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UBALDO MARQUES PORTO FILHO
Suerdieck EPOPEIA DO GIGANTE
1892 1999 HISTÓRIA COMPLETA DO FABRICANTE, INTERNACIONALMENTE FAMOSO, QUE FOI O MAIOR PRODUTOR MUNDIAL DE CHARUTOS FEITOS À MÃO.
COM A SAGA DA FAMÍLIA SUERDIECK
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UBALDO MARQUES PORTO FILHO
Salvador - Bahia 2011
Copyright © 2003 by Ubaldo Marques Porto Filho www.ubaldomarquesportofilho.com.br
[email protected]
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS, DE ACORDO COM A LEI DO DIREITO AUTORAL Registro nº 201.014, Livro 347 – Folha 174 Escritório de Direitos Autorais Ministério da Cultura – Fundação Biblioteca Nacional Nenhuma parte desta edição poderá ser utilizada ou reproduzida, em qualquer meio ou forma (seja mecânico, eletrônico, fotocópia, gravação, etc.), nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sem autorização prévia do autor. Os infratores estarão sujeitos às sanções previstas na Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.
COORDENAÇÃO EDITORIAL MARQUES PORTO COMUNICAÇÃO PROJETO GRÁFICO MARQUES PORTO COMUNICAÇÃO MIGUEL MACEDO DOS SANTOS CAPAS MARQUES PORTO COMUNICAÇÃO MIGUEL MACEDO DOS SANTOS REVISÃO ELZELI DUARTE DE PINHEIRO EDITORAÇÃO ELETRÔNICA MIGUEL MACEDO DOS SANTOS EDITORAÇÃO FINAL GIBSON JUNIOR http://gibsondesigner.carbonmade.com/ JOSÉ CARLOS BAIÃO FERREIRA www.verbodeligacao.com.br PATROCÍNIO ONLINE Casa de Cultura Carolina Taboada www.casataboada.com.br P883 Porto Filho, Ubaldo Marques. Suerdieck, epopéia do gigante. Ubaldo Marques Porto Filho. - Salvador: Ubaldo Marques Porto Filho, 2003. 400p. il.
ISBN 85-903378-1-2 1. Suerdieck - Genealogia. 2. Charutos - Bahia. I. Título.
CDU – 929.52 SUE 663.975(813.8)
Ficha Catalográfica elaborada por Maria Augusta Mascarenhas Cardozo, Bibliotecária do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia O autor concluiu a redação deste livro em janeiro de 2003, antes da entrada em vigor da Reforma Ortográfica que unificou, em 1º de janeiro de 2009, a grafia do idioma na Comunidade dos Países da Língua Portuguesa. No Brasil, as mudanças passarão a ser de uso obrigatório a partir de 2016.
AGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOS Pessoas Físicas
Pessoas Jurídicas
Afonso Imhof Agrair Schmidt Aída Ribeiro Albrecht Wolfgang Meyer Suerdieck Ângela Maria da Silva Caldas Aníbal Pedreira Brandão Carlos Roberto de Mello Kertész Eduardo Barreto de Abreu Fernando Alberto Fraga Francisco Ribeiro de Carvalho Fred S. Suerdieck Geraldo Dannemann Neto Indira Mesquita Marques Porto José Góes de Araújo José Miranda dos Reis Neto Júlia Maria Dâmaso Suerdieck Klaus Peter Andreas Häfele Margret Käthe Helene Schwartz (Magy) Maria Joana Cathalá Loureiro Mário Oliveira de Rezende Nicolau Meyer Suerdieck Nodgi Enéas Pellizzetti Oréade Mesquita Marques Porto Paulo Georg Muelbert Regina Célia Zobiak Sérgio Lima Vieira Walter Melgaço Knittel Walter Stumm Wellington Cunha Costa Pinto Wilma Cosenza Suerdieck Wolfgang Albert Arnold Meyer Yvette Marques Porto Pavão
A Tarde Câmara de Charuto da Bahia Casa de Cultura Carolina Taboada Centro de Turismo Alemão (São Paulo) Correio da Bahia Embaixada da Bélgica Fundação Cultural de Joinville Fundação Gregório de Mattos Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia - Irdeb Instituto Geográfico e Histórico da Bahia Junta Comercial do Estado da Bahia Prefeitura de Melle (Alemanha) Prefeitura de Rio do Sul (Santa Catarina) Prefeitura de Stadthagen (Alemanha) Promotur – Companhia Municipal de Promoção Turística de Joinville e Região
AgradecimentoS EspeciaIS Cid Teixeira Elzeli Duarte de Pinheiro José Haroldo Castro Vieira Luiz Carlos Flores Ramos Márcio Santos Souza Mário Amerino Portugal Nelson Almeida Taboada Themístocles Guerreiro
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INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
A história nos conta que a lavoura comercial do fumo na Bahia começou no século XVII. Rapidamente tornou-se um dos esteios da economia do Recôncavo e especialmente de Maragojipe (antigamente, escrevia-se com dois g - Maragogipe), onde os armazéns de enfardamento do fumo se tornaram numerosos. Dois séculos depois, em 1852, teve início em nossa cidade a produção de charutos, com a Fábrica Mello, do português Manoel Vieira de Mello. Depois surgiram as fábricas dos charutos Dannemann e Victória. A Suerdieck, que já possuía um armazém de fumo no cais do Cajá, entrou em 1905 na manufatura dos charutos e transformou-se numa gigante do setor, dando a Maragojipe a maior fábrica de charutos artesanais do mundo. A Suerdieck marcou época em Maragojipe e teve presença marcante na vida dos maragojipanos até 1970, quando a empresa enfrentou uma crise financeira decorrente da queda anual nas vendas de charutos. A partir daí entrou em processo de paulatina decadência. Em 1992 a grande fábrica foi fechada, encerrando um ciclo de 140 anos ininterruptos dos charutos em Maragojipe. Um antigo empregado da Suerdieck, que testemunhou a fase final do império dos charutos, e que depois seria escritor, autor de vários livros, resolveu contar em livro toda a trajetória da empresa que fez história em Maragojipe. Embora tivesse sido aprovado pelo Fazcultura, programa estadual de incentivo à cultura, em que o patrocinador da obra entra com 20% de recursos próprios e os 80% do valor total do projeto são de renúncia fiscal do Estado, no recolhimento do ICMS, nenhuma empresa se dispôs a publicar a obra. Por temer as campanhas antifumo, os empresários não quiseram associar a imagem de suas empresas a uma antiga produtora de charutos, mesmo que essa já não mais existisse. Resultado: o livro ficou engavetado. Em quase três séculos e meio de presença fortíssima na economia maragojipana, forjando riquezas, patrocinando o progresso e consolidando tradições, a cultura fumageira e o ciclo dos charutos não podem agora ser banidos da memória de Maragojipe, simplesmente porque o fumo foi transformado num dos vilões dos tempos atuais. Uma das preocupações dos representantes do povo na Casa Legislativa é justamente com o resgate e a valorização dos bens históricos e culturais do nosso município. E esse trabalho começou com a restauração do Paço Municipal, antiga Casa da Câmara e Cadeia, por onde passaram dois ilustres personagens da história nacional. O primeiro, em circunstâncias dramáticas, foi o general Pedro Labatut, um dos heróis da Independência do Brasil. No dia 8 de novembro de 1822, ele havia conduzido a vitória dos brasileiros na Batalha de Pirajá, a mais importante da campanha pela Independência na Bahia. Logo depois, vítima de um complô de seus liderados, Labatut foi destituído do comando do Exército Libertador e mantido
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preso em Maragojipe até ser enviado ao Rio de Janeiro. O segundo, em circunstâncias festivas, foi D. Pedro II. O imperador do Brasil foi recepcionado, juntamente com a imperatriz Teresa Cristina, com um jantar no Paço da Câmara, na noite de 9 de novembro de 1859. O histórico Paço Municipal, que abriga a sede da Câmara Municipal de Maragojipe, passou por obras de restauro na sua parte superior, logo no início da nossa gestão na presidência do Poder Legislativo. Inauguramos as reformas no dia 20 de março deste ano e já iniciamos a restauração do pavimento térreo. É onde se encontram as duas celas da antiga cadeia, numa das quais ficou o general Labatut. O projeto dessa segunda etapa prevê a instalação do Museu da Memória de Maragojipe, do qual fará parte um conjunto de peças da Suerdieck, composto basicamente por caixas de charutos, material promocional, publicações, fotografias e documentos da maior produtora de charutos que o Brasil teve e que muito divulgou Maragojipe pelo país e no exterior, além de ter contribuído de forma relevante com as manifestações socioculturais e religiosas em nosso município. O acervo da Suerdieck foi entregue pelo maragojipano Geraldo Meyer Suerdieck, que durante 27 anos foi o comandante supremo da indústria charuteira, aos cuidados do escritor Ubaldo Marques Porto Filho, autor do livro “Suerdieck, Epopeia do Gigante”, cujo conteúdo contém um retrato de uma fase opulenta de Maragojipe. Durante dez anos, o biógrafo da Suerdieck esperou pelo surgimento de um local adequado para poder fazer a doação dos objetos sob a sua guarda. E ele fará a opção pela Câmara Municipal de Maragojipe, tão logo o projeto do museu no Paço Municipal seja uma realidade. E na complementação do resgate dos registros históricos, a Câmara Municipal de Maragojipe está se empenhando com afinco na busca dos meios necessários para que o importante livro, escrito por Ubaldo Marques Porto Filho, possa ser publicado e venha enriquecer a historiografia de Maragojipe. Maragojipe, julho de 2011. Themístocles Antônio Santos Guerreiro (Tek de Coqueiros) Presidente da Câmara Municipal de Maragojipe
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APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO Correio da Bahia/Claudionor Jr.
Em minhas andanças, pelos países produtores e grandes consumidores de charutos, nunca vi um livro que registrasse, de forma detalhada, a história de uma empresa do nosso ramo. Portanto, no gênero, Suerdieck, Epopéia do Gigante reverte-se de um preciosismo e de um ineditismo universal. O próprio título sintetiza o que realmente foi a empresa radiografada nesta publicação. Conheci todos os seus dirigentes, a partir de Gerhard Meyer Suerdieck, o construtor de fábricas e criador das bases para o surgimento de um império. “Tal pai, tal filho”, reza um antigo ditado popular, nem sempre verdadeiro. No entanto, no caso dos Meyer Suerdieck, foi seguido à risca, ao pé da letra. No somatório dos tempos, pai e filho comandaram a Suerdieck por 52 anos, período onde se encaixaram as maiores conquistas e êxitos empresariais. Filho de uma operária da Suerdieck e nascido praticamente dentro da fábrica gerenciada pelo pai, Geraldo Meyer Suerdieck teve educação esmerada e treinamento na Alemanha. No Brasil, sob a supervisão paterna, obteve a complementação no adestramento profissional. Enfim, recebeu toda preparação técnica que o habilitou como executivo capaz de dirigir, com sucesso, uma empresa que se agigantava e tinha forte penetração nos mercados nacional e internacional. Geraldo herdou de Gerhard as qualidades de liderança e a capacidade empreendedora, pré-requisitos indispensáveis à constituição de um grupo empresarial poderoso, que teve destacada presença no tripé agro-industrialcomercial. Este trinômio solidificou-se no cultivo e beneficiamento de fumos especiais, na fabricação de charutos famosos e na comercialização da matériaprima e do produto manufaturado. O livro revela ainda que o conceito e a força da Suerdieck estavam assentados na fabricação artesanal. Aliás, esta sempre foi a tônica reinante na produção de charutos na Bahia, no passado e no presente. Dispondo de farto material descritivo e documental, a narrativa penetrou fundo nas relações familiares, desvendando a trajetória das quatro gerações que construíram a história da empresa. E deste mergulho emergiu a figura ímpar de Tibúrcia Guedes Meyer Suerdieck, esposa de Gerhard e mãe de Geraldo, cuja existência, por si só, daria munição suficiente à elaboração de um outro bom livro. Além da excelência do conteúdo, que resgata a memória de uma das mais
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importantes empresas na história mundial dos charutos, o livro, que contém 611 citações de pessoas físicas, é também riquíssimo na programação visual. Encontrase valorizado por 375 imagens e ilustrações contidas em vinhetas, mapas, tabelas e quadros. Com tantas virtudes, a obra credencia-se a obter premiações nacionais e internacionais. E a primeira delas chega através da Câmara do Charuto da Bahia, que lhe confere um Selo de Qualidade Editorial. Criada pelos produtores, em dois de julho de 2002, a Câmara do Charuto surgiu em decorrência da necessidade do estreitamento da união entre os fabricantes baianos, para que, em conjunto, pudessem melhor se relacionar com os órgãos privados e governamentais, propugnar por medidas que beneficiassem a produção e articular estratégias que possibilitassem a promoção dos charutos e a ampliação dos mercados consumidores, no país e no exterior. A qualidade do charuto é um outro objetivo importante. O mercado ressentia-se de um certificado de garantia para os bons charutos, nos moldes do sistema praticado pela Abic, que orienta os consumidores através de um selo de pureza, conferido apenas às boas marcas do café brasileiro. Por esta razão, os principais fabricante de charutos – Menendez Amerino, Dannemann, LeCigar e Chaba – resolveram fundar uma entidade para ser a responsável pela concessão e fiscalização na utilização do Selo de Qualidade, fundamental no processo para separar o joio do trigo. Passaporte para os charutos superiores, o Selo de Qualidade é a certeza do acesso aos produtos do top de linha. O compromisso primordial da Câmara do Charuto é fornecer o selo exclusivamente às marcas que se adequem aos parâmetros da qualidade premium internacional. As avaliações, sempre permanentes, serão efetuadas por uma equipe de provadores especializados, peritos em charutos. Um deles é o autor deste livro, fumante há quase quarenta anos. Ubaldo é egresso da escola Suerdieck, onde trabalhou, iniciou-se na degustação e aprendeu a arte de conhecer os bons charutos. A Câmara do Charuto da Bahia não é restrita aos seus quatro fundadores. Qualquer outro fabricante – com produção formal e charutos que se enquadrem no perfil da qualidade premium – poderá associar-se à entidade e obter o Selo de Qualidade para seus bons charutos. Salvador, fevereiro de 2003. Mário Amerino Portugal Presidente da Câmara do Charuto da Bahia
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PREFÁCIO
PREFÁCIO A Tarde/Geraldo Ataíde
Antes de tudo, algumas palavras de admiração e de muito respeito ao cuidado, à percepção da importância histórica do material em seu poder, demonstrados pelo sr. Geraldo Meyer Suerdieck na preservação dos documentos que são a base deste livro. Do mesmo modo falamos à obstinação e ao senso histórico demonstrados pelo sr. Ubaldo Marques Porto Filho no trato com a documentação, extraindo dela o melhor para a reconstituição de um dos mais férteis momentos da história social e econômica do Recôncavo, aquele em que a indústria fumageira, com a sua presença, foi peça fundamental. Temos tido na história da Bahia alguns exemplos de estruturas empresariais que alcançaram posições de expressiva liderança, seja na Província ou na República, para não falar no fastígio dos engenhos de açúcar durante a Colônia. A documentação de tudo isto, porém, fica longe de correr parelha com testemunhos fragmentários que aparecem aqui e ali. A historiografia há de conviver com largos hiatos, carentes de documentação direta, ou mesmo indireta, em muitos casos. Ubaldo Marques Porto Filho elimina da sua pesquisa esta constatação que, a tantas outras se explica. Logo no início, escreve: “A Suerdieck representa uma exceção à regra. Maior produtora brasileira de charutos de todos os tempos, que chegou a ser a maior fabricante mundial de charutos totalmente artesanais, escapou do apagão histórico graças ao sr. Geraldo Meyer Suerdieck. Ele teve o cuidado de proteger documentos valiosíssimos. A mim coube o privilégio de manusear e utilizar este acervo.“ Para os dois, portanto, estas palavras: Trata-se da história de uma grande empresa, é certo. Trata-se não obstante, também, da análise de uma organização que nasceu e viveu sempre ligada às ações individuais, não raro até mesmo de natureza sentimental, quase romântica. A começar pela radicação, aos vinte e oito anos, na Bahia, daquele August Wilhelm Suerdieck, alemão nascido em 1860. Esperança de imigrante, confiança na própria
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capacidade, visão empresarial, histórias ouvidas em Hannover sobre as excelências do fumo da Bahia, foi a soma de tudo isto que levou aos inícios da saga da sua vida, da vida da sua gente, da vida da sua empresa. E há muito da presença do nome da Bahia no comércio europeu. Os fumos produzidos nas terras altas do Recôncavo da Bahia de Todos os Santos de há muito tempo já tinham nome feito entre consumidores europeus. Deste – por exemplo – o Rapé Areia Preta, produzido, desde a década de vinte do século XIX, pelo suíço Frederic Meuron, primeiro em Pirajá, fora dos limites urbanos da capital e, mais tarde, no centro da cidade, no Solar do Unhão. Além deste, no próprio Vale do Paraguaçu, já estava Geraldo Dannemann, com número significativo de empregados patrícios. E, nada disto não foi outra coisa senão estímulo para aquele jovem que chegava. Ousadias empresariais, dificuldades geradas pelas instabilidades de câmbio na Europa, greves operárias locais, morte prematura de dirigentes, sucessões internas, filhos havidos fora das ortodoxias matrimoniais, tudo isto, apresentando documentação pertinente e comentário oportuno por Ubaldo Marques Porto Filho, coloca o leitor numa espécie de “suspense” no desenvolvimento do texto, até quando – tal como nos filmes – tudo termina bem, tal como, para exemplificar, a história de Cinderela vivida por Tibúrcia Guedes, Meyer Suerdieck por casamento. História para ser a base de qualquer filme de “happy end”. Assim na história familiar – vertente tão escassa na bibliografia baiana. A história da empresa, esta é tão intensa quanto. Falar do seu sucesso não é difícil. O número de marcas posto no mercado; o volume de vendas locais e de exportação; as referências feitas em correspondências e relatórios empresariais, tudo isto, coletado e organizado por Ubaldo Marques Porto Filho, fornece elementos mais que bastantes. A história da empresa, porém, aparece em todo o texto, com todo o seu vigor, não somente como geradora de divisas, fonte de arrecadação tributária e empregadora de mão-de-obra, como pioneira na área de cultivo de fumos especiais, capazes de tornar o setor auto-suficiente em relação ao comércio exterior. A unidade de Maragogipe era a maior fábrica de charutos da América Latina. Lá estava instalada a administração da “Assistência Médico-Hospitalar Suerdieck” com um amplo elenco de serviços que – sem nenhuma prestação financeira dos beneficiários – “fechou” o ano do cinqüentenário dos charutos com cerca de quinze mil atendimentos a empregados e familiares. Sorte teve tão rica história que os seus documentos probantes tenham estado sob a guarda de Geraldo Meyer Suerdieck. Sorte tiveram tais documentos de terem sido lidos e interpretados por Ubaldo Marques Porto Filho. Sorte teve a historiografia baiana que os dois tenham se unido para que existisse este livro, que descreve a saga da Suerdieck. Cid Teixeira Historiador e membro da Academia de Letras da Bahia
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MEMÓRIA & ESTILO
MEMÓRIA & ESTILO José Augusto Viana
Durante muito tempo, importantes empresas familiares dominaram o cenário da economia baiana. No setor fumageiro várias tiveram projeção nacional e internacional. As três maiores, gigantes na fabricação de charutos, foram a Costa Penna, Dannemann e Suerdieck. To d a s a s gra n d e s o rg a n i z a çõ e s, d e atuação em vários segmentos, que nasceram e cresceram na Bahia, desapareceram por fatores diversos. Vão das guerras mundiais às mudanças no contexto econômico, passando por desentendimentos entre sócios, sucessões e má-gestão administrativa. A memória da quase totalidade das poderosas empresas de outrora, que em suas épocas ajudaram a construir o progresso da Bahia, apagou-se através do tempo. Não houve quem se preocupasse em promover os meios para a salvaguarda de suas ricas histórias. Foi o que aconteceu com dezenas de fabricantes de charutos, inclusive com as portentosas Costa Penna e Dannemann, fundadas sucessivamente em 1851 e 1873. Ambas faliram no mesmo ano, respectivamente em agosto e abril de 1955. A Suerdieck representa uma exceção à regra. Maior produtora brasileira de charutos de todos os tempos, que chegou a ser a maior fabricante mundial de charutos totalmente artesanais, escapou do apagão histórico graças ao senhor Geraldo Meyer Suerdieck. Ele teve o cuidado de proteger documentos valiosíssimos. A mim coube o privilégio de manusear, analisar e utilizar este acervo. Mas foi o dedo de Deus o responsável pela preservação e aproveitamento deste legado. Primeiro por ter dado vida longa a Geraldo, garantindo a conservação dos registros manuscritos, datilográficos e impressos. Depois por me guiar até o homem que durante 27 anos comandou o império charuteiro. Do nosso primeiro encontro, quando o ex-dirigente tinha 78 anos, até a conclusão dos trabalhos, ele já se aproximando dos 84, foram quase seis anos de exaustivas entrevistas com o presidente da fase áurea da empresa, seus familiares, amigos e antigos empregados da Suerdieck. Do casamento dos dados documentais com o repasse da histórica oral e das múltiplas pesquisas, no Brasil e na Europa, resultou este livro. Com ele acredito ter resgatado a história dos 107 anos da mais destacada empresa que o país teve no setor de charutos, bem como de seus principais dirigentes. A Suerdieck foi desativada em dezembro de 1999, levada de roldão pela falência da Agro Comercial Fumageira Sociedade Anônima. Sadia e lucrativa, a unidade
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dos charutos foi drenada até a completa exaustão de seus recursos. No final, no ranking dos credores da Agro, a Suerdieck aparecia na segunda posição, pois havia “emprestado” valores vultosos, superiores inclusive ao capital (51%) que a Agro possuía na empresa. Em função da complexidade do idioma português, os grandes veículos da mídia impressa criaram manuais de redação e estilo. Através destes verdadeiros guias – contra deslizes ortográficos, expressões inadequadas e construções imperfeitas – buscou-se a minimização dos erros e a padronização no tratamento do material jornalístico. A disciplina na escolha dos termos corretos e as orientações à produção de bons conteúdos, com frases apropriadas e agradáveis à leitura, passaram a vigorar nas redações dos jornais e revistas. Os manuais relacionavam ainda esclarecimentos não-encontrados nos dicionários e gramáticas, além de uma lista dos vocábulos mais requisitados nas matérias do dia-a-dia. Criou-se, assim, um padrão de qualidade em cada órgão. Inclusive, dois jornais de ponta na imprensa nacional, O Estado de S. Paulo e O Globo, tiveram seus manuais editados e colocados nas livrarias das principais cidades brasileiras. Viraram bestsellers e transformaram-se em fontes de consultas permanentes para universitários, jornalistas, escritores, publicitários e outros segmentos que trabalham no manejo da linguagem escrita. Como técnico em comunicação social, de longa vivência na preparação de informações dirigidas ao público, também procurei amoldar-me dentro do estilo regido pela correção, elegância e simplicidade. Fui fortemente influenciado pela técnica do jornalismo, que privilegia a objetividade, a clareza, a leveza e a narrativa enxuta, sem rebuscamentos, empolações e erudições vocabulares, tão comuns na estilística dos literatos que redigem para o consumo de uma elite intelectualizada. Na elaboração deste livro, adotei procedimentos inspirados na escola do jornalismo moderno, que, às vezes – em nome do bom senso e da escorreita assimilação pelos leitores – rompe com certas barreiras do gramaticismo ou das normas oficiais, mas sem cair na vala das incorreções. A título exemplificativo, apresento alguns conceitos contidos na metodologia aplicada nesta obra. Escrevi com maiúsculas todas as iniciais dos acidentes geográficos (Baía de Todos os Santos, Rio Paraguaçu, Vale do Itajaí, etc.), dos logradouros públicos (Rua Geraldo Suerdieck, Avenida Estados Unidos, etc.) e das denominações de prédios (Edifício Suerdieck, Edifício Oceania, etc.). São grafadas com minúsculas as designações das profissões (médico, engenheiro, etc.) e dos cargos públicos ou privados (presidente, governador, diretor, gerente, etc.). Nos diálogos, utilizei o ponto de exclamação como mecanismo de configuração no término das respostas. Ainda fugindo da ortodoxia gramatical, empreguei a exclamação no final das citações de terceiros, quando não-contempladas de forma destacada, em quadros especiais na programação visual. umpf
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O EMBAIXADOR ITINERANTE
O EMBAIXADOR ITINERANTE
Dentre todos os grandes fabricantes, o único que incorporou o nome Bahia, nos anéis de seus charutos, foi a Suerdieck.
O Suerdieck Bahia, símbolo sempre presente nos charutos, que inicialmente conquistaram a Europa, para depois correr o resto do mundo, foi o primeiro veículo de divulgação da Boa Terra. E isto numa época em que no exterior pouco se ouvia falar no Brasil.
• Com três fábricas, mais de 4 mil empregados e duas centenas de marcas, para todos os gostos, preferências e classes econômicas, a Suerdieck transformou-se na maior empresa brasileira de charutos, de todos os tempos. • No plano internacional, num universo formado por milhares de manufaturas, espalhadas pelos cinco continentes, a Suerdieck figurou no pódio dos maiores fabricantes. • No segmento dos charutos totalmente feitos à mão, chegou a liderar o ranking mundial. No exterior, o nome Suerdieck Bahia significava Charuto do Brasil.
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Leão Rozemberg
Derrotas e sofrimentos deposito num arquivo morto. Vitórias e alegrias compartilho com todos.
Geraldo Meyer Suerdieck
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SUMÁRIO
SUMÁRIO CAPÍTULOS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37.
FAMÍLIA SUERDIECK ..................................................................................... OS IRMÃOS SUERDIECK NA BAHIA ............................................................ INÍCIO DA PRODUÇÃO DE CHARUTOS ...................................................... SUERDIECK & CIA. ........................................................................................ FALECIMENTO DO PIONEIRO ..................................................................... OS MEYER ....................................................................................................... TRINTA ANOS DE CHARUTOS ...................................................................... ASSISTÊNCIA SOCIAL ................................................................................... A FAMÍLIA MEYER SUERDIECK ................................................................. TREINAMENTO E VIDA EM HAMBURGO ................................................. PROBLEMAS COM OS NAZISTAS ................................................................ HISTÓRIAS DE AMOR ................................................................................... SUPRIMENTO DE CEDRO ............................................................................. REFLEXOS DA II GUERRA MUNDIAL ......................................................... SUERDIECK S.A. .............................................................................................. MORTE DO PAI, ASCENSÃO DO FILHO ..................................................... RETORNO À ALEMANHA E O AMOR POR AÍDA ...................................... O CARDEAL, O ESCRITOR E AS FÁBRICAS ............................................... JUBILEU DE OURO DOS CHARUTOS ........................................................ EDIFÍCIO SUERDIECK .................................................................................. SUERDIECK, O MELHOR PRESENTE ......................................................... MARYON, A INESQUECÍVEL ....................................................................... A GRANDE FÁBRICA .................................................................................... DANNEMANN NO IMPÉRIO SUERDIECK ............................................... CRISES CUBANA E FAMILIAR ................................................................... GISELA E NEUSA ........................................................................................... PREOCUPAÇÕES .......................................................................................... ASSOCIAÇÃO COM GRUPO INGLÊS ......................................................... A CRISE DE 1970.............................................................................................. VIA-CRÚCIS .................................................................................................... CONTROLE PASSA PARA GRUPO ALEMÃO ............................................ HONRARIAS .................................................................................................... CONTROLE VOLTA À FAMÍLIA SUERDIECK .......................................... RECONSTRUÇÃO DO GRUPO ..................................................................... RECONFIGURAÇÃO MERCADOLÓGICA ................................................ A CRISE FATAL ............................................................................................... CRONOLOGIA ................................................................................................
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21 25 27 33 37 41 47 53 57 59 73 79 85 91 97 101 111 119 125 135 145 153 155 161 171 179 185 191 199 205 213 221 231 237 239 243 251
APÊNDICE 1ª PARTE: GENEALOGIAS 1. FAMÍLIA MEYER ..................................................................................... 2. FAMÍLIA SUERDIECK ............................................................................. 3. FAMÍLIA MEYER SUERDIECK .............................................................. 4. DESCENDÊNCIA DE GMS ............................................................ 5. TIBÚRCIA GUEDES MEYER SUERDIECK ..................................
257 258 259 260 263
2ª PARTE: FUMOS, CHARUTOS E PODER 1. CHARUTO, UM PRODUTO COMPLEXO ................................. . 2. MARCAS SUERDIECK ................................................................... 3. DOMÍNIO DO MERCADO .................................................................. 4. GRUPO SUERDIECK .......................................................................
271 289 297 311
3ª PARTE: DESVENDANDO SEGREDOS 1. CONTROLE DE QUALIDADE ....................................................... 317 2. TESTE ANALÍTICO .......................................................................... 319 3. CURIOSIDADES SOBRE GMS ......................................................... 322 4ª PARTE: COMENTÁRIOS DE GMS 1. QUE MAL FAZ O CHARUTO? .......................................................... 2. OS MELHORES FUMOS, OS MELHORES PRODUTOS ........... 3. A REALIDADE DA LAVOURA FUMAGEIRA NA BAHIA .......... 4. A ARTE QUE EXIGE PERFEIÇÃO ................................................... 5. PRODUTOS IDÔNEOS ..................................................................... 6. EPÍLOGO .................................................................................................
343 345 347 350 353 355
POSFÁCIO .................................................................................................................. 361 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 381 ICONOGRAFIA ......................................................................................................... 383 ÍNDICE ONOMÁSTICO ........................................................................................... 385
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Capítulo
S
1
FAMÍLIA SUERDIECK
FAMÍLIA SUERDIECK
egundo Keith Alan Suerdieck1 , o nome da família possivelmente tenha as raízes no holandês zuurdeeg, que na Alemanha teria transmudado para sauerteig, cujo significado é massa azeda. Isto conduz qualquer pesquisador a uma dedução lógica: o iniciador da família Suerdieck foi um homem que trabalhava com massa azeda, ou seja, fabricava pães. Conforme o costume, muitos Reprodução sobrenomes foram adotados em função da atividade laboriosa dos iniciadores de novas famílias. E dentro desta ótica, e nas mutações promovidas pelo tempo, o Zuurdeeg passou pelo Sauerteig e acabou no Suerdieck. Entre os séculos XII e XVII, por causa de guerras, perseguições religiosas e até fome, muitas famílias emigraram da Holanda. No noroeste da Alemanha a fixação dos holandeses foi muito grande. De acordo com Keith Suerdieck, é quase certo que os Suerdieck, de origem católica, também tenham trocado de território. Estabeleceram-se em Melle, uma cidadezinha fundada em 1169, no coração do Grönegau, região próxima à Holanda, no Estado de Niedersachsen (Baixa-Saxônia). Talvez tenham chegado nas primeiras levas dos povoadores. O que se sabe, com segurança, é que Melle se constitui no mais antigo lar dos Suerdieck. Johann Friedrich Suerdieck é o ancestral mais remoto documentalmente conhecido, pois os registros anteriores da família foram Auto-retrato de Bernhard Suerdieck. O pintor era filho destruídos por saques, guerras e incêndios. de Johann Friedrich Christoph Suerdieck, professor de dança nascido em Melle.
1 Keith A. Suerdieck, nascido a 20 de março de 1943, em Phoneton, Ohio, nos Estados Unidos, é autor do trabalho SUERDIECK GENEALOGY, 1976.
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Melle sofreu com duas guerras no século XVIII, quando foi ocupada por franceses e suecos. Também foi vítima de dois incêndios, ocorridos em 1649 e 1720, sendo que o último, de proporções terríveis, destruiu 120 casas e o prédio da prefeitura, além de ocasionar dezenas de mortes, inúmeros feridos e queimar importantes documentos. Em 1761 a cidade sofreu um novo abalo, com um saqueamento promovido por um grupo de bandidos. Estas ocorrências e sinistros foram as causas determinantes do sumiço dos registros de gerações inteiras de várias famílias. Graças às anotações particulares, que foram passando de geração à geração, até chegarem ao jornalista Fred S. Suerdieck, residente em Berlim, ficouse sabendo das datas do nascimento e falecimento de Johann Suerdieck, ocorridos respectivamente em 19.09.1753 e 08.01.1827, ambos em Melle, onde também se casou com Anna Maria Charlotte Meyer, na Igreja St. Matthäus, em 7 de setembro de 1779. Tiveram três filhos: Ferdinand Josef, Anton Rudolph e Antonius Heinrich. August Wilhelm Suerdieck, bisneto de Johann, pela ramificação de Anton, foi quem fundou a fábrica de charutos que espalhou o nome da família pelos quatro cantos do mundo. Outro bisneto que contribuiu para difundir a designação Suerdieck foi Bernhard Suerdieck 2 , pintor de vida curta, mas que deixou um acervo de obras importantes. O livro “Arbeitsalltag an der Nordseeküste, in Bildern von Bernhard Suerdieck, Adolf Mausoléu da família Suerdieck, no cemitério católico de Fischer-Gurig und Max Liebermann”, Leer, onde foi sepultado o pintor Bernhard Suerdieck. editado em 1998, pela Isensee Verlag, da cidade de Oldenburg, resgata a memória e o trabalho do artista falecido prematuramente, aos 29 anos de idade. Em função da boa localização, no corredor de tráfego entre Hannover, Osnabrück e a Holanda, Melle viu-se transformada em ponto de comércio e de pequenas indústrias. Porém, não ganhou roupagem de cidade industrial cinza. Seus habitantes 2 Bernhard Ferdinand Florenz Suerdieck nasceu a 20 de março de 1860, três meses após o primo August Wilhelm Suerdieck. Estudou pintura na Academia de Düsseldorf e faleceu a 27 de janeiro de 1889, na cidade onde nasceu, Leer, Alemanha. OBS – Fonte pesquisada na elaboração do terceiro e dos dois últimos parágrafos: MELLE IN ACHT JAHRHUNDERTEN, Verlag Ernst Knoth. 1969, Melle, Alemanha.
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sempre deram bastante atenção à preservação ambiental e souberam cuidar para que o antigo e o moderno convivessem harmoniosamente, sem agressões à natureza. Por dispor da Meller Sole, água com propriedades curativas, que jorra de uma profundidade de 122 metros, a cidade adquiriu status de estância balneária, sendo um centro bastante procurado pelos habitantes da Baixa Saxônia e da Renânia do Norte-Vestfália. Com comprovação científica da eficácia em várias moléstias, as águas medicinais de Melle destinam-se a dois tipos de aplicações: em banhos, para reumatismo e doenças infantis; e para ingestão, no tratamento do estômago, intestino e da bílis. Melle é plana e arrodeada por uma cadeia de montanhas, com parques, lagos e reservas ecológicas. Estes atributos naturais lhe conferem a condição de estar numa das áreas mais maravilhosas do Grönegau. Na vizinhança, em distâncias entre 20 a 30 quilômetros, encontram-se cidades de porte maior, tais como Osnabrück, no oeste, Bünde, Herford e Bielefeld, pelo leste.
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Reprodução
Lavadeira Holandesa, óleo sobre tela (67,5x51,0cm) que Bernhard Suerdieck pintou em 1887 e que se encontra no Museu de Emden, Alemanha. Apaixonado pelo campo, o artista tinha como temas prediletos as paisagens e os interiores de casas, quase sempre com a presença humana, pois também era um excelente retratista.
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Capítulo
2
OS IRMÃOS SUERDIECK NA BAHIA
OS IRMÃOS SUERDIECK NA BAHIA
A
ugust Wilhelm Suerdieck, nascido em Melle, a 1º de janeiro de 1860, foi batizado dois dias depois, na Igreja St. Matthäus. O menino veio ao mundo com o tabaco injetado nas veias. O pai, Joseph Suerdieck, era comerciante de fumos e o avô, Anton Suerdieck, tinha sido produtor de fumos. Com estes antecedentes e sempre ouvindo que o fumo da Bahia era o melhor do mundo, o jovem Suerdieck sonhava em conhecer o “eldorado” brasileiro do fumo para charutos. Depois de uma temporada em Hannover, residindo na Bahnhof 17, August finalmente, aos 28 anos, embarcou em Hamburgo para a viagem mais importante da sua vida, levando 100 marcos. Durante a longa e monótona travessia do Atlântico, Reprodução saindo do hemisfério norte para o sul, gastava o tempo nas tradicionais rodas de batepapos, com especial interesse nas pessoas que conheciam ou que se dirigiam à Bahia. Num grupo regado com vinhos e charutos, conheceu um agente da firma F. H. Ottens, que operava na compra de fumos no Recôncavo da Bahia. Resultado, ao desembarcar em Salvador já estava contratado para fiscalizar o enfardamento num dos centros da região fumageira. Da capital baiana August seguiu por via férrea, Plettenbergerstrasse: rua onde August Suerdieck nasceu, numa foto de 1930. num percurso de 159km, até uma pequena estação distante 6km de um povoado à beira duma estrada de tropeiros, onde chegou em lombo de burro. Chamava-se Oiteiro Redondo, que não passava de um rude arraial em formação. Os deslocamentos pelo interior da zona fumageira eram penosos. Nos períodos das chuvas intensas, entre março e agosto, o lamaçal e os atoleiros, nas estradas carroçáveis, impediam a livre circulação das tropas de burros que faziam o transporte na região. Se fazia sol, o calor escaldante maltratava o gringo desacostumado ao clima tropical.
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Mas, August Suerdieck soube superar as adversidades climáticas e o desconforto de um núcleo florescente. Adaptou-se de tal forma que resolveu ficar. Em 1892, aos 32 anos, criou a empresa AUG.SUERDIECK, iniciando no ano seguinte as atividades como compradora, enfardadora e exportadora de fumos. Um ano depois, em 1894, August comprou dois imóveis, uma casa residencial e, da própria organização onde havia trabalhado, o primeiro armazém. Em 1897 assistiu Oiteiro Redondo ser desmembrado de São Félix e receber o nome de Vila de Cruz das Almas. Aprígio José Lobo e João Casimiro de Mello foram os primeiros compradores que a Aug.Suerdieck teve nas roças dos agricultores. A firma contou também com o valioso apoio dos senhores Júlio Bans e Ramiro Eloy, aos quais August se associou em diversas operações de compra e venda de fumos. Os negócios iniciais foram realizados com Joh.Acheles & Söhne (Bremen), Schuback & Söhne (Hamburgo) e Dannemann & Cia. (São Félix). Em pouco tempo os fardos de fumos com as marcas3 enfardadas por August ficaram conhecidos na Europa, especialmente na Alemanha. Para auxiliá-lo no crescente desenvolvimento das exportações chamou o único irmão, Heinrich Ferdinand Suerdieck, quinze anos mais moço, que chegou à Bahia em 1899, aos 24 anos de idade. Em 1900 August embarcou para uma viagem com finalidades comerciais na Alemanha. Numa visita à cidade natal passou por Stadthagen, onde um amigo o levou à casa da tradicional família Meyer, na Obernstrasse 16. Neste dia conheceu e se apaixonou por Hermine, num sentimento recíproco. O casamento não demorou, pois as obrigações profissionais aguardavam pelo noivo em Cruz das Almas, onde o casal fixou residência. O enlace representou a união de duas famílias de correntes religiosas distintas. Os Suerdieck eram católicos fervorosos e os Meyer luteranos. Nesta época, August já desfrutava de vasto conceito nos meios comerciais da Bahia. Prova disto foi a inserção do seu nome num contrato entre Geraldo Dannemann, sócio majoritário na Dannemann & Cia., Ludwig Krüder e Johann Adolf Jonas, Hermine Suerdieck fotografada por Gonsalves, minoritários na referida companhia, nos na janela da casa em Cruz das Almas. termos abaixo: Cláusula 11 - As divergências sociais serão submetidas ao juízo de dois árbitros, ficando desde já, de pleno acordo, escolhido e nomeado o terceiro desempatador, Theodor von der Linde e, em sua falta, por qualquer motivo, para substituí-lo, August Suerdieck, honrados negociantes e nossos comuns amigos. 3 As seis primeiras marcas de fumo somente seriam registradas na Junta Comercial do Estado da Bahia anos depois, em 30 de novembro de 1898: SUERDIECK, AUG SUERDIECK, AWS SUERDIECK, H&A SUERDIECK, WESTPHALIA e PORTA WESTPHALICA.
