto educacional, mas é possível já apontar o surgimento de uma iniciativa educacional no âmbito do empresariado. O que se pode perceber é que o empresariado preocupa-se em manter uma proximidade com a formação de recursos humanos, participando através do financiamento da educação que deseja para seus funcionários. O Relatório da Gazeta Mercantil - Educação para Competitividade, publicado em 11 de maio de 1995,6 aponta nesta direção. Na perspectiva de Márcio Aith, um dos analisadores, o raciocínio que leva as empresas a promoverem programas de treinamento e educação para trabalhadores é o fato de não mais esperarem por mão-de-obra qualificada num País com um sistema educacional falido. Os empresários, não querendo correr o risco dentro de um mercado cada vez mais competitivo, afirmam que a educação é essencial para a redução de custos e o aumento da produtividade. Na verdade, os dados de escolaridade do trabalhador brasileiro são alarmantes:
/.../ 30% dos trabalhadores industriais são analfabetos, outros 30% têm alguma instrução, mas não são capazes de interpretar manuais de trabalho. Somente 40% tem o curso primário completo.7 Esse perfil não corresponde mais as exigências do novo paradigma do mundo do trabalho. Assim, os programas educacionais das empresas vão desde a alfabetização dos seus funcionários até o financiamento de instrução superior. A solução encontrada, por exemplo, nas empresas de construção civil foi manter escolas dentro dos canteiros de obra para alfabetizar seus funcionários. O objetivo é que funcionários possam compreender cartazes e Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 2, maio/ago., 1995
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cartilhas para diminuir desperdícios de material, riscos de acidentes de trabalho e entender técnicas de engenharia. Em outras áreas, no entanto, o objetivo já vem a ser o treinamento e a capacitação profissional. O importante é que o trabalhador conheça o seu próprio trabalho e estude as funções e as novas tecnologias de sua empresa. Este, por exemplo, foi o caso da General Motors do Brasil, que investe em programas de treinamento para seus funcionários em técnicas de equipe e noções de ISO 9000 - certificado internacional de qualidade. Assim, elevar o nível educacional do empregado é meta de muitas empresas; o que esperam é melhorar os resultados da própria empresa. Nessas circunstâncias, não se pode estranhar que venha a ser o empresariado, no momento, o mais preocupado em apresentar e defender um projeto educacional. Vejamos agora quais têm sido as iniciativas do Governo tendo como referencial os anos de 1994 e o início de 1995. Em maio de 1994, o então ministro da Educação e do Desporto do Governo Itamar Franco, propõe o debate do Plano Decenal de Educação para Todos,8 nas escolas brasileiras. O documento parte do reconhecimento das dificuldades que professores e dirigentes enfrentam no cotidiano para a universalização do ensino fundamental no País e aponta a leitura e debate do plano como instrumento para conclamar a todos para um esforço integrado em defesa de educação básica. Entre outros aspectos, o Plano Decenal de Educação para Todos não pretende ser confundido com o Plano Nacional de Educação, previsto na Constituição; sua função é justamente responder ao dispositivo constitucional que determina "eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental, estabelecendo o prazo de dez anos". O plano apresenta-se, então, como o "conjunto de diretrizes políticas em processo contínuo de atualização e negociação, cujo horizonte deverá coincidir com a reconstrução do sistema nacional de educação básica".9 No tocante ao contexto sócio-político e econômico do desenvolvimento educacional o plano coloca que, para inserção na ordem econômica internacional, será necessário implantar novos critérios de planejamento educativo e de relações entre escola e sociedade capazes de gerar oportunidades educacionais mais amplas e diferenciadas para os vários segmentos da população. O plano considera que o ajustamento econômico e financeiro acarreta mudanças na composição e dinâmica das estruturas de emprego e de formas de organização da produção, o que implica alterações correspondentes nas estruturas e modalidades de aquisição e desenvolvimento das competências humanas, Como pontos críticos da educação básica aponta: a baixa qualidade e heterogeneidade da oferta dessa educação ao povo brasileiro; a precariedade na formação e gestão dos quadros do magistério; as políticas distorcidas do livro didático e de apoio ao educando; a distribuição de recursos para a educação; a falta de integração vertical entre os sistemas de ensino; e a falta de continuidade e sustentação das políticas educacionais e de gestão dos sistemas e unidades escolares. Após análises desses pontos críticos, o documento apresenta os objetivos gerais da educação básica. Cabe ressaltar o primeiro:
1 - Satisfazer a necessidade básica de aprendizagem das crianças, jovens e adultos, provendo-lbes competências fundamentais requeridas para plena satisfação na vida econômica, social, política e cultural do País, especialmente as necessidades do mundo do trabalho.10 O plano apresenta, ainda, as metas globais a serem alcançadas nos próximos dez anos entre as quais, cabe destacar, a elevação de no mínimo para 94% a cobertura a ser dada à população em idade escolar. Finaliza o documento com a agenda de compromisso que visam a orientar o Plano Decenal de Educação para Todos.
