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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR
NOTAS SOBRE FENÓMENOS DE TRANSFERÊNCIA para o Curso de EPGI
Paulo Jorge Pimentel de Oliveira (Janeiro 1998)
Departamento de Engenharia Electromecânica Universidade da Beira Interior, 6200 Covilhã, Portugal.
Notas Fenómenos de Transferência - Paulo Oliveira
Conteúdo 1. Equações diferenciais ì Teorema de transporte de Reynolds ...3 ì Equação da conservação de massa, ou equação da continuidade...3 ì Equação da conservação da quantidade de movimento ...3 ì Equação de conservação da energia interna ...5 ì Equação de transporte para uma variável 9 conservativa ...6 ´ 2. Equações integrais (ou macroscopicas) para um volume de controlo ì Conservação de massa ...7 ì Conservação da quantidade de movimento (cálculo de forças) ...7 ì Conservação da energia total (interna cinética potencial) ...7 ì Conservação da energia mecânica (equação de Bernoulli; fluido incompressível...8 3. Cálculo de perdas de carga (dimensionamento de redes de condutas) 3.1 Perdas de carga em linha ...8 3.2 Perdas de carga pontuais ...10 4. Transmissão de calor 4.1 Leis básicas ...11 4.2 Transferência de calor por condução ...13 4.2.1 Caso de várias paredes planas, incluindo convecção interior e exterior ...13 4.2.2 Caso de várias cascas cilíndricas... 14 4.2.3 Caso de várias calotes esféricas ...15 4.2.4 Raio crítico de isolamento cilíndrico ... 16 Þ 4.2.5 Cilindro com fontes de calor internas q@ ... 16 4.3 Transferência de calor por convecção ... 17 4.3.1 Convecção forçada dentro de tubos cilíndricos ... 18 4.3.2 Convecção natural ... 20 5. Exames resolvidos Teste de 30/1/1998 ... 21 Exame de 16/2/1998 ... 32 Bibliografia Transport Phenomena, R.B. Bird, W.E. Stewart e E.N. Lightfoot, (1960) John Wiley. Engineering Thermodynamics - Work & Heat Transfer, G.F.C. Rogers and Y.R. Mayhew, (1967) Longman. Fenómenos de Transporte- Quantidade de Movimento, Calor e Massa, C.O Bennett e J.E. Myers, (1978) McGraw -Hill.
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Notas Fenómenos de Transferência - Paulo Oliveira
1. Equações diferenciais ì Teorema de transporte de Reynolds Para uma propriedade genérica por unidade de massa 9, definida num volume de controlo V e para um campo de velocidades u, tem-se: ` 39 D ' 39 dv œ ' Ð ` t f † 39u Ñ dv Dt V V
(1)
Nota: a derivada substantiva, ou derivada seguindo o movimento, é dada por: D9 `9 œ u † f9 Dt `t
(2)
Em coordenadas Cartesianas, com notação indicial, fica: D9 `9 `9 œ ` t u4 ` x ´ Dt 4
`9 `9 `9 `9 u `x v `y w `y `t
(3)
onde (u,v,w) são as componentes da velocidade segundo os eixos (x,y,z). ì Equação da conservação de massa, ou equação da continuidade: A massa duma determinada porção de meio contínuo conserva-se, ou seja: D D m œ Dt ' 3dv œ 0 Dt V
Ê
`3 f † 3u œ 0 `t
(4)
onde se usou o teorema do transporte de Reynods. Usando a definição de DÎDt, esta equação pode ainda escrever-se: D3 œ 3f†u Dt
(5)
Para um fluido incompressível, 3 é constante ao longo do movimento, e a equação da continuidade fica: f†u œ 0
(que também pode ser escrita como divu œ 0)
(6)
ì Equação da conservação da quantidade de movimento (ou do momentum) A segunda lei de Newton diz que a taxa de variação temporal da quantidade de movimento (mu) é igual às forças aplicadas. Para uma porção de meio contínuo contida num volume V, a lei de Newton fica: D ' 3u dv œ ' T ds ' 3f dv Dt V V S
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Notas Fenómenos de Transferência - Paulo Oliveira