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Capítulo
3
INÍCIO DA PRODUÇÃO DE CHARUTOS
INÍCIO DA PRODUÇÃO DE CHARUTOS
P
ara os serviços de compra e enfardamento, além de Cruz das Almas, August Suerdieck, com a ajuda do irmão, abriu armazéns de fumo em Maragogipe, Santo Antônio de Jesus, São Félix e São Gonçalo dos Campos. Por iniciativa de Ferdinand Suerdieck, que quis preencher o tempo da inatividade nos armazéns, de cinco meses, entre as exportações e as compras de uma nova safra de fumo, a Aug.Suerdieck passou a se dedicar às duas pontas da atividade fumageira: cultivo do tabaco e manufatura de charutos. Pela existência de grandes fabricantes na Bahia, o projeto para os charutos constituía-se numa pretensão das mais ousadas. Somente em Maragogipe existiam três fábricas conceituadas (Mello, Dannemann e Victória), que poderiam, se quisessem, anular o empreendimento dos irmãos Suerdieck. A opção por Maragogipe foi em função de quatro determinantes básicas: tradição da mão-de-obra, através de exímias charuteiras; localização privilegiada, no eixo do Rio Paraguaçu e com porto acessível aos vapores; transporte fácil de mercadorias, por meio de inúmeros saveiros que faziam a interligação com Salvador, num percurso de 32 milhas; e a infra-estrutura oferecida pela cidade. Cruz das Almas não proporcionava nenhuma destas comodidades ou facilidades. Vila nova, ainda sem foro de cidade 4 , seu problema residia no posicionamento geográfico. Ficava um fundador da Ferdinand, pai dos pouco distante do Rio Paraguaçu, a via de August, empresa. charutos. escoamento das riquezas do Recôncavo. MARAGOGIPE A origem do topônimo é controversa. O dicionarista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira define Maragogipe como “certa variedade de café”. Coincidência ou não, o café nativo de Maragogipe era famoso, pela excelência da qualidade e pela marcante característica dos grãos, miudinhos. Era chamado de Café Indígena. 4 Cruz das Almas somente seria elevada à condição de cidade em 1921, enquanto Maragogipe gozava deste status desde 1850.
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Para a maioria dos historiadores, Maragogipe é uma derivação do tupi “maraku-ipe”, que significa “rio dos peixes”. A pesca representava uma importante fonte para a alimentação do povo maragogipano. Na versão pesquisada e divulgada pela Suerdieck5, Maragogipe é uma corruptela de “marag-gyp”, expressão também indígena, traduzida como “braços invencíveis”, numa alusão aos destemidos guerreiros da região. Uma lenda dizia que os primitivos habitantes teriam aprisionado uma embarcação européia e poupado as mulheres, geradoras da miscigenação que explicaria a existância, na tribo de Maragogipe, de índios morenos claros, diferentes dos demais encontrados no litoral baiano. Por causa da quantidade de palmeiras imperiais plantadas para comemorar a visita do imperador D. Pedro II, ocorrida em 9 de novembro de 1859, Maragogipe ficou conhecida como “Cidade das Palmeiras”. Depois virou “Cidade dos Charutos”.
Primeiro rótulo para caixa de charutos.
A fábrica montada por Ferdinand Suerdieck, batizada com o nome fantasia A.SUERDIECK, entrou em funcionamento em julho de 1905, num armazém de fumo alugado pela Aug. Suerdieck em 1899, no cais do Cajá. A produção dos charutos começou de forma modesta, com cinco operários: Manoel Timóteo Cerqueira Santiago, Almiro Andrade, Benigno Rebouças e duas charuteiras, sendo uma filha do velho Timóteo6, grande conhecedor de fumos. Trabalhando em condições primitivas, logo no início aconteceu um pequeno acidente. Quando levados para o estufamento, os primeiros charutos pegaram fogo. A produção era pequena e as marcas iniciais foram Simples Nº1, Simples Nº2 e Simples Nº37, comercializadas sem a garantia de um registro na Junta Comercial do Estado da Bahia8. Iniciava-se, assim, a passos tímidos, a fabricação dos charutos que a concorrência das marcas famosas preferiu ignorar, na certeza de que a Suerdieck, a exemplo de outros tantos
5 Boletim Trimestral da Suerdieck, edição nº 18 - jan-mar/1953. 6 Timóteo Santiago, um dos primeiros empregados da Aug.Suerdieck no serviço de fumos, era um herói nacional. Combateu na Guerra do Paraguai e recebia um soldo do Exército. 7 Mais tarde seriam denominadas de Suerdieck Nº 1, Suerdieck Nº 2 e Cata Flor. 8 As primeiras marcas registradas foram Aurora e Nobreza, em 10 de agosto de 1906, juntamente com o rótulo da fábrica, A.Suerdieck.
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fabricantes, seria fogo de palha, sem possibilidades de crescimento.
Assinatura de August Suerdieck na solicitação de registro do rótulo, requerido à Junta Comercial da Bahia.
Simples Nº 1, o primeiro charuto, no formato e comprimento originais.
Dois anos após o início da aventura, a fabriqueta foi transferida para um prédio próprio, um sobrado na Praça da Matriz. Embora já com quarenta operários, o processo ainda continuava rudimentar e grande parte do trabalho distribuído pelas casas particulares, para ser executado por eficientes destaladeiras e charuteiras. As caixas dos charutos eram todas confeccionadas fora, por experientes artesões que trabalhavam em regime de conta própria, tais como Álvaro Almeida, Francisco Barão, J. Damiana, J. Pereira, A. Tourinho e L. Bandeira. Prontas, seguiam para as oficinas de Antônio Couto e Nicodemos, para pregação dos ferrolhos e bisagras. Mesmo assim, sob a mais simples condição de trabalho, com a ausência de muitos equipamentos exigidos numa produção contínua, a fábrica prosperava com a aceitação de seus excelentes charutos. E num ato de plena confiança no sucesso comercial, foram criadas novas marcas: Caboclos, Caprichosos, Vencedores, Fidalgos, Amor Perfeito, Únicos, Holandeses, Baronezas, Florinha, Três Estrelas, Sobrado na Praça da Matriz, para onde, em 1907, a fábrica foi Princesas, Banqueiros, Prima Dona, transferida. A foto é de 1909.
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Plantação do fumo Bahia-Brasil, em Cruz das Almas, na propriedade de August Suerdieck. No fundo a parte especial, abrigada do sol. Foto de 1908.
Gonsalves
Andarilhos, Mulata e Record. Várias delas envazadas em caixas de luxo, envernizadas, numa inovação que deixou os fabricantes antigos pasmos. Em 1908, participando da Exposição Nacional do Rio de Janeiro, a empresa Aug. Suedieck foi agraciada com dois prêmios, uma Medalha de Ouro e um Grande Prêmio Especial. Este último foi para a cultura aperfeiçoada do fumo, fruto da introdução, em Cruz das Almas, de plantações pioneiras no Brasil, abrigadas do sol, sob coberturas de gaze. Nestas condições, baseadas em estudos de combinação do sol com sombra, conseguiu-se melhorar a qualidade do fumo capeiro escuro, nativo. As premiações tiveram reflexos imediatos sobre os recém-lançados charutos Suerdieck, que ganharam conceito, saindo da penumbra interposta pelos fabricantes famosos. Suerdieck emergiu como nome de qualidade, abrindo as portas à consolidação de seus charutos nos mercados exigentes de bons produtos.
No dia 2 de maio de 1909 desembarcou em Maragogipe um alemão de 22 anos, identificado pelo povo como “o gringo que chegou para o Fernando”. Chamava-se Gerhard Meyer, novo gerente da fábrica comandada pelo Ferdinand Suerdieck, que no ano seguinte passou para um prédio bem maior, na Rua Pedra Branca9. Em adequadas instalações, a manufatura apresentava-se agora como um estabelecimento bem aparelhado e tendo, já no final de 1910, 200 operários, a maioria do sexo feminino. A Suerdieck havia vencido todos os obstáculos e crescia vertiginosamente. 9 Em 1932, o poder público municipal, numa homenagem aos irmãos Suerdieck, alterou a nomenclatura de dois logradouros: a Rua Pedra Branca passou a se chamar Rua Fernando Suerdieck e a Rua das Flores virou Rua Augusto Suerdieck.
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PRIMEIROS CHARUTOS Os charutos do primeiro lote – produzidos com os melhores fumos existentes nos armazéns da Aug.Suerdieck, selecionados por Ferdinand Suerdieck – não foram comercializados. Destinaram-se à distribuição como presentes, para fumantes especiais avaliarem a qualidade. No início, na ferração das caixas de madeira, utilizou-se um fogareiro, no qual se aqueciam os ferros para aplicação “a olho”. Só algum tempo depois foi comprada uma máquina gravadora. Era de segunda mão, pertencia a Antônio Caetano da Silva (Caetano da Enseada), dono da Fábrica Victória. A empresa suíça A. Dürr & Co. AG, sediada em Zurique, foi a primeira distribuidora dos charutos Suerdieck no exterior. Gonsalves
M. Philipsen
Vista interior da plantação de fumo abrigada do sol, onde foi aprimorada a cultura do Mata Fina, variedade Bahia-Brasil utilizada no capeamento de charutos especiais.
Para este prédio, na Rua Pedra Branca, que abrigava um cineteatro, vendido por Elpídio Barbosa, a fábrica da Suerdieck foi transferida em 1910.
Ponte de acesso ao cais dos navios, no porto de Maragogipe. Foto do início do século XX.
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A fábrica em 1921, já ampliada.
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Capítulo
N
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SUERDIECK & CIA.
SUERDIECK & CIA.
o dia 1º de julho de 1914 a firma Aug. Suerdieck foi sucedida pela Suerdieck & Companhia, tendo como sócios os irmãos August e Ferdinand. Gerhard Meyer ficou como procurador. No ano seguinte as dificuldades surgiram no rastro da Primeira Guerra Mundial, que, na Bahia, ocasionaria o fechamento de várias pequenas fábricas de charutos. Na Suerdieck os fumos importados de Sumatra e Java, via Holanda, ficaram escassos e depois faltaram, paralisando a fabricação dos charutos com capas claras. SALÃO EM COQUEIROS Visando o aproveitamento das charuteiras residentes em Coqueiros, a Suerdieck abriu um salão de fabricação neste povoado do município de Maragogipe. A unidade representava uma extensão da fábrica propriamente dita, para onde eram enviados os charutos depois de prontos, para as etapas finais: estufamento, prensagem, anelamento, celofonagem, encaixamento, empapelamento e expedição. Com a crise provocada pela guerra na Europa, o salão em Coqueiros foi desativado e nunca mais reaberto.
Com o término da guerra, a produção de charutos nobres voltou a crescer e a necessidade de espaço tornou-se imperiosa. Foi então idealizado um novo prédio, edificado em 1920, pelo engenheiro Emílio Odebrecht, pioneiro das construções de cimento armado, em Recife e Salvador. A interligação da fábrica nova com a antiga, separadas pela Rua das Flores, fez-se através de uma passarela de concreto, uma novidade em Maragogipe. Por causa dela, o prefeito Elpídio da Paz Guerreiro sofreu uma campanha popular muito forte. Na verdade, a autorização para a obra elevada tinha sido dada pelo antecessor, engº Júlio dos Santos Sá. O motivo das reclamações foi uma crendice do povo da zona rural, que participava da feira semanal. Os matutos
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acreditavam piamente que passar por baixo de pontes dava azar. E para evitar a “ponte da Suerdieck” eles fizeram, durante um bom tempo, um longo arrodeio para chegar ao local da feira livre. Durante uma viagem de férias, no rigor do inverno europeu, Ferdinand Suerdieck contraiu pneumonia, vindo a falecer em Luzern, na Suíça, no dia 17 de março de 1923, aos 47 anos e sem deixar descendentes. O sócio remanescente, o pioneiro August Suerdieck – com 63 anos e residindo em Salvador, donde supervisionava a exportação de fumos, que sempre foi a sua principal atividade empresarial – foi obrigado a definir o sucessor do irmão que vinha preparando para o comando da organização, onde, além do setor de charutos, já respondia pela lavoura fumageira da companhia. Para substituir o irmão prematuramente falecido, August escolheu o cunhado, Gerhard Meyer, gerente da fábrica de charutos e procurador da empresa. Assim, inesperadamente, Gerhard viu-se transformado num dos donos da Suerdieck & Cia.. Delineava-se também o virtual sucessor do próprio August, Uma das raras fotografias uma vez que a irmã1 0 de Gerhard não lhe dera nenhum filho. A de Ferdinand Suerdieck. cadeia sucessória deste ramo Suerdieck estava extinta. Portanto, a um Meyer, no vigor dos seus 36 anos, pai de cinco filhos homens, caberia a missão de continuar a obra iniciada pelos irmãos Suerdieck. Em 1925 ocorreu a segunda greve11. Não foi por melhoria salarial, mas por causa de três demissões. Para combater o desperdício de charutos, havia saído da direção uma determinação para dispensa de toda charuteira que diariamente desse mais de
Os dois blocos da fábrica de Maragogipe. 10 August e Hermine casaram-se em 1900, ele com 40, ela com 23 anos. 11 A primeira greve na Suerdieck ocorreu em junho de 1919. Foi uma greve geral, em todas as fábricas de charutos de Maragogipe, por melhores salários. Por acordo entre patrões e operários, foi concedido um aumento de 10% na folha dos salários semanais.
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20% de refugo. No cumprimento da norma, o mestre Clementino Dolores afastou três operárias. Na manhã do dia seguinte, 27 de março, um grupo de estranhos aos quadros da empresa penetrou nas dependências fabris portanto bananas de dinamite. Ameaçando explodir a fábrica, os invasores obrigam os operários a abandonar o serviço e entrarem em greve. A produção de charutos foi paralisada, houve desordens, depredações de diversos setores da fábrica e do armazém situado no Cajá. O movimento ganhou força e chegou à Dannemann, cujos operários, também coagidos, declararam-se em greve. De repente, uma simples medida administrativa virou um caso rumoroso, envolvendo a cidade numa agitação sem precedentes. Sem controle, as autoridades enviaram um telegrama urgentíssimo ao governador Góes Calmon, solicitando meios para o restabelecimento da ordem pública e preservação do patrimônio das fábricas de charutos, ameaçadas por atos de franco terrorismo. Às quatro horas da tarde deste 27 de março, na Praça Municipal, o comando grevista promoveu discursos inflamados para uma platéia em torno de 4 mil pessoas, um recorde na história de Maragogipe. A situação somente foi controlada com o sobre a Rua Augusto Suerdieck, interligando desembarque de um contingente da Força Passarela os dois prédios da fábrica, que se transformou na Pública Estadual, sob o comando do enérgico “ponte da discórdia”. Pedro de Azevedo Gordilho, que assumiu as negociações e pôs um fim ao movimento paredista. Para serenar os ânimos, a Suerdieck concordou em readmitir as operárias que não estavam à altura do padrão de qualidade exigido pela empresa. Ao delegado
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Pinheiro
Anísio Malaquias coube a responsabilidade da instauração de um inquérito policial, para apurar as responsabilidades nas depredações. Foram indiciados como cabeças da baderna um ex-empregado da Suerdieck, Décio de Quadros, demitido há anos por desrespeito, o jornalista Werdeval Pitanga, secretário da Câmara Municipal, e o jovem dentista Bartolomeu Britto Souza, principal líder da greve e do quebra-quebra, que durante altercação verbal, com Gerhard Meyer, ameaçou aos gritos mandar explodir a fábrica. Decorridos vinte e cinco anos, o dentista voltou a entrar na fábrica, no dia 13 de maio de 1950. Desta feita não foi com o propósito de depredá-la ou ameaçar destruí-la com bombas de dinamite. Chegou como cicerone de uma comitiva política vinda de Salvador, para mostrar a fábrica como orgulho da economia maragogipana, tendo perpetuado a presença assinando no Livro de Visitas. Bartolomeu Britto Souza era um dos chefes políticos do município e exprefeito de Maragogipe, nomeado pela ditadura do Estado Novo.
Paramentos de uma tampa: sigma, ferro de tampa, faixa e rótulos que continuam pelas cabeceiras da caixa de charutos.
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Capítulo
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FALECIMENTO DO PIONEIRO
FALECIMENTO DO PIONEIRO
A
ugust Suerdieck não era um homem de estatura alta. Embora reservado e de pouca conversa, sabia como poucos dar ordens. Cenhoso e de pulso forte, às vezes bastava um simples olhar para os empregados entenderem o que estava certo ou errado. Autoritário e exigente, levantava-se e ia embora de qualquer restaurante, fosse no Brasil ou na Europa, quando o serviço lhe desagradava ou a comida demorava de ser servida. Mas, este homem, mandão e durão, tinha um caráter dos mais grandiosos. Ao estourar a I Guerra Mundial ele estava na Alemanha, onde teve de permanecer durante todo o período do conflito. Nesta época, de forma discreta, ajudou inúmeras pessoas, principalmente enfermos, pobres e famintos. Em 1928, quando a Suerdieck estava ingressando no clube da elite dos fabricantes baianos de charutos, August autorizou o arrendamento dos imóveis e a incorporação da produção da Fábrica Mello, pioneira (1852) na manufatura empresarial de charutos em Maragogipe. A fábrica pertencia a Vieira de Mello & Cia., que tinha como sócios os senhores Albertino Vieira de Mello Peixoto e José Fábio Peixoto. Ainda em 1928, August entregou o comando total da Suerdieck & Cia. ao cunhado Gerhard e se retirou para Wiesbaden, uma estância hidromineral em meio dos bosques do Taunus, perto de Frankfurt. Havia planejado gozar nesta cidade balneária, onde possuía casa, uma aposentadoria confortável, que acabou se revelando curtíssima. Após uma breve enfermidade, de ordem emocional, August Suerdieck veio a falecer, no dia 23 de setembro de 1930, aos 70 anos. Sua viúva tornouse sócia da companhia, mas continuou residindo Avesso às fotografias, foram pouquíssimos os registros deixados por August em Wiesbaden. Começava uma nova quadra na Suerdieck. Nesta foto, a última no Brasil, história da empresa, agora sem nenhum Suerdieck tirada em Salvador, em julho de 1928, ele aparece ao lado da esposa, junto genuíno no comando da sociedade. No ano seguinte, ao coreto do Farol da Barra, há poucos quis o destino, mais uma vez, alterar a composição metros da residência do casal, localizada num bangalô da Rua Coqueiros do Farol, societária. Uma enfermidade, também de ordem atual Almirante Marques de Leão.
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emocional, gerada pelas saudades do marido, provocou a morte de Hermine Suerdieck, em Wiesbaden, aos 54 anos de idade, no dia 30 de outubro de 1931. Para compor o novo perfil da Suerdieck & Cia., o irmão de Hermine, sócio remanescente, premiou um antigo empregado, homem da confiança de August Suerdieck. Gerhard deu a Karl Friedrich Horn uma participação minoritária na sociedade que ficou sob o domínio majoritário do casal Meyer. Mesmo tendo construído sua vitoriosa carreira profissional no Brasil, August Suerdieck não renunciou à cidadania alemã. Também nunca se desligou da terra natal. Toda vez que ia à Alemanha visitava Melle e procurava se inteirar dos acontecimentos e das necessidades da cidade. Generoso, em diversas oportunidades fez doações em dinheiro e Placa da Rua Suerdieck, em Melle, com a seguinte prestou bons serviços à comunidade, tais informação complementar: “August Suerdieck (1860 a 1930): cidadão de Melle, exponente comerciante, rei como a oferta de um relógio à Prefeitura e do fumo da Bahia/Brasil. Ofereceu a Melle o primeiro o patrocínio, post-mortem, na construção balneário público (1934)”. do primeiro balneário público. Como prova do reconhecimento, Melle prestou-lhe significativa homenagem, batizando em 1934 um dos logradouros com o seu sobrenome, surgindo a Suerdieckstrasse (Rua Suerdieck). No ano das comemorações pelo transcurso dos 800 anos de Melle (1169-1969), foi editado o livro “Melle in Acht Jahrhunderten”, de autores diversos. No capítulo “Bedeutende Meller Persönlichkeiten”, escrito pela historiadora Maria Heilmann, estão perpetuados os nomes das personalidades mais ilustres da história da cidade. O grupo é seleto, apenas sete membros, dentre eles o fundador da Suerdieck. AUGUST SUERDIECK (1860-1930) Foi um mecenas silencioso da nossa cidade. Grande comerciante, era chamado de “rei do fumo da Bahia”. Nascido em 1860, em Melle, numa casa da Rua Plettenbergerstrasse, ainda jovem, como aprendiz do comércio, foi trabalhar em Amsterdã. Depois, mudou-se para o Brasil, onde, começando praticamente do nada, montou uma empresa de fumos. Os produtos Suerdieck são conhecidos e apreciados mundialmente. August foi casado com uma senhora alemã, mas o matrimônio não rendeu filhos. Muitas vezes esteve em Melle e praticou várias bondades, sem chamar a atenção. Durante a época da inflação, após a I Grande Guerra Mundial, sempre manteve o coração aberto e uma mão estendida
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aos necessitados e doentes. Porém, de maneira alguma, permitia que estas boas ações fossem divulgadas publicamente. Seus amigos sabiam e ficavam calados. No testamento, ele doou 10% do seu patrimônio à cidade de Melle, sob a forma de uma pensão mensal, que foi usada na construção do primeiro local para banhos públicos. Este foi o seu grande legado a Melle. Com 68 anos de idade, August retirou-se dos negócios e escolheu Wiesbaden como morada da aposentadoria. Mas, a morte logo o levou embora, em 1930, sendo sepultado, conforme seu desejo, no bonito cemitério de Melle. MARIA HEILMANN MELLE IN ACHT JAHRHUNDERTEN Verlag Ernst Knoth, 1969. Melle - Alemanha Tradução: Klaus Häfele
Sepulcro de August e Hermine, em Melle. Na lápide lê-se: August Suerdieck da Bahia.
Ingrid Suerdieck
O jornalista Fred Suerdieck, nascido (1931) em Jena, numa visita ao mausoléu de August e Hermine Suerdieck.
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Val Araújo
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Capítulo
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OS MEYER
OS MEYER
a região de Schaumburg, no Estado de Niedersachsen, fica a cidade de Stadthagen, fundada em 1222. Foi aí que a família Meyer, cuja genealogia conhecida vem de 126012, desenvolveu-se e montou o seu quartelgeneral. Em 24 de setembro de 1850, a firma E. Eduard Meyer, fundada em 1747, e que desde 1838 fabricava vinagre, obteve permissão para produzir bebidas alcoólicas. No ano seguinte foi lançado o conhaque “Meyer’s Universal-Branntwein Gen. 52er”. Em 1853 Georg Ernst Eduard Meyer criou o “Meyer’s Schweizer-AlpenKräuter-Bitter”, elaborado com quarenta variedades de ervas e raízes dos Alpes suíços, das regiões de Berna e Engadin. Inicialmente solicitado pelos hospitais, o Meyer’s Bitter tornou-se um sucesso, graças à fama de curar males intestinais. Era tomado misturado com chá preto, na proporção de 2 ou 3 colheres para cada chícara de chá. Além do conhaque e do bitter, a fábrica também produzia licores finos, mas o Meyer’s Bitter constituiu-se no carro-chefe da linha de produção, sendo também degustado puro, como aperitivo e digestivo de vasto conceito, sendo inclusive consumido na corte do príncipe de Schaumburg-Lippe. Georg Ernst Eduard Meyer faleceu oito anos após o invento do Meyer’s Bitter, cabendo ao primogênito, Johann Christian Gerhard Meyer, aos 25 anos de idade, dar continuidade à expansão das vendas do bitter por toda a Europa, numa atividade em que foi auxiliado pelo irmão, Karl August Eduard Meyer. Durante os trinta e oito anos no comando da empresa, Johann Christian Gerhard Meyer, dono de muito bom conceito na cidade, da qual era conselheiro comercial, consolidou o prestígio e a fama do Meyer’s Bitter. Premiado em várias exposições nacionais e internacionais, o bitter transformou-se numa identificação para Stadthagen e num referencial para a família, que passou a ser chamada de Bittermeyer. Em 1898, com o falecimento do herdeiro da empresa e de conformidade com a tradição germânica, coube ao filho mais velho, Wolfgang Meyer, neto do inventor do bitter, assumir os negócios da família, aos 20 anos de idade. Ao irmão, órfão aos 12 incompletos, caberia, após os estudos, decidir o rumo na vida profissional: trabalhar na fábrica, subordinado ao irmão, ou seguir outro caminho. Depois da conclusão do curso ginasial, na cidade de Bückeburg, vizinha a Stadthagen e onde residiam parentes, o destino de Gerhard Meyer foi Bremen, grande entreposto de tabacos que tinha um porto que rivalizava com o de 12 A história de Stadthagen registra que entre as primeiras 300 casas do povoado a da família Meyer figurava com o número 77.
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Hamburgo, em tráfego e importância logística. Gerhard havia conseguido um estágio na Bodenstedt & Co., empresa que comercializava fumos, donde saiu em fevereiro de 1908, para cumprir o serviço militar. Findo o período do dever patriótico, o jovem de 1,80m embarcou imediatamente para o Brasil, atraído pelo convite do cunhado para gerenciar uma fábrica de charutos na Bahia. Em Maragogipe, Gerhard demonstrou três qualidades excepcionias: era líder nato, empreendedor e de larga visão empresarial; tinha pendor para as artes plásticas, gostava de pintar quadros a óleo; e era namorador, ficando maravilhado com a população de sete mulheres para cada homem. Um ano e dois meses após a chegada, aos 23 de idade, já era pai de um menino, Carlos, fruto do romance com a primeira namorada brasileira, Aguida, que lhe daria uma filha, Raulina. Este desempenho deixou o cunhado-patrão preocupado, pois, pelo seu gosto, Gerhard deveria casar-se com uma européia, de preferência alemã. August Suerdieck chegou a mandá-lo para uma temporada de trabalho na Alemanha, na esperança de vêlo retornar casado. Para tanto, em Stadthagen, a família, previamente instruída, apresentou-lhe uma jovem e fez de tudo para que houvesse o enlace matrimonial. Gerhard namorou, mas não casou. Voltou solteiríssimo e continuou a cortejar as baianas. Resultado, mais um filho, Antônio, com outra maragogipana, Maria Amélia. A carreira de conquistas somente foi encerrada quando o impetuoso alemão se apaixonou por uma jovem operária da fábrica, Tibúrcia Pereira Guedes13. Tiveram cinco filhos: Geraldo, Susana (falecida aos dois anos), Nicolau, Albrecht Wolfgang e Fernando. Em 1928, a bordo do Antonio Delfino, transatlântico alemão, Gerhard partiu de Salvador para a primeira viagem à Europa com a esposa e filhos. A família Meyer permaneceu sete meses fora do Brasil. O primogênito do casamento, chamado Bubi 14, com nove anos, ficou em Stadthagen, na casa dos tios, Lisbeth e Wolfgang Meyer. para ser alfabetizado em alemão, cursar o primário e o ginásio. Nesta época, já como virtual dono da Suerdieck, Gerhard iniciava os preparativos para Os Meyer reunidos em Stadthagen, 23 de maio de 1928. A partir da esquerda: Ernst, Bubi, Gerhard, Gerhard Albert (em pé), Tibúrcia, Wolfgang Arthur, Friedrich Wolfgang, Lisbeth e Jobst.
tornar o filho sucessor de si próprio, dentro dos princípios da tradição germânica.
13 Tibúrcia trabalhava como charuteira. Filha mais velha de Leonídia e José Pereira Guedes, tinha um casal de irmãos. 14 Apelido colocado pelo pai. Em alemão Bubi significa “menino traquino”.
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Em Stadthagen, Bubi experimentou a bebida famosa, inventada pelo bisavô. De coloração verde e sabor amargo, a fórmula era um segredo da família, guardada a sete chaves. O menino ficou também sabendo das lendárias proezas atribuídas ao bitter durante a Grande Guerra, de 1914 a 1918: os soldados que bebiam o Meyer’s Bitter viam-se possuídos de uma força e coragem descomunais. Afiançavam que o aperitivo era o combustível que tinha posto soldados franceses para correr em algumas batalhas. Da fábrica mais famosa da cidade, dirigida pelo tio, Bubi via sair as encomendas recebidas da Europa, América do Sul, África, Austrália e Estados Unidos.
os tios e primos de bubi FRIEDRICH AUGUST GERHARD ALBRECHT WOLFGANG MEYER * 23.05.1878, Stadthagen LISBETH ANNA HEDWIG LEWIS * 07.08.1882, Wolfswinkel
Gerhard Albert Wolfgang Meyer * 11.10.1906, Stadthagen Wolfgang Arthur Hans Meyer * 02.08.1908, Stadthagen Ernst Ferdinand Meyer * 20.07.1910, Stadthagen Jobst August Werner Meyer * 28.12.1915, Stadthagen
Numa noite do começo do outono, chegou a notícia do falecimento do dono da Suerdieck. Ouvindo uma conversa entre os tios, Bubi ficou sabendo que August havia morrido por causa de um enorme desgosto provocado pela mãe, Frau Eliese, falecida aos 90 anos. Ela deixou um documento revelando o maior segredo da sua vida: o filho Ferdinand, nascido quase cinco Obernstrasse 16, com a bandeira alemã hasteada, meses após o falecimento do marido, tinha indicando que o registro foi num dia festivo de 1928. Bubi aparece entre o primo Jobst e a mãe, sido fruto de uma relação extraconjugal15. no peitoril da janela. Homem de formação puritana, de sólidos princípios religiosos e morais, August Suerdieck não agüentou o choque da origem paterna do irmão, na verdade meio-irmão. Entrou numa depressão profunda, que o levaria à morte no dia 23 de setembro de 1930, quando a mãe completava exatos dois meses de falecida. Bubi tinha boas lembranças do tio August, pois freqüentou sua residência em Salvador, na Rua Coqueiros do Farol. Recordava-se do bangalô rosa com um jardim na frente, donde assistia os meninos ensebar os trilhos para o bonde ficar deslizando. Era a terceira ou quarta casa após a esquina, do mesmo lado onde seria construído o Edifício Oceania. Ainda estava fresca na memória a temporada de 15 Quando se tornou adulto, Bubi teve do pai a explicação de que os irmãos Suerdieck eram bastante diferentes, quer fisicamente como no temperamento. August, fechadão e esnobe, tratava os empregados de forma ácida, às vezes até rude. Ferdinand, um pouco mais alto, esbelto e afável, era muito querido em Maragogipe.
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um veraneio que ali passou. Foram três meses tomando banhos de mar na praia do Farol da Barra, sempre levado pela tia Minni. Por causa de uma coqueluche, seus pais haviam-no despachado de Maragogipe, aconselhados que foram a mandar o menino para um local onde pudesse ir diariamente à praia, o receituário da cura. Dona Hermine, que não teve nenhum filho, tratou o sobrinho como tal e o transformou no pequeno príncipe da casa do barão do fumo. Apegou-se de tal forma que chegou a pedir ao irmão que deixasse Bubi definitivamente em Salvador, um desejo endossado por August, que enxergava nele o futuro continuador de seus negócios. Mas o destino os separou, pois logo depois os três iriam residir na Alemanha. O casal Bubi com a tia Hermine Suerdieck. Suerdieck fixou-se em Wiesbaden e Bubi em Stadthagen. Na cidade do Meyer’s Bitter, Bubi estudou durante um ano e meio numa Volksschule (escola do povo), para depois, na Páscoa de 1930, ingressar no Ober Real Gymnasium, onde permaneceu até janeiro de 1933, quando seus pais foram visitá-lo após cinco anos sem vê-lo. Dona Tibúrcia tomou um choque muito grande e chorou ao constatar que Bubi, já um rapazinho de 14 anos, não mais falava português. Como ela não sabia alemão, a comunicação entre mãe e filho ficou bloqueada, inclusive entre Bubi e os irmãos. Qualquer entendimento dependia da tradução do pai. Enfim, criou-se um clima constrangedor, o menino tinha virado um estranho no seio da família. Dona Tibúrcia ficou apavorada e exigiu o retorno imediato do filho ao Brasil. Bubi, de gorro, na praia de Travemünde, Mar Báltico, no verão de 1931. Para não interrromper os estudos em alemão, Gerhard contratou em Bünde, cidade vizinha a Melle, o professor Wilhelm Brömmelmeier. Trouxe-o incorporado na comitiva familiar, com a missão de proporcionar a Bubi a conclusão do curso ginasial por meio de aulas particulares, que começaram em Maragogipe e foram concluídas em Salvador, para onde a família havia transferido a residência. O curso especial, que seria reconhecido pelo governo alemão, foi ministrado com dez matérias: alemão, inglês, francês, latim, aritmética, matemática, geografia, história, música e estenografia. A língua portuguesa, na qual também passaria vexame em Maragogipe, pois na
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chegada teve imensas dificulades de se comunicar com os amigos de infância, Bubi teve de reaprender sozinho, no dia-a-dia, sem nenhum professor. Aliás, nunca faria qualquer tipo de curso no Brasil. Seu idioma oficial era o alemão, seguido do inglês, para em terceiro plano aparecer o vernáculo da sua verdadeira nacionalidade. Em Maragogipe Bubi teve a iniciação sexual, de forma praticamente acidental, dentro de casa, mas bem à moda brasileira. Ele ocupava sozinho um quarto, enquanto seus três irmãos dormiam num outro. Numa certa noite, de tenebroso temporal, colocaram a filha de uma das empregadas, a sapeca Baçu, para dormir num colchão estendido ao pé da cama do “alemãozinho”. Este, vendo que a moça fingia ter medo dos relâmpagos, deu uma de esperto e, aproveitando-se do estrondo de um medonho trovão, deixou-se cair bem ao lado dela. Abraçaramse, como se ambos estivessem amedrontados com as intempéries da natureza. Das carícias na pele sedosa e quente da cabocla faceira, ele passou para a seção
Bubi aos 12 anos, em Stadthagen, no inverno de 1930.
dos beijos ardorosos, que acabaram na explosão do ato final. Educado sob o teto luterano dos Meyer, Bubi acabou virando devoto de São Pedro, a quem agradeceu pelas águas, relâmpagos e trovões, saudações para o ingresso no mundo do sexo. GERHARD E OS FILHOS Os três primeiros filhos homens de Gerhard nasceram de mães diferentes, todas maragogipanas solteiras. Ei-los:
nascimento
mãe
1. Carlos João da Costa Cunha
09.07.1910
Aguida Alice da Costa Cunha
2. Antônio das Neves
17.05.1916
Maria Amélia das Neves
3. Geraldo Meyer
23.11.1918
Tibúrcia Pereira Guedes
Posteriormente, os registros dos três foram refeitos, para alterações nos sobrenomes, que ficariam na forma definitiva abaixo: 1. Carlos Meyer 2. Antônio Neves Meyer 3. Geraldo Meyer Suerdieck Ao abolir o sobrenome materno do mais velho, Gerhard deixou claro, conforme a tradição alemã, que este seria o herdeiro privilegiado na sucessão em futuros negócios da família. Ao manter o Neves no sobrenome de Antônio, ficou também explícito que o segundo estava alijado desta linha sucessória. O terceiro filho, o único contemplado, logo ao nascer, com a exclusividade do sobrenome paterno, foi guindado à condição de primeiro herdeiro ao ser enviado
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para os estudos em Stadthagen. Carlos havia perdido a condição de herdeiro natural na infância/adolescência, época do afloramento dos sinais que deixaram Gerhard preocupado quanto ao futuro do menino. Não demonstrou gosto pelos estudos e nem aptidão para o trabalho na fábrica. Por esta razão, o pai resolveu investir todas as fichas no terceiro filho. E m 1 9 3 6 , q u a n d o G e r h a rd acrescentou civilmente o Suerdieck ao sobrenome Meyer, não concedeu esta adição aos dois primeiros filhos. Eles estavam, definitivamente, fora de qualquer plano de participação futura na direção da empresa. Fábrica do Meyer’s Bitter, na Obernstrasse 77. Foto de 1874.
Residência da família Meyer, na Obernstrasse 16 (esquerda). A casa tinha um subsolo para estocagem de carvão e mantimentos para o inverno. Os dormitórios ficavam no último pavimento. Foto de 1900.
Marktplatz (Praça do Mercado) em dia de desfile da Schützenfest (Festa dos Atiradores), o mais antigo evento de Stadthagen, realizado anualmente desde o século XIV, no mês de junho.
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Capítulo
7
TRINTA ANOS DE CHARUTOS
TRINTA ANOS DE CHARUTOS
P
elo transcurso dos trinta anos (1905-1935) da fabricação dos charutos, Gerhard preparou, para distribuição gratuita aos clientes atacadistas, um luxuoso livro colorido, impresso em Detmold, Alemanha, com texto em português. A publicação, além de registrar a evolução da companhia, constituía-se num belíssimo catálogo ilustrativo, mostrando cada marca de charuto, num total de 57 títulos, todos feitos à mão. AS MARCAS Amor Perfeito
Flor de Cintra
Mandarim
Regalia Cubana
Aurora
Florinha
Mulata
Regalia Fina
Banqueiros
Fortuna
Nippões
Sadda
Baronezas
Garantidos
Nobreza
Sortimento Extra
Beira Mar
Hamburgueses
Odalisca
Fino
Boas Festas
Havana Extra
Ouro de Cuba
Suerdieck 75
Caboclos
Havana Finos
Perfeitos
Suerdieck Brasil
Caixa de Presente
Havana Flor
Persianos
Suerdieck Nº 1
Caprichosos
Havana Médios
Petiscos
Suerdieck Nº 2
Cata Flor
Havana Pequena Flor Prima Dona
Cesários
Havana Políticos
Princesas
Únicos
Coreana
Holandeses
Record Fino
Valência
Esplanada
Índios
Record Grosso
Vencedores
Fazendeiros
Invencível
Record Lançado Viajantes
Três Estrelas
Fidalgos
Com três décadas, a Suerdieck já estava consolidada como fabricante de renome, graças à qualidade de seus charutos, que conquistaram conceito e prestígio nos mercados brasileiro e europeu. Para garantir o suprimento da boa matéria-prima, a companhia possuía armazéns de fumo em Santo Antônio de Jesus, Cruz das Almas, São Félix e São Gonçalo dos Campos. Para o capeamento de alguns tipos de charutos nobres, importava fumos especiais da Indonésia (Sumatra e Java), de Cuba (Vuelta Abajo e Havana) e do México (San Andrés). No rastro do progresso, para atender o mercado crescente, a Suerdieck resolveu abrir duas novas fábricas, para se fazer presente nas bases de um triângulo fumageiro. A fábrica de Cruz das Almas, inaugurada em 3 de novembro de 1935, tinha também
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por objetivo o aproveitamento de uma infra-estrutura operacional, pois nesta cidade a empresa concentrava um importante setor de compra e enfardação de excelentes fumos para exportação.
SALÃO EM CABEÇAS
Cena comum na porta dos armazéns: carregamentos de fumo chegando no lombo de animais.
Gonsalves
Primeiro carro de entrega de charutos nas lojas do varejo.
SALÃO EM CABEÇAS Durante algum tempo, como apêndice da manufatura de Cruz das Almas, a Suerdieck manteve um salão de fabricação de charutos em Cabeças, uma povoação no município de Muritiba, futura cidade de Governador Mangabeira.
Ponto de venda de charutos no restaurante de um hotel, com a indicação em português e espanhol.
A fábrica de Cachoeira tinha um significado estratégico, haja vista que no miolo São Félix-Cachoeira (cidades gêmeas, grande entroncamento ferroviário e um rio navegável) estavam as grandes fábricas da Dannemann e da Costa Penna. Cachoeira constituía-se na cidade mais pujante do Recôncavo. Localizada na margem esquerda do Rio Paraguaçu, possuía um porto movimentado,com linha regular de navio para Salvador e uma centena de saveiros levando e trazendo riquezas. A lavoura fumageira havia substituído na região a riqueza do ciclo da cana-deaçúcar, responsável pelo desenvolvimento da vila que, no ápice da prosperidade econômica, chegou a rivalizar em prestígio
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com Salvador, a burocrática capital da Província. Datava do século XVIII o período da construção da maioria dos prédios de relevo arquitetônico, quase todos de influência barroca, que conferiam a Cachoeira uma ambiência e uma atmosfera do período colonial. A idéia inicial da empresa previa a instalação da fábrica em São Félix, onde a Suerdieck possuía um armazém de fumo, na Avenida Salvador Pinto. Porém, o projeto foi alterado em face da intervenção do prefeito de Cachoeira, Durval de Miranda Motta, que, para beneficiar a cidade que administrava, concedeu os seguintes incentivos: 1. Isenção, por dez anos, das décimas urbanas do prédio da fábrica; 2. Isenção, também por dez anos, das taxas, emolumentos e licenças municipais; 3. Isenção, por cinco anos, dos impostos de indústria e profissão no município; 4. Abatimento, de 50%, na taxa do cais, sobre as tábuas importadas, para caixas de charutos e caixões da fábrica. Instalada na Rua José Joaquim Seabra, a fábrica foi solenemente inaugurada na tarde de um sábado, 1º de agosto de 1936, na presença das autoridades locais e inúmeros convidados de cidades da região fumageira e da capital baiana.