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O Plano Decenal buscava também servir de roteiro para a realização de debates escolares de forma a possibilitar a elaboração de um relatório-síntese que seria encaminhado as secretarias estaduais de educação. Como profissional da educação, no município do Rio de janeiro, foi-me possível acompanhar o desenvolvimento desse trabalho até a realização dos relatórios-síntese em âmbito escolar. Os debates não chegaram, pelo menos nas escolas acompanhadas no município do Rio de janeiro, a empolgar com relação às promessas da tão sonhada melhoria de qualidade do ensino. A questão maior ficou em torno da necessária valorização do magistério. Como conclusão, podemos visualizar que já havia, a partir das análises e propostas do plano, a determinação do Governo em perseguir a melhoria da qualidade de ensino em atendimento às exigências da sociedade, em especial, as ditadas pelo mundo do trabalho. A questão de o projeto educacional para o País estar vinculado às novas exigências em termos de qualificação para o trabalhador vai ser ressaltada no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. A relação educação e trabalho passa a ser considerada sob o prisma único das exigências que a produção solicita para o trabalhador. A importância da escola para a produção ressurge de forma mais intensa e revela a necessidade de o capital exercer seu controle na estruturação de mudanças significativas na formação do trabalhador. Recentemente, o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, em artigo publicado no Relatório da Gazeta Mercantil - Educação para Competitividade, em 11/05/95, afirma que há uma determinação do Governo de realizar as reformas do ensino formal em parceria com o setor produtivo. A educação passa a ser vista como investimento estratégico para garantir o desenvolvimento e a inserção do País nos mercados mundiais: Em todo o mundo as mudanças tecnológicas têm exigido a especialização e o treinamento de milhares de trabalhadores em funções diversas das que exerciam quando começaram a trabalhar. O treinamento e a especialização só podem ser eficazes e eficientes se os indivíduos possuíssem como pré-requisito uma sólida educação básica. O Brasil não pode mais amargar mais uma década perdida. Só o investimento na qualificação constante na mão-de-obra em todos os níveis nos colocará em condições de competir com sucesso. 11 Assim, a educação básica passa a ser alvo da preocupação dos governantes. No mesmo artigo, o ministro ressalta o uso dos recursos da Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia (FINEP) para financiar o treinamento e aperfeiçoamento da mão-deobra. Esses seriam os "primeiros passos para realizar a revolução educacional de que o País necessita".12 A FINEP,13 segundo o mesmo relatório da Gazeta Mercantil, prevê o lançamento do Programa Educação para Competitividade (PROEDUC) com uma linha de crédito no valor de US$ 100 milhões. O programa será destinado a empresas, cooperativas, sindicatos e associações de classes, instituições de ensino, prefeituras municipais e governos estaduais. Uma das metas da FINEP é reduzir os dados alarmantes que constatam que cerca de 18 milhões de trabalhadores brasileiros não têm concluído o segundo grau de ensino. Sobre as ações a serem desenvolvidas, o presidente da FINEP, Lourival Carmo Mônaco, coloca:
Não há tempo a perder à espera de novas gerações. É responsabilidade do segmento empreendedor e dos próprios trabalhadores estabelecer uma agenda que viabilize a manutenção do nível de emprego. Às organizações governamentais caberá, cada vez mais, o papel mobilizador das forças do sistema produtivo para evitar o rompimento dos elos dessa cadeia da produtividade.14 Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 2, maio/ago., 1995