onde T são as forças de superfície (S é a superfície que envolve V) e f é a força por unidade de massa que actua dentro de V (por vezes designada força “volúmica” sendo devida a um campo de forças externo, em contraste com as forças de superfície que são internas ao meio); normalmente f é a força da gravidade, g. A força T actuando numa superfície com normal unitária n pode exprimir-se em termos do tensor das tensões 5 como: T œ n † 5 (ou, em componentes: T3 œ n4 543 œ 534 n4 , pois 5 é simétrico)
Aplicando o teorema de Reynolds e o de Gauss (' n † 5 ds œ ' f † 5 dv ), obtem-se: S
(7)
V
` 3u f † Ð3u uÑ œ f † 5 30 `t
(8)
que se pode também escrever, usando a equação da continuidade: Du
(9)
3 Dt œ f † 5 30
Em problemas de mecânica de fluidos é usual separar o tensor das tensões numa parte de pressão mais uma parte de tensões viscosas: 5 œ p$ 7
(10)
($ é o tensor unitário, sendo $34 œ 0, se 3 Á 4, ou œ 1, se 3 œ 4), pelo que a equação da conservação da quantidade de movimento fica: Du
3 Dt œ fp f † 7 30
(11)
Para um fluido Newtoniano (como o ar, ou a água) as tensões viscosas são dadas por uma equação constitutiva linear nos gradientes de velocidade, do tipo: 2
7 œ . Ðfu fuT Ñ 3 . Ðf † uÑ $
(12)
onde . é a viscosidade dinâmica e T denota o tensor transposto. Substituindo na Eq. (11), para . constante, obtêm-se as equações de Navier-Stokes que, conjuntamente com a equação da continuidade, governam o movimento dum fluido Newtoniano incompressível: Du
3 Dt œ fp .f# u 30
(13)
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Notas Fenómenos de Transferência - Paulo Oliveira
ì Equação de conservação da energia interna E A primeira lei da termodinâmica diz que a taxa de variação da energia total dum sistema Þ Þ µ é igual ao taxa de trabalho e de calor que entram através da fronteira, DE ÎDt œ W Q. µ A energia total é E œ E E5 E: : energia interna cinética potencial, mas na dedução que se segue a energia potencial é contabilizada separadamente através das forças volúmicas f. Aplicando este princípio a um volume V, e não esquecendo de contabilizar todas as formas de potência que actuam sobre V, tem-se: D ' # ' T † u ds ' 3f † u dv ' qÞ † n ds ' qÞ @ dv 3 Ð e u Î 2 Ñ dv œ Dt V V V S
S
O primeiro termo do lado direito da equação representa a potência (força vezes velocidade) das forças de superfície (aquelas que actuam na superfície S que rodeia o ´ volume V); o segundo termo representa a potência das forças volumicas; o terceiro termo Þ representa o fluxo de calor por condução q que entra em V através da superfície S (o termo é negativo porque a normal considera-se positiva a sair de V); o último representa eventuais fontes volumétricas de calor (por exemplo, produção interna de calor por efeito de Joule, ou por reacção química, etc). Utilizando os teoremas de Reynolds e de Gauss, a definição de T por meio do tensor das tensões, a equação da conservação da quantidade de movimento, e a lei de Fourier para especificar o fluxo de calor por condução: Þ q œ kfT
(lei de Fourier para condução de calor)
(14)
onde k é a condutividade térmica, [W/mK], e T a temperatura, obtem-se finalmente a equação da conservação da energia interna específica (e œ E/m): Þ De 3 Dt œ f † ÐkfTÑ q@ 5 À fu
(15)
Para um fluido Newtoniano fica: Þ De 3 Dt œ f † ÐkfTÑ q@ pÐf † uÑ 3 F
(16)
onde a função de dissipação F œ 2.ÐDÀ D Ðf † uÑ# Î3Ñ (com D ´ "# Ðfu fuT Ñ denotando o tensor das deformações) é um termo sempre positivo que representa a dissipação viscosa (transformação de energia interna em calor devido a irreversibilidades associadas com fricção interna por viscosidade). Este termo é pequeno em muitos casos podendo ser desprezado. Em escoamentos a alta velocidade torna-se importante e para velocidades usuais só é importante quando a viscosidade do fluido é elevada. Para fluidos incompressíveis a equação da continuidade implica que o termo pdivu se anula. A equação de conservação da energia interna pode ainda exprimir-se em termos de entalpia,