Rica e poderosa, Cachoeira tinha sido o berço do levante armado contra o longo domínio político de Portugal. Antecipando-se ao Grito do Ipiranga16, a Câmara local oficializou com pompas, em 25 de junho de 1822, o rompimento com Lisboa ao proclamar o príncipe D. Pedro como “Regente e Perpétuo Defensor e Protetor do Brasil”. No momento que os cachoeiranos vibravam nas ruas, uma canhoneira portuguesa, que se encontrava acantonada defronte ao porto, rompeu fogo contra o centro da vila. A multidão reagiu e lutou até tomar a belonave inimiga, dando início a um amplo processo para expulsão das tropas portuguesas sediadas na Bahia. De Cachoeira também partiram as primeiras fileiras do Exército Libertador, que no dia 2 de julho de 1823 conseguiu entrar em Salvador, consolidando a Independência do Brasil. Pelo destacado papel desempenhado nos episódios da libertação, o imperador D. Pedro I outorgou a Cachoeira o título de “A Heróica”17.
16 A data oficial da Independência do Brasil é 7 de setembro de 1822, quando às margens do Riacho Ipiranga, em São Paulo, D. Pedro deu o “Grito do Ipiranga”, simbolismo do rompimento com Portugal. Mas, antes disto, já se lutava encarniçadamente na Bahia, a Província rebelde, onde realmente houve guerra e correu muito sangue. Salvador, baluarte do poderio militar colonial, resistiu até 2 de julho de 1823, dia em que o Exército Libertador entrou na capital baiana e os portugueses fugiram pelo mar, de volta a Lisboa. Portanto, na Bahia ocorreu o primeiro (em Cachoeira) e o último (em Salvador) tiro das lutas pela Independência. 17 As informações históricas deste bloco, foram pesquisadas na publicação Cachoeira, Cidade Monumento Nacional, editada em 1981, por SGS, sob a coordenação editorial de Ubaldo Marques Porto Filho e com a assessoria do historiador Pedro Tomás Pedreira, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
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INDÚSTRIA TOTALMENTE ARTESANAL A fabricação de charutos representava uma importante fonte geradora de empregos, de sustento para milhares de pessoas. Todo trabalho era manual e pago por tarefas. O das charuteiras, que ia das marcas mais simples às mais requintadas, remunerava-se de acordo com a capacidade de cada uma, por peça confeccionada. Naturalmente que as marcas mais difíceis alcançavam preços maiores na tabela dos feitios.
Gonsalves
Maragogipe: quebragem e classificação do fumo.
Gonsalves
Banca de seleção de folhas para capas dos charutos.
EVOLUÇÃO EM TRINTA ANOS ANO
EMPREGADOS
CHARUTOS
1905 1906 1907 1910 1915 1917 1925 1935
5 13 40 200 700 200 * 1.100 2.000
200.000 1.200.000 4.200.000 1.000.000 18.000.000 40.000.000
* Reflexo da I Guerra Mundial
Salão da charutaria no prédio antigo.
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Pinheiro
Gonsalves
Gonsalves
Gonsalves
Maragogipe: salão da charutaria no prédio novo, com o mestre Clementino Sacramento entre as charuteiras.
Maragogipe: colocação do celofone nos charutos.
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Maragogipe: encaixamento para prensagem.
Maragogipe: empapelamento nas caixas já cheias de charutos.
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Pinheiro
Capítulo
A
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ASSISTÊNCIA SOCIAL
ASSISTÊNCIA SOCIAL
Companhia Empório Industrial do Norte, industria têxtil idealizada por Luiz Tarquínio, revolucionou na Bahia as relações entre empregador e empregados. Localizada em Salvador, a Empório, que chegou a ser a mais importante produtora de tecidos do Brasil, compunha-se de uma fábrica e de uma vila operária com 258 residências para acomodar as famílias de seus empregados, com escola, armazém de víveres, açougue, loja de tecidos, farmácia e serviço médico. O pioneirismo de Luiz Tarquínio havia materializado uma organização onde os operários tinham ainda salários dignos e participação nos lucros, numa época distante das reivindicações da classe dos trabalhadores18. Na Bahia, obra social comparável a da Empório somente encontrou paralelo na Suerdieck, graças a Gerhard Meyer. Culto, amante da música, pianista que tocava de ouvido e pintor, Gerhard havia freqüentado bons colégios e tinha sólida formação familiar e religiosa. Com estas qualificações, somadas à influência psicológica de haver se casado com uma ex-operária, aflorou nele uma forte consciência humanitária, que o fez enxergar o mundo dos trabalhadores por uma ótica bem diferente da vista pela grande maioria dos empresários da época. A política de Doutor Abílio Alves Peixoto no consultório médico. Gerhard trilhava pelo caminho de proporcionar condições mais dignas de trabalho à medida que a empresa crescia e se desenvolvia. 18 O texto deste parágrafo foi baseado em anotações pessoais deixadas por Júlio Adalberto Marques Porto, avô paterno do autor deste livro, que foi tesoureiro da Companhia Empório Industrial do Norte.
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Gonsalves
Ao completar trinta anos manufaturando charutos, a Suerdieck possuía 2 mil operários. Oferecia-lhes completa assistência odonto-médica, extensiva aos familiares. Em Maragogipe, dentro da fábrica, havia posto médico, gabinete dentário, laboratório para pesquisas clínicas, farmácia, laboratório para manipulação de receitas e creche. Tudo mantido pela Suerdieck, com equipe própria de médicos, dentistas, enfermeiras, farmacêuticos, laboratoristas, etc. Os serviços, medicamentos, partos e intervenções cirúrgicas (quando necessárias em Salvador) eram assegurados de forma inteiramente gratuita.
Pinheiro
Doutor José Duarte Marques no gabinete dentário.
Enfermeiras Nelsonita e Santa na sala de curativos.
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Farmácia.
Doutor Nicanor Rocha do Nascimento no laboratório de análises clínicas.
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Gonsalves
Berçário na creche das operárias, dentro do parque fabril, em 1934.
A MEDICINA INDÍGENA
“A ciência da sabedoria dos índios prevalece e se conserva.
Algumas vezes ultrapassa a arte dos médicos”.
Com esta introdução, a historiadora alemã Carla Meyer inicia a narrativa de um episódio que deixou Gerhard Meyer perplexo e maravilhado com o poder da medicina popular, baseada em ervas encontradas no reino vegetal. Certa feita, em Maragogipe, apareceu um tumor no seu joelho esquerdo, que teimava em não sarar, para desespero dos médicos da fábrica, que tiveram de aconselhar o patrão a procurar um especialista em Salvador. Na véspera da viagem, a esposa, que tinha ascendência indígena pelo lado materno, mandou chamar uma famosa e antiga rezadeira, descendente de uma tribo da região, que passou a noite inteira no quarto, fazendo uma pajelança. De hora em hora trocava as compressas de folhas colocadas sobre o joelho, num ritual intercalado por rezas numa linguagem de seus antepassados. Ao amanhecer, quando acordou do sono que o vencera pela madrugada, Gerhard teve uma das maiores surpresas da sua vida: o tumor tinha murchado e pôde voltar a andar normalmente.
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Capítulo
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A FAMÍLIA MEYER SUERDIECK
A FAMÍLIA MEYER SUERDIECK
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om o falecimento de August Suerdieck, Gerhard Meyer tornou-se comandante supremo da empresa. Porém, era muito importante que à testa dos negócios continuasse um Suerdieck, por dois motivos fundamentais: um de cunho comercial e outro como salvaguarda legal. No primeiro, o nome da família tinha presença marcante nos mercados de fumos e charutos da Europa. No segundo, a associação empresa-família extinguir-se-ia no falecimento da sócia Hermine Suerdieck. A legislação brasileira, com base numa lei de 1899, não permitia que empresas usassem denominações familiares sem que no quadro de sócios houvesse um nome que conferisse com o da firma. Mas permitia que, por publicação oficial, as pessoas adotassem nomes comerciais. Precavido, antes que a irmã viesse a falecer, Gerhard lançou mão do direito facultado em lei, o de utilizar o nome Suerdieck para fins empresariais. No Diário Oficial do Estado da Bahia (16.12.1930) e no jornal Redempção (21.12.1930), de Maragogipe, publicou a declaração abaixo: Declaração Gerhard Meyer, sócio solidário da firma Suerdieck & Cia., estabelecida com sede em Maragogipe, neste Estado da Bahia, declara pela presente que, de hoje em diante, por motivos comerciais, se assinará Gerhard Meyer Suerdieck. Maragogipe, 15 de dezembro de 1930. Gerhard Meyer Suerdieck Reconheço a firma supra, Em testemunho de verdade. Nemésio Diógenes, Tabelião
Tibúrcia com Wolfgang, Gerhard com Nicolau e Geraldo em primeiro plano.
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Karl Ludwig Rudolf Gerhard Meyer recebeu a naturalização brasileira em 6 de agosto de 1931, em ato assinado por Osvaldo Aranha, ministro da Justiça e Negócios Interiores da República. Depois, estribado no Artigo 71 do Decreto Federal 18542, de 24.12.1928, requereu mudança no nome civil. Quebrando secular praxe da família Meyer, de utilizar vários prenomes, eliminou os três primeiros e, ao sobrenome tradicional, adicionou Suerdieck. O novo nome, Gerhard Meyer Suerdieck, que já vinha usando comercialmente, saiu publicado em 27 de setembro de 1936, no Diário da Justiça do Estado da Bahia. Automaticamente, sua esposa e filhos também ganharam Aula de música em 1934: direito ao sobrenome famoso. Na verdade, o que Gerhard Wolfgang, Fernando, Nicolau, Geraldo e o prof. Willi Bröm-melmeier. Este fez foi simplesmente herdar o sobrenome de casada da irmã, conjunto che-gou a se apresentar no Clube Alemão de Salvador. que se tivesse tido filhos seriam todos com o sangue Meyer Suerdieck. Mas seu irmão garantiu, pelos menos em termos nominais, a continuidade da união destas duas famílias alemãs, dando origem a um novo clã, nascido no Brasil. A família Meyer Suerdieck começou com seis pessoas: Gerhard, Tibúrcia, Geraldo, Nicolau, Albrecht Wolfgang e Fernando. Gerhard no Rotary No dia 19 de agosto de 1937, Gerhard Meyer Suerdieck foi admitido como 71º sócio no Rotary Clube da Bahia. O ingresso do industrial numa organização de origem americana (Chicago, 23.02.1905) mostrou o rumo das suas convicções. Ele deu um discreto recado à ala da colônia alemã que já atuava em favor do nazismo. Em 6 de julho de 1944, Gerhard tomou posse no Conselho Diretor do Rotary, para um mandato de um ano como tesoureiro da entidade. No dia Vista parcial da residência de Gerhard no bairro da Graça: Avenida Euclides da Cunha, esquina com Amélia Rodrigues. Foi construída em 1935, em terreno que havia pertencido a Renato Furtado de Simas, titular da firma R. F. Simas, sediada em São Félix e que enfardava fumos para a Suerdieck. No projeto da casa, concebido pelo próprio Gerhard, foi inserido um ateliê artístico no terraço (em ângulo não capturado pela foto) e um elevador social, o primeiro instalado num imóvel residencial em Salvador.
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24 do mês seguinte, na reunião mensal dos rotarianos, o empresário proferiu uma palestra intitulada “Fabricação de Charutos na Bahia”.
Capítulo
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TREINAMENTO E VIDA EM HAMBURGO
TREINAMENTO E VIDA EM HAMBURGO
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eraldo Meyer Suerdieck prestou serviço militar no Tiro de Guerra 284, em Salvador, tendo recebido o certificado de reservista em novembro de 1936. Neste mesmo mês acompanhou os pais, irmãos e Alma Suerdieck numa excursão à Europa, levados pelo navio Monte Pascoal. O desembarque foi em Nápoles, Itália, país onde permaneceram mais de trinta dias, tempo suficiente para Geraldo ter duas namoradas, Raffaella Palombi, em Roma, e Margherita la Floresta, em Taormina, na Sicília. Em janeiro a família chegou a Hamburgo, ponto final das férias e onde Geraldo permaneceu para cumprir estágio administrativo no Conrad Hinrich Donner – Donnerbank, que operava como banco comercial e como agente no comércio exterior, exportando manufaturados e importando matéria-prima, com operações no Brasil em algodão, café e fumo. O Donnerbank seria a sua faculdade, o treinamento profissional para se transformar num executivo internacional e no futuro assumir o comando da S u e rd i e c k . A s s i n o u contrato por dois anos e meio, com vigência a partir de 1º de fevereiro de 1937, que estipulava a remuneração mensal de 33 marcos no primeiro ano, 60 no segundo e 80 nos seis meses finais. Como complementação, e garantirumapermanência despreocupada, o pai enviaria 500 marcos Geraldo em 1936, quando prestava o serviço mensais, assegurando- militar, na porta da sua residência, na Avenida Euclides da Cunha 16, Salvador. Geraldo esquiando nos Alpes italianos. lhe uma situação financeira excelente. Geraldo fixou residência na Pension Hoofe, localizada na An der Alster 18. O local de trabalho ficava na Neue Grönningerstrasse 5. Os colegas de estágio (Casimir Prinz Wittgenstein, Gerfried Seebohm, Roland
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Geraldo com Margherita la Floresta, em Taormina, Itália.
Burchard, Tilo von Donner, Hilgenstock, Westphal, Timcke, Rompel, Dissen e Busse) afirmavam que, depois de Berlim, Hamburgo era a cidade mais importante da Alemanha. Rapidamente adaptou-se à dinâmica da metrópole, erguida numa planície cortada pelo Rio Elba e seu tributário, o Alster. O setor antigo, por causa dos canais, pontes, casario e ruas estreitas, conferiam a Hamburgo o carinhoso título de “Veneza do Norte”. Mas havia a parte nova, com extensas e largas avenidas, parques, jardins e elegantes bairros residenciais e comerciais. Enfim, tratava-se de uma cidade muito bonita e de múltiplas facetas, com igrejas de altíssimas e magníficas torres, além do grandioso monumento homenageando Bismarck, o
chanceler que conseguiu unificar a Alemanha no século XIX. Importante entreposto comercial, financeiro e de serviços, Hamburgo também tinha um notável parque fabril, onde se destacavam a construção naval e a indústria alimentícia. Tudo era portentoso: a estação ferroviária, o porto pesqueiro e o porto mercante, o maior da Alemanha e quarto mais freqüentado da Europa, num vaie-vem infernal de vapores cargueiros, de passageiros e de transporte misto. Vital para a economia hamburguesa, o porto era uma verdadeira cidade, com uma vasta gama de serviços especializados, distribuídos numa área de 100 km2. Dispunha de gigantescos armazéns, grandes depósitos, centenas de guindastes, dezenas de elevadores flutuantes e inúmeros rebocadores, barcaças e lanchas de apoio técnico. Como dinheiro não se constituía em problema, a vida de Geraldo tornou-se socialmente agitada. Fora do expediente laborioso, frequentava os restaurantes grãfinos da Jungfernstieg, os cinemas e as casas de espetáculos. Um dia foi ao Hansa Theater, atraído pela divulgação de um musical, que prometia ritmos latinos, e teve uma grande e agradável surpresa. A orquestra era da Bahia, a Jazz Jonas, que conhecia de festas no Bahiano de Tênis e no Clube Alemão de Salvador. Quase todo fim de semana ia ao Reeperbahn, no bairro boêmio de St. Pauli, reduto de cervejarias, dancings e cabarés. Da turma mais frequente nestas noitadas faziam parte o alemão Bruno Andresen, o português Fernando Melo, o catarinense Otto Max Selinke (Ottito) e o baiano Oscar Schmidt. Para poder comprar um automóvel tirou carteira de motorista e, com o aval do Donnerbank, ingressou em dois clubes tradicionais: o Harvestehuder Tennis und Hockey Club; e o Der Hamburger und Germania Ruder Club, localizado na borda do Alster interior, para a prática de esportes náuticos, especialmente o remo, uma das seduções esportivas que Hamburgo oferecia aos jovens durante o verão. Neste retorno à Alemanha, Geraldo encontrou-a controlada pelos nazistas. Lembrava-se perfeitamente deles. Quando estudou em Stadthagen, da janela da casa na Obernstrasse nº 16, assistiu várias escaramuças entre as legiões de nazistas e comunistas. Aconteciam invariavelmente nos fins de semana, quando as duas facções saíam às ruas com estandartes e bandeiras, para inevitáveis confrontos na avenida principal, endereço dos tios, um dos desembocadouros para a Marktplatz,
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a praça central, no núcleo histórico da cidade. Por causa destas batalhas ideológicas era proibido de ficar nas ruas. Mas para Bubi e seus amigos, aqueles encontros de violência, às vezes sangrentos, constituíam-se num divertimento, pois na idade deles não lhes ocorria a gravidade do momento político do país. Geraldo percebeu em Hamburgo que os vencedores se tornaram senhores de toda situação, sem focos de resistência. Hitler era ídolo das massas, fato que comprovou ao assistir dois comícios, em Hamburgo e Hannover. Ficou impressionado com o poder de comunicação do Führer, que hipnotizava a multidão fanática. Mas este fanatismo lhe amedrontou quando, numa visita à família Niemann, o senhor Erwin19 – que tinha sido demitido da polícia quando os nazistas tomaram o governo – fez um comentário, do alto da experiência de quem testemunhou os horrores da Guerra de 1914-1918: — Isto tudo vai dar em guerra e eu serei um dos primeiros a ser convocado, e não estes jovens inexperientes! Ato contínuo, o filho Erni, da Juventude Nazista, discutiu asperamente com o pai, ameaçando inclusive delatá-lo por traição à pátria. Geraldo ficou chocado com o comportamento insolente do adolescente. A doutrinação nazista havia rompido o elo da sagrada formação familiar, a ponto de um pai não ser mais respeitado. Os comandantes da Juventude Nazista estavam transformando os jovens em espiões e delatores dos familiares que não rezavam pela cartilha do partido que havia demolido a democracia alemã. Procuravam destruir o poder patriarcal. Como presente de um colega no trabalho, Geraldo recebeu o grande best-seller alemão, Mein Kampf, escrito por Adolf Hitler. Não chegou a ler, pois ouviu de um senhor, quase em tom de cochicho: “O livro é confuso, com a caneta na mão ele não empolga e nem envolve como na oratória”. Mas ninguém ousava criticar publicamente a obra-prima do Führer. Os nazistas controlavam tudo e disto teve a certeza quando programou, para a primeira folga no trabalho, uma viagem à França, sendo informado do limite que poderia levar, uma mixaria que não dava para as despesas que teria. Estrangeiro podia entrar na Alemanha com grandes Geraldo com Else e Erwin Niemann. valores, mas não saía com o que quisesse, mesmo vindo transferido do exterior. O jeito foi apelar para o pai, pedindo-lhe que remetesse dinheiro para ser sacado em Paris, no Crédit Lyonnais. O argumento para a viagem foi a Exposition Internationale des Arts e des Techniques, onde a Suerdieck teria charutos expostos no pavilhão brasileiro e obteria um diploma de Grand Prix. Mas o verdadeiro motivo foi uma mulher, a primeira namorada em Hamburgo, Helga Tourée, uma descendente de franceses, filha de uma viúva, corredora profissional de motocicleta. Combinaram 19 A esposa do Erwin, Else Niemann, possuia um parentesco com os Meyer.
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encontrar-se em Paris. Fazendo a estréia no transporte aéreo, Geraldo desembarcou enjoado, pois vomitou muito durante o vôo, que não foi nada agradável, por causa das turbulências enfrentadas pela aeronave. Passou o restante do dia no hotel, recompondo-se do mal-estar e revisando o esquema dos passeios. À noite sonhou com as luxúrias do amor nos dias faustosos na Cidade Luz. Após o café da manhã foi ao banco, abastecer-se do combustível para a “lua-de-mel”. Não conseguiu, a ordem de pagamento simplesmente não chegara. Praticamente sem dinheiro e sem a Helga, que também não apareceu, ficou vagando a pé pela capital francesa, conhecendo os bulevares, praças, parques, igrejas, palácios, monumentos e pontes. Contemplou o Rio Sena, a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, os jardins dos Champs Élysées, a Catedral de Notre-Dame, as estações do metrô, as vitrines das lojas, as fachadas dos bistrôs e cafés. Enfim, andou muito e viu tudo que era permitido gratuitamente. Mas a penúria foi de tal forma que a experiente dona do hotel percebeu que algo de anormal havia acontecido com o jovem hóspede. Desconfiada, passou a vigiar seus passos e a olhá-lo com cara pouco amiga, obrigando-o a abrir o jogo. A hoteleira compreendeu o drama, mas retiroulhe do confortável quarto de casal, alojando-o num horrível cubículo. Finalmente, há dois dias do regresso, o dinheiro foi liberado. Comprou roupas elegantes, pagou a conta do hotel e foi tirar a barriga da miséria, jantando sozinho no restaurante mais famoso, o La Tour d’Argent, à margem do Sena, na Quai des Tournelles. Bebeu da melhor champanha e degustou o prato mais caro do sofisticado cardápio. Como num passe de mágica, o “vagabundo” das ruas de Paris se transformou num “príncipe” requintado. Antes de tomar o avião de volta, foi às pressas cumprir os dois compromissos que teria de prestar contas: visitas à Exposição Internacional e à Esplanade des Invalides, onde ficava a Igreja do Dôme, que sob a abóbada dourada abrigava o túmulo de Napoleão, instalado numa cripta circular de pórfiro vermelho. A ida aos Invalides foi uma sugestão do pai, numa carta em que finalizou com uma brincadeira: “cuidado com as francesinhas!”. A única coisa que incomodava, ou melhor, que constrangia Bubi era uma briga familiar, que o impedia de ir a Stadthagen visitar a tia Lisbeth, sua mãe de criação nos anos em que residiu naquela cidade. Por conta da querela evitava até se aproximar do primo Jobst, que também estava morando em Hamburgo. A causa foi uma carta que recebeu, em maio de 1937, dois meses antes da viagem a Paris, que o deixou perplexo. Dona Tibúrcia foi direta ao assunto, sem meias palavras: Querido Bubi, Seu pai anda muito preocupado e me pediu que, como mãe, fizesse a seguinte recomendação: não é para você visitar a família de Lisbeth. Eles estão danados conosco e nós com medo de que lhe façam algum mal. Poderão até lhe envenenar. Portanto, não confie em ninguém desta família e tampouco na outra, dos descarados do escritório de Hamburgo. São todos falsos, como Judas!
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Tibúrcia e Lisbeth, em 1933.
A origem de tudo estava em Ernst Meyer, que após a morte do pai, ocorrida em junho de 1933, veio para a Bahia, gastar o quinhão que lhe coubera no testamento deixado por um tio bondoso, August Suerdieck, pago no Brasil, por Gerhard. Contrariando os aconselhamentos, Ernst teimou em investir o dinheiro da herança numa propriedade que adquiriu em São Roque do Paraguaçu, onde apostou tudo numa criação de porcos. De temperamento difícil, o jovem isolou-se na fazenda e, sem querer dar o braço a torcer, escondeu da família Meyer Suerdieck
o fracasso no empreendimento. Em março de 1937 Gerhard chegou da Europa sem ter passado em Stadthagen, pois havia perdido a estima pela viúva do irmão, já por conta dos desentendimentos ocasionados pelo Ernst. No desembarque recebeu uma informação que o deixou preocupado: o sobrinho enfrentava sérias dificuldades financeiras. Foi logo visitá-lo, na intenção de levar ajuda, mas tomou um baita susto. A situação era gravíssima, o Ernst estava vivendo literalmente numa pocilga, ao lado de uma cabocla também em condições deploráveis, ambos doentes e subnutridos. Trouxe-os para Salvador e internou-os num hospital, onde foi diagnosticado que estavam com impaludismo. Para evitar que, num ato intempestivo, o Ernst voltasse à propriedade, que não oferecia qualquer condição de subsistência digna, Gerhard colocou-o num navio assim que houve a alta hospitalar. A esperá-lo em Hamburgo encontrou Lisbeth, que ficou chocada com a magreza do filho e jogou a culpa no cunhado. Ernst deixou que a mãe direcionasse toda a ira justamente para quem havia salvo a vida do filho teimoso. Ele não teve também a hombridade de assumir a responsabilidade pelo fracasso na aventura como suinocultor. E o orgulho impedira-o de solicitar socorro ao tio assim que deu com os porcos n’água. Preferiu passar pela humilhação das privações, inclusive de alimentação. Em função desta postura claramente suicida, e depois por esconder os fatos verdadeiros, Ernst permitiu que Lisbeth fizesse duas acusações contundentes contra Gerhard. A primeira foi “por Gerhard não ter colocado o Ernst na empresa”. O dono alegou que o rapaz não quis trabalhar na fábrica de charutos, já que ambicionava ser fazendeiro, como o avô materno. Chegou inclusive, para ganhar tarimba, a estagiar numa fazenda do próprio Gerhard, em Maragogipe, donde saiu para trabalhar por conta própria. Escolheu uma opção não recomendada pelo tio, que já havia feito uma pequena experiência com suínos. A segunda acusação foi “por enviar o Ernst para morrer na Alemanha de uma doença tropical”. Um exagero, uma vez que o filho embarcou com autorização médica e não corria mais nenhum risco de vida. Prova disto foi que voltou à Bahia poucos meses depois, para tratar da venda da fazendola em São Roque e procurar trabalho, batendo de porta em porta. Este último objetivo não conseguiu alcançar, haja vista que não tinha nenhuma especialidade profissional. Sem emprego e sem ambiente com o tio, foi obrigado a voltar definitivamente à Alemanha.
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Embevecido com Hamburgo Quando enviuvou de Ferdinand, Frau Alma Suerdieck foi morar com a família Meyer, criando uma forte relação de afetividade com os meninos, que a tratavam de Tante (tia). Dava-lhes carinhos com a mesma intensidade que daria aos filhos que não conseguiu ter. Geraldo era o sobrinho predileto, com quem desenvolveu uma confiança tão sólida que ele fez dela sua confidente. Mesmo de longe, quando voltou à Alemanha, continuou abrindo o coração para a tia. Correspondiam-se em alemão. Eis uma das cartas, escrita em 3 de novembro de 1937: Querida Tia Alma, Recebi sua última carta e agradeço muitíssimo. Estou levando uma vida que melhor não podia ser. Amigos e amigas tenho bastante, até demais. Sou sócio de dois excelentes clubes, onde posso praticar esportes no verão e no inverno. Hamburgo é uma cidade extraordinária, que oferece uma enorme quantidade de atrações. É muito rica em restaurantes, cinemas, teatros, locais para dançar e outras distrações. Saio todas as noites, mas não conte isto ao papai e nem à mamãe. Você entende a razão! Se me divirto muito também trabalho muito. Acordo cedo e chego cedo ao banco. Apesar de usufruir de todas as maravilhas que um jovem pode desejar, sinto saudades da Bahia e, principalmente, da família. Às vezes fico no quarto contemplando o quadro a óleo da nossa casa, pintado por papai. Você deve se lembrar dele. Lembranças e beijos. Bubi.
Em Hamburgo Geraldo freqüentava a residência de Max Stern, cujo filho, Herbert Stern, tinha sido levado por Gerhard, em março de 1937,
Na escola de dança de salão, Geraldo conheceu Roseliesel Christiansen (Roli). Fizeram par no aprendizado da rumba e tiveram um namoro fugaz, em 1937.
para trabalhar na Suerdieck. Uma certa feita, ao sair da casa do Max, que oferecera uma festinha de despedida a um grupo de judeus que conseguira visto de emigração para os Estados Unidos, Geraldo foi abordado por um camisa-parda, membro das SA, tropas de assalto dos nazistas. Ao constatar, pela documentação, que se tratava de um brasileiro o guarda informou que, mesmo sendo estrangeiro, não era bem-vista sua presença num domicílio judeu. Encerrou a advertência com uma ameaça, dizendo
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Carteira do clube de remo, em Hamburgo.
que se voltasse ao local não poderia garantir pela sua segurança física. O cerco dos nazistas apertava cada vez mais, em todos os sentidos, não apenas contra os judeus. Nos atos públicos, mesmo nos cinemas, quando a imagem de Hitler aparecia, todos se levantavam, com o braço direito erguido e a mão espalmada, para fazer a saudação nazista. Quem não o fizesse, mesmo estrangeiro, também teria a mesma insegurança de chegar bem em casa. No seio da população, principalmente entre a juventude, era monumental a idolatria pela ideologia nazista. Os estrangeiros, a princípio recebidos com gentilezas, por causa das divisas cambiais, passaram a ser encarados como elementos de raça inferior, tratados com indisfarçável prepotência e até com discriminações. O orgulho da superioridade germânica aflorava a olhos vistos. Esta mudança comportamental aconteceu em março de 1938, quando Hitler invadiu a Áustria e proclamou o Anschluss. O fato foi saudado entusiasticamente pelo povo, que fez festa nas cervejarias. Geraldo viu pessoas, que antes faziam críticas ao regime, aderirem calorosamente ao nazismo. No entanto, no trabalho e nas casas das famílias que conhecia, percebia que entre os mais velhos, pessoas que tinham sofrido na pele os efeitos da I Guerra Mundial, corria uma discreta preocupação com os rumos da avalanche nacionalista e dominadora, desencadeada pela máquina nazista. Estava também claramente delineado que o Arbeitsdienst, o “plano de trabalho” idealizado por Hitler, em que os desempregados sumiram milagrosamente, era parte de um projeto destinado ao esforço de preparação da Alemanha para uma guerra. Todos tinham de cumprir jornadas de trabalhos organizadas à semelhança de um serviço militar, só que, ao invés de fuzis, as armas eram instrumentos do labor produtivo. Os homens foram despachados para fábricas, para abrir estradas, construir pontes e para ajudar os lavradores no plantio e colheita de grandes safras
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agrícolas. Os jovens foram incorporados ao serviço militar, na ampliação das forças armadas. As mulheres se dedicavam a produzir uniformes, cobertores e peças para um vestuário próprio de locais com invernos rigorosos, tudo sob a rubrica “ajuda aos necessitados”. Na verdade, era voz cada vez mais corrente, que se produziam fardas e materiais para um grande exército e para as tropas SS e SA. Diziam ainda que a construção das novas estradas e pontes tinham objetivos bélicos, estratégicos. Fazia-se também de tudo para levantar recursos. Por exemplo, a título de “socorro de inverno”, foi instituída uma contribuição voluntária, com a compra de uma flor para colocação na lapela da roupa. Inicialmente mensal, passou a ser semanal e praticamente de uso obrigatório. Toda segunda-feira, dia do rodízio das cores, tornava-se virtualmente impossível alguém chegar no trabalho sem a nova flor. Havia pressão e até ameaças dos guardas das SA a quem não colaborasse com o fundo do socorro de inverno. Também comentava-se que a Volkswagen estava priorizando a fabricação de armas e munições, em detrimento do povo, que havia feito inscrições e pagava as prestações do futuro automóvel, cujo protótipo era exibido publicamente com grande alarido. Mesmo sendo estrangeiro e estando em permanência temporária, Geraldo viu-se na contigência de participar do plano do carro. Recebia o salário já com o desconto da parcela mensal do veículo comprado de modo compulsório. No Conrad Hinrich Donner, Geraldo trabalhou num setor que intermediava as vantagens concedidas pelo governo para derrubar os concorrentes nas exportações. O engenhoso plano tinha a sigla ZAV, que significava Sistema de Complementação da Exportação. Por exemplo, ao receber uma consulta de qualquer parte, especialmente do terceiro mundo, para ofertar, digamos, bicicletas, o procedimento do Donnerbank obedecia ao seguinte trâmite: O preço a ser cotado, depois de coletado junto aos fabricantes, era encaminhado em formulário especial para a Handelskammer (Câmara do Comércio), que fazia uso de uma rede de espionagem comercial montada nos consulados alemães, os quais informavam os valores das cotações feitas pelos concorrentes ingleses, franceses e americanos. A Handelskammer devolvia o formulário da cotação com um grande carimbo onde constava o percentual do bônus dado pelo governo ao exportador. Com isso, toda oferta alemã se situava abaixo da concorrência internacional. Resultado, a Alemanha crescia vertiginosamente no comércio exterior e a disponibilidade de divisas subia progressivamente, jogando mais fagulhas num ambiente de guerra iminente. Em janeiro de 1938 ocorreram as comemorações pelos 140 anos de fundação do Conrad Hinrich Donner. Logo depois, o clima festivo foi substituído por preocupações. Os dirigentes ficaram temerosos com os rumos da corrida armamentista, pois Hitler desenvolvia uma política de francos preparativos para colocar a Alemanha numa grande guerra, o que traria consequências graves para os negócios da empresa, basicamente assentados no comércio internacional. Em setembro, quando a certeza da guerra ganhou contornos fortíssimos, Geraldo recebeu uma carta postada em Salvador no primeiro dia deste mês. Fugindo da sua habitual discreção e da praxe de escrever para o filho em alemão, Gerhard reiteirou os termos de uma
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correspondência anterior, que fez chegar até Geraldo através de um amigo que tinha ido a Hamburgo. Eis os trechos principais da nova carta, em português, idioma que escrevia e falava com fluência: Só quero, outra vez, lembrar como deverá proceder no caso de uma guerra. Repito que, como brasileiro, nunca pense em fazer parte duma eventual guerra, nem mesmo ficar na Alemanha. Portanto, se houver qualquer conflito, não demore de viajar para uma terra neutra, quer seja a Holanda ou um país do norte, como Dinamarca, Suécia ou Noruega. De lá achará um caminho para o Brasil. Para não ficar sem meios, já tomei as providências, pois temos nossos amigos na Holanda. Basta avisar-me.
Pouco depois do recebimento da carta, Geraldo foi chamado ao gabinete do principal executivo do Donnerbank, Julius Peters2 0, para ser informado de que havendo a eclosão de uma guerra seria retido no país. Por ser filho de alemão, seria convocado e transformado num soldado da Wehrmacht, o exército regular. Por isso, o banqueiro pediu-lhe que saísse temporariamente da Alemanha, até a situação ficar definida claramente, paz ou guerra. No dia seguinte ao aviso de que deveria encaminhar uma solicitação de licença, recebeu um telegrama do pai, redigido em português: Reflita sobre suas responsabilidades com sua mãe e irmãos stop Peça licença seus chefes e siga imediatamente Amsterdam vg independente opinião outros stop Instruções Bary Amsterdam stop Responda urgente por telegrama stop
A resposta foi imediata, num português bem sucinto, mas de grande alívio para os familiares em Salvador: Parto amanhã dia quinze stop Hoje impossível stop
Banqueiro Julius Peters.
Na estação ferroviária Bubi ficou impressionado com a movimentação. Já dentro do trem ficou sabendo que o embarque de passageiros havia aumentado substancialmente nos últimos dias, sendo a Holanda um dos destinos mais procurados. 20 Hans W. Julius Peters, que não era partidário dos excessos do nazismo, tinha 56 anos de idade e fumava charutos Suerdieck. Responsável pela contratação de Geraldo, preocupava-se com a segurança do filho do amigo Gerhard.
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Reprodução
Na capital holandesa Geraldo hospedou-se no Central Hotel, donde remeteu, no dia 27, a seguinte carta: Querido Pai, Espero que no entretempo minhas cartas, daqui de Amsterdã, tenham chegado ao seu poder. Estou escrevendo e enviando para cada saída do correio aéreo. Posição Política: Dá a impressão, depois do discurso de ontem, de Hitler, que a situação se acalmou mais. Ele desistiu da maior parte de suas exigências novas. É de se esperar que a Alemanha, depois de negociações tão prolongadas, não irá fazer a loucura de iniciar uma guerra, de qualquer forma. O fato da Inglaterra e a França, de modo lento, porém decisivo, terem assumido uma posição firme, eu vejo como muito bom. Até 1º de outubro deverá ser encontrada uma solução pacífica. Posição Retorno: Também me informei sobre a possibilidade de um retorno imediato ao Brasil. Neste primeiro momento não me parece fácil. Uma linha de navegação holandesa suspendeu as viagens que fazia à costa leste da América do Sul. Para uma viagem aos Estados Unidos eu deveria, já agora, reservar passagem para o final de outubro. Todas as linhas estão esgotadas. Estive também numa agência de viagens para obter informações do Lloyd Brasileiro, porém, aqui, não se sabe nada sobre esta companhia. Se realmente a situação política se agravar, eu espero encontrar um caminho, de qualquer forma. Ainda hoje irei escrever ao Oscar2 1, que acredito ter retornado ontem de Londres, para que ele obtenha informações sobre o Lloyd e diga as escalas e datas das partidas. Mas, em caso de qualquer emergência, poderei ir a Lisboa ou Antuérpia. Vida em Amsterdã: Embora nesta situação desagradável, aqui parado, perdendo tempo e sem saber o que possa acontecer, procuro levar a vida sem me entediar. Durante o dia tenho visitado a cidade e, à noite, vez por outra, vou ao cinema e ao teatro. Tenho também telefonado constantemente para Hamburgo, onde os amigos estão otimistas. Alguns acham que poderei retornar tranquilamente, dentro de alguns dias. Estou pagando no hotel 5,50 florins por dia, com pensão completa. Disseram-me que é uma diária barata. Até o momento já comprei 125 fardos de fumo, dos quais 40 estão comigo2 2. 21 Amigo de Salvador que também se encontrava em treinamento profissional, na Hamburg Südamerikanische Dampfschiffahrts Gesellschaft (Companhia Hamburguesa Sulamericana de Vapores), mais conhecida como HamburgSüd. Oscar era filho de Gustavo Schmidt, representante na Bahia desta companhia alemã de navegação. 22 Parágrafo em código. Informava o recebimento de dinheiro para as despesas pessoais, haja vista que tivera de deixar tudo na Alemanha. A fonte dos recursos era um cliente de fumos da Suerdieck, a empresa Handel Maatschappij H. Albert de Bary & Co. N.V., que tinha sido contatada por Gerhard.
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Não fique preocupado, querido pai, não acontecerá nada. Lembranças e beijos do seu filho. BUBI COM DUAS PESSOAS QUERIDAS
Aurélio, ex-escravo, que faleceu em agosto de 1937, aos 78 anos. Foi o anjo protetor, uma espécie de segundo pai de Bubi.
Alma Suerdieck, tia adotiva que tratava Bubi como filho. Nascida na Alemanha, era viúva do criador dos charutos Suerdieck.
No dia 30 de setembro a Alemanha, Grã-Bretanha, França e Itália, assinaram o Acordo de Munique, pelo qual se decidiu a divisão de parte da Tchecoslováquia: os Sudetos passaram à Alemanha e os territórios eslavos à Hungria. A Europa respirou aliviada, o fantasma da guerra estava afastado. Com isto, Geraldo retornou a Hamburgo e reassumiu seu posto no Donnerbank. Poucos dias depois, assistia ao início das violentas e sistemáticas depredações dos estabelecimentos comerciais dos judeus: foi na noite de 9 de novembro de 1938, uma quarta-feira, que ficaria conhecida como Noite do Cristal (Kristallnacht). Geraldo e Oscar retornavam para casa quando, nas imediações da Jungfernstieg, área do refinado bairro comercial dos judeu, encontraram tropas bloqueando diversas ruas. Impedidos de passar, ficaram de longe assistindo ao saque seguido de um violento quebra-quebra das joalherias e lojas, promovidos pelos soldados, num autêntico aparato de guerra. No dia seguinte, os jornais circularam dando destaque ao massacre, informando que o “povo” havia destruído os estabelecimentos em represália ao assassinato, em Paris, no dia sete, do diplomata alemão Ernst von Rath. O crime, cometido pelo judeu Hershel Grinspum, foi apaixonadamente divulgado pela imprensa nazista e serviu de bandeira para a deflagração da violência contra as lojas e sinagogas. A operação da Noite do Cristal foi executada, em nível nacional, pelas tropas de elite de regime hitlerista, os esquadrões das SS, de uniforme preto, cujo símbolo, a caveira, infundia muito medo e terror.