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Ao ressaltar o papel do Governo em perseguir a elevação do nível educacional dos trabalhadores de forma a enfrentar o ambiente de competitividade em âmbito internacional, o próprio Governo indica o retorno à crença na escola redentora. Será nesse sentido adaptativo do indivíduo à sociedade, às suas necessidades do mundo do trabalho, que podemos pensar o planejamento da educação? Que outras interpretações podemos dar à educação tendo em vista um outro ideal de sociedade? Para tanto, é preciso desvendar realisticamente os projetos de educação que nos são impostos; articulados aos interesses dominantes, os projetos omitem das novas exigências da sociedade que se anunciam, caracterizada pelo avanço irreversível da revolução científico-tecnológica, as desigualdades de toda natureza e suas conseqüências sociais, econômicas, políticas e culturais. Na sociedade que se vai constituindo é necessário estar atento; são complexas as relações existentes dentro da reestruturação do sistema capitalista e não se pode negar a imperiosa necessidade da modernização do sistema de ensino para o desenvolvimento econômico do País, reconhecendo que o tão sonhado engajamento e competitividade do País nos mercados internacionais, de forma a ultrapassar a dependência, passa também pela eficiência na produção de tecnologia. Refletindo sobre as funções da escola no contexto da revolução técnico-científica A reestruturação do sistema capitalista desencadeou transformações intensas nas relações, conteúdos e estrutura do trabalho. Profundas e rápidas mudanças diante da incorporação de tecnologia ao trabalho trazem consigo conseqüências negativas como o desemprego estrutural, a fome e a miséria. Diante desses aspectos é que pensamos articular a política educacional a um projeto de desenvolvimento social, sem o prevalecer somente da supremacia do enfoque econômico, o que vem marcando os debates no setor. Não se trata de negar que há uma relação positiva entre educação e desenvolvimento econômico, mas é preciso considerar a defesa da escolarização aliada também à luta pelo controle democrático da sociedade. Nesse viés será possível repensar uma escola comprometida com a difusão e produção do saber científico, construtora da dimensão social e ética do desenvolvimento humano, longe da escola defendida nos discursos modernizantes completamente submissa aos desígnios do capital. Nesse sentido nos aproximamos das idéias de Gramsci para a educação. Possivelmente, algumas de suas idéias nos servirão de guia para um planejamento da educação, identificado com a hegemonia da classe trabalhadora. Gramsci nos fala da hegemonia como capacidade de direção, de conquistar aliança, capacidade de fornecer unia base social ao estado do proletariado. No momento em que consegue criar um sistema de alianças de classe que lhe permite mobilizar a classe trabalhadora contra o capitalismo, o Proletariado se torna classe dirigente, se torna classe hegemônica. Gruppi coloca:
/.../sem uma unidade teoria e ação, a hegemonia é impossível, porque ela só se dá com a plena consciência teórica e cultural da própria ação, com aquela consciência que é o único modo de tornar possível a coerência da ação, de emprestar-lhe uma perspectiva, superando a imediatividade empírica. Hegemonia entendida aqui não apenas como direção política, mas moral, cultural, ideológíca.15 É nesse sentido que vislumbramos a construção da hegemonia da classe trabalhadora na conquista do poder. Para o alargamento da participação popular nos processos de decisão do País não basta a escola desejada pelo capital. A insistência de melhor qualificação da classe Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 2, maio/ago., 1995
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trabalhadora diante da introdução de inovações tecnológicas na produção não viabiliza uma escolarização que atenda à classe trabalhadora: o que prevalece é a argumentação da necessidade de os trabalhadores serem qualificados de forma imediatista para atender às suas próprias necessidades de trabalho, o que oculta os interesses reais do capital. Para Gramsci,16 na medida em que cada grupo social tem um tipo de escola próprio destinado, se perpetua nesses grupos uma determinada função tradicional no conjunto das relações sociais. Sua crítica se encaminha então para o significado social elitista e discriminador das escolas profissionais que são destinadas ao proletariado visando somente a satisfazer interesses práticos imediatos do capital:
O aspecto mais paradoxal reside em que este tipo de escola aparece e é louvada como democrática quando, na realidade, não só é destinada a perpetuaras diferenças sociais, como ainda cristalizá-las em formas chinesas.17 Na visão de Gramsci,18 a escola profissionalizante é uma forma imediatista de sujeitar crianças e jovens à lógica de produção o que leva à perpetuação das diferenças sociais, e nesse sentido, é profundamente antidemocrática. Sem opor resistência à modernização necessária ao desenvolvimento capitalista e das próprias forças produtivas, Gramsci defende um novo tipo de escola. A partir da crise da escola tradicional em função de industrialização e da crítica à escola profissionalizante, técnica e imediatista, onde o destino do aluno está predeterminado, encaminha como proposta a escola única inicial de cultura geral:
Nas escolas elementares, dois elementos participavam na educação e na formação das crianças: as primeiras noções de ciências naturais e as noções de direito e deveres dos cidadãos. As noções científicas deverão servir para introduzir o menino na societas rerum, ao passo que os direitos e deveres para introduzi-las na vida estatal e na sociedade civil. 19 A proposta da escola unitária de Gramsci é na verdade um amplo projeto político. A escola tem um papel a cumprir quanto à elevação das massas do senso comum à consciência filosófica, proporcionando às classes subalternas uma visão do mundo natural e social que as ajude a se inserir nas relações sociais, políticas e culturais de uma sociedade capitalista, no sentido de visualizar e lutar pela sua transformação. A educação emerge como instrumento necessário à luta entre as classes sociais pelo exercício do poder, pela hegemonia. Uma educação visada pela classe que tenha uma contra-hegemonia lutará por uma nova concepção de mundo, onde a apropriação coletiva do saber permitirá que as contradições sejam percebidas. No modo de produção capitalista, o planejamento da educação tem dissimulado as contradições existentes: A educação posta a serviço de uma classe dominante de ideologia repressiva não passa de um mecanismo que: a) ajusta os indivíduos à ordem social vigente, pela transmissão de um saber elitista e definido pelo poder estabelecido; h) oculta as contradições sociais por meio de discursos dissimuladores da realidade; c) mantém coesa toda a sociedade, através de discursos homogêneos, igualitários e até renovadores .20 Nesse contexto, a luta pela educação assumida pelos governantes não corresponde à luta pela escola única em que seja garantido a todos o acesso à cultura. A verdadeira tendência democrática está em garantir, pelo menos nos níveis básicos de ensino, a existência da escola de "cultura desinteressada" na expressão do pensamento gramsciano: Boletim Técnico do Senac - v. 21, n. 2, maio/ago., 1995
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Em certo sentido, em português, se contraporia a interesseiro, mesquinho, individualista, de curta visão, imediatista e até oportunista, o sentido de cultura desinteressada como sendo de ampla visão, séria, profunda, individual e coletiva, que interessa a todos os homens. 21 Cultura que habilitaria o homem a interpretar a herança histórica e cultural da humanidade e, nesse sentido, distinguir-se da cultura entendida como acervo de conhecimentos enciclopédicos. Nesse momento, o que se quer é demarcar a ruptura com as propostas emanadas do Governo. O modo capitalista de produção condiciona a escola a preparar o homem para atuar no mundo do trabalho redimensionado pela incorporação tecnológica. À classe trabalhadora interessa um escola voltada para a formação do homem político, capaz de intervir na transformação das relações vigentes. Nesse sentido, poderíamos afirmar que para o encaminhamento desse projeto em função da classe trabalhadora, o caminho será unicamente o controle democrático das políticas educacionais, vivenciadas por reações no âmbito da sociedade que indicariam um caminho seguro para valorização da educação.