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h œ e pÎ3
Dh
De
Dp
p D3
Ê 3 Dt œ 3 Dt Dt 3 Dt
ficando: Dp Þ Dh 3 Dt œ f † ÐkfTÑ q@ Dt 3 F
(17)
Relembra-se que para um gás perfeito se tem: Dh œ c: DT e De œ c@ DT onde c: e c@ são os calores específicos a pressão e volume constantes, respectivamente. ´ Para um fluido incompressível, ou um solido, tem-se c: œ c@ ´ c (calor específico). ì Equação de transporte para uma variável 9 conservativa A equação de transporte para uma propriedade que se conserva pode, em geral, escreverse: ' Ð ` 39 Ñ dv œ ' J9 † n ds ' S9 dv `t
V
S
Ê
V
` 39 f † ÐJ9 Ñ œ S9 `t
(18)
exprimindo o facto que o aumento temporal da propriedade 9 dentro do volume V resulta do fluxo total de 9 que entra em V através da superfície S (lembrar que o vector normal n está a sair de V, por isso o sinal negativo) mais eventuais fontes internas de 9 por unidade de volume, S9 . O fluxo total de 9 (por unidade de área e de tempo) pode ser separado num fluxo convectivo (transporte pelo movimento do meio contínuo, proporcional à velocidade ‚ densidade) e num fluxo difusivo (transporte por vibrações a nível molecular, proporcional ao gradiente da quantidade transportada), assim: J9 œ Ð3u9Ñ Ð >9 f9Ñ
(19)
onde >9 é o coeficiente difusivo de 9. Substituindo na Eq. (18), a equação de transporte fica: ` 39 f † Ð3u9Ñ œ f † Ð>9 f9Ñ S9 . `t
(20)
É de reparar que qualquer das equações dadas anteriormente pode ser vista como resultante desta equação geral de transporte, desde que se faça a escolha acertada de 9 , >9 e S9 . Por exemplo, para a energia interna, basta considerar 9 œ c@ T e >9 œ kÎc@ e incorporar todos os termos restantes no termo fonte S9 .
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´ 2. Equações integrais (ou macroscopicas) para um volume de controlo ì Conservação de massa: dm@Þ Þ œ !m3 !m/ dt / 3
(21)
Þ Þ onde m3 e m/ são os caudais mássicos nas entradas e nas saídas do volume de controlo Þ VC, respectivamente. Lembrar que um caudal mássico é dado por m œ 3uA (onde 3 é a densidade do fluido, A é a área de passagem e u a velocidade normal a A; em geral, em Þ termos vectoriais, será m œ 3u † A). Em problemas com fluidos incompressíveis (água, por exemplo) é comum usar-se o caudal volúmétrico: Þ Q@ œ A u [m$ Îs]
Þ Þ com m œ 3Q@
(em tubos circulares, A œ 1d# Î4).
Em regime estacionário (quando não há variações temporais) temos simplesmente que a soma dos caudais à entrada do VC é igual à soma dos caudais à saída: Þ Þ !m !m 3 œ / 3
(22)
/
ì Conservação da quantidade de movimento (cálculo de forças): dP@Þ Þ œ !m3 u3 !m/ u/ !p3 A3 !p/ A/ F m@- g dt / / 3 3
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onde a quantidade de movimento do VC é denotada P œ ' 3u@- dv œ m@- u @- ( traço @-
representa um valor médio). A equação acima expressa a segunda lei de Newton aplicada ao VC: a taxa de aumento da quantidade de movimento dentro do VC resulta de fluxos de quantidade de movimento que entram associados com fluxos mássicos (menos os que saiem), a que se somam as forças de pressão aplicadas nas entradas (menos a saídas), mais a força total exterior F aplicada sobre a superfície do VC, mais as forças internas por unidade de massa (tipicamente, o peso devido ao campo da gravidade). Em regime estacionário o termo dPÎdt anula-se. ì Conservação da energia total (interna cinética potencial): µ dE @Þµ œ !m3 h dt 3
3
Þ Þ Þ Þ µ !m/ h / W Q W=-
(24)
/