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Quando os judeus passaram a ser expulsos de suas casas, Geraldo foi procurado por um senhor que havia conhecido na casa de Max Stern. Ele implorou para Herr Suerdieck ir residir, por um aluguel simbólico, no seu imóvel, um recurso para evitar a invasão pelos nazistas fanáticos. Geraldo e Oscar trocaram a Pension Doecke, na Moorweidenstrasse 34, pelo apartamento luxuosamente mobiliado e decorado. O locador entregou-o com tudo que havia dentro, inclusive os tapetes persas. Ficava num dos endereços chiques da cidade, na Oderfelderstrasse 30 II, no mesmo prédio onde residia o cônsul do Japão. CORRESPONDÊNCIAS O intercâmbio de cartas entre Geraldo e a família foi intenso e denso. As comunicações com o pai eram no idioma alemão e em português com a mãe. Uma das recomendações de Gerhard era de que nada fosse escrito sobre política e críticas a governos ou autoridades. O patriarca impôs esta orientação como medida cautelar, contra eventuais violações do sigilo postal por agentes da espionagem plantados nos correios, de lá e cá. Porém, por inexperiência ou destemor, Geraldo não seguia à risca a determinação preventiva. Vez por outra inseria comentários que deixavam os pais exasperados. Eis alguns trechos retirados do volumoso acervo das cartas do tráfego familiar. 02.11.1937 Em janeiro luta aqui o Schmeling, contra o Ben Foort. Queria ver, mas as entradas já estão desde hoje todas vendidas. Foram vendidas sem terem saído oficialmente. É tudo uma roubalheira! Bubi 14.10.1938 Recebi, neste instante, o cartão do papai e vejo que estão ainda inquietos com os acontecimentos políticos. Aqui está tudo manso e em guerra não se crê daqui a uns três anos. Mas todos têm uma opinião. No próximo ano virão “as colônias”, e até do Brasil vão pedir satisfações. Mais ainda, ocupam-se com idéias fantasiosas, citando Santa Catarina como colônia alemã. Este é um dos boatos correntes, que mexe com o orgulho do povo, que é imenso! Para mim Hitler pode garantir a paz como queira, mas sua paz será o fim do mundo. Bubi 22.10.1938 Não escreva mais cartas como a penúltima, pois poderá nos colocar em sérios problemas. Ouviu, moço? Estou falando da carta à mama! Gerhard
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10.11.1938 Ontem, aqui em Hamburgo, destruíram todas as vitrinas das lojas judaicas. Foi uma tristeza ver o que fizeram. Lembranças da Rússia! Bubi 16.11.1938 Recebi sua carta do dia 10. Fiquei muito preocupada com o que escreveu, pois tenho medo. Por isso, meu filho, peço que não escreva mais nada. Você sabe o que quero dizer. Tibúrcia O ÚLTIMO NATAL EM HAMBURGO 20.12.1938 Querida Mãe, Aqui está com 15 graus abaixo de zero. Já tem cinco dias com esta temperatura, que trouxe também um frio terrível. Nestas noites gélidas não tenho vontade de sair para ir ao cinema ou ao teatro. Fico em casa, lendo e ouvindo música. Fui convidado por Tante Lisbeth para passar o Natal em Stadthagen. Mas não irei, ficarei em Hamburgo, com a minha Maryon. Um bom Natal e muitas felicidades no Ano Novo. Beijos e abraços do seu filho.
Bubi
JONAS SILVA Jonas Silva tornou-se conhecido como fotógrafo, dono da Foto Jonas, uma das mais destacadas de Salvador na década de 1920. Pelo seu estúdio, na Avenida Sete de Setembro, trecho de São Pedro, passavam personalidades dos meios artístico, político, econômico e social. Dublê de fotógrafo e músico, Jonas Silva montou uma orquestra que faria enorme sucesso nos anos de 1930, a Jazz Jonas, que se exibia em clubes, teatros e dancings de Salvador. Contratada para animar festas a bordo dos navios das linhas nacionais e internacionais, a Jazz Jonas também se apresentava nas cidades portuárias. Em Hamburgo, Geraldo assistiu um de seus shows, no Hansa Theater.
Geraldo e Oscar Schmidt, com roupas adequadas ao inverno hamburguês.
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Anúncio de 1938.
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Capítulo
11
PROBLEMAS COM OS NAZISTAS
PROBLEMAS COM OS NAZISTAS
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o final de janeiro de 1939, o casal Meyer Suerdieck desembarcou em Hamburgo, para uma visita programada de última hora. Gerhard cumpriria uma agenda de contatos importantes, para colher de fontes idôneas informações confidenciais, sobre as perspectivas políticas e suas implicações no comércio mundial de fumos e charutos. Encontrou no meio empresarial um clima tenso, de preocupações com a escalada do nazismo, que elastecia as fronteiras alemãs. Enfim, pairava no ar a irreversibilidade de uma guerra. Com o banqueiro Julius Peters conferenciou sobre Geraldo, tendo ouvido o conselho para providenciar a reserva da passagem de regresso, com embarque imediatamente após o encerramento do estágio, em 31 de julho. Gerhard resolveu então cancelar os dois outros treinamentos intensivos já programados para o filho: dois meses numa fábrica alemã de charutos e dois meses numa firma de Londres, para aperfeiçoamento do uso de termos técnicos nas operações internacionais, onde o completo domínio da língua inglesa era indispensável. Enquanto os empresários não escondiam as incertezas para o rumo de seus negócios, nos demais setores as mostras eram de um otimismo desmedido, de confiança cega em Hitler. Ficou sabendo dos grandes preparativos para a Alemanha dominar amplamente a Europa. Aturdido com os relatos, incomodado com o exacerbado fanatismo dos nazistas, que presenciava nas ruas, e acometido de um mau presságio, Gerhard resolveu abruptamente deixar a Alemanha, indo para a Itália, onde embarcou no primeiro navio que vinha para o Brasil. Assim que partiu, chegou uma denúncia dando conta de que o senhor Meyer havia traído a pátria, pois, além de renunciar à cidadania alemã, a esposa possuía origem judaica2 3 e o filho mais velho estava usufruindo de um aprendizado reservado aos arianos. Por um ou dois dias se livrou das garras da polícia secreta. Mas Geraldo recebeu intimação para prestar esclarecimentos. A situação foi contornada graças à intervenção do principal dirigente do Conrad Hinrich Donner, comendador Julius Peters, membro do Conselho Municipal e pessoa de influência em Hamburgo. Mesmo assim, o jovem brasileiro teve de ir dar explicações na delegacia da Gestapo. No final da sabatina de duas horas, quando o inquisidor alternou amabilidades com 23 No registro de solteira lia-se Tibúrcia Pereira Guedes. Para os nazistas, pessoas com nomes de árvores, frutas, pedras preciosas e estrelas, eram de origem judaica. Por conseguinte, o Pereira encaixava-se no perfil da cartilha do antisemitismo, pois se tratava de cristão-novo.
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arrogância, foi dispensado depois de assinar a transcrição do depoimento. O comendador Peters, que tinha amigos na Gestapo, conseguiu descobrir a origem da denúncia. Tinha vindo do Brasil, enviada por Karl Horn, um dos três sócios da Suerdieck. O plano de Horn fora audacioso. Através de um golpe, via Gestapo, pretendia apoderar-se da empresa. Apostou na prisão, na Alemanha, dos sócios majoritários, Gerhard e Tibúrcia. Na Bahia o senhor Meyer recebeu informações do ocorrido e no regresso de Geraldo ficou sabendo dos detalhes da trama diabólica. Não titubeou, foi à forra, intimando o traidor a retirar-se da sociedade. Estabelecidas as condições para a compra das cotas, com pagamento parcelado, em cinco promissórias, foi expedida, em 30 de junho de 1939, uma circular ao comércio e aos empregados, com um recado velado aos simpatizantes do nazismo: “No intuito de isolar a firma de qualquer tendência política, e livrá-la da participação de qualquer elemento estrangeiro no seu quadro de sócios, estamos comunicando o afastamento definitivo do senhor Karl Horn”. Deu-se, assim, a nacionalização da Suerdieck, que passou a figurar no catálogo das organizações essencialmente brasileiras. PREMONIÇÃO Na Suerdieck todos sabiam que Karl Friedrich Horn era um dos homens da confiança do fundador, que deixou um testamento generoso, beneficiando instituições, alguns parentes e outras pessoas da sua estima. Para o fiel escudeiro August Suerdieck não deixou nada. Coube a Gerhard reparar a injustiça. Num gesto explícito de reconhecimento aos serviços prestados à Suerdieck, colocou Karl Horn na sociedade, dando-lhe 1,75% das cotas. Motivado, o seu braço direito teve decisiva participação no grande progresso da empresa, num espaço de seis anos. Pela dedicação e competência, Gerhard permitiu que Horn tivesse sua participação no capital ampliada para 24%. A ascensão vertiginosa do sócio não era bem-vista por dona Tibúrcia. Sempre que a oportunidade se apresentava, dizia que ele lhe parecia falso. Gerhard defendia-o, garantindo que Karl Horn era da sua mais absoluta confiança. A única restrição que lhe fazia era no tratamento dado aos negros. Enquanto abertamente os discriminava e menosprezava, Horn procurava as negras para manter relações sexuais às escondidas. Chegou ao cúmulo de conquistar a mulher de um empregado da Suerdieck, seu subordinado no escritório. Para não ter um desentendimento com o sócio, Gerhard fingia que não sabia da conduta sórdida. No início de 1938 o casal Horn esteve em Hamburgo. Desta viagem resultou um comentário de dona Tibúrcia, consignado em carta endereçada ao filho, datada de 12 de março: Por Frau Horn soube que estás bem de saúde. Felizmente você não pediu favor nenhum a eles, porque eu não gosto desta gente.
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Baptista
Karl Horn (de terno escuro, com chapéu nas mãos), entre autoridades e empregados da Suerdieck, numa solenidade realizada na fábrica de Maragogipe. Os dois últimos, depois do padre, são Willy Haendel e Heinrich Caspelherr.
Karl Horn foi posto para fora, mas permaneceram na Suerdieck vários empregados de nacionalidade alemã francamente pró-nazistas, que desencadearam campanhas de agitação entre os operários das fábricas. Competentes, com larga experiência e ocupando posições técnicas estratégicas, a empresa viu-se obrigada a aturá-los enquanto preparava brasileiros para substituí-los. Em Maragogipe, onde ficava a principal fábrica, existia o Clube Alemão, mantido pelos alemães que trabalhavam na Dannemann e na Suerdieck. Frequentador assíduo enquanto residiu em Maragogipe, Gerhard era um benemérito do clube, sempre dando apoio às reivindicações da diretoria. Por esta razão recebeu uma singela homenagem, sendo guindado ao cargo honorífico de Presidente de Honra, título que foi imediatamente cassado quando estourou o problema com Karl Horn. A partir daí o dono da Suerdieck foi eleito pela colônia nazista como desafeto nº 1 do regime comandado por Hitler. No mesmo dia em que foi decretado o Estado de Guerra contra os países do Eixo, 31 de agosto de 1942, o presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto-Lei nº 4.638, contendo dois artigos importantes: Art.1º - Fica facultado aos empregadores o direito de rescindir os contratos de trabalho com empregados estrangeiros, súditos das nações com as quais o Brasil haja rompido relações diplomáticas ou se encontre em estado de beligerância. Art.2º - Para uso do direito facultado no artigo anterior, deverá o
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empregador, mediante requerimento, obter autorização prévia do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.
A Suerdieck substituiu imediatamente os gerentes alemães das fábricas por brasileiros. Em Maragogipe saiu Johann Heinrich Schinke2 4 e entrou Corbiniano Rocha, em Cruz das Almas Herbert Stern2 5 cedeu lugar a Mário Almeida, e em Cachoeira trocou Kurt Adolf Heinz Joachim Hasse por Waldo Herondino Azevedo. Logo depois, enviou ao governo federal a relação dos empregados indesejáveis, para rescisão de seus contratos. Mas, enquanto aguardava o autorizo do ministro, para poder processar as demissões com salvaguarda oficial, o corpo da empresa permaneceu minado pelos nazistas e o ambiente na principal fábrica ficou tenso, pois os operários não se conformavam com a presença dos empregados da nacionalidade inimiga. Chegaram a ocorrer alguns conflitos com grupos de alemães, que se tornaram arrogantes e convictos de que a Alemanha ganharia a guerra e dominaria o mundo. Finalmente, em despacho de 11 de junho Geraldo, à direita, na pista de patinação do Planten Bloom, Hamburgo, no inverno de 1938.
de 1943, o ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Alexandre Marcondes Filho,
autorizou as rescisões contratuais. Por determinação do Dops – Delegacia de Ordem Política e Social, os demitidos receberam orientação para fixar residência nos municípios selecionados pelo governo: Maracás, Caetité, Seabra, Andaraí e Mucugê. Os que não quiseram se transferir foram confinados na Vila da Polícia Militar, nos Dendezeiros, em Salvador, onde permaneceram até o final da guerra. FÚRIA POPULAR Assim que foi decretado o Estado de Beligerância contra os países do Eixo, o povo foi às ruas comemorar e houve, em algumas cidades, revanchismo exarcebado, que extrapolou os limites da ordem constituída. Em Salvador, uma turba enfurecida, comandada pelos estudantes, invadiu a loja e o escritório da Dannemann, localizados na Avenida Estados Unidos. A destruição foi total: caixas de charutos, livros, documentos, máquinas
24 Johann Schinke, um dos líderes da propaganda nazista, foi preso pela polícia política e levado a julgamento no Tribunal de Segurança Nacional. 25 Herbert Stern, judeu alemão, deixou a gerência de Cruz das Almas por uma questão estratégica, mas permaneceu na empresa, como fiscal das fábricas. Seu pai, Max Stern, representante da Suerdieck em Hamburgo, conseguiu fugir dos nazistas. Chegando à Bahia, foi contratado por Eloy da Silva & Cia. Ltda., recém-criada pela Suerdieck.
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datilográficas, móveis e utensílios jogados na rua. Findo o quebra-quebra, um dos líderes bradou: — Vamos agora na sede da Suerdieck, que também é alemã! Quando a passeata da desordem chegou na esquina da Rua Portugal com Pinto Martins encontrou na porta do prédio da Suerdieck um comerciante de ascendência árabe, conhecido pelo apelido de Mamãe Galinha Mija, que conteve os mais exaltados, juntamente com um conceituado corretor de câmbio, Archibald Oliveira Brown, filho de inglês, que, vo l u n t a r i a m e n t e, e s t av a arrecadando fundos para os Aliados. Nisto chegou fardado o jovem Wolfgang Suerdieck, que disse com firmeza: — A empresa não é alemã,
Geraldo em Hamburgo, 1938.
per tence aos meus pais, brasileiros como eu, que estou servindo ao Exército e pronto para lutar contra a Alemanha nazista! Enquanto o aspirante do CPOR falava, subiu uma bandeira do Brasil, içada pelos empregados da Suerdieck. A multidão aplaudiu e o grupo depredador seguiu na direção da Ladeira da Montanha, acesso para a Cidade Alta, onde foram apedrejados e saqueados diversos estabelecimentos de italianos e alemães. Na Baixa dos Sapateiros, a Foto Ideal, do alemão Frederico Hilmann, que prestava serviços à Suerdieck, foi completamente rebentada. Houve até uma tentativa de invasão do Convento de São Francisco, donde, segundo os líderes estudantis, estaria sendo operada uma estação de rádio clandestina, dirigida pelo guardião do Convento, apelidado de Frade Nazista. Tratava-se do frei Hildebrando, nascido na Alemanha com o nome de Franz Kruthaup. Na ordem religiosa trocou o prenome. Vista de Hamburgo, pouco antes da II Guerra Mundial.
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Reprodução
Atendendo convite de Gerhard para visitar a Bahia, Else Niemann chegou em agosto de 1939, poucos dias antes da guerra estourar na Europa. Voltou às pressas, no primeiro navio que passou por Salvador com destino a Hamburgo. Mas teve tempo de conhecer a vila dos pescadores de Itapuã, onde Else foi fotografada ao lado de Tibúrcia (de óculos).
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Capítulo
E
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HISTÓRIAS DE AMOR
HISTÓRIAS DE AMOR
m março de 1939 Hitler ordenou a invasão do que restava da Tchecoslováquia e proclamou a Boêmia e a Moravia protetorados do III Reich. Esta agressão inquietou novamente a Europa, o fantasma da guerra estava de volta, agora mais forte do que nunca. O comendador Julius Peters, achando iminente a eclosão de um grande conflito armado, chamou Geraldo para aconselhar: — Para sua segurança, você deve voltar imediatamente ao Brasil! O comendador estava agora preocupado com o fato de Geraldo ter sido fichado pela Gestapo2 6 e de estar morando numa propriedade de judeu. Deu por encerrado o contrato de trabalho que venceria três meses depois, em 31 de julho, e entregoulhe o documento da capacitação profissional, acompanhado de um segredo: Este certificado, que todos os estagiários recebem no final do treinamento, contém uma senha, que só os donos de empresas sabem decifrar o real resultado. Como no futuro você será o dono da Suerdieck, vou lhe revelar, em confiança, a chave da diferenciação. No documento do estagiário que não teve bom rendimento dizemos: “Atestamos que trabalhou conosco e teve a oportunidade de adquirir todos os conhecimentos”. Quando o estagiário realmente obtém aprovação, como no seu caso, informamos: “Atestamos que trabalhou conosco e adquiriu todos os conhecimentos”.
No dia 28 de abril de 1939, uma sexta-feira, embarcou de regresso. Antes foi homenageado pelos colegas, tendo recebido um presente com as assinaturas de Felix Hülsen, Jochen Weber, Eduard Henne, Werner Thiele, Gustav Stahmer, Ernst Lauer, Rudi Braum, Heinz Mecklenburg, Rinne, Rohde, Stamm, Baark, Jess, Dittmer e Bruno Andresen, que passou a ser o novo decano do corpo de estagiários. Em Hamburgo Geraldo deixou a namorada, com a garantia de que voltaria. Ela morava no bairro de Altona e chamava-se Maryon Valentiner. Fazia parte do corpo de bailarinas da Ópera de Hamburgo e tinha sido campeã juvenil de patinação artística. O namoro havia começado na festa de 31 de dezembro de 1937, ele com 19 e ela com 16 anos. Durante 16 meses viveram um intenso capítulo de amor, entremeado por passeios pelas regiões de Hamburgo, do Báltico e do Reno. Estiveram também em Hannover, 26 Tinha sido fichado como suspeito de ser “mischling”, pessoa de ascendência mista, filho de ariano com judia.
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Hamburgo, julho de 1938, na cervejaria Zillertal: o prof. Willi Brömmelmeier com a noiva Louise, a garçonete Cilly, Maryon e Geraldo.
onde residia a senhora Adele Bröckelmann, única irmã viva de Gerhard, que nas cartas cobrava do filho visitas à tia viúva. O idílio foi bruscamente interrompido pela viagem. Porém, por correspondência, Geraldo e Maryon continuaram reafirmando o pacto para o casamento, que seria concretizado tão logo a situação da Europa ficasse resolvida e ele pudesse voltar em segurança. No entretanto, ao invés disto a guerra explodiu em setembro de 1939. Enquanto a guerra esquentava na Europa, Geraldo trabalhava duro para aprender os segredos dos fumos e as técnicas dos charutos. Viajava pela região fumageira da Bahia e estagiava nas fábricas. Nas vindas a Salvador freqüentava o Dancing Savoia, famoso salão de dança, onde mostrou a experiência internacional2 7 e chamou a atenção da estrela do cast das dançarinas, uma sulista morena, bonita e elegante. Mas a conquista não foi fácil, pois havia um importante médico a cortejá-la, que ao se ver preterido ameaçou agredir o vencedor. Para evitar maiores problemas, Geraldo retirou a Lourdes do Savoia e levou-a para o interior. Em Cruz das Almas, que elegeu como base das viagens, alugou uma casa na Rua da Vitória e passou a viver com se fosse casado. Além da exuberância dos atributos físicos, a Lourdes dominava os segredos do sexo com proficiência exemplar. Mas esta qualidade não impediu que o tórrido romance fosse de curta duração. Geraldo trouxe-a de volta a Salvador e deu a relação por encerrada.
27 Bom na rumba, Geraldo formou com Maryon um par que chegou a receber aplausos na pista do Tarantella, restaurantedançante que funcionava no Hotel Esplanade Hamburg.
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Dias depois, num domingo de carnaval, quando se encontrava almoçando no Pálace Hotel, com os pais e irmãos, apareceu um policial muito nervoso. Relatou que uma mulher tinha se atirado da janela de um quarto no bairro da Federação, e que, ao ser socorrida, gritava insistentemente pelo seu nome. A Lourdes havia tentado o suicídio, encontrava-se ferida, mas sem gravidade. O episódio teve de ser abafado, para evitar um escândalo. Afinal, o pivô era filho de um industrial importante. O susto serviu-lhe de lição, de alerta para não continuar brincando com os sentimentos alheios. Tomou então uma decisão, convicto de ser o único passaporte para uma vida equilibrada e tranqüila, sem os percalços das aventuras inconseqüentes. Imbuído deste propósito, procurou o pai e, pela primeira vez, falou do compromisso de casamento assumido na Alemanha. MARYON VALENTINER Gerhard ficou sabendo da Maryon através de três fontes: cartas do próprio filho, que fazia menções lacônicas e chegou a enviar algumas fotografias ao lado da namorada; alemães residentes na Bahia que, a seu pedido, procuravam Geraldo quando desembarcavam em Hamburgo; e a mais importante de todas, o vice-cônsul brasileiro, que ao passar por Salvador, em novembro de 1938, vindo da Europa, foi recepcionado, juntamente com a esposa, pelo empresário com um jantar no palacete da Graça. O casal fez as melhores referências, pois Maryon estivera com Geraldo diversas vezes na residência dos Farias, levados por Oscar Schmidt, que se tornara muito amigo do diplomata. Embora ficasse contente com a escolha do filho, Gerhard fazia juízo de um namoro fugaz. Acreditava que, com a volta de Geraldo, a distância iria esfriar o romance e o tempo acabaria por extinguir a chama do amor. Cada qual, movido pelos ímpetos da mocidade, procuraria, naturalmente, novos caminhos e novos relacionamentos.
A princípio Gerhard reagiu de forma contrária ao casamento, pois não admitia de maneira alguma que o filho fosse à Europa já conturbada pela guerra. Porém, depois, acabou concordando com o plano de Geraldo, que despachou uma carta para Willy Koch, seu conselheiro durante o tempo que morou em Hamburgo. Koch era dono da Theodor Prahl, pequena firma prestadora de serviços, que providenciava tudo para a Suerdieck na Alemanha, inclusive efetuando compras. Na carta pediu para Koch solicitar ao pai da Maryon permissão para o embarque da noiva com destino a Lisboa, Portugal, onde se encontrariam e viajariam para o casamento em Salvador. A resposta foi um balde d’água fria. O senhor Koch informou que o pai da Maryon fora contra o plano, por achá-lo desnecessário. Pedia que o noivo tivesse paciência, pois a guerra terminaria rapidamente e o casamento poderia ser realizado na cidade da noiva. Decepcionado, Geraldo deixou de escrever, pois a recusa fez brotar a
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súbita desconfiança da Maryon ter arranjado outro namorado. Também teria de fazer o mesmo, foi o seu raciocínio. E fez, começou a cortejar uma aluna do Colégio Nossa Senhora das Mercês, que lhe despertou a atenção quando passava de carro a caminho do escritório da Suerdieck. O namoro com Aída Ribeiro fê-lo esquecer-se da Maryon, principalmente pela sua correspondência também ter sido interrompida. Com a namorada baiana sentiu logo o choque cultural. Na Alemanha as moças gozavam de liberdade, com responsabilidade. Podiam sair, passear com os namorados pelas ruas, bosques, cinemas, etc. Em Salvador não, o sistema era completamente diferente. Nos primeiros dias ficou na porta da casa, em pé junto ao portão de ferro, com a namorada pela parte de dentro. Na marcação, sempre na janela, olhando de viés, a presença de dona Almerinda, irmã do pai de Aída. Depois, convidado Salvador, 1941: Geraldo e Aída. a entrar, Geraldo passou a ser recebido na sala de visitas. Colocavam-no sentado defronte à amada, mas a vigilância aumentou, ou melhor, encurtou a distância, pois a tia se posicionava formalmente na cabeceira da mesa, como se estivesse presidindo a reunião dos enamorados. Mas não participava das conversas, o que acabou transformando a sua missão numa rotina maçante. Resultado, vencida pela enfadonhice, a fiscal cochilava e até roncava, proporcionando ao casal furtivas oportunidades para o entrelaçamento das mãos, o máximo do contato físico. Acostumado às moças liberais, o experiente namorado vivia uma situação inusitada, que ao mesmo tempo lhe constrangia. Pensava que a Geraldo e Aída, recém-casados, na Estância Hidromineral de Itaparica. Ao fundo o mar e no detalhe da charrete o símbolo da Suerdieck. família da moçoila o enxergava como um “lobo-mau”, que precisava ser vigiado, para impedir qualquer aproximação perigosa ou um bote sobre a recatada donzela.
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No dia 31 de outubro de 1942, Geraldo e Aída casaram-se sob as bênçãos católicas, na Igreja da Graça, ele aos 24 e ela com 18 anos. Como se vivia nas agitações provocadas pela guerra, a lua-de-mel foi em Maragogipe, onde, com a saída dos alemães dos cargos de chefia, Geraldo trabalhava no acompanhamento do desempenho da fábrica sob a administração de brasileiros. Enquanto isto, embora distinguida pelas atenções das esposas de diversos empregados da Suerdieck, Aída curtia a monotonia de quem não tinha o que fazer. Nos poucos momentos de folga, o marido levava-a para passear em Itaparica, onde os pais dele possuíam uma casa de veraneio. O FETICHE DA BAHIA No início dos anos trinta, Gerhard Meyer Suerdieck conseguiu com Rudolf Specht, gerente da Brahma em Salvador, um estágio para o sobrinho Gerhard Albert Wolfgang Meyer, futuro herdeiro da fábrica do Meyer’s Bitter. No retorno a Stadthagen, Gerd, como era chamado, foi mais tarde entrevistado pela historiadora da família, Carla Meyer, que registrou o depoimento nos termos abaixo: “Em seu escritório, Gerhard Meyer tem um quadro estreito e comprido, que mostra uma bela e pitoresca cidade portuária, localizada numa península que dá para uma baía com pequenas ilhas. Salvador possui enormes casarões sombreados por árvores tropicais. A linha do horizonte continental, de costa levemente montanhosa, fecha contra um céu luminoso. Esta é a Bahia, no país da saudade, a segunda pátria dos Meyer de Stadthagen. E quando se fala dela, no Oceano Atlântico, ao sul da linha do Equador, os olhos de Gerhard faíscam de alegria e ele termina confessando: — Se não tivesse a responsabilidade da herança comercial, nem esposa e filhos, hoje mesmo iria para lá!” Reprodução
O quadro que Gerd tinha no seu escritório, em Stadthagen, era uma fotografia (acima) de 1884, mostrando a área comercial e portuária de Salvador, num registro de Marc Ferrez.
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Cachoeira, 1940: Geraldo fotografado por Lourdes, na Avenida Ubaldino de Assis, litorânea ao Rio Paraguaçu.
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Capítulo
O
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SUPRIMENTO DE CEDRO
SUPRIMENTO DE CEDRO O cedro é a melhor madeira para acondicionar e conservar os charutos.
cedro brasileiro (cedrella fissilis) era encontrado em abundância na Mata Atlântica, misturado entre dezenas de outras árvores nobres. Existem diversos tipos, com aroma, cor, peso e consistência diferenciados. O de melhor qualidade para as caixinhas dos charutos tinha a madeira macia, boa resistência e com coloração avermelhada, podendo ter tonalidades rosada e amarronzada. A principal área desta espécie ficava em Santa Catarina, num trecho entre o litoral e o início do planalto serrano, em altitudes de até 600 metros do nível do mar. No Vale do Itajaí localizavam-se os dois únicos beneficiadores do excelente cedro catarinense: Pereira, com instalações em Blumenau, depois transferidas para Rio do Sul, e H. Aichinger, em Ibirama. No finalzinho da II Guerra, um dos fornecedores do cedro deu à Suerdieck a preferência para compra da serraria. Designado pelo pai, Geraldo, que acabava de ser dispensado pelo Exército, viajou para Rio do Sul, para tratar da negociação. Pelo horário da chegada na cidade, foi direto ao endereço residencial do proprietário, onde causou reboliço ao se anunciar em português. Da porta pode sentir a súbita preocupação das pessoas no interior da casa, que se expressavam em alemão. Somente foi atendido pelo Pedro de Alcântara Pereira após se identificar novamente, agora no idioma da família. O chefe apareceu estampando no rosto sinais de alívio e pedindo desculpas pela demora. Disse que havia tomado um susto enorme, pois pensou que o visitante fosse um agente da polícia política. Confidenciou que, após os torpedeamentos dos navios brasileiros no litoral de Sergipe e da Bahia, vivia sobressaltado com as notícias que varriam a região, dando conta da prisão de pessoas que não falavam a língua do país. Achando estranho, Geraldo indagou: — Por que o senhor não fala em português? A resposta foi surpreendente, o homem confessou que, embora fosse brasileiro nato, e que nunca tinha ido ao exterior, tinha imensas dificuldades em se comunicar no idioma pátrio, unicamente pela falta de convívio com brasileiros. Explicou que fora criado por uma família alemã, dentro de uma colônia alemã. Seu mundo girava entre alemães, comprando madeira de colonos alemães e revendendo-a beneficiada à clientes também alemães ou de origem alemã, dentre os quais figuravam dois na Bahia, Dannemann e Suerdieck, com os quais trocava correspondência em alemão. Geraldo aproveitou a estada em Rio do Sul para fazer um rápido estágio, visando se enfronhar nos segredos da indústria madeireira e, principalmente, conhecer o
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processo integral, desde a derrubada das árvores, acompanhando o difícil transporte dos toros brutos até o rio, donde seguiam à serraria, levados pela correnteza. Após o beneficiamento, barcaças conduziam as tábuas à cidade portuária de Itajaí, para embarque nos navios com destino a Salvador. Na convivência no Vale do Itajaí, conhecendo madeireiros e visitando fazendas, ele mesmo poucas oportunidades teve para falar em português. Na região, ocupada e colonizada por alemães, até os brasileiros só falavam o alemão. Em alguns momentos Geraldo ficou com a impressão de estar novamente na Alemanha, nalguma parte remota do Vale do Reno. Passou então a entender a razão do senhor Pereira não dominar o vernáculo do seu país. Dos entendimentos com Pedro de Alcântara Pereira nasceu, em abril de 1945, a Indústria e Comércio de Madeiras Esperança Ltda., tendo como sócio minoritário o próprio Pereira, que ficou responsável pela empresa até a chegada do gerente que seria enviado da Bahia. Para ficar em sintonia com a língua corrente na região, o escolhido foi um alemão que dominava o português, Josef Mülbert, natural de Endingen, que havia chegado ao Brasil em 1933, contratado pela Suerdieck, para trabalhar na fábrica de Maragogipe. Mülbert, cujo currículo registrava uma rápida passagem pela gerência da fábrica de Cruz das Almas, tinha sido seriamente envolvido numa denúncia de subversão quando o país entrou na II Guerra. Arrolado num inquérito aberto pelo Dops, polícia política da ditadura, foi levado às barras do Tribunal de Segurança Nacional, no Rio de Janeiro. Em 22 de março de 1944 saiu a sentença, absolvendo-o por falta de comprovação na acusação de ter sido propagandista do nazismo. Com os recursos da Suerdieck, a Esperança foi aparelhada com novos equipamentos e preparada para confeccionar todas as peças para as caixinhas dos charutos. A fabricação começava no desdobramento dos toros, em torretes (70/80cm), que eram mergulhados num tanque d’água e aquecidos durante uma noite. Este processo, de amolecimento, aliado à própria maciez do cedro, dava as condições ideais para o desfolhamento da Pedro de Alcântara Pereira, à esquerda, e Josef Mülbert, em 1948. madeira na espessura desejada. A máquina desfolhadeira prendia os torretes ao centro e estes giravam contra uma faca afiadíssima, donde saíam as lâminas para serem postas à secar. Uma vez secas e selecionadas, as tiras eram lixadas nas duas faces e cortadas nas dimensões exatas para os vários tipos de caixinhas, formadas por 2 cabeceiras, 2 lados, 1 tampo e 1 fundo. Os lados, cabeceiras e tampo tinham 4mm de
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espessura, o fundo 2mm. Para os estojos de luxo as tábuas eram mais grossas, 8 e 6mm. Completava a linha de produção as lâminas bem finas, com apenas 0,25mm, para duas aplicações. Como envoltório de charutos especiais e como ornamentação (ventarola), para algumas caixas de charutos da classe nobre. A Esperança também trabalhou no beneficiamento do pinho, utilizado nas embalagens das fábricas de goiabada e, em pequena escala, para caixinhas de charutos. As peças desmontadas, geralmente em grupos para 500 caixinhas, após acondicionadas em caixotes grandes, Vista frontal da Esperança, em 1948. seguiam para as fábricas na Bahia, onde recebiam a pirogravura, a montagem, a rotulagem, a etiquetagem e os charutos. A Esperança enviava mensalmente uma média de 200 mil caixinhas. Até 1962 saíam de Santa Catarina exclusivamente pela via marítima. Nos anos subseqüentes a malha rodoviária passou também a ser utilizada. Com a desativação da serraria de H. Aichinger, a Esperança ficou sendo a única indústria no país especializada na fabricação de caixinhas de cedro. Por esta razão, teve de obter da contro-ladora permissão para poder abastecer as fábricas dos charutos Pimentel (MuritibaBA) e Walkyria (Estância-SE). Também fornecia as caixinhas que a Suerdieck exportava para alguns fabricantes na Europa, aos quais o Grupo já fornecia a matéria prima, o fumo Bahia-Brasil. Vista frontal, em 1961.
Na fase áurea da produtividade, a Esperança foi gerenciada por pai e filho. Josef Mülbert trabalhou de 1946 até o dia do repentino falecimento, 25 de agosto de 1955, aos 49 anos, vitimado por um infarto. Foi sucedido pelo filho, Paulo Georg, que ficou até 1964. A Esperança chegou a ser uma das empresas mais importantes de Rio do Sul, onde desfrutava do conceito de ser muito organizada e correta com os operários e fornecedores da madeira.
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A Esperança vista do alto, estrategicamente localizada na margem direita do Rio Itajaí-Açu, por onde chegavam as balsas com os toros de cedro e saíam os caixotes das tábuas para as caixinhas dos charutos. Foto de 1958, do acervo de Paulo Muelbert.
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DEPOIMENTO DE GERALDO NO DOPS Em decorrência do Processo nº 3.773, em que figuravam cinco alemães, incursos na Lei de Segurança Nacional, acusados de atividades nazistas, o responsável pela fábrica de Maragogipe, Geraldo Meyer Suerdieck, recebeu convocação para depor na Delegacia de Ordem Política e Social. O empresário foi entrevistado no dia 3 de maio de 1943, pelo comissário Laurindo Régis de Oliveira Filho, na delegacia de Salvador. Eis a súmula das respostas às perguntas sobre os indiciados: Ernst Ehl - Nada posso dizer a respeito deste senhor, pois era empregado da Dannemann. Johann Schinke - Na condição de gerente da fábrica de Maragogipe ele acarretou contra si a má-vontade dos operários, tendo em vista suas idéias francamente nazistas e por ter instituído um regime de perseguição e proteção. - Os operários que se manifestavam contrários ao nazismo eram castigados, ao passo que aos outros tudo era facilitado. - Aos protegidos, Schinke permitia que saíssem nas horas do trabalho, para ouvir as transmissões radiofônicas da Alemanha e repassar-lhe notas informativas. Gerhard Behrens - Era caixeiro viajante antes do Brasil entrar na guerra. - Ao receber informações de que ele andava distribuindo propaganda nazista, a firma investigou sua conduta, não conseguindo nada que positivasse as denúncias. - Alegando que ia residir numa fazenda no município de Rui Barbosa, Behrens pediu para sair da Suerdieck, tendo recebido o que por lei era cabível. Josef Mülbert - Nunca tive notícias de que fosse a favor do nazismo. - Julgo que o retraimento decorria do fato de Mülbert ser católico e saber que na Alemanha os católicos estavam sendo perseguidos pelos nazistas. Gerhard Baumert - Foi admitido na fábrica em fase experimental e depois contratado. - Com mais ou menos um ano em Maragogipe, Baumert constituiu família. - Quanto às idéias políticas do mesmo, somente tomei conhecimento após a sua saída da fábrica.
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Capítulo
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REFLEXOS DA II GUERRA MUNDIAL
REFLEXO DA II GUERRA MUNDIAL
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m dos traços marcantes de Gerhard Meyer Suerdieck era o extraordinário poder de previsão. Os acontecimentos ainda pairavam no ar quando os pressentia e, instintivamente, tomava as medidas cautelares. Homem de visão futurista, ficou preocupado com a ascensão do nazismo na Alemanha. Antevendo um conflito de longa duração na Europa, tratou de preparar a Suerdieck, adequando-a às futuras dificuldades internacionais. Investiu na ampliação do mercado brasileiro, para onde foram direcionados os esforços e prioridades do setor charuteiro. Quando a guerra eclodiu a Suerdieck já liderava o ranking nacional dos charutos, tomando a posição da Costa Penna. No terceiro lugar figurava a Dannemann, cuja força estava concentrada no mercado externo, que lhe assegurava o primeiro lugar no ranking global (vendas internas + exportações), formado pelos três gigantes da produção brasileira, com a Suerdieck em segundo e Costa Penna na terceira posição. A estratégia em se fortalecer internamente livrou a Suerdieck de imensos apertos com a perda do mercado europeu, que resultou numa drástica redução nas exportações de charutos e do fumo BahiaBrasil. Com determinação Gonsalves e competência, Gerhard Fábrica de Cruz das Almas: salão das charuteiras. enfrentou todos os problemas impostos pela guerra, sem abalar os alicerces da empresa. Soube também administrar os conflitos gerados pelos empregados favoráveis ao nazismo. Com a invasão e ocupação da Holanda por tropas da Alemanha, foi interrompido o abastecimento do fumo Sumatra28, utilizado no capeamento de charutos de 28 O comércio do fumo Sumatra, cultivado na Indonésia, colônia da Holanda, era dominado por companhias holandesas, que controlavam a venda internacional numa bolsa de leilões, em Amsterdã. Já o fumo Havana, também usado no capeamento de charutos nobres, adquiria-se diretamente de companhias americanas, controladoras da distribuição dos fumos cubanos.