CONCLUSÃO A reflexão sobre a relação educação e trabalho nos tem mostrado que a questão fundamental vem sendo utilizar a educação para consolidação dos interesses do capital. O que temos observado hoje é justamente o bombardeamento da educação nesse sentido, os discursos vêm impregnados da urgência do País se inserir na competição global, o que parece evitar análises mais profundas que venham a expor o que o mundo todo enfrenta com relação às questões sociais: " ... tem ocorrido uma espécie de terceiro mundialização de grandes cidades de países do Primeiro mundo. 22 As desigualdades expressas pelo desemprego estrutural prolongado, salários submínimos, expansão da pobreza, deterioração das condições de saúde, educação inadequada, habitação superpovoada, entre outros aspectos, estão se manifestando, também, no Primeiro Mundo. O capital começa a enfrentar questões que não têm podido resolver; na verdade, todas essas questões que são nossas velhas conhecidas. A escola aparece então tendo como finalidade básica formar técnica e comportamentalmente o homem que aparentemente vai participar da civilização urbano-industrial que se define principalmente pela crescente racionalização da produção. Nesse sentido, parece que se retira da escola o seu sentido mais crítico que pode almejar trabalhar por um outro ideal de sociedade, quem sabe, possibilitando que os indivíduos das classes trabalhadoras se situem na sociedade diante dos interesses do capital, constituindo-se como cidadãos. Assim, a escola teria como papel fundamental elevar o patamar cultural das classes subalternas, possibilitar o domínio do saber científico, o acesso ao saber, instrumental fundamental de leitura do momento contemporâneo, o que daria condições de intervenção política na transformação da sociedade. Certamente a luta por essa escola passa obrigatoriamente pelo controle democrático das políticas educacionais de forma em que possam ser colocados os interesses das classes trabalhadoras. Nesse sentido, é preciso rever as concepções de políticas educacionais que "supostamente" aproximam os interesses do capital com os da classe trabalhadora por educação. O capital reBoletim Técnico do Senac - v. 21, n. 2, maio/ago., 1995
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quer uma formação escolar que se ajuste ao contexto de transformação da organização do trabalho. Para os trabalhadores, o interesse maior está nas possibilidades de a escola se constituir em instrumental decisivo para o exercício pleno da cidadania, o que necessariamente nos remete também à esfera da vida comunitária. Num mundo repleto de desigualdades marcantes, não seria esse um dos compromissos da escola?
NOTA 1
MACHADO, Lucília Regina de Souza. Mudanças tecnológicas e a educação da classe trabalhadora. Campinas: Papirus , 1992. Trabalho e Educação. p. 19.
2
NEVES, Lúcia M.W.Educação e política no Brasil de hoje. São Paulo: Cortez, 1994.p. 21.
3
FRIGOTTO, Gaudêncio. As mudanças tecnológicas e a educação da classe trabalhadora: politecnia, polivalência ou qualificação profissional. Campinas: Papirus 1992. Trabalho e Educação. p. 50.
4
SALM, Cláudio. Os sindicatos, as transformações tecnológicas e a educação. Campinas: São Paulo, 1992. Trabalho e Educação. p. 98.
5
MACHADO, Lucília Regina de Souza. op. cit., p. 15.
6
Apud. RELATÓRIO educação para a competitividade. Gazeta Mercantil, Rio de Janeiro, 11 de maio de 1995.
7
Id. ibid., p. 1.
8
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Plano Decenal de Educação para todos. Brasília, 1993.
9
Id. ibid., p. 15.
10
Id. ibid., p. 37.
11
Apud.Gazeta Mercantil. op. cit., p. 2.
12
Id. ibid.
13
Id. ibid.
14
Id. ibid., p. 5.
15
GRUPPI, Luciano. Concerto de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro:Graal,1978.p. 11.
16
Apud. MOCHCOVITCH, Luna. Gramsci e a escola. São Paulo: Ática, 1980
17
Id. ibid., p. 55.
18
Id. ibid.
19
Apud. NOSELA, Paolo. A escola de Gramsci. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992
20
JESUS, Antonio Tavares de. Educação e hegemonia no pensamento de Antonio Gramsci. São Paulo: Universidade de Campinas, 1989. p. 45.
21
NOSELA, Paolo. op. cit.
22
IANNI, Octavio. O mundo do trabalho. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.8, n.l,, jan./mar., 1994. p. 9.
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