expressando o facto que o aumento da energia total dentro do volume de controlo µ (E @- œ E@- E5 E: ; com E5 œ "# m@- u#@- e E: œ m@- gz@- , z= altura acima nível de µ referência) é devido a entrada de entalpia total (h œ h gz u# Î#) associada aos fluxos
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Notas Fenómenos de Transferência - Paulo Oliveira
mássicos (menos saída), mais entrada através da fronteiraÞ do VC de trabalho ao eixo por Þ unidade de tempo (W) e de calor por unidade de tempo (Q), mais eventualmente trabalho Þ devido a deslocamento da superfície de controlo (W=- œ p=- dV@- Îdt). Se denotarmos µ Þ Þ µ Þµ H œ !mh , para o caso do regime estacionário (dE Îdt œ W=- œ 0) a conservação de energia fica: µ µ Þ Þ Þ Þ H3 W Q œ H/
Í energia que entra œ energia que sai
ì Conservação da energia mecânica (equação de incompressível) Ao longo duma linha de corrente entre os pontos " e #, tem-se: u#" u## p" p# gz w œ gz# e@"# " "# 2 2 3 3
Bernoulli;
(25) fluido
(26)
onde e@"# representa a dissipação devida aos efeitos viscosos no fluido (perda de carga) entre os pontos " e #, e w"# representa o trabalho ao eixo, por unidade de massa, eventualmente fornecido entre os pontos " e # (por exemplo, por uma bomba hidráulica ou um ventilador). 3. Cálculo de perdas de carga (dimensionamento de redes de condutas) As perdas de carga separam-se em: ì perdas de carga em linha (e@"# ) ocorrem ao longo dum tubo, devido ao atrito nas paredes; ì perdas de carga pontuais (e@4 ) ocorrem em dispositivos existentes em determinados pontos duma linha (por ex. torneiras, cotovelos, curvas, expansões, contrações, válvulas, etc). 3.1 As perdas de carga em linha calculam-se por meio de coeficientes de atrito definidos como: 7
f ´ 1Î2A3u# (adimensional)
(27)
onde 7A é a tensão de corte existente na parede do tubo. Esta tensão na parede pode ser relacionada com a perda de pressão existente entre duas secções dum tubo cilíndrico de diametro d e comprimento L. A equação do balanço de quantidade de movimento reduzse a:
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Notas Fenómenos de Transferência - Paulo Oliveira
força de pressão œ força de atrito na parede Ê 1d#
L
Ê Ðp" p# Ñ 4
œ 7A Ð1dL) Ê ?p œ 7A 4 d
com ?p ´ p" p# . A equação de Bernoulli, assumindo um tubo horizontal de secção constante (u" œ u# ) e sem que haja fornecimento de trabalho, reduz-se a: ?p œ 3 e@"#
(28)
e portanto a perda de pressão devida à fricção é: L
L
?p œ 3 e@"# œ 7A 4 d œ fÐ 12 3 u# Ñ4 d Ê
L u#
e@"# œ 4f d 2
Ê
[J/kg]=[m# Îs# ]
(29)
´ Os valores de f dependem do regime dinâmico (laminar ou turbulento), do numero de Reynolds (Re œ 3udÎ.) e do valor da rugosidade da parede dos tubos (%Îd), e são normalmente obtidos de correlações empíricas ou de gráficos (o famoso diagrama de Moody). Para tubos lisos, em regime laminar, as equações de Navier-Stokes permitem obter a expressão que dá a variação da velocidade na secção do tubo de raio R, u(r)Îu! œ 1 ÐrÎRÑ# e permitem ainda relacionar o valor máximo da velocidade no eixo do tubo, u! , com o Þ ; de notar que este valor médio na secção, u (o caudal volumétrico é Q@ œ Au u ´ corresponde ao u usado na eq. de Bernoulli e nos balanços macroscopicos): u! œ 2 u . Deste modo o valor da tensão de corte na parede pode ser calculado, de 7A œ Ð.` u(r)Î` rÑ<œV , e consequentemente o coeficiente de fricção: 16
f œ Re .
(30)
(Chama-se a atenção de que em alguns livros se usa um coeficiente de fricção igual a 4 vezes o aqui definido) Para regime turbulento (Re 2000 em tubos lisos), o coeficiente de fricção não pode ser obtido analiticamente. Existem algumas correlações empíricas ou semi-empíricas (ver ´ nas Tabelas dadas). Uma das mais usadas, para tubos lisos, é a formula de Blasius: f œ
0.0791 Re"Î%
(válida para 2300