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linhagem nobre. Isto provocou a suspensão na fabricação de algumas marcas importantes. Temendo também perder a importação do fumo cubano, caso o conflito chegasse às costas do Caribe, Gerhard decidiu fazer uma grande provisão deste fumo. Para poder estocá-lo, a Suerdieck adquiriu o Frigorífico Califórnia, localizado em Salvador, na Praça Marechal Deodoro. Um dia após o Brasil ter decretado o Estado de Guerra contra as potências do Eixo, Geraldo Meyer Suerdieck, que desde fevereiro de 1940 era diretor-gerente da Gonsalves Companhia Maragogipana de Eletricidade, passou a integrar a Suerdieck na qualidade de sócio e inicia, em Maragogipe, a substituição, nos postos chaves, dos empregados alemães por brasileiros. Em março de 1943, na primeira viagem à capital federal, num hidroavião que tomou no Porto dos Tainheiros, Geraldo foi ao Rio de Janeiro, principal praça consumidora de charutos no país, com a missão de conduzir a Fábrica de Cruz das Almas: salão de anelamento, celofanagem e encaixamento. criação da Distribuidora de Charutos Suerdieck Ltda.. A empresa foi formada pelos seguintes sócios: Geraldo Meyer Suerdieck, Kurt Augusto Guilherme Stumm e o empresário judeu Augusto Goldschmidt. Nas duas metrópoles do seu país, Rio de Janeiro e São Paulo, Geraldo somente pôs os pés após conhecer importantes cidades européias: Nápoles, Roma, Hamburgo, Paris e Amsterdã. No recrutamento para formação da Força Expedicionária Brasileira, criada em novembro de 1943, o reservista Geraldo foi convocado pelo Exército e incorporado ao 19º Batalhão de Caçadores. Poderia ter sido desconvocado, como fizeram os rapazes da alta elite baiana, filhos das famílias abastadas, que usaram os mais diversos artifícios: diagnóstico médico, atestando doença temporária ou necessidade cirúrgica; contrato para função pública; tráfico de influência; ou suborno puro e simples. Geraldo chegou a ser chamado de otário, por não ter usado o prestígio da empresa para ser dispensado da convocação. Fuga ele só admitia a da Alemanha, pois não fazia nenhum sentido e nenhum
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patriotismo em servir militarmente a um país onde não havia nascido. Ademais, tinha mais dois motivos fortes: a. Pelo histórico de cristão-novo, através do lado materno, seria convocado para um pelotão da frente de batalha, cujos integrantes não retornariam vivos; b. Não era nazista e sabia que a guerra seria exclusivamente dos maiorais nazistas, e não do povo alemão. Hitler havia se transformado em ídolo das massas urbanas porque tinha acabado com o desemprego e a miséria. Com o poder do seu carisma pessoal, a eficiência da propaganda nazista e a repressão da polícia política, o Führer eliminou todos os canais de protestos e calou as possíveis vozes contrárias a uma guerra. Como brasileiro não iria fugir do dever de servir ao seu país. Mas era também verdade que se fosse para a guerra iria lutar com uma preocupação, voltada para os primos e amigos alemães. Poderia matar um deles, ou ser morto por eles. Por isso, exclusivamente por isso, preferia não ter sido convocado. Porém, já que tinha sido, não usaria dos poderes econômicos e sociais para desvencilhar-se do chamamento patriótico. A simples presença de Geraldo na Companhia de Metralhadora do 19º BC serviu para elevar o moral dos colegas, todos eles rapazes oriundos das camadas humildes, que formavam o batalhão dos desprotegidos. Muitos, incrédulos, não entendiam a razão de um soldado rico estar ali, recebendo o mesmo tratamento reservado aos pobres. Custaram a acreditar que o herdeiro da mais importante empresa da Bahia estivesse realmente disposto a ir para a guerra. A única regalia usufruída pelo soldado Suerdieck era a permissão, por ser casado, para sair às 16 horas. Passava no escritório e depois ia para casa, na Rua Barão de Capanema 16, esquina com Catharina Paraguassú, defronte à entrada lateral do Estádio da Graça, templo do futebol baiano. Às seis da manhã já estava novamente no quartel, localizado no Cabula, numa área conhecida como Cascão, nome dado por causa do Dique do Cascão, uma represa dentro da reserva militar. Durante o adestramento, por dominar o alemão, inglês e francês, teve a certeza que seria enviado ao Rio de Janeiro, donde o primeiro contingente da FEB embarcaria para a Itália. Não foi, porque chegou uma ordem determinando a ida somente dos solteiros. Foi transferido para a segunda leva das tropas, quando novas instruções estabeleceram que os casados com filhos ficariam para a remessa seguinte dos baianos. Em março de 1945, já com a guerra no ocaso, foi liberado pelo Exército, pondo um ponto final na possibilidade de lutar contra os alemães na frente italiana. Lá na Alemanha quem não conseguiu escapar foi o Erwin Niemann, genitor daquele rapaz da Juventude Nazista, que ameaçou denunciar o próprio pai, caso continuasse a criticar o regime hitlerista. Pois bem, tão logo terminou a guerra, Geraldo recebeu uma comovente carta do Erwin, informando que se encontrava subnutrido, num campo para prisioneiros, no norte da França. Geraldo acionou imediatamente a Cruz Vermelha brasileira, pela qual enviou café, açúcar, chocolate
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e vários outros gêneros alimentícios. Meses depois chegou uma comunicação da Cruz Vermelha internacional, informando que a doação não pode ser entregue, o Erwin havia falecido. Durante a guerra os Estados Unidos compensaram um pouco a perda do mercado europeu com a compra de grandes partidas de charutos Suerdieck, que o Exército americano enviava diretamente da Bahia para o teatro das operações bélicas. O charuto constituía-se num importante lenitivo para as tropas que lutavam contra nazistas e japoneses. A Suerdieck saiu da guerra fortalecida, como a maior empresa brasileira de charutos. Iria agora preparar-se para se transformar num gigante em nível internacional. Em função deste novo horizonte, foi adquirido em Salvador o Trapiche Pilar, para servir como depósito de transbordo dos charutos destinados à exportação pelo porto da capital baiana. Com relação ao comércio exterior havia acontecido um fato interessante com importadores da Holanda. Assim que estourou a II Guerra Mundial, eles passaram a comprar grandes quantidades de fumo, pagando adiantado. As encomendas não foram embarcadas por causa da generalização do conflito na Europa, inclusive com Gonsalves
Uma banca de charuteiras, em Maragogipe.
a invasão da Holanda por tropas alemãs, em maio de 1940. Poucos meses após o término da guerra chegou a Salvador uma missão oficial, atrás do fumo adquirido pelos holandeses. Com a Suerdieck não houve problema algum, que colocou imediatamente à disposição do novo governo holandês os quatro mil fardos do fumo Bahia-Brasil que não puderam ser despachados. Foi o capital para o soerguimento das atividades de algumas empresas que, numa antevisão do futuro, despacharam recursos para o Brasil, onde ficou guardado sob a forma de valiosa mercadoria.
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Em julho de 1946 fez-se uma alteração no contrato social para permitir a entrada dos irmãos Nicolau, Albrecht Wolfgang e Fernando Meyer Suerdieck. Gerhard também colocou como sócios, dando-lhes uma pequena participação nas cotas, por relevantes serviços prestados à empresa, os seguintes empregados: Alfred Willy Paul Haendel, Antônio Eloy da Silva, Epaminondas da Silva Bandeira, Elisabeth Cabús de Amorim, Corbiniano Rocha e Raul Ayres de Lacerda. Deus guiou-me de volta ao Brasil, para que não fosse transformado num soldado alemão. Deus também evitou que, como soldado brasileiro, fosse lutar contra os alemães.
Geraldo Meyer Suerdieck
O Alemão da Suerdieck Num hospital de guerra, em Pistóia, a enfermeira Jandira Bessa de Meireles Mendonça, que se alistara voluntariamente na Força Expedicionária Brasileira, teve aos seus cuidados um ferido capturado no front italiano. Nos três primeiros dias o alemão, amuado, não disse uma palavra sequer. Quando resolveu abrir a boca a segundo-tenente tomou um baita susto, pois o paciente perguntou o óbvio, num português claríssimo: — Você é brasileira, não é? — Sou baiana de Cachoeira! A resposta provocou no semblante do sisudo alemão uma faísca de alívio. Com um leve sorriso ele puxou conversa: — Conheço sua cidade, estive lá diversas vezes, a serviço da Suerdieck. — O senhor era funcionário da Suerdieck? — Sim, eu trabalhava na fábrica de Maragogipe. Nas férias fui visitar minha família na Alemanha e não pude mais voltar ao Brasil, pois a guerra estourou. Fui convocado pelo Exército e agora estou aqui, ferido e preso. O que irá acontecer comigo? — O senhor está sendo bem tratado e continuará sendo, de acordo com a Convenção de Genebra. Quando a guerra acabar voltará para a Alemanha, são e salvo! Num dos bolsos da farda do “soldado da Suerdieck” havia duas fotografias. Ele perguntou à Jandira pelo paradeiro e as solicitou de volta, dizendo que eram lembranças de suas filhas. Ao recebê-las ficou emocionado e chorou.
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Gerhard primava pela elegância, tendo na Bahia desenvolvido o gosto pelos trajes brancos. Os ternos eram talhados em puro linho irlandês, usava camisas de algodão 100% brasileiro, gravatas italianas e sapatos confeccionados com couro baiano.
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Capítulo
N
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SUERDIECK S.A.
SUERDIECK S.A.
o final de 1946, o patriarca da família decidiu Sem os operários, todo o nosso saber comercial transformar a Suerdieck & Cia. numa sociedade de nada valeria, anônima. Para continuar crescendo, a companhia necessitava assim como, sem o nosso tirocínio, abrir-se ao ingresso de novos capitais, tinha que possuir um todos os esforços dos operários seriam inúteis. amplo leque de acionistas fora do círculo familiar e da meia dúzia de empregados contemplados recentemente como Gerhard Meyer Suerdieck sócios da empresa. E no contexto da nova filosofia empresarial, nasceu, a 2 de janeiro de 1947, a Suerdieck S. A. Charutos e Cigarrilhas, com sede em Salvador, onde já estava localizada a matriz, desde 1938. A primeira diretoria da sociedade foi composta por: Gerhard Meyer Suerdieck – Presidente Geraldo Meyer Suerdieck – Vice-Presidente Alfred Willy Paul Haendel – Diretor Administrativo
Pinheiro
Antônio Eloy da Silva – Diretor Técnico
No térreo deste prédio em Salvador, na esquina das ruas Pinto Martins e Portugal, a Suerdieck abriu uma refinada loja de charutos. Foto de 1936.
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O prédio da Pinto Martins já inteiramente ocupado pela Suerdieck, que instalou nos andares superiores a sede social. Foto de 1938.
Willy Haendel, alemão de nascimento e brasileiro por naturalização, havia ingressado na Suerdieck em 1913, como guarda-livros. Antônio Eloy da Silva, que falava fluentemente o alemão, também era empregado antigo. Oriundo de uma família com tradição no setor fumageiro do Recôncavo, gozava do conceito de ser o “papa” do fumo Bahia-Brasil. Foi por esta ocasião, da transformação da razão social, que Geraldo foi informado da chegada, em seu nome, de um grande caixote de madeira vindo da Alemanha. Autorizou que fosse transportado do porto para o Trapiche Pilar, onde deveria ser aberto. A mercadoria era um enxoval completo, acompanhado de um cartão lacônico. Geraldo ficou transtornado com a mensagem e não teve coragem de ir ver os objetos que a antiga noiva, mesmo com a guerra, havia comprado e juntado para o casamento.
Passado o choque inicial, escreveu uma carta à Maryon, explicando o ocorrido, o matrimônio com Aída e prontificando-se a indenizá-la pelas despesas. Maryon não respondeu. Quanto ao enxoval o ex-noivo determinou que o gerente do Trapiche, Péricles Drummond, efetuasse uma distribuição entre os empregados que estivessem com casamentos marcados. Meu sonho de adolescente era trabalhar na Suerdieck, uma das empresas mais famosas da Bahia. Após passar por dois estabelecimentos bancários e uma companhia de capitalização, o sonho tornou-se realidade em 1946. Além de pagar os melhores salários, a Suerdieck proporcionava aos empregados quatro bonificações anuais, na Páscoa, no São João, no Natal e no resultado do Balanço Anual. Quem entrava não saía, fiquei até a aposentadoria, depois de 29 anos na Suerdieck.
José Ruas Boureau
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O DEDO DE GERHARD Em 1934 a Suerdieck produziu o livreto Lembrança da Bahia, com texto trilingue (português, inglês e alemão), para distribuição no território nacional e no exterior: Buenos Aires, Montevidéu, Dakar, Lisboa, Amsterdã, Antuérpia, Bruxelas, Hamburgo, Zurique, Copenhagen, Varsóvia e Xangai. Tratava-se de um verdadeiro guia turístico-cultural de Salvador, com gravuras desenhadas a bico de pena pelo artista plástico Gregorius, mostrando vistas do Elevador Lacerda, Plano Inclinado Gonçalves, Ladeira da Montanha, Campo Grande, Baixa dos Sapateiros, Terreiro de Jesus, Forte de Mont Serrat, Colina do Bonfim, Igreja da Penha, Ladeira do Prata, Farol da Barra e uma Baiana Típica, com balangandãs e cesto na cabeça. Esta ilustração, segundo diziam, teria sido a fonte inspiradora do vestuário de baiana estilizada que se transformou na marca registrada de Carmen Miranda. A primeira vez que a cantora e atriz apareceu vestida de baiana, com balangandãs e turbante, foi em 1938, no filme Banana da Terra, interpretando uma música de Dorival Caymmi, O Que é Que a Baiana Tem? Com esta indumentária Carmen se consagraria também nos Estados Unidos, na Broadway e em Hollywood. Gonsalves
Fábrica de Cruz dasAlmas, inaugurada em novembro de 1935. Johann Schinke foi o primeiro gerente.
Depósito de fumo em São Gonçalo dos Campos.
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CACHOEIRA A fábrica de Cachoeira funcionou em três locais: Rua José Joaquim Seabra (antiga Rua da Feira), Rua dos Artistas e novamente na José Joaquim Seabra, desta vez na esquina com Quintino Bocaiúva (antiga Rua do Curiachito). Inaugurada em 1º de agosto de 1936, a fábrica ocupou na Rua José Joaquim Seabra os imóveis de números 78, 80 e 82. Depois incorporou o 84 e o 86.
A fábrica vista por outro ângulo, em foto de 1936, antes da reforma na fachada dos imóveis.
Acervo: Família Azevedo
A fábrica após a reforma que uniformizou o visual da fachada.
A nova fábrica, construída na Rua dos Artistas. Chagas
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Capítulo
16
MORTE DO PAI, ASCENSÃO DO FILHO
MORTE DO PAI, ASCENSÃO DO FILHO
L
ogo ao assumir a gerência da fábrica, Gerhard foi informado pelos alemães sobre uma prática das mulheres, que eles respeitavam, decorrente do que denominavam “magia do candomblé”. Vez por outra, uma operária entrava em estado de transe, o popular “deu o santo”, e quando isto ocorria outras duas ou três também incorporavam o “santo”, paralisando momentaneamente o setor, até a retirada das manifestadas, que naquele dia não mais trabalhavam, pois eram imediatamente retiradas da fábrica. Assim que se julgou senhor da situação, Gerhard resolveu mexer no tabu, soltando uma circular contendo uma norma de procedimento para o caso das mulheres portadoras da sensibilidade mediúnica. Determinou que quem entrasse em transe ficaria, automaticamente, dispensada do trabalho no dia seguinte. Mas o repouso obrigatório não seria remunerado e na folha do pagamento semanal o salário encolheria. Compreensivo, para não prejudicar seu pessoal, o “santo” transferiu o horário das manifestações. Nunca mais uma operária “recebeu o santo” durante o expediente laborioso. O “Senhor Maier”, como era chamado, mantinha-se sempre na postura apolítica, absolutamente neutro nas quarelas e disputas pelos cargos no município. Uma vez, as duas principais correntes políticas disputavam uma indicação para Maragogipe e corriam listas de adesão para serem levadas ao julgamento do interventor federal da Bahia. Se uma delas tivesse a assinatura do dono da Suerdieck, talvez fosse a vencedora. Mas como engajá-lo numa corrida política? O chefe de uma das facções arquitetou um plano engenhoso para conquistar o aval do industrial renomado, possuidor de vasto prestígio. Um emissário, fora do grupo político, seria a isca para conduzir o empresário até um alçapão emocional. Cuidadosamente escolhido, pelos laços da amizade, o major Firmino Peixoto foi o portador de um convite para o compadre ir ao terreiro do Pai Zezinho, onde receberia uma mensagem da Alemanha. Embora incrédulo, mas em atenção ao major, Gerhard compareceu no dia e horário marcados. Após solene e demorado ritual introdutório, um corpulento médium negro incorporou o espírito de um alemão, que fez o pedido ardiloso: — Gerhard, meu filho, você precisa ajudar o Bartolomeu, ele é seu amigo de confiança. Assine na lista que está correndo pela cidade! Dirigindo-se ao Pai Zezinho, mediador e controlador da sessão, Gerhard devolveu de chofre: — Tudo bem, porém, peça ao meu pai para repetir a mensagem, mas quero ouví-la em alemão!
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O Pai Zezinho engasgou, mas encaminhou a solicitação, transferindo o pânico para o médium, que teve tempo para fugir da armadilha, armando um qüiproquó danado, desculpa para sair do estado de “transe” e encerrar a sessão. A trama, reconheceria Gerhard, havia sido bem urdida, mas fracassou porque os mentores se esqueceram de um detalhe de fundamental importância. O “médium” deveria dominar o idioma alemão, falando com sotaque da região de Stadthagen. Aí, sim, teria acreditado na autenticidade da mensagem e assinado na lista em benefício do Bartolomeu. Gerhard gostava de festas e, às vezes, extravazava o lado brincalhão. No verão de 1935 alugou uma casa em Cipó, florescente estância hidrotermal às margens do Rio Itapicuru, para o veraneio da família. Ele ficava indo quinzenalmente, numa penosa viagem de automóvel, por péssimas estradas de barro. Numa das idas, comprou no caminho uma boa quantidade de fogos de artifício, foguetes de estouro, que foram soltos fartamente ao se Gerhard aos 21 anos, durante uma folga no serviço militar, com aproximar da estância, pensando violão e charuto na mão direita. Era também um bom pianista. que estaria avisando a esposa da sua chegada. Quando adentrou nas ruas as encontrou desertas e todas as casas fechadas. Os moradores havia fugido às pressas, pensando que tratava de um combate entre uma volante (polícia) e os temidos cangaceiros de Lampião, que viviam aterrorizando cidades do sertão baiano. Dona Tibúrcia não fugiu, ficou em casa, trancada, escondida com os filhos Nicolau, Wolfgang e Fernando. Involuntariamente, Gerhard patrocinou um trote sensacional, pondo quase toda a população de uma pequena cidade em fuga coletiva para o mato e lugarejos próximos. Quando jovem, bem antes de vir para o Brasil, o ideal de Gerhard era ser pintor profissional. Uma tendência natural, herança de família, com pendor para a Outra foto de Gerhard, em abril de 1908. É o primeiro à esquerda, segurando uma bota. música, poesia e artes plásticas. Seu tio Kurt August Eduard Meyer29, era poeta 29 Amigo do renomado escritor Wilhelm Busch. É citado por Ernst Hitzemann no livro “Wilhelm Busch und Stadthagen”, que na página 25 mostra August Meyer (1836-1895) numa pose de corpo inteiro e reveladora de dois hábitos: o charuto na mão esquerda e uma taça de vinho na direita.
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e desenhista. O pai também tinha veia poética, tendo no ano do nascimento do filho caçula, 1886, publicando um livro, Pyrmonter Tage in Wahrheit und Sage, com 98 poemas. Mas o destino guiou-o noutra direção, colocou-o numa estrada margeada pela lavoura fumageira. Contudo, o dom artístico nunca foi abandonado, cultivou-o como hobby predileto. Nos dois últimos anos dedicou tempo integral à paixão pela que em Stadthagen era chamado de Gert, pintura. Autodidata, preferia o paisagismo, Gerhard, com duas irmãs (extremidades) e a cunhada Lisbeth. o casario colonial e as igrejas barrocas. No final, já abalado por uma insidiosa doença, quando não mais saía de casa, nem para ir às reuniões do Rotary, ou da Maçonaria, passou a pintar o nu feminino, inspirado em jovens e belas modelos, contratadas para as poses artísticas. Na verdade, as moças serviam de colírio para os olhos e de lenitivo para a moléstia que minava suas resistências.
Meyer era a assinatura que Gerhard colocava em suas obras. Nestas fotos, de Ludovico Perfler, três quadros são da fase dos nus e um da modelo preferida pelo pintor.
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Contudo, trancado no ateliê que possuía em casa, não se tem certeza que tudo tenha realmente permanecido sempre no plano estritamente profissional. Pelo passado, de jovem arisco e sedutor, suspeita-se da sua resistência aos encantos e recantos de alguma jovem mais desinibida e provocativa, capaz de oferecer algo mais que uma simples pose em nu artístico. Este mistério permanecerá indevassável. Seu motorista particular, Ananias dos Santos, que fazia o traz-e-leva das modelos, carregou para o túmulo os possíveis segredos de alcova. A doença de Gerhard, um câncer na laringe, começou a manifestar-se logo após a II Guerra Mundial. Gerhard recebeu o diagnóstico com a mesma coragem que havia encarado a vida. Resignado, recusou fazer tratamento nos Estados Unidos ou na Suíça. Sabia que o mal era incurável e resolveu não sair da Bahia, nem para ir ao Rio de Janeiro ou São Paulo. A aproximação da morte não abateu o seu ânimo, nem o espírito. Encarava-a com altivez e tranqüilidade, convicto de que a missão na terra estava terminada, concluída quando transformou a Suerdieck numa sociedade anônima. Restava-lhe tão somente entregar o comando ao sucessor natural, o filho Geraldo. Embora legalmente continuasse na presidência, na prática passou o bastão das decisões ao vice-presidente. De longe, do exílio fixado na pintura, acompanhava os passos do herdeiro e via que através dele continuariam seus ideais e normas de conduta. Os ascendentes de Gerhard, pela linhagem dos Meyer, não foram longevos. Gerhard viveu mais que o pai (27 dias), o avô e o bisavô. Entre os nove irmãos, foi superado em tempo de vida apenas por Adele.
Última foto de Gerhard, retocando um nu artístico. Mesmo doente, não abandonou o charuto.
Homem de vida organizada, Gerhard deixou testamento detalhando a partilha dos bens. Amparou os filhos tidos antes do casamento e ao Asilo dos Pobres de Maragogipe destinou
uma vultosa quantia em dinheiro. Gerhard não chegou a perder completamente a voz, mas, na fase terminal, a doença infrigiu-lhe sofrimentos que tiveram de ser aplacados com doses de morfina. Morreu consciente, de forma serena, no dia 31 de julho de 1950, aos 63 anos, apegado a um poema do pai, também falecido na mesma idade. Escrito em 1878, falava do nascimento, da morte e da satisfação de poder orgulhar-se com o que criou aqui na terra. O monsenhor Manoel de Aquino Barbosa, pároco de Nossa Senhora da Conceição da Praia, foi quem administrou a extrema-unção. Gerhard foi sepultado no mausoléu que mandou erigir para a família, em Salvador, no Cemitério do Campo Santo, localizado bem defronte ao Cemitério Alemão, ao qual renunciou
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em vida ao direito de uso. desamparado viu a luz do mundo, Inaugurado pelo seu construtor, todo em deitado nos braços da tua mãe, mármore escuro e com o brasão da família sem saber trouxestes Meyer, o sepulcro fica na ala dos endereços felicidade para todos, nobres da quadra A, no condomínio das famílias recebendo alegres cumprimentos, importantes. Um mês e poucos dias de instalado todos sorrindo com amor te cercavam, na nova morada, Gerhard assistiu a emocionante então só você chorou! chegada de um vizinho famoso, o engenheiro Agora te desejo, Lauro Farani Pereira de Freitas, morto num para quando um dia chegar a hora, acidente aéreo na reta final da campanha que todos que estiverem política como candidato ao governo do Estado ao redor do teu leito, da Bahia. Tempos depois, dois outros baianos com amor chorem por você, ilustres foram compartilhar da sua vizinhança e que somente você sorria, contígua. Chegaram o jornalista fundador de A satisfeito com tudo Tarde, Ernesto Simões Filho, e o senador Otávio que aqui realizou! Mangabeira, ex-governador da Bahia. O homem que nasceu alemão luterano, com Johann Cristhian o nome de Karl Ludwig Rudolf Gerhard Meyer, e Gerhard Meyer, 1878 faleceu brasileiro católico, como Gerhard Meyer Tradução: Klaus Häfele Suerdieck, construiu um patrimônio empresarial de vulto: ampliou a fábrica de Maragogipe, abriu duas novas fábricas, em Cruz das Almas e Cachoeira, e transformou a Suerdieck na maior produtora brasileira de charutos, superando as tradicionais Costa Penna e Dannemann. Deixou também mais de uma centena de quadros, óleo sobre tela, inclusive os famosos nus artísticos, que nunca foram expostos em público, nem colocados à venda. De acordo com exames de peritos, as obras de Gerhard continham técnica apurada, digna dos bons artistas plásticos profissionais. A cidade de Maragogipe devia ao empresário a implantação do serviço de energia elétrica. Gerhard foi o idealizador e primeiro presidente da Companhia Maragogipana de Eletricidade, uma sociedade constituída a 3 de setembro de 1930, para explorar, através de concessão municipal, a distribuição pública e particular. No início a energia era produzida por força motriz, sendo mais tarde substituída pela gerada na Hidrelétrica de Bananeiras, no Rio Paraguaçu. Gerhard Meyer Suerdieck foi um homem comunicativo e benquisto pela classe operária. Maria Dolores Costa Melo, que foi sua secretária, assim o definiu: Quando você meu amigo,
Era severo quando a ocasião requeria, sem ser injusto. Era decidido em suas atitudes, sem ser imprevidente. Era prático, sem ser frio.
A postura definida pela frase “era severo quando a ocasião requeria”, foi
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demonstrada numa longa carta redigida em 17 de abril de 1945, endereçada a Nicolau. Gerhard recriminou-o de forma severíssima, por ter o filho arranjado uma amante logo após o casamento, gerando sérios conflitos com a esposa. Para chamálo às obrigações de marido, pai e procurador da Suerdieck & Cia., Gerhard deu-lhe uma lição de moral. Mas primeiramente expôs a própria experiência de vida. Eis o trecho em que, na única vez que escreveu sobre si, procurou demonstrar ao filho o que era ser homem de verdade: Na minha juventude fui bastante vadio e não deixei de aproveitar a vida, mas nunca cheguei ao ponto de ter remorsos ou ter feito mal a outro ser humano, por leviandade. Antes de conhecer sua mãe tive filhos com duas outras mulheres. Tanto a mãe do Carlos como a do Antônio chegaram às minhas mãos como mulheres de vida livre, às quais nada devia. Se me ajuntei às mesmas foi por mera atração sexual. Destes relacionamentos nasceram filhos, mas nunca me afastei dos deveres como pai. Procurei educá-los bem e se, infelizmente, deram-me desgosto não foi por falta de cuidados da minha parte. Embora as ligações, que por certo tempo mantive com estas mulheres, nada tivessem de amor, sempre as tratei de forma limpa e correta. Nada acho de mais indigno num homem o fato dele tratar uma mulher com brutalidade, uma mulher que em outra ocasião se entregou à vontade do homem!
Raulina ao casar-se com Abelardo Magalhães Sacramento. Gerhard recebeu esta foto com a seguinte dedicatória: “Ao meu querido pai, com a estima da filha e amiga, 14.02.1938”.
Gerhard mantinha financeiramente os dois filhos tidos com Aguida e o outro com Maria Amélia. Porém, julgando que as mães não estavam sendo zelosas na educação das crianças, terminou levando-as para dentro da sua casa. Os três tornaram-se filhos de criação de Tibúrcia, que também aceitou Hilda Cunha, a menina que Aguida teve após a separação de Gerhard, com outro homem, que veio a falecer logo depois. O ex-companheiro amparou a órfã, tornandose seu tutor e tratando-a como filha. Com os empregados Gerhard agia com extrema justiça, “dando a César o que era de César”. Um dos últimos exemplos teve como protagonista o jovem José Ruas Boureau, que ingressou na Suerdieck em 1946, levado por Epaminondas Bandeira. No primeiro dia do trabalho foi apresentado ao senhor Meyer, que lhe fez algumas perguntas, sendo uma sobre o salário. No final do mês o valor creditado na folha foi superior ao pactuado. O aumento deveu-se ao dono da empresa, que procurou se informar do salário da
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antecessora no cargo, dona Julieta, e ordenou que ao novo empregado fosse pago o mesmo vencimento mensal. Mais um companheiro bom nos deixou para sempre. Mais um retrato vamos conservar na parede de nossa Secretaria, em sua saudosa memória. Fui eu mesmo quem deu a Gerhard Meyer Suerdieck as boas-vindas ao Rotary, há treze anos, e o fiz sabendo bem o valor da aquisição. WILLY OVERBECK Exportador de Fumos Boletim do Rotary Clube da Bahia Nº 6 – Agosto de 1950 Gerhard e o acessório, que fumava desde a adolescência, quando nem por sonho imaginava que seria dono de uma fábrica de charutos.
AS ÚLTIMAS VIAGENS DE GERHARD À ALEMANHA 1. 1928: maio/novembro Pela primeira vez Gerhard leva a família à Europa, onde permanece por sete meses. Em Stadthagen deixa o filho Geraldo na casa do irmão, para ser educado dentro das tradições alemãs. Nesta época, a Alemanha estava sob o regime de uma república federativa parlamentarista, a República de Weimar. O chefe de Estado era o presidente Hindenburg e o de Governo o chanceler Hermann Müller. 2. 1933: janeiro Gerhard encontra-se na Alemanha quando Adolf Hitler, líder dos nazistas, tornou-se chanceler, nomeado em 30 de janeiro
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pelo presidente Paul von Hindenburg, em substituição ao general Schleicher. Gerhard havia levado a família para visitar Geraldo, que se encontrava estudando em Stadthagen, desde 1928. Por exigência da mãe, chocada com o fato do filho não falar mais em português, o menino foi trazido de volta ao Brasil. 3. 1937: janeiro Novamente Gerhard leva a família na viagem em que Geraldo ficaria em Hamburgo, para cumprir um estágio profissional de dois anos e meio, no Donnerbank. A Alemanha já estava completamente dominada por Hitler, que a transformou numa potência totalitária e militarista. 4. 1939: janeiro Apesar da inquietação política na Europa, por causa do expansionismo territorial da Alemanha, Gerhard e Tibúrcia resolvem visitar Geraldo. O sócio Karl Horn fica com uma procuração para resolver todas as questões da Suerdieck durante a ausência do casal. Em Hamburgo Gerhard não gosta do clima carregado pelo fanatismo nazista e, movido por um pressentimento, resolve deixar a cidade antes do tempo previsto. Dirige-se à Itália, donde retorna ao Brasil e toma conhecimento da cilada preparada por Horn: teria sido preso juntamente com a esposa, caso tivesse cumprido o cronograma de permanência em Hamburgo.
Ao se aproximar dos 50 anos, os traços fisionômicos de Gerhard começaram a evidenciar um envelhecimento rápido. Nesta foto, ao lado da esposa, os sinais da velhice precoce já são bem visíveis. Ele estava com 55 anos.
Gerhard no escritório da Suerdieck.
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Gerhard e o Duce Ao folhear um álbum familiar, Geraldo deparou-se com uma foto (abaixo) de Benito Mussolini. Achando estranho, perguntou ao pai, que se encontrava defronte: — Papai, qual a razão do Mussolini estar aqui, neste seu álbum? — Esta foto eu comprei em Florença. Conheci bem a Itália e pude testemunhar as reformas que ele estava promovendo. Até os turistas, que eram expoliados, passaram a ter um tratamento melhor. Por isso, passei a ser um admirador do Duce! — Então o senhor foi simpatizante do fascismo? — Do fascismo não, mas da figura pessoal do Duce sim. Eu o julgava um bom governante, talvez o melhor da Europa. Mas ele perdeu toda a minha estima quando se lançou nos braços de Hitler e participou da aliança belicista denominada Eixo. Foi o seu pecado capital, a desgraça que destruiu tudo que havia construído de bom na Itália! Benito Mussolini, o Duce.
PRESENTE DE CASAMENTO
Do próprio punho de Gerhard, lavrado no dia do casamento do filho: “Gerhard Meyer Suerdieck-Conta Especial a Geraldo Meyer Suerdieck, transferência valor da sua casa, 150 milhões de cruzeiros”. Na cópia (acima) que enviou ao filho acrescentou: “com os votos que este novo lar se torne um berço de felicidades para os nossos queridos filhos, Aída e Geraldo. Seus pais”. A casa era o imóvel de número 16 da Rua Barão de Capanema, no bairro da Graça.
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CIPÓ A família Meyer Suerdieck comprou uma casa na Estância Hidrotermal de Cipó, localizada na região do semi-árido. Com a construção de dois hotéis-cassinos, a aprazível localidade iniciou uma caminhada para se transformar numa espécie de Las Vegas do sertão baiano. Porém, bruscamente, o progresso foi interrompido em 30 de abril de 1946, dia em que o presidente Eurico Dutra sancionou o Decreto-Lei 9215, extinguindo o jogo e fechando os cassinos em todo território nacional. As luzes da riqueza, da beleza e dos sonhos foram apagadas, transformando Cipó numa cidade opaca e fantasma. Vista parcial.
Praça Tenente Juracy Magalhães e a Prefeitura.
Radium Hotel.
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Capítulo
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RETORNO À ALEMANHA E O AMOR POR AÍDA
RETORNO À ALEMANHA E O AMOR POR AÍDA
E
m maio de 1951, no navio italiano Marco Polo, Geraldo seguiu para uma viagem de quatro meses, a primeira à Europa desde 1939. Duas razões levaram-no ao teatro da II Guerra Mundial. Os negócios, para contatos com os antigos clientes sobreviventes do conflito, com a missão de incrementar as exportações de charutos, principalmente na Alemanha, onde sabia que teria imensas dificuldades, pois o problema ainda residia na falta do bom poder aquisitivo do povo. O outro motivo era simplesmente o turismo, o lazer. Desejava mostrar à esposa alguns países do Velho Mundo e retirar a mãe da tristeza ocasionada pelo falecimento do marido. Entraram na Europa por Gênova, no norte da Itália, donde foram à Suíça, França, Inglaterra, Holanda e Alemanha. Em Hamburgo, apesar do ritmo acelerado da reconstrução, Geraldo encontrou os sinais visíveis da guerra. Ao passar p e l o s l o c a i s que freqüentava ficou O transatlântico Marco Polo, da Società di Navigacione, Gênova. chocado, muitos estavam literalmente em ruínas. Além de destruir grande parte da cidade, os bombardeios haviam provocado 41 mil mortes e 38 mil feridos. Depois de visitar Else Niemann, que perdeu o marido e o filho Erni na guerra, foi ao Donnerbank, onde teve a alegria de encontrar trabalhando um colega de estágio e amigo fora do banco. Era o Bruno Andresen, que lhe informou ser o único sobrevivente dos amigos que foram mandados para as frentes da guerra. Já casado com Käthchen, namorada dos tempos que Geraldo formava par com Maryon, o Bruno contou os horrores dos campos de batalha no Cáucaso e o drama dos quatro anos (9.5.45 a 14.5.49) que passou prisioneiro dos soviéticos. Informou ainda que ao deixar a
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Reprodução
Alemanha estava com 90kg e ao ser liberado pesava apenas 45. Mas o reencontro que mais lhe tocou foi com o homem que olhava com ceticismo os exageros da avalanche nazista, comendador Julius Peters, seu protetor na Alemanha. Para simbolizar a eterna gratidão, presenteou-lhe com uma caixa especial de charutos da Suerdieck. Ao ir à Zillertal, local de momentos inesquecíveis, ficou radiante, pois avistou a cervejaria funcionando normalmente. Quando adentrou teve uma surpresa emocionante, quase inacreditável. Quem apareceu para atender foi a Cilly, a garçonete que tantas vezes o servira, inclusive na última noite em Hamburgo, com Maryon. E num incontido rompante nostálgico resolveu visitar o porto, que havia sofrido devastadores ataques da aviação Aliada, com destruição das edificações, equipamentos, cais, diques e estaleiros. Pode ver o intenso trabalho de reconstrução das instalações portuárias e ficou sabendo que a indústria naval se encontrava em fase de ressurreição e a frota mercante hamburguesa em recomposição. O porto tinha sido o cenário para o último beijo, lembrança imorredoura da Maryon. Retornou-lhe à boca o sabor da saudade. Recordou que no exato momento da despedida bafejava uma brisa intensa, vinda do mar, que se impregnou no batom vermelho, tornando o beijo saborosamente meio salitroso. Foi também um beijo cheio de calor soprado por dois corações apaixonados. À umidade dos lábios contrapôs-se o fogo do vulcão do amor, que expeliu pelos olhos uma torrente de lágrimas. Veio-lhe ainda as últimas imagens da Maryon, vistas do convés do Cap Norte, transatlântico da Hamburg-Süd, que ao sair lentamente rumo ao estuário do Elba foi alcançado por uma lancha cheia de pessoas fazendo algazarra. Divisou logo a amada no meio de amigos comuns, comandando o couro do bota-fora festivo, entoando uma canção muito popular, Ein Blonder Matrose (Um Loiro Marinheiro), cuja letra, num dos versos, dizia: Pertencemo-nos um ao outro, Como o vento e o mar. Não posso pensar de me separar de você.
Embargado pela emoção, ainda ecoavam nos ouvidos as últimas palavras ditas pela mocinha, no cais do embarque: Auf Wiedersehen!, que em português significa “até que nos encontremos novamente!”. A viagem até Salvador, de dezessete dias, pareceu-lhe uma eternidade. Triste, esquiava-se das confraternizações a bordo. Até na festa da passagem do navio pela linha do Equador, tradicionalmente festejada, estava amuado, remoendo a dor da separação. Dispensou inclusive os flertes de uma moça paulista, filha de um barão do café, que lhe fora apresentada pelo comandante. O capitão Neiling era amigo do seu pai e já tinha estado algumas vezes em sua casa, para jantares oferecidos pelo barão dos charutos. Após estas inolvidáveis recordações, o coração bateu forte, sentiu-se angustiado. Resolveu então convidar Willy Koch para o encontro que teria com os conhecidos de
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O Cap Norte, da Hamburg-Süd, com a bandeira nazista tremulando na proa e na popa.
Hamburgo na Zillertal. Sorvidas algumas cervejas abordou direto, fazendo-se de curioso: — Me diga, como foi possível a Maryon e o pai negarem o meu pedido de casamento? Meio desajeitado, embaraçado nas palavras, o senhor Koch deixou escapar que carregava uma profunda mágoa. Acabou confessando não ter encaminhado a proposta da viagem para Lisboa aos interessados. A resposta que enviara tinha sido uma decisão sua, pessoal. Geraldo sentiu um calafrio percorrer a espinha dorsal. Perdeu a firmeza da mão direita, donde escapou a caneca de cerveja, que se espatifou no chão. Ato contínuo, cabisbaixo, despediu-se dos amigos e foi embora sem dirigir uma única palavra ao homem que mudou o curso do destino, que demoliu o sonho do casamento com a Maryon, que transformou o Auf Wiedersehen numa despedida definitiva, para sempre, nunca mais... Com a terrível descoberta, Geraldo perdeu a motivação de continuar em Hamburgo. Retirou-se para Stadthagen onde vislumbrou a cidadezinha intacta. Não sofrera nenhum ataque aéreo, nem estivera na rota dos exércitos dos Aliados. No entanto, dos quarenta colegas, no Ober Real Gymnasium, poucos sobreviveram à guerra, dentre eles o amigo Werner Bradtmöller. Dois primos também haviam morrido: Jobst lutando em Stalingrado e Ernst, o pivô da crise familiar de 1937, num bombardeio a Berlim, onde trabalhava como funcionário do governo. A presença de Geraldo, levando dona Tibúrcia, simbolizou o reatamento das boas relações entre os Meyer de Stadthagen e os Meyer da Bahia. Sem tocar na cicatriz da antiga ferida, as duas matriarcas fizeram, com Meyer’s Bitter, um brinde pelo reencontro. Lisbeth retribuiu a visita no ano seguinte, viajando para Salvador em abril de 1952, aos 69 anos. Na quietude de Stadthagen foram comemorados os oito aninhos de Solange, a barriga de Aída já aparecia proeminente, grávida de cinco meses do segundo filho, e Geraldo procurou afugentar Maryon dos pensamentos, através de uma viagem aos
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tempos da meninice, refazendo trajetos de gratas recordações, pelas ruas, jardins e parques. Esteve também em todos os locais históricos, verdadeiros monumentos da cidade de sete séculos, tais como a Johanniskapelle (capela de 1312), a St. Martinikirche (igreja de 1318), o Schloss (castelo), o Amtspforte (belíssimo palacete), a Stadtturm am Viehmarkt (torre da cidade), a Landsbergscher Hof Stadtbücherei (uma antiga pousada) e o Lustschlösschen im Stadtgarten, um pequeno castelo à beira de um lago. Deste local, apesar de muito lindo, veio-lhe uma lembrança desagradável, pois tinha visto a retirada do corpo, em estado de gigantismo, de um homem que havia morrido afogado. Durante o dia realmente esquecia-se da Maryon. Porém, à noite, quando punha a cabeça no travesseiro, ela não o deixava dormir em paz. Passou a sentir o coração dividido, uma parte entregue ao amor do passado e a outra ao do presente. Sim, havia se casado por amor e continuava gostando imensamente da esposa. Por Aída fazia tudo. A primeira prova da paixão foi quando ficou noivo. Pelo cerimonial, os pedidos de casamento obedeciam a um ritual formalíssimo. Cabia ao pai do rapaz solicitar ao pai da moça o consentimento para o filho casar-se com a jovem. Mas foi o próprio Geraldo quem pediu Aída em casamento. O sogro, visivelmente embaraçado, perguntou: “Seus pais estão de acordo?” A reposta foi sem arrodeios: — Quem vai se casar sou eu! A quebra no protocolo deveu-se ao receio de Geraldo pedir o comparecimento do pai e ele negar ir à residência do senhor Antônio Ribeiro. Gerhard havia esfriado o relacionamento com o futuro sogro do filho quando este elogiou Hitler. Ingenuamente, talvez na suposição que fosse do agrado do industrial, Ribeirinho, como era mais conhecido, enfatizou num encontro que a recuperação e o progresso da Alemanha se deviam ao Führer e à eficiência do seu regime. Já em conflito aberto com os nazistas da colônia alemã, Gerhard encarou a observação como uma ofensa à sua posição antinazista. Em 1943 nasceu Solange, primogênita irrequieta, que chorava muito e dava imenso trabalho. A mãe, extremosa, e por não confiar em empregadas, cuidava de tudo. Extenuou-se, emagreceu e apareceu com uma tosse seca, discreta, que se manifestava à noite, de forma intermitente. O marido, recém-chegado de Santa Catarina, ficou preocupado, mas ela o tranqüilizava, dizendo não ser nada sério, que se encontrava bem, apenas um pouco cansada, por causa das noites maldormidas, cuidando da filha. Nisto, Geraldo resolveu aderir a um plano que oferecia seguro-de-vida conjugado com previdência. Para assinar o contrato a companhia solicitou uma chapa do tórax, para certificar-se das plenas condições de saúde do promitente segurado, que na ocasião demonstrava estar com uma gripe forte, acompanhada de catarro nos brônquios. Ao chegar em casa contou a exigência da empresa, com o acréscimo da extensividade à esposa, principal beneficiária. O casal foi fazer os exames no consultório particular do professor José Silveira, radiologista da Faculdade de Medicina da Bahia. A radiografia de Aída foi uma bomba, pois revelou que se encontrava, aos 21 anos, num processo inicial de destruição
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pulmonar. A infecção era de uma espécie gravíssima, causada por uma bactéria de ação galopante. O médico colocou várias opções de locais para o tratamento que deveria ser iniciado urgentemente: em Brotas, bairro do melhor clima de Salvador; em Muritiba ou São Gonçalo dos Campos, cidades procuradas pelos doentes baianos; no interior de São Paulo, em Campos do Jordão ou São José dos Campos; e em Belo Horizonte, onde trabalhava o mais renomado tisiologista brasileiro, dr. Alberto Cavalcanti de Albuquerque, médico diplomado pela Universidade de Zürich e com um currículo invejável: especializações em hospitais suíços e alemães, defensor de teses, autor de diversos trabalhos, ex-diretor de sanatórios, atual diretor do Sanatório Minas Gerais e dono de um consultório muito requisitado. Geraldo ficou ainda sabendo que o tratamento dependia muito do fator natureza30. Foi também informado que as condições climáticas da Bahia não eram totalmente ideais para o caso de Aída. Portanto, não havia garantia de cura, muito embora suas condições financeiras permitissem uma assistência completa, com todos os cuidados possíveis. Em suma, na Bahia, caso o avanço da doença não fosse contido, ela estaria irremediavelmente condenada à morte. O marido desesperou-se com o quadro sombrio e decidiu que, para salvá-la, não mediria esforços. O destino colocou nosso casamento à prova. Mas a força do amor fez-me concentrar todas as energias na recuperação da saúde de Aída.
gms
Geraldo escolheu Belo Horizonte e no dia imediato ao choque da descoberta já se encontrava dentro de um avião, levando Aída para o Rio de Janeiro, onde embarcaram com destino à capital de Minas Gerais. Foram de trem, no confortável “rápido mineiro”, levando uma carta de apresentação do médico baiano, a radiografia e o diagnóstico: “É portadora de uma semeadura hematogênica recente”. Geraldo gostou do dr. Alberto Cavalcanti, que lhe inspirou muita confiança ao falar de si com absoluta franqueza: — Adoeci em 1914, quando era terceiranista de medicina, no Rio de Janeiro. A conselho médico fui tratar a tuberculose na Suíça, no International Sanatorium Dr. Phillipi, em Davos, onde resolvi e prometi que, vencendo a terrível doença, tornarme-ia especialista nesta área! O dr. Cavalcanti, como era chamado, ofereceu um exemplar de um livro famoso, de sua autoria, Como Evitar a Tuberculose, que deveria ser lido pelo casal. Em seguida fez uma rápida explanação: — Hoje, ninguém precisa buscar a cura na Suíça. Numa altitude de 850 metros, com clima seco e temperado, onde o sol é mais rico em raios ultravioleta, Belo Horizonte 30 A medicina ainda não dispunha de recursos para, sozinha, debelar a tuberculose. O tratamento do pulmão lesionado pela bactéria denominada Bacilo de Koch associava medicamentos com uma alimentação rica, com muito repouso e, sobretudo e fundamentalmente, dependia das condições climáticas, do ar puro e do sol encontrados em locais privilegiados, especiais e milagrosos.
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apresenta condições extraordinárias para o tratamento da tuberculose. O clima aqui é inclusive melhor do que o de Davos, onde me curei. Tudo isto, aliado à precocidade do diagnóstico, proporcionando o início de um combate também precoce, assegurará a cura de dona Aída, desde que ela também faça integralmente a sua parte. Ou seja, cumprir o regime sanatorial com muita disciplina, onde a vida deverá ser calma, metódica e de obediência cega ao receituário que vou prescrever. Se cumprir tudo à risca voltará sã e salva à Bahia, no prazo de um ano! Geraldo passou a cumprir uma outra rotina, de viagens. Passava quinze dias trabalhando na Bahia e quinze em Belo Horizonte. Ficava no Sanatório Minas Gerais, ao lado da esposa e recebendo a mesma alimentação. Esta postura deixou Gerhard muito preocupado, pois achava que o filho se expunha demasiadamente ao perigo, correndo o risco de contrair a chamada “peste branca”. As pessoas haviam desenvolvido uma idéia errônea sobre os sanatórios. ROTINA DIÁRIA NO SANAMINAS Pensavam que estas casas de saúde eram HORÁRIO ATIVIDADE focos transmissores da doença, por causa 07:30 às 08:00 Café. 08:00 às 09:30 Passeio a pé, em caminhada sem da concentração de tuberculosos, fontes grande esforço físico, para respirar diretas dos contágios. Em razão desta o ar da montanha. 09:30 às 11:30 Descanso, em silêncio total, na cultura, salvo os familiares mais íntimos, cadeira de cura, onde o repouso como pais, irmãos, maridos e esposas, era mais perfeito do que na cama poucas pessoas tinham coragem de ir aos ou nas cadeiras de lona. 11:30 às 12:45 Almoço. sanatórios. Na verdade, estes verdadeiros 12:45 às 15:00 Repouso, na cadeira de cura, em quartéis para cura se constituíam em silêncio total. 15:00 às 16:00 Recebimento de visitas, mas o lugares seguros, mantidos sob o mais interno tinha de ser comedido, rígido controle profilático e de desinfecção. falar pouco. 16:00 às 18:00 Repouso, na cadeira de cura, em Os internos recebiam instruções e silêncio total. obedeciam regras de comportamento, 18:00 às 19:00 Jantar. 19:00 às 20:30 Ouvir o programa radiofônico Hora para não se transformarem em agentes do Brasil ou conversar amenidades transmissores dos germes infecciosos. com os demais internos, com a ressalva de falar baixo e pouco. Geraldo também assimilou, pela leitura do livro de dr. Alberto Cavalcanti, todas 20:30 Recolhimento ao quarto de dormir. as precauções. Dormia no quarto de Aída, mas em cama separada, sem poder beijá-la e na mais completa abstinência sexual. Quando se ausentava de Belo Horizonte a senhora Geraldo Fernandes prestava apoio, visitando Aída regularmente. Seu marido era proprietário de uma charutaria e representava localmente a Suerdieck. As viagens do vai-e-vem duraram dez meses, tempo da luta contra a moléstia. Vencida a guerra, Geraldo tomou várias decisões para cercar a amada de todos os cuidados preventivos e para proporcionar-lhe uma vida bem salutar. Construiu em Salvador uma nova residência, na parte alta da Rua Manoel Barreto, ainda pouco habitada. A casa, uma magnífica mansão, foi minuciosamente projetada, com estudos sobre penetração dos raios solares e ventilação direta nos principais cômodos, especialmente na ampla suíte do casal, no pavimento superior, bem insolada e arejada.
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A concepção arquitetônica incorporou algumas valiosas recomendações do dr. José Silveira. Numa clara alusão de que o estigma da doença assombrava, na primeira visita após a saída de Aída do Sanaminas, o casal foi alojado num apartamento externo, fora do corpo principal da casa que a família possuía na Estância Hidromineral de Itaparica. Geraldo não gostou da sutil discriminação e decidiu que não freqüentaria mais a casa de veraneio dos pais, com os quais já houvera ocorrido outro aborrecimento. Eles relutaram em devolver Solange, criada pelos avós enquanto a mãe se tratava na capital mineira. E para não privar a esposa de um local de lazer, o dedicado marido comprou no loteamento Vila Rio Branco, no bairro de Brotas, uma área de 20 mil metros quadrados . A maior parte era de relevo acidentado, com uma encosta que terminava num riacho de águas puríssimas, onde Geraldo construiu uma pequena represa. CHÁCARA SUERDIECK Para construir uma casa de veraneio bem arejada e com bastante iluminação natural, contratei em 1948 a Norberto Odebrecht Construções Ltda., que designou como responsável técnico o engenheiro Francisco Miguel do Prado Valladares. Depois dos serviços de terraplanagem, na parte alta do terreno, o imóvel foi edificado e também construída uma piscina, a primeira numa residência de Salvador. Tive de importar dos Estados Unidos todos os equipamentos, inclusive um sistema para captação e tratamento da água da represa. Grande parte da vegetação nativa foi preservada, principalmente as árvores frondosas, onde encontrei três jaqueiras e um jacarandá. Além das benfeitorias, promovi e arborização com frutíferas: mangueiras, sapotizeiros, abacateiros, cajueiros, caramboleiras, fruta-pãozeiros e pitangueiras. Na entrada, plantei eucalíptos e preparei canteiros para plantas. Instalei um orquidário, um pombal e viveiros para pássaros. Criei galinhas-de-capoeira, galinhas d’angola, gansos, araras e macacos. Enfim, transformei uma área praticamente inóspita num sítio aprazível, cheio de vida e verde. gms
Ainda com o pensamento direcionado ao completo bem-estar da esposa, Geraldo comprou na entrada de São Gonçalo dos Campos, por causa das decantadas condições climáticas da região, a Fazenda Boa Vista. Com esta propriedade, em plena zona fumageira, ele pode também juntar o útil ao agradável, ou seja, combinar trabalho com lazer. Enquanto percorria plantações de fumo, armazéns e inspecionava as fábricas de charutos, a família usufruía das delícias da vida campestre, num local bonito e bem estruturado. Durante as estadas do casal Suerdieck a casa ficava cheia de visitas, contingentes formados por parentes, amigos e empresários do setor
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fumageiro. A Boa Vista, que encantava os hóspedes, teve depois a área acrescida com as aquisições das fazendas Cedro e Mato Grosso. Com Aída foi observado um fenômeno incomum entre mulheres que tinham sido tísicas. Ela sofreu uma notável evolução física, com o corpo adquirido uma maturidade e formas bem delineadas e harmoniosas. O rosto ganhou uma beleza rara, que despertava os olhares masculinos em todos os lugares onde aparecia. TROMBETA CHEIROSA Por incentivo e com assistência de um laboratório alemão, que fazia experimentos em regiões de vários países; Geraldo iniciou na Fazenda Mato Grosso um projeto para cultivo científico de uma planta medicinal que no Brasil recebeu a designação comercial de Trombeta Cheirosa. No início os resultados foram animadores. As mudas cresceram, os arbustos atingiram o tamanho ideal e as folhas, depois de secas e enfardadas, exportadas para a Alemanha, onde o laboratório farmacêutico as utilizava na fabricação de um medicamento oftalmológico. Porém, na época da renovação do plantio, surgiram os problemas e o mesmo fenômeno observado em outros campos experimentais. Mesmo com o acompanhamento de experientes agrônomos, em São Gonçalo dos Campos a Trombeta Cheirosa não deu produção economicamente viável, esfriando o interesse do empresário e do laboratório em manter a parceria na lavoura das árvores cheias de mistérios e dificuldades.
Um técnico vistoriando um pé de Trombeta Cheirosa na Fazenda Mato Grosso.
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Capítulo
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O CARDEAL, O ESCRITOR E AS FÁBRICAS
O CARDEAL, O ESCRITOR E AS FÁBRICAS
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MARAGOGIPE, 1952
or ocasião dos festejos de agosto, em Com uma população urbana de 9.700 louvor a São Bartolomeu, padroeiro de habitantes, 6 mil (62%) tinham a subsistência Maragogipe, o arcebispo da Bahia e primaz do Brasil, garantida pela fábrica da Suerdieck, que contribuía com 70% dos impostos municipais, dom Augusto Álvaro da Silva, já tinha estado algumas estaduais e federais. vezes na cidade, mas não na fábrica. Para o evento de 1953, dom Augusto solicitou ao pároco local, reverendo Florisvaldo Souza, que programasse uma visita à fábrica de charutos, queria conhecê-la e vê-la em funcionamento. No regresso, impressionado com o que viu, o Cardeal da Silva, como era chamado, colocou suas impressões num artigo que tornou público. A Suerdieck o reproduziu no Boletim Trimestral, nº 20 (out-dez/1953). Ei-lo na íntegra: A fábrica da Suerdieck Nos tempos como os que vivemos, tão saturados de ódio a Jesus e à sua Igreja e, conseqüentemente, a toda autoridade legítima, a toda instituição em que a hierarquia de valores é, também, indispensável, é realmente confortador encontrar-se uma organização industrial como a Suerdieck, onde patrões e operários se estimam e se prestam auxílios recíprocos, fundamento de toda ordem e de todo progresso! É o que pude observar, e já de algum tempo o sabia, de algumas visitas, não pouco freqüentes, àquela freguesia, cujo vigário e cujo povo fazem coro comigo neste preito de admiração e louvor à notável organização que é a fábrica de charutos Suerdieck, sustentáculo econômico e social de Maragogipe. Lembrando ainda da carinhosa acolhida
Maragogipe: escritório.
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Pinheiro
Pinheiro
Maragogipe: charuteiros trabalhando com fôrmas de paus. Os homens formavam um contingente minoritário neste tipo de serviço.
que me dispensaram patrões e operários da fábrica Suerdieck, quando da minha recente viagem a Maragogipe, é-me gratíssimo trazer a público este meu sentimento de reconhecimento e estima. As minhas homenagens, pois, aos chefes e operários da honesta e magnífica organização que é a Suerdieck. Que as Bênçãos Divinas pairem sobre essa gente, para que continue realizando o seu notável trabalho pelo progresso da Bahia e do Brasil, e o bem-estar do seu povo! Cidade do Salvador, setembro de 1953. Augusto Álvaro da Silva Cardeal e Primaz do Brasil
A visita voluntária do cardeal à fábrica e o posterior comunicado caíram como uma bênção sobre a família Suerdieck, que se encontrava um pouco ressentida, principalmente a matriarca, que havia dado encaminhamento religioso aos filhos. Três estudaram em colégio católico, no Antônio Vieira, em Salvador, e todos casaram na Igreja Católica, inclusive Geraldo, que tinha tido na Alemanha uma educação luterana. A rusga havia ocorrido com frei Hildebrando Kruthaup, idealizador da Casa de Retiro São Francisco, no bairro de Brotas, inaugurada em 1949. O franciscano alemão, que era bom fumante de charutos, proclamava-se amigo de Gerhard e, por conta deste laço, conseguira generosas contribuições financeiras para a construção
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da Casa de Retiro. Todavia, quando foi chamado para ministrar a extrema-unção no chefe do clã Meyer Suerdieck, frei Hildebrando, para espanto dos familiares, não atendeu ao pedido, alegando que o moribundo não se convertera ao catolicismo. Desconsiderou o mausoléu que Gerhard construira em cemitério católico, tão logo ficou sabendo da gravidade da sua doença. Também não levou em consideração que o filho mais velho foi outro que contribuiu com as obras do Retiro. E tem mais, a Casa Paroquial de Maragogipe funcionava num imóvel que a Suerdieck colocou à disposição da Igreja. No círculo íntimo da família, a reação radical do religioso foi interpretada como vingança política, pela declarada postura antinazista do industrial, uma posição não assumida pelo frei. Aliás, o franciscano esteve sob suspeição de fazer espionagem, transmitindo informações via rádio, do interior do Convento de São Francisco, que o povo denominou de “convento dos alemães”. Após a guerra, quando estreitaram os laços de amizade, Gerhard deixou de dar crédito às acusações e defendia o sacerdote católico, toda vez que tocavam no tumor do seu passado, que lhe valeu o apelido de “Frade Nazista”. Em face da negativa, a família recorreu ao monsenhor Manoel de Aquino Barbosa, pároco da Conceição da Praia, que residia próximo à casa de Gerhard. O Padre Barbosa, como ficou conhecido, prontamente ministrou o sacramento católico no ex-
Maragogipe: transporte das caixas de charutos para a estufa.
protestante. Mas no corpo dos Suerdieck ficou a ferida aberta pelo frei Hildebrando Kruthaup, que somente cicatrizaria com o artigo do Cardeal da Silva. Um outro visitante ilustre que a Suerdieck recebeu foi Stefan Zweig. Fumante de charutos, o escritor esteve na fábrica de Cachoeira, em janeiro de 1941. Ficou
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tão surpreso com o trabalho que no livro Brasil, País do Futuro31, teceu o seguinte comentário: Eu receara encontrar só possantes máquinas de aço, que recebessem numa das suas extremidades as folhas de fumo dispostas em camadas e fornecessem pela outra extremidade os charutos prontos, encapados, com cinta e talvez mesmo já arrumados nas caixas. Fábricas como essas sempre me dão a impressão de estar vendo grandes autômatos e não um verdadeiro processo de transformação.
Gonsalves
O que Stefan Zweig viu em Cachoeira e São Félix, na Suerdieck, Dannemann e Costa Penna, e que também teria visto em Maragogipe, Muritiba e Cruz das Almas, caso tivesse visitado estas cidades, foi justamente o processo de se produzir charutos de primeiríssima qualidade. No livro Brasil País do Futuro, deixou mais este registro: No Brasil, o fabrico de charutos não é mecanizado. Todo charuto nesse país é feito à mão, ou melhor, na feitura de cada um trabalham de 40 a 80 mãos hábeis. Maragogipe: prensas automáticas.
As fábricas de charutos de Cachoeira e São Félix deixaram Zweig muito impressionado. Elas contrastavam com as que conhecera na Europa e nos Estados Unidos, que já se utilizavam largamente do processo mecanizado. Como velho devoto do produto, o escritor fez questão de agradecer à Bahia pelo prazer que lhe proporcionara em fumar muitos charutos deliciosos. DeuEm máquinas não é possível se se ainda ao requinte de narrar alguns detalhes da produção obter torcidas dos tipos baiana: “Centenas de moças morenas acham-se sentadas inteira ou espalmada, nas salas das fábricas, uma ao lado da outra, e cada grupo nem capear os charutos delas exerce uma atividade diferente. Percorrendo essas com fumos finos. salas, podemos assistir a evolução inteira dum charuto”.
Geraldo Meyer Suerdieck
31 O prefaciador da edição brasileira, Afrânio Peixoto, assim definiu o autor, austríaco de origem judaica: “É o escritor mais impresso, mais adquirido e mais lido no mundo”. Editado em 1941, simultaneamente em inglês, alemão, francês, espanhol e português, Brasil, País do Futuro, foi a última obra de Stefan Zweig publicada em vida. Amargurado com a expansão do nazismo, o consagrado literato, nascido em Viena, suicidou-se aos 60 anos, em 23 de fevereiro de 1942, juntamente com a esposa, Charlotte Elisabeth Altmann, na cidade brasileira de Petrópolis, onde o casal havia fixado residência, desde outubro de 1941.
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Maragogipe: elevadores para transpor te das caixas de charutos.
Maragogipe: encaixotamento das caixinhas de charutos para expedição (saída da fábrica).
Pinheiro
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Gonsalves
Gonsalves
Maragogipe: rotulagem externa das caixas de charutos.
Gonsalves
Maragogipe: seção de selagem (selo do imposto).
ANTÔNIO ABELARDO DE OLIVEIRA MÉRITO NO TRABALHO Filho de operários da Suerdieck, o pai era charuteiro e a mãe aneladeira, o maragogipano Antônio de Oliveira começou a trabalhar na fábrica aos 12 anos, sem a mão esquerda, amputada por causa da explosão de um buscapé numa festa junina. Superando o trauma e as dificuldades, o menino cresceu na organização. Passou por todas as seções, chegando a mestre de charuteiras aos 24 anos. Dois anos depois assumiu a chefia da Seção de Embarque (Expedição), cargo até então ocupado por alemães da máxima confiança da empresa. Em 1951, quando completou 30 anos de serviço, recebeu uma significativa homenagem. Como reconhecimento à conduta exemplar, eficiência e superação dos obstáculos, foi agraciado pela Suerdieck com uma viagem à Europa. A bordo do transatlântico Anna C, Pinta, como era mais conhecido, zarpou para a turnê dos seus sonhos, que começou em Portugal e terminou na Itália, com passagem pela Espanha, França e Suíça.
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Capítulo
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JUBILEU DE OURO DOS CHARUTOS
JUBILEU DE OURO DOS CHARUTOS
N
o ano do cinqüentenário, a Suerdieck passou a se constituir na única grande empresa de charutos do Brasil. Suas duas concorrentes de porte fecharam as portas justamente em 1955, a Dannemann em abril e a Costa Penna em agosto. Restou apenas a Pimentel, fabricante de pequeno volume, com fábrica instalada em Muritiba. Para comemorar meio século na produção de charutos, nada melhor do que estar no olimpo, no topo do mundo charuteiro. Avaliava-se o gigantismo pelos números, incontestáveis. Produção anual de quase 180 milhões de charutos e mais de 4 mil empregados, dos quais 70% era do contingente feminino, a grande maioria representada por exímias charuteiras, responsáveis pela confecção artesanal dos charutos das classes superiores, para consumidores exigentes, de paladar apurado. Para manufaturar seus charutos, a Suerdieck dispunha de três cidades, Maragogipe, Cruz das Almas e Cachoeira. No ano do jubileu de ouro, o Grupo Suerdieck estava formado por nove empresas, sendo duas especializadas em fumos: 1. Exportadora de Fumos Suerdieck, empresa criada em 1950, para cuidar do comércio internacional do fumo Bahia-Brasil. O grupo holandês N. V. Koch & Co’s Tabakshandel, sediado em Roterdã, associou-se à Suerdieck na constituição da Exportadora de Fumos Suerdieck e na construção do Edifício Suerdieck.
2. Sociedade Agro Comercial Fumageira, empresa constituída também em 1950, para se dedicar exclusivamente ao cultivo científico do fumo Sumatra. A orientação técnica ficou sob a responsabilidade de Fernando Meyer Suerdieck, que havia recebido treinamento nos Estados Unidos. Durante dois anos (1947/49) ele estagiou em Hartford, Connecticut, nas plantações de H. Duys
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& Co. Inc., empresa holandesa que produzia na América o fumo originário da Indonésia. Em vista do sucesso, Fernando foi buscar os ensinamentos necessários à introdução da sua cultura em Cruz das Almas. Em extensas plantações cobertas com gaze, o fumo capeiro foi cultivado com a mesma qualidade do nativo indonésio. A Agro chegou inclusive a contratar um especialista, Johannes Andreas Scheltes, que se fixou em Cruz das Almas. A Agro Comercial Fumageira foi concebida com o propósito de tornar a Suerdieck auto-suficiente na matéria-prima usada no capeamento dos charutos claros, pondo um ponto final nas importações de fumos nobres, da Indonésia e de Cuba. Luiz Eloy Passos, produtor e enfardador de fumos, entrou como sócio da Agro. Seu capital foi formado por terras privilegiadas, desmembradas da Fazenda Santa Júlia, onde foram iniciadas as plantações, pioneiras no país, do fumo oriundo da Indonésia, batizado como Sumatra-Bahia.
A Suerdieck também não dependia de terceiros para o fornecimento das caixinhas para os charutos. Através da Indústria e Comércio de Madeiras Esperança tinha assegurado o cedro necessário ao elevado e crescente consumo de charutos, com milhares de caixinhas saindo mensalmente das três fábricas. Para produzir impressos simples, de uso administrativo e no empacotamento de charutos, a Suerdieck possuía, dentro da fábrica de Maragogipe, uma pequena gráfica, popularmente denominada “Impressora Rocha”. Já os impressos sofisticados ou em policromia, para charutos envasados em caixas de luxo, eram encomendados às indústrias do sul do país. A Impressora Paranaense, de Curitiba, constituía-se numa das fornecedoras mais solicitadas. A presença do Grupo Suerdieck na economia baiana era forte e marcante, pelos seguintes traços: grande fonte de ingresso de divisas, pelas exportações de fumo e charutos; grande pagador de impostos e maior empregador de mão-de-obra. Além disto, a implantação da energia elétrica em Maragogipe deveu-se a uma subsidiária da Suerdieck, a Companhia Maragogipana de Eletricidade que, através de concessão assinada pelo prefeito Alexandre Alves Peixoto, ganhou o direito de explorar o serviço elétrico público e particular. Das três fábricas Suerdieck, a maior ficava em Maragogipe. Somente esta unidade era considerada como a maior fábrica de charutos da América Latina. O comércio da cidade dependia da folha semanal da empresa, processada em espécie e geradora de um fato interessante. No decorrer da semana um preposto do setor financeiro percorria os estabelecimentos comerciais, para trocar dinheiro graúdo pelo dinheiro miúdo desovado pelos operários, para que, na sexta-feira, houvesse disponibilidade de dinheiro trocado para novos pagamentos, aos milhares de empregados. Na área assistencial o comportamento da empresa continuava considerado exemplar. A Assistência Médica Hospitalar Suerdieck – AMHS, criada por Gerhard
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Meyer Suerdieck, foi aprimorada e ampliada pelo seu sucessor, que adquiriu um moderno equipamento móvel de raios X, para atendimento às três fábricas. Em Maragogipe construiu o Centro Tisiológico José Silveira. A escolha do nome foi uma homenagem ao incentivador da ampliação voluntária da assistência médico-social prestada pela Suerdieck. O dr. José Silveira tinha sido fundador (1937) do Instituto Brasileiro para Investigação do Tórax – Ibit, com sede em Salvador e pioneiro no país no estudo e combate científico à tuberculose. Geraldo faria parte do quadro de Sócios Grandes Beneméritos e integraria o Conselho Administrativo do Ibit. Na equipe da AMHS trabalhavam 1 médico-chefe, 6 clínicos, 4 dentistas, 2 farmacêuticos, 2 laboratoristas e 10 enfermeiras, além do pessoal de apoio administrativo. No ano de 1955, nas três fábricas, sem nenhuma despesa para a classe trabalhadora, o balancete foi o seguinte: 9.001 consultas médicas, 8.809 receitas aviadas, 53.195 injeções aplicadas, 6.911 curativos, 25 pequenas cirurgias, 17 grandes cirurgias em Salvador, 70 atendimentos oftalmológicos, 310 atendimentos otorrinolaringológicos, 785 atendimentos ginecológicos e obstétricos, 518 gestantes assistidas, 143 exames laboratoriais, 2.820 abreugrafias, 409 exames do aparelho respiratório, 74 tratamentos de moléstias do pulmão, 107 radiografias, 265 vacinações, 92 inspeções de saúde e 731 atendimentos odontológicos. Em Cachoeira e Cruz das Almas, a Suerdieck mantinha uma Casa de Hospedagem, para diretores em trânsito e convidados especiais. Já em Maragogipe dispunha da Vila Suerdieck, um amplo alojamento para empregados graduados solteiros e também para hospedar diretores e visitantes. Com a finalidade de proporcionar lazer aos operários e suas famílias, a Suerdieck equipou e doou um imóvel para o funcionamento da Associação Atlética Maragogipana que acabou se transformando no clube social da cidade. Por ocasião do quarto centenário da fundação de Salvador, a Suerdieck incorporou-se às comemorações através da marca Lembrança da Bahia, lançando uma série especial denominada IV Centenário, com 50 charutos em cada caixa. A originalidade ficou por conta dos estojos, todos laqueados externamente na cor marfim e com aplicações, no lado interno das tampas, de quadros a óleo,
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com motivos da capital baiana, pintados um a um, por artistas plásticos contratados exclusivamente para a efeméride. Algumas tampas foram pintadas pelo próprio Gerhard Meyer Suerdieck. Por serem de custo elevado e de produção limitada, a série IV Centenário foi vendida apenas no ano do evento, 1949, e somente na loja da empresa, na Rua Pinto Martins 6, em Salvador. Em 1955, para comemorar os cinqüenta anos de seus charutos, a Suerdieck voltou a lançar uma nova marca, especialíssima, denominada Jubileu de Ouro, em caixa de dez peças, sendo cinco charutos com capa escura, fumo Bahia-Brasil, e cinco com capa clara, fumo Sumatra-Bahia. Ainda no ano do cinqüentenário, surgiu no Rio Grande do Sul a Distribuidora de Charutos Suerdieck S. A., sediada em Porto Alegre, para atender a grande demanda do mercado gaúcho. A empresa contratou também os serviços do cineasta Alexandre Robatto Filho, para produzir o documentário Organizações Suerdieck, com locações em Cruz das Almas, São Gonçalo dos Campos, Maragogipe, Salvador e Rio de Janeiro. Em 16 minutos e 25 segundos, o filme mostrou, dentre outras cenas, a plantação e colheita do fumo capeiro cultivado nos campos da Agro Comercial Fumageira, o beneficiamento do fumo, a fabricação de charutos e a frota dos veículos para as entregas nos pontos de vendas na capital federal, principal mercado consumidor de charutos no país. Objetivando ainda registrar o meio século dos charutos, a empresa fez uma incursão na área literária, instituindo o prêmio “Gerhard Meyer Suerdieck”. De âmbito nacional, o concurso pagaria quatro mil dólares32 ao melhor livro inédito de contos. A comissão julgadora, composta pelos escritores Antônio Loureiro, Vasconcelos Maia e Adalmir da Cunha Miranda, figuras de destaque nos meios intelectuais da Bahia, declarou vencedor o trabalho “Um Acidente na Estrada e Outras Histórias”, do baiano Nelson Correia de Araújo. Ao original “Conto II”, do pernambucano Edilberto Coutinho, foi atribuída uma mensão honrosa. Os dois livros foram publicados pela Livraria Progresso Editora, de Salvador, sob os auspícios da Suerdieck. Encerrando a programação do jubileu de ouro, foi inaugurada em Cruz das Almas, no dia quatro de dezembro, Maragogipe, 1955: Corbiniano Rocha (de terno escuro), a Vila Operária Major Alberto Passos, primeiro gerente brasileiro, ao lado do diretor Willy Haendel composta por um conjunto de casas (ex-gerente). Atrás (de bigode) aparece Raimundo Eloy de Almeida, futuro gerente da fábrica. para trabalhadores de campo da Agro 32 Valor corrigido em 2000.
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Fumageira. Nome por demais conhecido na zona fumageira, o major Alberto Veloso da Rocha Passos tinha sido um incentivador do projeto da Suerdieck em investir na cultura do fumo Sumatra. A homenagem foi póstuma. Descendente de ilustres portugueses, a família Passos, uma das pioneiras no povoamento de Cruz das Almas e no cultivo de fumo na região, para onde fora atraída pela uberdade do solo de um planalto com altitude média de 220 metros 33, encontra-se intimamente ligada à história da Suerdieck. O seu fundador, August Suerdieck, havia recebido um grande apoio dos Passos, exímios conhecedores de fumo. E este entrelaçamento, afetivo e comercial, teve continuidade com os Meyer Suerdieck, através dos filhos do major Alberto Passos, Luiz Eloy Passos e Ramiro Eloy, e também com os sobrinhos do major, Júlio Eloy Passos e Antônio Eloy da Silva, sendo que este último, levado por August Suerdieck, fez carreira profissional na Suerdieck, chegando ao posto de diretor. O médico Lauro de Almeida Passos, também sobrinho do major, durante o exercício do mandato de deputado federal (1933/37), e mesmo depois, exercitou o hábito de oferecer charutos Suerdieck ao presidente do país. Mas havia um detalhe especial, os charutos para Getúlio Vargas eram confeccionados com fumos cultivados nas fazendas do político baiano. Personalizados com a marca particular “Getúlios”, os charutos eram acondicionados em luxuosas caixas de jacarandá, forradas internamente com lâminas de cedro. Na configuração geométrica dos charutos, durante meio século predominou e reinou o formato bojo, tipicamente europeu. Com vários tipos de pés e bicos, os bojos, que se assemelham a um torpedo, são charutos de elaboração trabalhosa, que exigem charuteiras perfeitas, extremamente hábeis e cuidadosas, responsáveis por verdadeiras obras de arte com as folhas de fumo. Poucas eram as marcas que, fugindo da escola européia se apresentavam como produtos do padrão cubano, onde predominava o formato linheiro, tecnicamente chamado de reto ou paralelo (cilíndrico uniforme), de bico paralelo batido (redondo). Neste contexto, de parentesco com a linhagem cubana, havia a marca Su-Co e os charutos das famílias Baroneza Erna, Mandarim e Cesários. 33 Cruz das Almas, Bahia. Coleção de Manografias, Série B - Nº 102. IBGE, 1967. Rio de Janeiro - Brasil
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Somente em 1960 foi que a Suerdieck decidiria produzir charutos dentro dos padrões calcados na genuína escola cubana, que dominava a preferência do mercado nos Estados Unidos. Assim, foram lançados o Corona Imperial, Panatela Grande, Panatela Média, Panatela Pequena e Mata Fina Especial, todos na formatação linheira. Formaram um novo top de linha dentro do tradicional elenco das marcas de escol. O sucesso foi imediato. Numa homenagem aos ascendentes do ramo paterno, Geraldo Meyer Suerdieck mandou colocar nas caixas dos charutos da linha Panatela o secular brasão da família Meyer, que foi gravado no espaço que deveria caber ao símbolo da Suerdieck. Outra inovação ocorreu nos charutos Corona Imperial, que ao invés do tradicional anel Suerdieck-Bahia receberam um anel especial, onde pontificava uma coroa imperial. A marca Mata Fina Especial foi um tributo ao melhor fumo para charutos existente no Brasil, o Mata Fina.
Val Araújo
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EMPREGADOS DA SUERDIECK S. A. 30.06.1954 LOCAL MARAGOGIPE Fábrica 1 CRUZ DAS ALMAS Fábrica 2 CACHOEIRA Fábrica 3 SÃO GONÇALO DOS CAMPOS Armazém de fumo SÃO FÉLIX Armazém e depósito de transbordo SANTO ANTÔNIO DE JESUS Armazém de fumo CONCEIÇÃO DO ALMEIDA Armazém de fumo CASTRO ALVES Armazém de fumo CONCEIÇÃO DO JACUÍPE Armazém de fumo SALVADOR Sede, trapiche e frigorífico TOTAL GERAL
MULHERES
HOMENS
TOTAL
1.625
427
2.052
769
274
1.043
264
58
322
101
94
195
40
124
164
28
79
107
35
50
85
25
44
69
22
18
40
9
42
51
2.918
1.210
4.128
Val Araújo
Obs.: Quadro fixo, fora a mão-de-obra temporária, cerca de três mil, no trabalho com fumo.
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Fotos: Val Araújo
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Mudas do fumo Sumatra-Bahia no viveiro da Agro Comercial Fumageira, em Cruz das Almas.
Mudas já plantadas, abrigadas do sol sob uma cobertura de gaze, uma exigência técnica na lavoura do Sumatra-Bahia.
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O fumoSumatra-Bahia na fase de crescimento.
A colheita das primeiras folhas do 1º corte.
Secadores do fumo Sumatra-Bahia.
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Capítulo
E
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EDIFÍCIO SUERDIECK
EDIFÍCIO SUERDIECK
m julho de 1951, no Boletim Trimestral nº 12, a Suerdieck tornou público um esclarecimento endereçado aos agentes que formavam a rede da distribuição nacional. A nota, abaixo, explicava uma ocorrência inédita na trajetória da empresa, a produção não conseguia dar vencimento aos pedidos. FALTA DE CHARUTOS Sempre constitui motivo de preocupação, as reclamações que, de quando em vez, recebemos dos nossos clientes, sobre a execução tardia dos seus pedidos. E mais nos preocupamos porque nem sempre somos julgados com justiça. Não raro, o cliente alega estarmos favorecendo à determinada praça, em prejuízo do fornecimento para outras, fato esse que nunca acontece. Além disso, nem sempre somos compreendidos quando nos vemos forçados a deixar de fornecer algumas marcas, ou a reduzir os totais encomendados. Podemos afiançar que jamais as fábricas Suerdieck produziram tanto, embora, também, nunca antes se tenha verificado tão sensível falta do nosso produto em todas as praças. Ora, se nunca produzimos tanto, e nunca a falta de charutos foi tão acentuada, depreendemos daí que o número de fumantes aumentou consideravelmente. Se pedirmos aos nossos agentes que façam uma verificação, estamos certos que irão descobrir que também nunca antes receberam tanta mercadoria, embora não as tenham em estoque. Apesar das reclamações dos nossos clientes nos deixarem preocupados, porquanto gostaríamos de atendê-los, de acordo com os seus desejos, sentímo-nos, por outro lado, tranquilos, pois temos dado o máximo do nosso esforço e boa-vontade para atender todos, sem quaisquer distinção, e da melhor maneira que nos tem sido possível. As nossas instalações fabris, tanto em Maragogipe como em Cruz das Almas e Cachoeira, estão sendo constantemente aumentadas. Em Maragogipe foram inaugurados, nesses últimos meses, três novos grandes pavilhões, para atender às necessidades do aumento da produção. A fábrica de Cachoeira sofreu radical mudança, pois foi transferida para
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um novo e vasto prédio. A fábrica de Cruz das Almas também sofreu consideráveis ampliações.
Na tentativa de dar conta dos pedidos, as fábricas chegaram a trabalhar em regime de horas-extras, tendo, no conjunto das três unidades, sido atingido o pico de 500 mil charutos diários, totalmente feitos à mão, um recorde fantástico. Como conseqüência dos ventos soprados numa espantosa velocidade, a Suerdieck decidiu investir em dois empreendimentos: implantação da produção mecanizada, para agilização na linha dos charutos populares, que não poderiam faltar nas prateleiras do comércio varejista, e construção de um prédio para abrigar, em novas e adequadas condições, a sede social da empresa. Em 1953, numa negociação com a Companhia de Seguros Aliança da Bahia, foi adquirido, na mais valorizada área comercial da Cidade Baixa, bem no centro financeiro de Salvador, o último terreno disponível nas quatro esquinas famosas da Avenida Estados Unidos com Praça O Edifício Suerdieck, em foto tirada num domingo, logo após a inauguração. da Inglaterra, onde já estavam importantes organizações: sede-regional dos Correios e Telégrafos, a sede e agência-matriz do Banco Econômico da Bahia e a agência baiana do Banco Holandês, implantada em Salvador por causa do comércio internacional de fumos e charutos. Concebido e construído pela Norberto Odebrecht Construtora, o Edifício Gerhard Meyer Suerdieck, ou simplesmente Edifício Suerdieck, foi festivamente inaugurado no dia 30 de abril de 1956. Meus senhores e minhas senhoras, Coube ao pároco de Maragogipe a ventura inestimável de residir, por 13 anos consecutivos, até agora, precisamente no prédio que eu peço licença para proclamar histórico – o velho “sobradinho” situado na antiga
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Rua do Fogo, depois Rua Macedo Costa e agora Largo da Matriz. Foi ali que os irmãos August e Ferdinand Suerdieck, depois de uma experiência satisfatória no Armazém do Cajá, deram início a uma importante etapa no processo da produção de charutos. A história da Suerdieck é tão brilhante e tão faustosa que seria impossível, no diminuto espaço de tempo que me permito aqui, apresentá-la nas mais radiosas tonalidades. Quero apenas ressaltar que, residindo no histórico prédio que serviu de berço à indústria arquipotente, eu me acostumei a verificar, desde 1942, a intensidade do trabalho produtivo, o dinamismo impressionante e a avalanche de realizações ciclópicas, em ambiente de harmonia social sempre alentadora. A inauguração deste majestoso Edifício Gerhard Meyer Suerdieck é um prêmio providencial à tenacidade titânica que veio dos irmãos Suerdieck e prolongada através da personalidade incomparável e inconfundível de Gerhard Meyer Suerdieck e da sua estirpe digna e respeitável, com rebentos da própria e querida terra das palmeiras heráldicas. Cônego Florisvaldo José de Souza Pároco de Maragogipe
O cônego Florisvaldo José de Souza, abençoando as instalações do Edifício Suerdieck, em 30 de abril de 1956. À direita os irmãos Geraldo e Fernando Suerdieck e na esquerda o casal José e Verbena (de lado) Boureau.
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José Ruas Boureau, ladeado pelos irmãos Suerdieck (Fernando, Wolfgang e Nicolau), quando discursava em nome dos empregados, na cerimônia da inauguração do Edifício Suerdieck, em 30 de abril de 1956.
O Edifício Suerdieck transformou-se numa das obras mais importantes do primeiro decênio das construções da Odebrecht, empresa fundada em 1945. O prédio enriqueceu o portifólio da construtora, transformando-se num vistoso cartão de apresentação nas negociações de futuros empreendimentos. Com área construída de 4.651 metros quadrados, o edifício compunha-se de subsolo, térreo, sobreloja e nove pavimentos. A Suerdieck S.A. ocupou até o segundo andar, enquanto a Exportadora de Fumos Suerdieck se alojou no terceiro. Os demais pavimentos, divididos em salas, foram projetados para abrigar escritórios comerciais e colocados à venda, para amortização do investimento. Possuía portaria, elevadores e escadas independentes da ala pertencente ao Grupo Suerdieck. No subsolo ficava uma câmara frigorífica para estocagem dos charutos que abasteciam os pontos das vendas no varejo de Salvador. No térreo foi instalada uma charutaria, verdadeiro show-room das marcas produzidas pela Suerdieck, decorado com um painel do artista plástico Carybé. Mas a grande atração do prédio ficou por conta de um charuto aceso, na posição vertical, com o bico para cima, bem na confluência dos logradouros, como criativo divisor das duas fachadas do edifício, uma face voltada para a Avenida Estados Unidos e outra para a Praça da Inglaterra. O gigantesco charuto de concreto, com cinza em vidro e a marca Suerdieck em luminoso néon, transformou-se no símbolo monumental do poder da indústria famosa. Virou atração turística, sendo muito fotografado. Uma empresa especializada na produção e venda de cartões postais emitiu uma série onde, em primeiro plano, aparecia o Edifício Suerdieck com o inusitado e chamativo charuto.
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Relembrando a trajetória do industrial que deu nome ao edifício, um neto do fundador da Dannemann, que até 1942 foi grande concorrente da Suerdieck, proferiu na sede do Rotary Clube da Bahia, em 27 de dezembro de 1956, uma palestra denominada “Gerhard Meyer Suerdieck, sua Vida e sua Obra”, reproduzida no Boletim Trimestral da Suerdieck, edição de jan-mar/1957. Eis o trecho final: Quando se escrever a história dos filhos adotivos e natos do Vale do Paraguaçu navegável, que num esforço titânico se empenharam pela industrialização da lavoura do fumo, situar-se-á Gerhard Meyer Suerdieck como exemplo de eficiência, humanidade e antijacobinismo. Sim, como disse um seu auxiliar, em homenagem póstuma, “Gerhard Meyer Suerdieck continua vivo, porque vivo permanece sua obra e seu exemplo”. Geraldo Dannemann Neto
O Edifício Suerdieck simbolizou também o coroamento de uma fase áurea. O Relatório da Diretoria, que acompanhou o balanço do exercício de 1956, registrou: “O ano foi encerrado com alto índice de vendas”. Este indicativo representava 180 milhões de charutos, sendo 150 milhões feitos totalmente à mão, estabelecendo dois recordes históricos. É fácil explicá-los, decorreram das paralizações da Danemann e Costa Penna, ambas em 1955. A Suerdieck – que já vinha conquistando a clientela dos dois antigos gigantes, desde o início das crises internas que foram reduzindo suas produções – assumiu de vez os consumidores deixados na orfandade. A Suerdieck ainda figurava entre as empresas brasileiras que mais investiam em propaganda. Na mídia radiofônica, a mais poderosa no Brasil, manteve durante vários anos, no início da década de 50, o patrocínio de um programa musical importante, na emissora de maior audiência no país. Numa das fases, nas chamadas durante o dia, o locutor anunciava o seguinte spot: — Sintonize, todo sábado, às vinte e duas horas e cinco minutos, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro e ouça a Orquestra Melódica de Lírio Panicalli, numa gentileza dos charutos Suerdieck. — Suerdieck significa o bom gosto do fumante que sabe escolher o melhor charuto do Brasil. — Orquestra Melódica significa o bom gosto do ouvinte que aprecia a boa música.
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Anúncio institucional padrão, verdadeira marca registrada da empresa, para revistas e jornais de todos os tipos. A foto é uma reprodução de um clichê, como se dizia na época, publicado em 1965, no jornal Vip, que circulava no Rio Vermelho, tradicional bairro de Salvador. Porta-voz do Grêmio Juventude do Rio Vermelho, era dirigido pelo autor deste livro.
Além da mídia radiofônica, a Suerdieck investia nas mais importantes revistas e jornais do país. Era ainda uma ativa anunciante nos espaços públicos das principais cidades brasileiras, exibindo outdoors em pontos estratégicos. Para se ter uma idéia da valorização que a empresa dispensava à propaganda, basta dizer que a Suerdieck manteve, durante 25 anos, um anúncio institucional bem visível em vinte abrigos de bondes da capital baiana. Na maioria teve a exclusividade do espaço no topo, sendo que os localizados nas áreas mais nobres as placas receberam iluminação néon. Letreiros luminosos também foram colocados no alto de alguns edifícios importantes, bem como placas nas encostas, nos elevadores públicos, bondes, etc. Igualmente fantástico foi o merchandising nacional nos terminais marítimos, ferroviários, aéreos, rodoviários, nos hotéis, restaurantes, confeitarias, cafés, mercearias, padarias, bares, armazéns, cinemas, teatros, hipódromos, estádios de futebol e ginásios esportivos. Em 1949, para comemorar o quarto centenário da fundação de Salvador, a Suerdieck lançou um calendário de parede, produzido no Rio de Janeiro, na Gráfica Bloch, ilustrado com seis belíssimas aquarelas coloridas, pintadas por Manoel Paraguassú: Escadaria da Rua do Poço, Baixa dos Sapateiros, Arcos da Conceição da Praia, Ladeira do Pelourinho, Jaqueira e Rampa do Mercado Modelo. Ficaram também famosos os calendários anuais de bolso, impressos em policromia, disputadíssimos pela clientela. Nas campanhas, sempre permanentes, priorizava-se o enfoque na marca do fabricante, e não nas dos produtos. E para fixar o nome Suerdieck de forma contundente, trabalhava-se sistematicamente em cima de vários slogans: SUERDIECK o melhor charuto
SUERDIECK significa qualidade
SUERDIECK famoso no mundo inteiro
SUERDIECK famoso charuto da Bahia
SUERDIECK um prazer especial
SUERDIECK fábrica de charutos especiais
SUERDIECK um prazer exclusivamente seu
SUERDIECK charuto de fina qualidade
Sinta-se como um Rei, fumando SUERDIECK
SUERDIECK o supremo requinte
A etiqueta exige, o bom gosto recomenda, charutos SUERDIECK
SUERDIECK sublinha a sua personalidade
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Na elegante e bem equipada charutaria do Edifício Suerdieck, operacionalizada pela própria Suerdieck, o atendimento era especializado. Através de uma equipe técnica, de profissionais experts em charutos, os clientes obtinham todos os esclarecimentos sobre qualquer produto da linha Suerdieck. ABRIGOS PARA PASSAGEIROS DOS BONDES NA CIDADE DO SALVADOR Acervo da Fundação Gregório de Mattos
(Fotos originais: Voltaire Fraga. Reproduções: Val Araújo)
Abrigo da Praça Municipal (1939), defronte ao Elevador Lacerda (Cidade Alta).
Abrigo do Largo da Graça (1940), frontal à igreja onde foi sepultada Catharina Paraguassú, a índia desposada pelo legendário Caramuru.
Abrigo do Largo da Ribeira (1941), próximo ao Hidroporto dos Tainheiros.
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Abrigo da Baixa do Bonfim (1941), no sopé da Basílica do Senhor do Bonfim.
Abrigo do Campo Grande (1942), fronteiro ao local onde seria construído o Teatro Castro Alves.
Abrigo do Largo da Calçada (1942), tendo ao fundo o relógio da Estação Ferroviária da Leste Brasileiro.
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Abrigo do Largo da Mariquita (1943), no bairro do Rio Vermelho, bem próximo da ilhota Pedra da Concha, onde os índios tupinambás encontraram, em 1509, o náufrago Diogo Álvares Corrêa, o Caramuru, Descobridor do Rio Vermelho, CoFundador de Salvador e Patriarca da Bahia.
Abrigo da Avenida Jequitaia (1943), frontal à Feira de Água de Meninos.
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Abrigo do Largo da Boa Viagem (1944), perto da fábrica de cigarros da Souza Cruz.
Abrigo da Praça Cairu (1944), próximo ao Elevador Lacerda (Cidade Baixa).
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Capítulo
21
SUERDIECK, O MELHOR PRESENTE
SUERDIECK, O MELHOR PRESENTE
O
hábito de se oferecer charutos provinha de uma antiga tradição européia. Na Alemanha, por exemplo, o homem cultivava a praxe de dar um charuto a cada pessoa que fosse à sua residência parabenizar pelo nascimento de um filho. No Brasil, os charutos Suerdieck foram eleitos como presente preferido. Oferecê-los significava estar dando um brinde requintado e renomado, símbolo de prestígio e sucesso. O Charuto é o presente mais apreciado no mundo masculino
Este era o bordão utilizado nas campanhas de sustentação e fomento aos presentes, sempre complementado por um dos slogans abaixo: SUERDIECK
SUERDIECK
o melhor produto, o presente ideal
o melhor presente
Em novembro de 1948 foram recebidas duas encomendas especiais, do presidente do Instituto Bahiano do Fumo e do delegado-regional do Trabalho. Ambos presentearam o presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, com o produto símbolo da Bahia. Do primeiro, o presidente recebeu um luxuoso estojo em jacarandá, com uma fotografia da plantação de fumo na tampa. O delegado ofertou uma Caixa de Presente Grande, envernizada em escuro. Dutra saiu de Salvador abastecido com uma seleção dos melhores charutos Suerdieck. Em 1956, aproveitando uma viagem a Londres de um associado, o inglês Vivian Bensusan, o Rotary Clube da Bahia enviou uma caixa de charutos Suerdieck ao ex-primeiro-ministro Winston Churchill. O mais famoso fumante de charutos do mundo agradeceu por escrito: Prezado Senhor Bensusan, Tive a satisfação de receber a belíssima caixa de charutos que o amigo me trouxe da parte do Rotary Clube da Bahia, Brasil.
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Apreciei muito a mão-de-obra da caixa, e já saboreei alguns dos excelentes charutos contidos na mesma. Winston Churchill
Três anos depois Churchill voltaria a ser brindado com charutos Suerdieck, oferecidos por universitários em excursão pela Inglaterra. O porta-voz do grupo foi Ricardo Howlling, estudante de direito da Universidade Católica do Rio de Janeiro. Dwight Eisenhower também recebeu charutos Suerdieck, levados por Norma Lacerda Blum, uma dos trinta e três jovens, entre moças e rapazes, de 33 países, que foram participar de um fórum nos Estados Unidos. Em Washington visitaram a Casa Branca e estiveram com o presidente americano. Para os indecisos na hora da compra dos presentes, havia um catálogo com as marcas que, segundo o marketing da Suerdieck, ressaltavam a personalidade do fumante pelo formato do seu rosto:
Herbert Moses, presidente da ABI – Associação Brasileira de Imprensa, tinha por hábito brindar os visitantes ilustres com uma caixa de charutos Suerdieck. A oferenda simbolizava as boas-vindas e representava a simpatia do órgão representativo da classe jornalística. Nota: As referências a Winston Churchill, Ricardo Howlling, Dwight Eisenhower, Norma Blum e Herbert Moses, foram pinçadas do Boletim Trimestral da Suerdieck, números 29 (abr-jun/1956), 33 (abr-jun/1957) e 43 (out-dez/1959).
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CHAMPANHA E CHARUTOS Ao sair da penitenciária de Maidstone, onde cumprira pena de 18 meses, Raymond Blackburn, brilhante advogado e ex-membro do parlamento inglês, encontrou à porta do presídio a sua amada, Marianne Ferguson, que o aguardava com uma garrafa de champanha e uma caixa de charutos Suerdieck, da marca Ouro de Cuba. Revista “O Cruzeiro”. Rio de Janeiro, 24.11.1956
Quando chegou em Paris o general Aurélio de Lyra Tavares34 ordenou a suspensão das compras dos cubanos que eram oferecidos nas recepções. Determinou que fossem substituídos por charutos brasileiros, considerados pelo novo embaixador tão bons quanto os produzidos na ilha caribenha. Certa feita, convidado para um jantar na embaixada, o deputado federal baiano Fernando Wilson Magalhães levou uma caixa de Panatela Ouro. Quando abriu o presente Lyra Tavares deu um largo sorriso de satisfação e, imediatamente, acendeu um dos longilíneos finos da Suerdieck. Na época do Natal, a festa universal da cristandade, com a secular tradição da troca
Anverso dum folder de 1952. 34 Aficionado da Suerdieck, Aurélio de Lyra Tavares tinha sido ministro do Exército no período Costa e Silva e foi um dos três integrantes da Junta Militar que governou o país por dois meses, de setembro a outubro de 1969.
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de presentes, a Suerdieck atingia o pico das vendas mensais. Para atender a maciça procura, começava em julho a Operação Natal, com a programação nacional das entregas especiais, com enfoque em dois segmentos mercadológicos: a. Encomendas empresariais, com estojos personalizados, para as empresas oferecerem charutos finos aos clientes e amigos importantes. b. Vendas no varejo, nas charutarias. Os estojos eram embrulhados em papel especial, fornecido pela Suerdieck, com motivos natalinos, além de fitas e cartões para as mensagens dos ofertantes de um presente especial e charmoso. Nunca, em tempo algum, qualquer outro fabricante de charutos dispensou tratamento de alto nível às ofertas para o Natal. Por isso virou moda duradoura o presenteio de caixas bem trabalhadas e de fino acabamento, em cedro, jacarandá, pauferro, pinho e imbuia, que por si só significavam um belo presente. Até quem não era fumante habitual recebia charutos, e ficava satisfeito e feliz, pois sabia do significado enfeixado por uma caixa da Suerdieck. Havia inclusive uma marca bem sugestiva, própria para os festejos do fim de ano. Chamava-se Boas Festas, apresentada num estojo de luxo envernizado, disponível em quatro versões, com 50 charutos escuros, 50 charutos claros, 25 charutos escuros ou 25 charutos claros. Era o carro-chefe das vendas natalinas. Para atender com eficiência e presteza o grande número de solicitações, de todas OFERTANDO BONS CHARUTOS, VOCÊ CRIA AMIGOS! OFERTANDO CHARUTOS SUERDIECK, VOCÊ ESCOLHEU BONS CHARUTOS! CAIXA DE PRESENTE (Semi-aberta, foto de 1920)
Verdadeira obra de arte da marcenaria, a Caixa de Presente possuía 19 compar timentos para obrigar uma seleção de charutos, de diversas marcas nobres. Confeccionada em madeira de lei, cedro ou pau-ferro, era produzida em duas versões. A caixa pequena comportava 95 charutos e a grande 180. Nenhum outro fabricante conseguiu idealizar uma caixa que tivesse a criatividade, originalidade e o requinte da Caixa de Presente inventada pela Suerdieck e patenteada em 1917.
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as partes do Brasil, e até do exterior, existia em Maragogipe um setor especializado no preparo das caixas especiais, luxuosas e personalizadas, destinadas aos segmentos dos brindes e homenagens. No conteúdo somente charutos feitos pelas melhores charuteiras da fábrica. Dentro do elenco das marcas, havia duas classes como excelentes opções para presentes, em qualquer época do ano. ESTOJOS COM CHARUTOS SORTIDOS 1. Caixa de Presente Grande. O máximo em presente. Fechada parecia uma maleta, mas ao ser aberta, de forma articulada e sanfonada, transformava-se em prateleiras expositoras para 180 charutos distribuídos por oito marcas: 36 Regalia Fina, 36 Florinha, 32 Holandeses, 30 Suerdieck Brasil, 20 Havana Pequena Flor, 12 Beira Mar, 7 Três Estrelas e 7 Prima Dona. Muitas pessoas compravam-na com objetivos meramente decorativos, para ambientes em escritórios e residências. Neste casos os charutos não eram degustados, permaneciam na caixa-mostruária, que aberta produzia um grande efeito visual. 2. Caixa de Presente Pequena. Estojo idêntico ao primeiro, cuja diferença estava no quantitativo. Sua capacidade era para 95 charutos: 18 Regalia Fina, 16 Holandeses, 15 Suerdieck Brasil, 12 Coreana, 10 Florinha, 10 Beira Mar, 7 Prima Dona e 7 Três Estrelas. 3. Sortimento Extra Fino. 40 charutos, dez para cada marca: Ouro de Cuba, Suerdieck Brasil, Prima Dona e Holandeses. 4. Sortimento Ypiranga. 50 charutos claros: 20 Cesários Pai, 10 Cesários Filho, 10 Sorrisos e 10 Petiscos. 5. Sor timento 26. 50 charutos: 18 Florinha, 16 Viajantes e 16 Holandeses. 6. Exposição. Estojo com tampa de vidro, com 32 charutos: 8 Havana Supremo, 8 Suerdieck Brasil, 8 Susa Filtro M e 8 Susa Filtro S. 7. Margareth. 70 charutos: 36 Havana Pequena Flor, 24 Glamour e 10 Pampulha. 8. Suerdieck Fantasia: Estojo de luxo contendo 60 charutos de marcas nobres. As caixas continham gravações, em lâminas de cedro, de alguns recantos
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Voltaire Fraga
famosos da capital baiana: Elevador Lacerda, Terreiro de Jesus, Baixa dos Sapateiros, Colina do Bonfim, Forte de Mont Serrat, Farol da Barra e também de uma baiana típica. O artista Gregorius foi o autor das xilogravuras que serviram de matrizes para as ilustrações. Suerdieck Fantasia correu o Brasil e a Europa e, certamente, constituíu-se num importante produto de divulgação turística da Bahia. MARCAS INDIVIDUAIS 1. Havana Supremo Luxo. Requinte dos requintes, em caixa de cedro, pauferro ou jacarandá, contendo dez charutos de nobríssima linhagem. Cada unidade ficava dentro de um estojo confeccionado na mesma madeira da caixa externa. 2. Havana Supremo. Estojo negro com 25 charutos claros, enrolados um a um em lâminas de cedro, donde recendia uma fragrância inebriante. 3. Havana Especial Luxo. 25 charutos claros em estojo fosco. 4. Supremo Requinte. Em estojos para 25 ou 50 charutos de uma linhagem clássica. Havia a opção da tampa ser embelezada com trabalhos de entalhes feitos no Paraná. 5. Corona Imperial. Charutos claros embalados em tubos de polistirene, acondicionados em estojos para dez ou cinco unidades. 6. G.G.G. Charutos escuros em tubos de polistirene, disponíveis em estojos com dez ou cinco unidades. 7. Panatela Ouro. Estojo com 25 charutos envolvidos em papel arroz, num toque de elegância aristocrática. 8. Panatela Média. Charutos escuros em estojos para 20 ou 40 unidades. 9. Mata Fina Especial. Charutos escuros em estojos com cinco ou dez unidades. 10. Suerdieck Brasil. Em estojos envernizados, com quatro versões: 50 charutos escuros, 50 charutos claros, 25 charutos escuros e 25 charutos claros. Era um dos ícones das exportações. 11. Regalia Fina. Charutos compridos e claros, apresentados em estojos com 25 ou 50 unidades. 12. Simpatia. Charutos claros em estojos envernizados com 25 unidades. 13. Amizade. Charutos claros em estojos envernizados com 25 unidades. 14. Diadema Extra. Charuto longo, com 22 centímetros, por 2,8 de diâmetro e
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pesando 18 gramas. Foi criado especialmente para os festejos juninos, sendo muito utilizado para acender fogos entre uma baforada e outra. Levava horas para ser consumido. Era vendido num estojo de cedro com uma unidade. 15. Lembrança da Bahia. 20 charutos numa caixa de cedro com uma paisagem da Colina do Bonfim, gravada a fogo na tampa. Marca vendida exclusivamente em Salvador, com forte apelo turístico, sendo muito comprada pelos visitantes, que a levavam como souvenir ou para presentear terceiros. ARTE & CHARUTOS Numa entrevista, a uma revista parisiense, o pintor Maurice de Vlaminck deixou-se fotografar fumando charuto. Sobre uma pequena mesa do ateliê, via-se uma caixa aberta da Suerdieck. Era uma Caixa de Presente Grande, certamente um brinde ofertado por algum amigo ou admirador do famoso artista francês. Boletim Trimestral da Suerdieck Nº 33, abr-jun/1957
Capa de um folheto produzido em 1956.
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CAIXA DE CHARUTOS Tampa, fundo, cabeceiras (laterais mais curtas) e lados, são designações das seis peças necessárias à montagem de uma caixa de madeira. A seguir, serão descritos os componentes aplicados para a saída da fábrica cheia de charutos. 1. Rótulos Impressos contendo a identificação do fabricante e/ou da marca do produto, em duas versões: 1.1 – Rótulo Externo: impresso principal, colocado na parte de fora da tampa. 1.2 – Rótulo Interno: impresso colocado na parte interna da tampa. 2. Etiquetas Demais impressos colocados nas caixas, externa e interna- mente. Ei-los, com suas designações específicas: 2.1 – Tira Debrum: fita ou friso para as bordas da tampa, das cabeceiras e dos lados. Havia dois tipos: debrum com o nome Suerdieck e debrum com o sigma, em ambos repetidas vezes. 2.2 – Sigma: logotipo. 2.3 – Ferro de Tampa: logomarca (em alto relevo). 2.4 – Lacre: selo de segurança, imitando a substância resinosa usada no fechamento de garrafas e cartas. 2.5 – Selos: legais ou do fabricante. 2.6 – Faixas: reclames e avisos eventuais. 3. Pirogravuras Gravações a fogo, denominadas de ferrações, feitas antes da montagem da caixa, na tampa (parte externa e interna), nas cabeceiras, lados e no fundo externo. Em algumas caixas, principalmente de luxo e para presentes, a técnica da pirografia, executada mecanicamente, substituía rótulos e várias etiquetas impressas. 4. Ventarola Peça decorativa interna, para causar impacto visual, denotando sofisticação e dando um toque de classe. O adorno era apresentado sob a forma de uma folha solta, colocada sobre a última camada de charutos. Podia ser uma lâmina de cedro, ostentando uma pirogravura, ou um papel apergaminhado. 5. Celofonagem Com exceção das caixas dos charutos populares, as demais tinham uma proteção final, sendo totalmente revestidas com celofane.
Obs.: Por definição lexicográfica, rótulo e etiqueta têm o mesmo significado. Porém, na Suerdieck, por conceituação interna, havia diferenciação.
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Capítulo
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MARYON, A INESQUECÍVEL
MARYON, A INESQUECÍVEL
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oido para manter contato com a namorada que não conseguia esquecer, Geraldo obteve com a amiga Else Niemann o endereço de Maryon nos Estados Unidos: 250 Yandes Street – Franklin, Indiana. Embora estivesse casada, remeteu-lhe uma carta, datada de 22 de março de 1957. Querida Maryon, Depois que os nossos caminhos se separaram, por força do destino, mesmo de longe, estive sempre informado sobre sua vida. Em 1951, na primeira viagem depois da Guerra, estive em Hamburgo com a esposa e filha. Infelizmente encontrei os lugares tão cheios de recordações completamente mudados, muitos deles destruídos. Foi chocante. Na última noite, estávamos reunidos na Zillertal,
Geraldo e Maryon, em 1938.
com Else, Paul, Bruno Andresen e outros colegas do CHD, quando o senhor Koch me fez uma confissão terrível. A partir daí, sempre senti a necessidade de, algum dia, fazer-lhe estas linhas. Você sabe que, nos anos de 39/40, tínhamos planos de casamento. Após ter-me solidificado no trabalho, escrevi ao senhor Willy Koch. Como meu fraterno amigo, pedi para ele colocar você num avião para Lisboa, onde eu estaria à sua espera. Respondeu-me então que tinha conversado com seu pai, tendo ele achado o plano perigoso e aconselhado que deveríamos aguardar o final da Guerra. Para mim foi uma decepção tão grande que resolvi esquecer o assunto. Mas quando o senhor Koch me contou que não falara com seu pai, fiquei arrasado. Ele fez um mau uso da confiança que lhe depositei, ofendeu os meus sentimentos. Minha vida, nesse entretempo, é uma dura e ininterrupta atividade profissional, com todos os problemas de uma indústria que ocupa milhares de pessoas. Infelizmente, sou um escravo do trabalho. Embora o público me considere um “homem importante”, por ser presidente de várias empresas, se eu pudesse jogaria fora toda esta salada...
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Os meninos vão à escola e o meu mais novo, com 3 anos, está no jardim de infância. A mais velha tem 13 anos e pela foto anexa você vê toda família. Se quiser, também descreva a sua caminhada na vida. Escreva sem qualquer constrangimento. Lembranças do Geraldo.
Maryon não respondeu. Deve ter ficado constrangida, ou, pelo menos, continuava sem perdoá-lo, pelo não cumprimento da promessa do casamento. Talvez não tenha acreditado na história envolvendo o Willy Koch.
Lisbeth e o filho Jobst Meyer, com Maryon e Geraldo, em Hamburgo.
Em pé: Erwin e Else Niemann; Oscar Schmidt e Paul Panzer. Sentados: Geraldo, Elza Sauer e Maryon Valentiner.
CONSTRUÇÃO & VEÍCULOS Por iniciativa de um executivo da Suerdieck, José Ruas Boureau, foi sugerida a criação da Construtora Suerdieck. O suporte econômico e o peso do nome garantiriam o nascimento de uma empresa fadada ao sucesso rápido no mercado baiano, ainda incipiente e carente de construtoras fortes. Mas Geraldo descartou a idéia com um argumento técnico: — Não temos na família, nem no grupo, nenhum engenheiro civil para confiar a responsabilidade de um empreendimento neste gênero! Numa outra ocasião, Geraldo recebeu a visita de um executivo alemão que veio a Salvador com a missão de oferecer a franquia de uma distribuidora de veículos. A origem e o conceito do nome comercial tinham sido requisitos numa triagem feita pela montadora, que já tinha até escolhido a razão social para a sua representada: Suerdieck Motor Ltda. Todavia, a proposta, embora tentadora, não pode ser encampada, uma vez que todos os investimentos estavam programados e priorizados para ampliações no parque fabril de charutos e na expansão da cultura do fumo Sumatra. A pedido do emissário, o presidente da Suerdieck recomendou o empresário Mário da Silva Cravo, abrindo o caminho para a Cravo Motor ser a primeira concessionária da Volkswagen na Bahia.
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A GRANDE FÁBRICA
A GRANDE FÁBRICA
m abril de 1950, q u a n d o fo i a b e r to um novo exemplar do Livro de Visitas à Fábrica de Maragogipe, o ex-governador Juracy Magalhães, candidato à sucessão de Otávio Mangabeira, teve a primazia de inserir a primeira mensagem:
Pinheiro
O “enigma baiano”, a que tanto se refere o preclaro governador Otávio Mangabeira, reside essencialmente na pobreza do povo. A batalha do enriquecimento da Bahia é, assim, imperiosa, como chave da solução daquele
Pavilhão do acabamento e expedição do grande complexo fabril de Maragogipe. Inaugurado em 5 de novembro de 1933, foi construído por Gerhard Meyer Suerdieck no local da antiga fábrica, onde no início do século XX ficava o cine-teatro da cidade.
enigma. A indústria é multiplicadora de riqueza. Estimulá-la e desenvolvê-la, aproveitando a iniciativa particular, é indiscutível tarefa do governo, a quem cabe velar pela paz social, através de um justo equilíbrio entre os interesses do trabalho e do capital, irmanados na construção da grandeza coletiva. Deixo aqui a minha excelente impressão dessa visita à fábrica Suerdieck, onde me deparei com um inesquecível ambiente de simpatia, quer de parte dos operários, quer de seus dirigentes, todos merecedores do meu sincero agradecimento. 27.04.1950 Juracy Magalhães
Dezesseis dias após, passou pela fábrica a caravana de Lauro Farani Pedreira de Freitas, postulante ao governo do Estado pela coligação PSD/PTB. Na hora do registro da visita, o líder do PTB na Assembléia Legislativa, deputado Joel Presídio, leu o depoimento do adversário e, prontamente, de forma elegante e sutil, deu uma estocada no candidato da UDN, apondo logo abaixo da assinatura do Juracy o texto resposta:
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Levamos ótima impressão da longa visita que acabamos de fazer às dependências da fábrica. Aqui se aprende a servir à economia nacional. Onde quer que o capital e o trabalho se ajustem, nas lides cotidianas, pela produção de riqueza, não pode existir enigma... Quando muito, uma equação de forma social e sentido humano, reclamando que o Estado lhe encontre o denominador comum. 13.05.1950 Joel Presídio.
A fábrica de Maragogipe, a maior do mundo na produção de charutos artesanais, era tocada por milhares de operários. A grandiosidade gerava forte impacto nos visitantes, que extravasavam suas impressões no Livro de Visitas. Entre dezenas de assentamentos, deixados em vários idiomas, foram selecionados onze depoimentos registrados na língua portuguesa, a seguir reproduzidos na íntegra. O trabalho, sentinela da virtude, causa maior do progresso, é digno de imitação nesta fábrica. Queira Jesus Cristo, o divino operário, abençoar a todos os que mourejam nesta casa. Reine sempre a justiça social e a caridade cristã e, assim, haverá de existir a paz duradoura e a alegria de viver no mundo do trabalho. 20.11. 1951. D. Antônio Mendonça Monteiro Bispo Auxiliar da Bahia. As bodas de prata do sacerdócio do meu amigo de infância, o revmo. con. Florisvaldo Souza, precisamente nesta data, proporcionaram-me a grande ventura de visitar a magnífica empresa que é a fábrica de charutos Suerdieck. 31.07.1952 Dom Francisco Leite Capelão Militar da VI R.M. Não sou fumante. Nem sei mesmo se devo condenar o fumo. Mas se o fizesse estaria hoje arrependido, porque a visita à fabrica Suerdieck é a maior demonstração de que na fabricação dos charutos se encontram os mais belos exemplos de ordem, de progresso e de trabalho, que enchem de orgulho a nós que tivemos o privilégio de nascer na Bahia. 30.05.1953 Assinatura ilegível.
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Suerdieck é um orgulho da indústria nacional e não merece só um elogio, mas uma consagração. 05.06.1953 Cônego Edgar Brito. Visitando a fábrica Suerdieck tirei a seguinte conclusão, que sintetizo nesta quadra: Muita ordem e disciplina, trabalho insano e viril. Da Bahia ela é a gloriosa e o orgulho do Brasil. 25.03.1954 Assinatura ilegível. Visitando a Suerdieck, em Maragogipe, fiquei maravilhado com a grande obra aqui existente, não só no setor técnico-industrial, como sobretudo no social, tendo em vista a perfeita assistência médica aos operários e suas respectivas famílias. 31.03.1954 Assinatura ilegível. Tudo que posso dizer a respeito da agradável visita que acabo de fazer, resume-se nessas palavras: A fábrica Suerdieck engrandece a Pátria! 27.11.1954 Júlio Virgínio de Santana Juiz de Direito de Mata de São João
Quando estivemos visitando a fábrica Suerdieck, na tarde de hoje, voltamos a acreditar na necessidade de maior apoio dos governantes aos homens que oferecem ao operariado condições de trabalho dignas e justas. Notamos que os trabalhadores da Suerdieck contam com o amparo e a proteção dos patrões, o que não deixa de ser um bom sinal, pois, como sabemos, a classe trabalhadora é, atualmente, a maior vítima da desorganização reinante no país. Os componentes da caravana da Rádio Sociedade da Bahia parabenizam os que militam na fábrica Suerdieck pelo belo exemplo que vêm dando às demais organizações empresariais. 29.09.1956 Newton Espínola Cardoso Gastão do Rego Monteiro.
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A Suerdieck faz o que o governo deveria fazer e faria mais se o governo fizesse a parte que lhe cabe. A Suerdieck não é somente uma das maiores organizações da Bahia, mas é, também, praticamente, o governo de Maragogipe. 12.12.1958 Assinatura ilegível. Sinto-me orgulhoso por visitar a fábrica de charutos Suerdieck. Levo a minha melhor impressão de tudo que nela observei, principalmente a organização, a mais perfeita, em trabalho, eficiência e assistência aos seus operários. 27.01.1959 Geraldo Nelson Bandeira Morais. Leão Rozemberg
É difícil descrever o que de surpresa se apresentou ao percorrer as diversas dependências desta fábrica. Foi a primeira vez que entrei numa fábrica da espécie. Era bem outra a minha impressão, e como se modificou! Só me ocorre uma expressão para descrever. É notável!!! 16.08.1960 Antônio Fernando Silvany.
À esquerda, com o dedo no rosto, numa visita à fábrica, a pianista carioca Maria Augusta de Oliva Morgenroth, que em 1957 interrompeu uma fulgurante carreira de concertos internacionais para residir em Salvador, logo após o casamento com o exportador de fumos Erwin Morgenroth. Também era pintora e promotora de arte, tendo sido um dos baluartes pela reconstrução do Teatro Castro Alves, destruído num incêndio ocorrido em 1958, às vésperas da inauguração.
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No dia 9 de abril de 1968, em visita de inspeção rotineira, estiveram em Maragogipe os senhores Cícero Bahia Dantas, Júlio Amorim Botelho e Carlos Marinho, respectivamente delegado regional, chefe da fiscalização e inspetor do trabalho. Sabatinaram vários operários sobre as condições de trabalho, pagamentos de salários e outros assuntos pertinentes à legislação trabalhista. O alto comando da Delegacia Regional do Trabalho deixou a fábrica elogiando as instalações e os
procedimentos da empresa. Um jornalista, de A Tarde, que acompanhava a comitiva da DRT, apôs o seguinte registro: A “Tarde Operaria”, em visita a este estabelecimento industrial que orgulha a iniciativa privada da nossa terra, manifesta o seu reconhecimento, formulando votos pelo seu crescente desenvolvimento. 09.04.1968 Assinatura ilegível. Redator.
MODELO DO PARQUE FABRIL DE MARAGOGIPE
Maragogipe, quartel-general 1. No armazém da Aug. Suerdieck, no cais do Cajá, inicia-se em julho de 1905 a produção de charutos. 2. Em 1907 o modesto fabrico deixa o armazém de fumo no Cajá e vai para um sobrado na Praça da Matriz. 3. Nova mudança, em 1910. A fábrica é transferida para um imóvel grande, na Rua Pedra Branca. 4. Um conjunto de casas, na Rua das Flores, é adquirido para a
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construção de uma grande fábrica, inaugurada a 10 de janeiro de 1921 e interligada à fabrica antiga por um passadiço sobre a rua entre os dois imóveis. 5. O prédio da Rua Pedra Branca é demolido e no lugar erguido um pavilhão em concreto armado, inaugurado A Suerdieck já se fazia presente em Brasília antes mesmo da sua inauguração.
em 5 de novembro de 1933, com a manutenção do passadiço aéreo. Os dois blocos, que muitos,
equivocadamente, consideravam como duas fábricas, formavam o núcleo de um grandioso complexo. No pavilhão da Rua Fernando Suerdieck (antiga Pedra Branca), que passou a ser chamado de “fábrica nova”, estavam alojados os setores do acabamento e a expedição. No outro pavilhão, conhecido como “fábrica velha”, ficava a fabricação propriamente dita, com os salões das charuteiras, além do escritório contendo o endereço oficial da fábrica, Rua Augusto Suerdieck 8. O crescimento vertiginoso foi exigindo, cada vez mais, ampliações no espaço físico. Dezenas de imóveis foram comprados no decorrer dos anos. A fábrica se espalhou em pleno centro da cidade. A Suerdieck adquiriu inclusive as instalações de duas outras fábricas, Mello e Dannemann. Os novos setores e os que não mais cabiam no corpo principal, passaram a ser alojados noutros imóveis. Um exemplo, a produção dos cigarrilhos Garantidos, da classe popular, foi levada para um prédio exclusivo.
Nos casos emergenciais, para não deixar os distribuidores sem charutos, a Suerdieck utilizava o transporte aéreo.
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DANNEMANN NO IMPÉRIO SUERDIECK
DANNEMANN NO IMPÉRIO SUERDIECK
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m 1938, quando o panorama político na Europa ficou tenso e se apostava numa guerra, João Adolpho Jonas Júnior e Ernst Tobler, diretores da Companhia de Charutos Dannemann, foram chamados à Alemanha. Assinaram contratos cedendo o nome comercial e as marcas Dannemann à duas empresas alemãs: Companhia de Charutos Dannemann & Co. Hamburg e Deutsch Companhia de Charutos Dannemann & Co. Bremen. Pelos contratos, os controladores das ações da indústria brasileira, prevendo a possibilidade do Brasil ficar contra o III Reich, no caso de um conflito mundial, procuraram assegurar na Alemanha o domínio do nome e das marcas dos charutos Dannemann, através de um jogo comercial entre a Dannemann brasileira e as homônimas alemãs, empresas puramente de fachada. Um dos arquitetos das articulações foi Georg Max Dietrich Koch, que mais tarde seria o grande beneficiário do enredo, juntamente com Constantin von Oesterreich. Pelo clima passional que envolveu o povo contra as empresas pertencentes aos súditos alemães, por causa dos torpedeamentos dos navios mercantes brasileiros na costa do país, a Dannemann, logo após a divulgação da decretação do Estado de Beligerância, teve suas instalações depredadas, tanto em Salvador, onde ficava o escritório central, como nas fábricas de São Félix, Muritiba e Maragogipe. O governo do Estado, por meio do Instituto Bahiano do Fumo, interviu nas fábricas, nos escritórios e afastou os empregados alemães que ocupavam cargos importantes. O IBF superintendeu a empresa até março de 1943, quando foi nomeado um interventor federal, Paulino Jaguaribe de Oliveira. A intervenção foi suspensa em julho de
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1945, quando a companhia teve o seu comando recomposto com a participação de acionistas brasileiros, os quais, três meses depois, alteraram a denominação para Companhia Brasileira de Charutos Dannemann. Promoveram também um aumento de capital, subscrito pelo banqueiro Júlio Cezar Leite, que assumiu a presidência, tendo como diretores João Adolpho Jonas Júnior e Nelson Pitta Martins. A Dannemann saiu da guerra gravemente debilitada, pois o conflito a fez perder importantes clientes no mercado europeu, desestabilizando o setor comercial. Havia também acusações de má gestão empresarial pelos interventores. No somatório dos problemas adveio o asfixiamento financeiro, que culminou numa crise sem precendentes no histórico dos 75 anos da empresa. Em junho de 1948 foram paralisadas as atividades nas fábricas de Maragogipe e Muritiba. A de São Félix produziu até dezembro. Os bens móveis e imóveis de Maragogipe foram repassados aos empregados, por contrato celebrado em outubro de 1949, a título de ressarcimento de salários e indenizações trabalhistas. No desdobramento, a Suerdieck, que já havia contratado centenas de exímias charuteiras desempregadas, acabou comprando o imóvel da fábrica, que voltou a ser fábrica, mas de caixinhas dos charutos Suerdieck. A Dannemann deixou de fabricar charutos, mas continuou em atividade, Fábrica dos charutos Dannemann em Maragogipe, que a Suerdieck transformou numa grande fábrica de caixas para seus charutos. operando na exportação de fumos. Em vista das dificuldades financeiras, a Companhia Brasileira de Charutos Dannemann resolveu constituir uma nova sociedade comercial, livre de problemas, com a participação de capital holandês, da Exoten Taback Compagnie, de Amsterdã. Nascia assim, em janeiro de 1953, a Dannemann Exportadora de Fumos Ltda. Antes disto, por força de acordos costurados com credores e antigos empregados, além de novos empréstimos concedidos pelo Banco do Brasil, a produção de charutos foi reativada em 1951, nas fábricas de São Félix e Muritiba. Porém, em abril de 1955 a CBCD voltou a paralisar a produção e fechou todas as instalações, inclusive o escritório-sede de Salvador. A empresa foi abandonada pelos acionistas, ficando acéfala. Este era o quadro quando, para ressarcir-se dos prejuízos, o Banco do Brasil aforou, em 4 de abril de 1960, na comarca de São Félix, uma ação executiva hipotecária, formadora do processo nº 3.247/60. O Diário da Justiça do Estado, edição de 6 de agosto de 1961, publicou o edital
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dos bens penhorados em segurança de dívidas confessadas, decorrentes de financiamentos e refinanciamentos concedidos pelo banco e não-pagos pela CBCD. Por esta razão, todo o seu patrimômio foi colocado em hasta pública, dividido em três blocos: a. Venda individualizada do acervo imobiliário, localizado em São Félix e Muritiba, formado por 15 imóveis, entre fábricas, armazéns, depósitos, oficinas, prédios comerciais e residenciais; b. Venda individual do acervo técnico, também localizado em São Félix e Muritiba, constituído por máquinas, equipamentos, aparelhos e acessórios; c. Venda única, indivisível, do fundo de indústria e comércio, que tinha sido dado como garantia hipotecária e pignoratícia de empréstimo em 7 de novembro de 1950. Estava representado por 110 marcas, sendo 70 de charutos, 28 de fumos e 12 de etiquetas, frisos, selos de garantia, anéis, rótulos e o nome comercial “Dannemann”. O grande leilão foi anunciado para 8 de setembro de 1961. Todavia, na seqüência da turbulência política que tomou conta do país, por causa da repentina renúncia do presidente Jânio Quadros, o juiz de direito de São Félix, dr. João de Azevedo Ca-valcanti, achou por bem transferir o leilão para 13 de outubro. Neste dia, às 9 horas, na sala das audiências do juizado da comar-ca, o leiloeiro oficial, Orlando Pereira, deu início aos trabalhos. No primeiro bloco do pregão a Exportadora de Fumos Suerdieck S.A. arrematou dois imóveis35 e no segundo a Suerdieck S.A. Charutos e Cigarrilhos adquiriu vários equipamentos e máquinas. No terceiro bloco, surpreendentemente, a Suerdieck não apresentou nenhum lance, deixando o campo inteiramente aberto à oferta de Francisco Aragão, último presidente da CBCD, que arrematou o lote por Cr$ 7.500.000,00 (sete milhões e quinhentos mil cruzeiros). Para os presentes, o empresário representava os interesses dos antigos proprietários da companhia, que assim estariam procurando continuar com o controle das marcas, uma suspeita que se robusteceu quando o senhor Aragão declarou que a compra estava sendo feita em nome da Dancoin – Dannemann Comércio e Indústria de Fumos Ltda., empresa em fase de organização. Mas a realidade era outra, a Dancoin estava sendo constituída com capital da Suerdieck, que passou a ser dona de todas as marcas Dannemann. 35 Um dos imóveis foi o prédio da antiga fábrica de Muritiba, que a Exportadora Suerdieck transformou em armazém de fumos.
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AS 70 MARCAS DE CHARUTOS ARREMATADAS PELA DANCOIN Aristocratas
Geishas
Bandeirantes
Guarany
Banquete
Havanezes
Bela Bahiana
Indígena
Bela Cubana
Juanita
Bela Havana
Juventude
Beneméritos
Legítimos
Biriba
Lua
Boccacio
Luzinda
Bouquets
Matador
Bremenses
Ministros
Carioca
Mocca
CBCD
Mocinhas
Charutinhos Bahianos Especiais
Ouro do Brasil
Charutos Dannemann
Ouro Negro
Cigarrilhos Bahianos
Pegasus
Conquistas
Pequeno Dannemann
Coronel
Perlitos
Coronitas
Pétalas
Cosmos
Pierrot
Cruzeiro
Piloto
Cruzienses
Progresso
D. Pedro II
Puritanos
Dannemann
Rafaela
Dannemann Azul
Regalia Londres
Dannemann Flor
Reynitas
Dannemann São Félix
Rezia
Diplomata
Roosevelt
Dois
Santa Damiana
Dois Globos
Sem Par
Filhotes
Senadores
Flechas
Sentinella
Flor do Rio
Sol
Gaúchos
Supremos
Gavea
Tuchauas
Em 1956 o grupo suíço Burger Söhne tinha relançado na Europa os charutos Dannemann e em 1958 o grupo alemão August Blase também colocou no mercado europeu os produtos Dannemann, passos depois seguidos pelo dinamarquês
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Petersen & Sorensen. O reaparecimento dos charutos na Europa deveu-se a Georg M. D. Koch, que criou, montou e administrava um verdadeiro sistema de franquias, ancorado nos contratos de 1938 e noutros firmados em abril e dezembro de 1954, quando a CBCD se encontrava à beira do colapso total, ocorrido em abril de 1955. Nenhum deles foi registrado em cartório brasileiro. Koch controlava cada franqueado com uma empresa Dannemann, sempre usando a razão social num português misturado com alemão: Companhia de Charutos Dannemann Basel AG; Companhia de Charutos Dannemann & Co. Hamburg; e Companhia de Charutos Dannemann AG; que se relacionavam, respectivamente, com os grupos suíço, alemão e dinamarquês. Havia ainda a Company Comercial Dannemann & Co., sediada em Schaan, no Liechtenstein, paraíso fiscal, para onde 40% dos royalties eram remetidos pelos franqueados. Além dos royalties, Georg Koch complementava os contratos com uma triangulação que passava pelo Brasil, envolvendo a Dannemann Exportadora de Fumos Ltda., em mãos de quem os fabricantes de charutos tinham de adquirir o fumo Dannemann. Era a fórmula de ganhar mais dinheiro e “legalizar” os charutos Dannemann produzidos na Europa e vendidos como puros brasileiros, mas que, de “made in Brazil”, possuíam apenas a matéria-prima. Observe-se agora o imbróglio em que ficou o nome Dannemann. Na Europa, por conta de Georg Koch, existiam várias empresas com o nome Dannemann, mas nenhuma produzindo diretamente os charutos. No Brasil, onde já existiam duas (a falida Companhia Brasileira de Charutos Dannemann e a Dannemann Exportadora de Fumos36) surgiu uma terceira, a Dancoin - Dannemann Comércio e Indústria de Fumos Ltda. No dia 14 de maio de 1962 foi formalizada pelo Banco do Brasil a transmissão oficial do direito de uso das 110 marcas leiloadas. A escritura de compra e venda foi lavrada no Tabelião Franklin Lins de Albuquerque Júnior, em Salvador, e as marcas registradas em nome da Dancoin no Departamento Nacional de Propriedade Industrial. Ainda em 1962, depois de uma ausência de sete anos, a Dancoin promoveu a reintrodução dos afamados charutos nas prateleiras das charutarias e tabacarias de todo o território brasileiro. Mas quem comprava Dannemann37 estava na verdade levando Suerdieck. Por exemplo, Dannemann Azul era Prima Dona. Explica-se: com o fechamento das fábricas Dannemann haviam desaparecido os livros do registro da composição da matéria-prima, detalhando a formulação de cada marca. Por isso, ficou impossível reproduzir os originais Dannemann, que foram substituídos por formulações da Suerdieck, em cujas fábricas, inicialmente na de Cachoeira, os charutos da Dancoin recebiam as etiquetas e as embalagens Dannemann. Enquanto isto, a Dannemann primitiva, mãe de todas as outras, continuava padecendo do abandono. Sem patrimônio, virtualmente extinta e sem nenhuma perspectiva de recuperação, o seu último presidente, Francisco Aragão, solicitou, 36 Como consequência da aquisição do nome Dannemann pelo Grupo Suerdieck, a Dannemann Exportadora de Fumos, controlada pela holandesa Exoten, teve a sua razão social alterada para Exotaco Exportadora de Fumos S.A. 37 Além das 70 marcas adquiridas no leilão, a Dancoin promoveu o registro de mais 45, perfazendo um total de 115 títulos de charutos.
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AS 45 NOVAS MARCAS DOS CHARUTOS DANNEMANN Aymorés
Dannemann Nº 10
Bahianos
Dannemann Nº 11
Bahianos Especiais
Dannemann Nº 12
Brasil Dannemann Bahianos
Dannemann Nº 13
Breves Excepcionais
Fancy Tales Nº 1
Breves Populares
Fancy Tales Nº 2
Cabeça Maior
Fancy Tales Nº 3
Cabeça Menor
Fiesta
Caçadores Excepcionais
Havana Média
Cetros Doble da Bahia Nº 1
Havana Mignon
Cetros Doble da Bahia Nº 2
Legítimos Maior
Cetros Doble da Bahia Nº 3
Legítimos Menor
Creme da Bahia
Máximo Nº 1
Dannemann Corona
Máximo Nº 2
Dannemann Nº 1
Máximo Nº 3
Dannemann Nº 2
Palmas da Bahia N° 1
Dannemann Nº 3
Palmas da Bahia N° 2
Dannemann Nº 4
Palmas da Bahia N° 3
Dannemann Nº 5
Perla da Bahia
Dannemann Nº 6
Típicos do Brasil
Dannemann Nº 7
Toureiro
Dannemann Nº 8
Valença
Dannemann Nº 9 Entre todos da linha Dannemann (títulos antigos e novos), os maiores charutos eram os das marcas Caçadores Excepcionais (200x20mm), Cetros Doble da Bahia Nº 1 (200x18) e Máximo Nº1 (200x16).
em 18 de abril de 1963, a baixa do registro na junta Comercial do Estado da Bahia. Quase três meses depois, a 12 de julho, inopinadamente, Mário Cravo S.A. Comercial e Agrícola, dizendo-se possuidor de 51% das ações da CBCD, recorreu para tornar sem efeito o ato do cancelamento. Como detentora das marcas Dannemann, a Dancoin entrou na questão, advogando a manutenção do cancelamento. O caso Dannemann transformou-se numa grande polêmica jurídica, envolvendo as partes e o governo do Estado da Bahia, a quem cabia a decisão de acatar ou não o recurso administrativo. Por fim, acolhendo parecer do secretário do Interior e Justiça, Jorge Calmon, o governador Antônio Lomanto Júnior autorizou a revalidação do registro na Junta Comercial, confirmada depois por decisão do Tribunal de Justiça da Bahia, em 27 de julho de 1965. A Companhia Brasileira de Charutos Dannemann voltou a existir legalmente.Mas era uma empresa sem sede, sem fábrica, sem marcas de charutos, sem empregados e sem capital, dona de absolutamente nada. A repentina entrada de Mário Cravo na questão surgiu por solicitação do grupo que fazia uso na Europa do nome
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Dannemann. Por isso, o exportador baiano de fumos lutou com unhas e dentes pela sobrevivência da empresa no papel, para posteriormente vendê-la a Georg Koch, que em 1964 colocou na presidência o advogado Mário da Fonseca Fernandes de Barros, conceituado professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. O suíço Karl Martim Bauder ficou sendo o outro diretor da CBCD. Oficialmente Koch era apenas procurador-geral da CBCD no exterior, mas era quem dava todas as cartas, lá e cá. Na Bahia a empresa dispunha somente de um pequeno escritório burocrático, localizado em Salvador, na Avenida Estados Unidos nº 25, sala 502 do Edifício União. Quando em 1963 chegaram à Alemanha os primeiros charutos da Dancoin, importados pela firma Gebr. Heinemann, de Hamburgo, a Companhia de Charutos Danemmann & Co. Hamburg, controlada por Georg Koch e Constantin von Oesterreich, interpôs um embargo judicial. Heinemann ficou proibida de ter charutos com a denominação Dannemann. A CCD/Hamburg alegou que os direitos da Dancoin sobre as marcas Dannemann se limitavam à exploração no Brasil. Argüiu que na Europa os direitos lhe pertenciam, por força de três contratos celebrados com a Dannemann/São Félix: 1. Contrato de cessão de uso e exploração, em caráter fiduciário e precariamente, firmado em Hamburgo, em 19.08.1938; 2. Alienação definitiva, decorrente dos contratos complementares números 1 e 2, também assinados em Hamburgo, respectivamente em 20.04.1954 e 16.12.1954. Através do advogado da Suerdieck na Alemanha, Robert Dyckerhoff, a Dancoin ingressou com uma ação em Hamburgo, pedindo a anulação dos registros feitos na Alemanha, por considerá-los caducos, com base nas convenções internacionais, que asseguravam prioridade ao titular dos registros no país de origem, conforme Convenção de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, realizada em 20 de março de 1883, da qual o Brasil foi signatário e cuja execução competia ao Bureau International de l´Union pour la Protection de la Propriété Industrielle, com sede em Berna, Suíça. A Dancoin perdeu a questão na primeira e segunda instâncias. Na Alemanha o leilão do Banco do Brasil não tinha nenhum valor, prevaleciam os contratos de 1938 e 1954. Impedida de colocar a linha Dannemann no território alemão, o Grupo Suerdieck tomou duas providências imediatas: a. Para salvaguardar seus interesses no mercado internacional, todas as marcas Dannemann foram registradas pela Dancoin nos Estados Unidos, Inglaterra e Argentina; b. Ajuizou em Salvador uma ação contra a CBCD, para: 1. Retirar o nome Dannemann da sua razão social; 2. Configurar como criminoso o Contrato Complementar Nº 2, de 16.12.1954, assinado em Hamburgo, eivado de irregularidades, comprovando práticas de falsidade ideológica: o contrato foi celebrado após as marcas Dannemann
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estarem hipotecadas ao Banco do Brasil, tendo a alienação sido uma fraude; o contato não foi traduzido para registro em cartório brasileiro, com o premeditado propósito de esconder o procedimento fraudulento; não houve convocação de uma assembléia geral para autorizar a celebração do contrato, conforme determinavam os estatutos da CBCD; o contrato foi assinado apenas por um diretor, num novo desrespeito aos estatutos da empresa, que exigiam a participação de dois diretores. A ação no tribunal baiano tinha por objetivo criar um grande embaraço moral e legal para Koch, com reflexos juntos aos seus franqueados. Perante os consumidores
Numa operação de câmbio para exportação de charutos, Geraldo Meyer Suerdieck assinou duas vezes, como gerente da Dancoin e como presidente da Gerdieck, controladora da empresa dona das marcas Dannemann. Pelo Banco Econômico da Bahia a assinatura foi do gerente Renan Baleeiro.
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europeus a Suerdieck poderia inclusive provar um engodo: os charutos Dannemann vendidos na Europa não eram fabricados no Brasil. Georg Koch tinha muito prestígio. Comentava-se que seria amigo do presidente da Volkswagen. Falava-se também que estaria articulando a construção na Bahia de uma grande fábrica de charutos com os incentivos fiscais para o Nordeste, via Sudene, canalizados pela Volkswagen do Brasil. O projeto não decolou, mas Koch conseguiu no Banco do Brasil um atestado da instituição declarando que nada tinha a se opor aos registros existentes no exterior. Enfim, o milionário suíço mostrou que possuía força no Brasil, demonstrando poder na manipulação dos canais do tráfico de influência, fazendo com que o banco passasse por cima do seu próprio leilão oficial. O que ninguém entendia, e nem sabia explicar, foi Georg Koch e Constantin von Oesterreich, signatários dos contratos de 1938 e 1954, terem deixado correr à revelia o leilão de 1961, não constituindo representante para tentar arrematar o lote do fundo de indústria e comércio da CBCD. O documento que Koch arrancou do banco estatal brasileiro complicou a situação da Dancoin no tribunal alemão de apelação. A causa estava definitivamente perdida, mas a novela jurídica continuava, agora com a Dancoin interpelando o Banco do Brasil e ameaçando acioná-lo na justiça, por perdas e danos internacionais. Koch também prometia retaliar, questionando na justiça americana a legalidade do registro das marcas Dannemann nos EUA, para onde a Dancoin já fazia grandes remessas de charutos. Por iniciativa de Koch, temeroso dos prejuízos à imagem do nome Dannemann na Europa, principalmente se a Suerdieck resolvesse dar ampla divulgação às querelas jurídicas, seus advogados propuseram que as divergências e Cartão de visita e assinatura. problemas fossem solucionados fora dos tribunais, numa mesa de negociações amigáveis, com concessões mútuas. Geraldo Suerdieck e Georg Koch chegaram a se encontrar na Alemanha, num hotel-cassino no balneário de Baden-Baden, na Floresta Negra. Enfim, cavalheirescamente e como bons empresários, decidiram que o mercado mundial deveria ser dividido, ficando Koch com a Europa e a Dancoin com o restante do mundo. Alinhavado em 1967, o acordo foi fechado com participação de quatro empresas Dannemann: CCD/Hamburg (Alemanha), CCD/Basel (Suíça) e CBCD (Brasil), pelo Grupo Koch, e Dancoin pelo Grupo Suerdieck. Eis os pontos básicos homologados pelos advogados alemães, suíços e brasileiros: 1. A Dancoin desistiu de recorrer da sentença do Tribunal Superior Hanseático de Hamburgo, proferida em 16 de fevereiro de 1967. 2. A Dancoin retirou a ação cominatória que movia contra a CBCD na Justiça Federal da Bahia. 3. A Dancoin excluiu o nome Companhia Brasileira de Charutos Dannemann da apresentação
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das marcas, gravado nas etiquetas leiloadas pelo Banco do Brasil. 4. A Dancoin suprimiu o nome Dannemann da sua razão social, passando a denominarse Dancoin Comércio e Indústria de Fumos Ltda. 5. A Dancoin reconheceu o direito da CBCD voltar a produzir charutos, desde que destinados exclusivamente à Europa, mercado cativo do Grupo Koch. 6. O direito de uso das marcas Dannemann pela Dacoin era irrevogável nas três Américas e nos países não-europeus. Caso não se fizesse presente nalgum deles, o Grupo Koch poderia entrar, sob licença e pagando royalties à Dancoin.
SEM PRODUÇÃO DURANTE 22 ANOS (1955-1977) Embora estivesse liberada a produzir charutos (para vender exclusivamente na Europa), a CBCD foi mantida por Georg Koch apenas como empresa de fachada (sem fábrica). Somente em 1977, com a razão social já sob controle do grupo suíço Burger Söhne, a CBCD voltaria a ser produtiva, com uma modesta fabricação em Muritiba, marco do nascimento de uma nova Dannemann. Transferida para Cruz das Almas, a fábrica foi depois levada para São Félix. Mas não ocupou as amplas instalações da unidade pioneira, edificada por Geraldo Dannemann em 1873 e ampliada em 1915, na Rua dos Artistas, atual João Severino da Luz Neto, na parte alta da cidade, no portal da antiga passagem para Muritiba. A nova fábrica teve como endereço um casarão com entrada principal pela Avenida Salvador Pinto, bem defronte ao Rio Paraguaçu. Antigo depósito do Armazém Providencial, famoso estabelecimento de secos e molhados, o imóvel adquirido pelo Grupo Burger recebeu a bênção inaugural em outubro de 1989, após uma completa restauração e ganhar uma nova fachada, imitando o padrão arquitetônico dos três armazéns de fumo que a antiga Dannemann possuía nesta mesma avenida. Além da fábrica de charutos, o belíssimo prédio abriga o Centro Cultural Dannemann, promotor de relevantes eventos artísticos.
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Capítulo
25
CRISES CUBANA E FAMILIAR
CRISES CUBANA E FAMILIAR
N
a escola européia predominavam os Retrospectiva 62 charutos do tipo mediano, no formato Na Carta de Informações de 1962, torpedo. Recebiam uma cuidadosa prensagem para editada pela Orgap – Organização e compactação da torcida e manter a boa apresentação Orientação Publicitária, que sob a forma de visual. Porém, os charutos preferidos pelos europeus um tablóide circulou encartada no jornal A Tarde, edição de 24 de janeiro de 1963, não conseguiram obter sucesso nos Estados Unidos, saiu o seguinte registro sobre a Suerdieck, cujo mercado foi amplamente dominado pelos charutos assinado por Antonio Carlos Tavares: É expressiva sua contribuição ao cubanos, donos de uma padronagem diferenciada. incremento das receitas cambiais Os cubanos eram longos, no formato linheiro, com do país, seja exportando charutos ou torcida mais densa e dispensavam a prensagem para se fumo em folhas. Em algumas cidades do Recôncavo, conservarem com visual perfeito. Como os americanos a Suerdieck desempenha o papel desenvolveram o hábito de morder a ponta, alguns de promotora do desenvolvimento regional, estimulando a cultura do fabricantes colocavam um reforço no bico, para agüentar fumo e dando emprego a milhares de às mordidas. No capeamento usavam folhas mais operários nas suas fábricas. resistentes, do 2° ou 3° corte da planta, enquanto os europeus eram capeados com folhas mais finas, pouco resistentes às mordiscadas do estilo americano de fumar. Os charutos de ponta da produção cubana, excelentes e caros, praticamente se transformaram num monopólio indestrutível dentro do mercado americano. Quando Fidel Castro desmontou o império econômico dos americanos em Cuba e os Estados Unidos romperam as relações diplomáticas, houve uma revoada dos industriais e técnicos em charutos, que foram buscar alternativas fora da ilha. Por trás de quase todos estavam os americanos do setor fumageiro. Em 1962, com a expulsão de Cuba da Organização dos Estados Americanos – OEA, e o conseqüente bloqueio econômico, os charutos cubanos foram impedidos de entrar na América. Geraldo Suerdieck vislumbrou então a oportunidade de suprir uma fatia do mercado aberto pela falta dos cubanos. Chegou a fazer várias viagens aos Estados Unidos, para articular negociações com os empresários do ramo importador e distribuidor. A preferência dos consumidores pelos produtos da escola cubana não seria uma barreira intransponível. Embora originária da escola européia, a Suerdieck havia se universalizado, era dona de uma completa linha de produção, com todos os tipos, bitolas e formatos, inclusive o linheiro, típico dos cubanos. Entre seus charutos da classe nobre figuravam os padrões Corona e Panatela, muito apreciados na América. Adicionalmente, com apelo mercadológico, a Suerdieck possuía treze marcas com forte identificação cubana: Ouro de Cuba, Regalia Cubana e as onze da série Havana.
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01 - Havana Especial
A dificuldade estaria nas diferenças entre os fumos do 03 - Havana Flor Brasil e de Cuba, ambos de qualidade superior, mas cada 04 - Havana Pequena Flor qual com características particulares, bem definidas. As capas 05 - Havana Extra dos cubanos eram claras, numa tonalidade variável entre o 06 - Havana Finos castanho-claro e o amarelado, enquanto que os brasileiros de 07 - Havana Médios capa clara puxavam para o acinzentado. No paladar também 08 - Havana Políticos existia um diferencial. Os cubanos eram mais adocicados, já 09 - Havana Puros os brasileiros apresentavam-se mais fortes no aroma. Mas por 10 - Havana Supremo serem mais leves e digestivos, talvez a Suerdieck encontrasse 11 - Havana Supremo Luxo nesses dois fatores uma boa vantagem para cair no gosto dos americanos adeptos dos cubanos. Todavia, as imposições dos controladores das grandes redes de distribuição no varejo foram tão leoninas – exigindo inclusive o pagamento mensal de 40 dólares por cada caixa exposta nas vitrines das tabacarias38 – que acabaram levando a Suerdieck a desistir de entrar no segmento tradicionalmente dominado pelos cubanos. Havia até uma má-vontade histórica: a taxação alfandegária para charutos do Brasil era de US$ 1.92 por libra-peso e 10, 5% “ad valorem”, ao passo que o produto cubano era de US$ 1.27 e 8,5 %, respectivamente. Ernesto Para colocar a sua linha top no mercado da clientela sofisticada, a Suerdieck teria ainda de efetuar investimentos vultosos em propaganda e promoções. Como não havia nenhuma g a ra nt i a d e q u e o bloqueio econômico s e r i a e fe t i va m e nte duradouro, Geraldo preferiu não arriscar, receoso de que, numa eventual suspensão das sanções comerciais, os americanos retornasGeraldo no gabinete de trabalho do Edifício Suerdieck. Nesta fase, já na faixa dos sem imediatamente aos 40 anos de idade, as mulheres diziam que seus traços fisionômicos lembravam William Holden, galã de Hollywood. cubanos (a produção foi estatizada por Fidel 02 - Havana Especial Luxo
38 A Suerdieck nunca havia comprado vitrine, nem no Brasil nem na Europa. Geraldo teve a desconfiança de que as exigências faziam parte de um jogo comercial para impedir a difusão dos bons charutos brasileiros, salvaguardando o espaço deixados pelos charutos de Cuba para os “novos-cubanos” da produção que estava sendo organizada nos países do Caribe e até no território americano, na Flórida.
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Castro), donos legítimos e incontestáveis da preferência dos consumidores. À vista da complexidade do momento e das incertezas futuras, com dois tipos de charutos cubanos (os produzidos na ilha e os que já estavam sendo fabricados fora de Cuba, com os mesmos nomes de marcas), a Suerdieck não quis entrar na disputa por uma parte do mercado nobre, uma faixa toda especial nos Estados Unidos. Optou e priorizou seus esforços para o segmento dos charutos intermediários, onde já vinha alferindo resultados considerados satisfatórios. Os charutos baianos, produzidos com fumo 100% puro, o que não acontecia com a maioria das marcas de fabricantes concorrentes neste espaço, estavam vendendo bem. Com preços vantajosos, graças à política de incentivos adotada pelo governo brasileiro, que isentou as exportações do pagamento do IPI, a Suerdieck conseguiu dobrar nos Estados Unidos as vendas dos intermediários. Através de dois novos agentes, Pan American Cigar (linha Suerdieck) e ALL-Tropic Cigar (linha Dannemann), as vendas anuais passaram de 3 para 6 milhões de charutos. Numa das viagens, ao tomar um táxi em Nova Iorque, Geraldo viu uma caixa de Odalisca, uma das marcas intermediárias da Suerdieck. Puxou conversa, perguntando ao motorista: — O senhor é fumante de charutos? — Sim! — E são bons os charutos desta caixa? — Bons e baratos. Agora só compro esta marca! DIFERENÇAS BÁSICAS CHARUTOS CUBANOS
CHARUTOS BAIANOS
- Ao gosto dos americanos - Formatos longos - Capa clara - Torcida mais densa - Fumo mais forte - Digestão mais pesada - Gosto puxado ao adocicado - Aroma suave
- Ao gosto dos europeus - Predominância dos médios - Capa escura - Torcida menos compacta - Fumo mais suave - Digestão mais leve - Sabor mais picante - Aroma mais forte
Fumante americano
Fumante europeu
Introduz na boca de 2 a3 centímetros e morde a ponta. Os charutos são duros, com torcida compactada.
Não morde o charuto, que é mais macio em relação aos do padrão cubano, pois contém menos fumo.
O ano de 1962 foi assinalado também pala candidatura de Nicolau Suerdieck a deputado estadual, pelo Partido Democrata Cristão – PDC, empunhando como reduto eleitoral a bandeira de Maragogipe. Aí, surgiu um desentendimento com o irmão mais velho, que não permitiu o uso da máquina do império Suerdieck. Por herança do pai, que dizia que “política e trabalho não se combinam”, Geraldo seguia
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a linha rígida de manter as empresas à margem de qualquer envolvimento político. Havia inclusive uma circular padrão, sempre emitida nos anos eleitorais. CIRCULAR REF.: ELEIÇÕES Prezados (as) Senhores (as), Por tradição, a nossa Sociedade não tem cor ideológica, nem partidos ou candidatos. Porém, confia que o vasto contingente de pessoas - que depende do progresso da indústria charuteira - saiba realmente escolher os homens certos, com capacidade de levar a Pátria a um caminho de prosperidade e segurança social. Assim, pedimos tão somente que todos examinem, com bastante cuidado e responsabilidade, os nomes dos candidatos que irão merecer a confiança dos votos da classe trabalhadora. Informamos ainda que responsabilizaremos pessoalmente os dirigentes, chefes e auxiliares que, por ventura, promoverem campanhas ou atos políticos nos recintos das fábricas, ou noutros estabelecimentos ligados aos nossos interesses empresariais. Dentro dos locais de trabalho exigimos total neutralidade. Atenciosamente, Geraldo Mayer Suerdieck Presidente
Detentora de um poder quase feudal em Maragogipe, caso fosse participar da sua vida política a Suerdieck elegeria todos os prefeitos, um após o outro, pois sua influência estaria acima de qualquer partido político. Juntando a força do operariado das empresas, elegeria também um deputado estadual e quiçá um federal. Mas, o Grupo Suerdieck nunca fez isto, sempre se manteve neutro e eqüidistante dos processos eleitorais, deixando seus empregados totalmente livres, de qualquer tipo de pressão, para votarem nos candidatos que desejassem. E no cumprimento deste preceito habitual, na porta das três fábricas havia uma placa famosa: É proibido falar ou tratar de política dentro do recinto fabril.
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Nicolau não conseguiu se eleger e jogou a culpa no irmão, abalando as relações entre ambos, que já andavam um pouco azedadas39. A origem tinha sido a preferência de Geraldo pelo caçula, Fernando, que respondia pela presidência durante suas viagens. Nicolau, o segundo na hierarquia etária, não escondia o ciúme da rejeição. O presidente justificava a escolha como opção técnica, pois Fernando demonstrava melhor capacitação profissional. Era voz corrente que se a família quisesse ter um deputado estadual, a escolha deveria recair em Fernando Suerdieck, o único dos irmãos com três qualidades fundamentais no meio político: jogo de cintura, simpatia e carisma popular, sendo inclusive muito querido na região fumageira. Ademais, como era bem articulado na Associação Comercial da Bahia e na Federação das Indústrias do Estado da Bahia, poderia obter importantes apoios das classes patronais. A eleição de Fernando seria fácil, favas contadas.
À vista do público e das famílias Suerdieck e Ribeiro, Geraldo e Aída formavam um par perfeito, invejado até por outros casais, quer pela jovialidade como pela posição social. Ambos mantinham suas divergências sob segredo e, por isso, às vésperas das “bodas de porcelana”, quando circulou a informação da dissolução do casamento, a notícia ecoou como uma bomba, deixando os familiares e amigos incrédulos. Mas, o que chocou mais ainda foi a confirmação do novo casamento de Geraldo, um mês depois. Em que pese o seu prestígio e poder econômico, uma significativa parcela da elite soteropolitana, fechada Aída, Geraldo, Julinha e Fernando Suerdieck. e conservadora, virou-lhe as costas. Geraldo havia enviado cartões aos amigos da sociedade, participando o casamento no exterior. O único que respondeu foi Mário da Fonseca Fernandes de Barros. Sofrendo sutis discriminações, e sentindo-se sem ambiente, Geraldo pediu para sair do Rotary Clube da Bahia, onde havia ingressado com toda pompa, em 6 de novembro de 1952. Na verdade houve repulsa da sociedade ao segundo casamento. Muitos casais ficaram solidários com Aída, cuja família gozava de tradição social, uma vez que seu pai, Antônio da Costa Ribeiro, tinha sido um dos fundadores do Clube Baiano de Tênis, o mais aristocrático de Salvador, pólo da fina flor social. 39 Azedaram de vez mais tarde,com um novo ingrediente político no cardápio. Nicolau monitorou uma campanha contra o gerente da fábrica de Maragogipe, acusando-o de estar disseminado, na surdina, política partidária entre o operariado. Para o lugar de Raimundo Eloy de Almeida, o gerente afastado, o próprio Nicolau se candidatou. Tempos depois, Geraldo teve informações e a certeza de que o novo gerente também estava contrariando as normas antipolíticas. Para provar que “o pau que deu em Chico também batia em Francisco”, o presidente agiu com rigor exemplar, afastando o irmão da fábrica.
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Voltaire Fraga Ralf Kircher
A partir da esquerda: Antônio e Alice (pais de Aída), Aída e a filha Solange, Tibúrcia e o filho Geraldo. Agosto de 1958.
Desenvolta, comunicativa e muito bem-relacionada, Aída havia dado, antes mesmo da separação, uma pista de que o casamento agonizava, mas ninguém percebeu o alcance da decisão. Abruptamente, abandonou o nome de casada, Aída Maria Ribeiro Suerdieck, passando a assinar Aída Maria Ribeiro, ou simplesmente Aída Ribeiro40. Geraldo e Aída no Rio de Janeiro, em 1952, num evento em homenagem ao casal Kurt e Hildegard Stumm, à direita.
Fomos muito felizes durante longos anos. A falta de francos entendimentos, necessários a qualquer casamento, levaram-nos à separação afetiva e legal.
Geraldo Meyer Suerdieck
Em 1962, com o casamento já em vias do desquite, Geraldo investigou a situação conjugal de Maryon. O resultado encheu-lhe de entusiasmo e esperanças. A namorada dos tempos da Alemanha havia se divorciado do americano e se encontrava residindo 40 Geraldo e Aída separaram-se oficialmente em novembro de 1962. Três meses antes, no dia 8 de agosto, juntamente com Maria Augusta de Oliva Morgenroth e Mariá Menezes Silva, Aída Ribeiro fundou, com 280 alunas, a Escola de Ballet do Teatro Castro Alves – Ebateca. Foi a primeira escola de balé clássico da Bahia e do Nordeste com formação acadêmica, sendo também a primeira da América do Sul a aplicar o método da Royal Academy of Dancing, de Londres.
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na Cidade do México, onde abrira uma escola de balé. Não perdeu tempo, pediu que Else Niemann fizesse uma sondagem e agendasse um encontro entre ambos. Maryon sinalizou positivamente, mas preferia revê -lo na Alemanha, em dezembro, quando iria visitar o túmulo do pai. Finalmente, após vinte e três anos, quando teve de fugir da Alemanha, por causa do perigo da guerra iminente, Geraldo reencontrar-se-ia com o grande amor da juventude, e justo em Hamburgo, onde tudo havia começado. A espera seria de quatro meses, quatro longos meses, para o tão sonhado momento, que certamente seria celebrado na cervejaria Zillertal e, com sorte, com chope servido pela garçonete Cilly, testemunha do namoro iniciado no primeiro dia de 1938. Porém, neste ínterim, quis o destino, sempre o destino, reservar nova surpresa. Desta vez não foi a ameaça da eclosão de uma guerra, mas a explosão recorte de jornal dos EUA, enviado por Maryon à Else Niemann, e do coração. Geraldo foi tomado Este que acabou nas mãos de Geraldo, deixou-o com uma imensa vontade de uma súbita e arrebatadora de reencontrar a ex-noiva. paixão por uma outra alemã, dezoito anos mais jovem do que ele. Resultado, quando chegou dezembro, ao invés de comprar passagem para a Alemanha, onde Mayron novamente o aguardava, a viagem foi para Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, onde se casou com Gisela Huch.
Autógrafo de Maryon na primeira página de um romance escrito por Lo Marx-Lindner e publicado em 1935, pela Verlag Dr. Selle-Eysley AG, de Berlim. A obra é uma premonição do que aconteceria com ela. O título, traduzido por Geraldo, é Coração Cor de Lacre.
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O VERANEIO NA CHÁCARA SUERDIECK Ambiente de fazenda.
Vista da casa.
O leão ornamental, atrás de Solange Suerdieck, segurando o símbolo do império charuteiro.
A piscina.
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Capítulo
D
26
GISELA E NEUSA
GISELA E NEUSA
e família católica, nascida em Hannover, Gisela Hedwig Franziska Huch era uma moça carismática, bonita e muito inteligente, que gostava de jogar tênis e tocar piano. Falava com fluência o inglês e o holandês, este último aprendido em Roterdã, onde foi trabalhar. No grupo N.V. Koch & Co’s Tabakshandel, sócio na Exportadora de Fumos Suerdieck e na construção do Edifício Suerdieck, Gisela destacou-se de tal forma que foi enviada para assumir em Salvador o cargo de secretária na diretoria da Exportadora. Chegou em outubro de 1958, mês em que completou 22 anos. Apesar de jovem, demonstrava amadurecimento precoce, forjado na infância sofrida, nas dificuldades da II Guerra e no pós-guerra numa Alemanha arrasada. No retorno da lua-de-mel, Geraldo ofereceu uma requintada recepção na Chácara Suerdieck, em Brotas, onde passou a residir. A festa, para apresentação da nova esposa, foi um sucesso em termos de público. Gisela, a figura central, brilhou como se fosse uma grande estrela do cinema. Impressionou a todos pelo porte físico, pela simpatia, pelo desembaraço e pela elegância. A festa serviu também para jogar Geraldo definitivamente numa outra fase de sua vida social, de rompimento com os laços do passado, pois nenhum dos casais da alta sociedade soteropolitana atendeu aos convites. Compareceram, em grande número, apenas as pessoas que mantinham vínculos comerciais e financeiros com o Grupo Suerdieck. Com Gisela, Geraldo passou a viajar com muita freqüência pela Europa, mesclando negócios com turismo. Para os deslocamentos, o casal comprou um luxuoso automóvel Mercedes Benz. Das inúmeras viagens profissionais, a mais marcante foi a da Alemanha Oriental, onde os Geraldo e Gisela no escritório da Suerdieck, em 1964. dois foram fechar a compra de um equipamento industrial, com pagamento em fardos de fumo. Ao atravessarem o Muro de Berlim, os policiais da zona comunista retiveram os documentos e o
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dinheiro do casal, que teve como guia a intermediária nos contatos. Os Suerdieck participaram de uma reunião com um comitê governamental, composto de um comissário político, um integrante do ministério da alimentação e um representante da indústria d e f u m o s. A s u r p re s a q u e tiveram aconteceu no intervalo das negociações, quando os membros do comitê se retiraram, deixando Geraldo e Gisela a sós. Aí, surpreendentemente, a cicerone, uma berlinense oriental, passou discretamente um bilhete, pedido para não decidirem nada em voz alta, que se entendessem por escrito. Havia microfones, a conversa toda seria ouvida pelo comitê reunido na sala ao lado. Da mesma forma que a paixão explodiu, de maneira rápida e Geraldo e Gisela, na primeira foto com os filhos, Gisela Elisabeth (Gisinha) e Geraldo Andreas (Dino), nascidos em Hamburgo, a 4 inesperada, o casamento também de julho de 1966. acabou. Passada a fase da euforia romântica, Geraldo deixou de alimentar o principal desejo de Gisela, que além de esposa era o braço direito do presidente nas questões internacionais. Ela não abria mão de continuar na vida dividida entre o Brasil e a Alemanha, onde comprara uma casa na Brentanostrasse 11, no elegante bairro de Hochkamp, em Hamburgo. Julgando que a esposa sonhava muito alto, sem levar em conta que a presença do marido no Brasil era indispensável, em caráter permanente, Geraldo decidiu por um ditado alemão: “É preferível um fim com choque, que um choque (sofrimento) sem-fim”. Aos amigos Kurt Stumm e Erico Esch, da Casa Condor Importadora, do Rio de Janeiro, Geraldo deu a seguinte explicação, por carta: Em comum acordo, sem nenhum problema, resolvemos separar-nos como casal, já que tínhamos constantes aborrecimentos, principalmente eu, que amargurava as irritações pelo modo muito autoritário e independente da Gisela. Tentamos, inúmeras vezes, já pela existência dos gêmeos, que as coisas pudessem se acomodar. Continuamos bons amigos e ela se dedica, cada vez mais, aos negócios em comum na Europa. Foi melhor assim, para todos.
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O casamento durou quatro anos e nove meses. Em Salvador o casal residiu em Brotas, na casa de veraneio dos tempos de Aída. Como a segunda esposa gostava do mar, Geraldo comprou uma lancha Carbrasmar de dois motores, registrada com o nome Peixe Espada, que foi utilizada em diversos passeios pela Baía de Todos os Santos. O marido mandou também construir um nova casa de veraneio, à beira-mar, em Morro de São Paulo, na ilha de Tinharé. Mas Gisela não chegou a usufruir do paradisíaco recanto, esteve lá uma única vez, na fase das obras. A separação foi amigável, tendo Gisela adquirido o direito de continuar usando o À esquerda a casa que Geraldo construiu em Morro de São Paulo. sobrenome Suerdieck e a permanecer na Europa como procuradora das organizações Suerdieck e como administradora das empresas na Alemanha e Suíça. AS EMPRESAS NA EUROPA Numa sociedade com Burger Söhne GmbH & Co. KG, para comercialização na Europa de charutos mecanizados produzidos nas fábricas de Burger, utilizando fumos fornecidos pela Suerdieck S.A. e ostentando marcas da Suerdieck, foram criadas na Alemanha, em agosto de 1962, duas empresas: 1. Suerdieck Charutos e Cigarrilhos GmbH, com sede em Freiburg, Breisgau. 2. Suerdieck Charutos e Cigarrilhos GmbH & Co.KG, com sede em Emmendingen, Baden. Em sociedade com A.Dürr & Co. AG, antigo representante da Suerdieck na Suíça, foi criada em janeiro de 1963 a Surta AG, com sede em Zurique, Suíça. A empresa assumiu o controle da distribuição na Europa de todos os charutos produzidos no Brasil pela Suerdieck. Para usufruir dos benefícios proporcionados pelo porto livre de Hamburgo, foi criada em agosto de 1969 a Suerdieck GmbH, com sede em Hamburgo e sem a participação de qualquer sócio europeu. O surgimento desta empresa implicou na paulatina desativação da Surta, pois o depósito de Zurique foi transferido para o porto hamburguês.
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GISELA Geraldo Suerdieck
Geraldo Suerdieck
Num recanto da Riviera francesa.
A GISELA QUE CONHECI Sobressaía-se pela imponência, do porte físico e da beleza facial. Loira e esguia, olhar magnético e fascinador.
Na Chácara Suerdieck.
Mas se impôs no trabalho pela inteligência e competência. Tinha presença firme e marcante, com grande poder de liderança. Sem esconder o perfil de mandona, sabia ser cativante e simpática. Gilberto Fontes de Lacerda Colega na Exportadora Suerdieck
Com Gisinha.
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Com os filhos.
Desfeito o casamento, Geraldo teve um romance relâmpago com uma jovem executiva de uma importante empresa de Salvador. Com ela passou um grande aperto. Numa tarde ensolarada, do calorento verão de 1968, foram passear na orla marítima, donde, depois de beberem água de coco na beira da praia, seguiram para um local deserto, junto ao campo do Esporte Clube Bahia. Após uma ardente sessão de abraços e beijos, partiram para as vias de fato, no banco traseiro do automóvel. Um larápio, que espreitava à distância, aproveitou-se do instante do clímax carnal para surrupiar todos os pertences, deixando os dois literalmente pelados. Durante uns quinze minutos, Geraldo permaneceu parvo, paralisado, sem saber o que fazer para sair daquela situação constrangedora. Momento como aquele somente tinha experimentado há vinte e nove anos, na Alemanha, durante uma excursão pelo Rio Reno, com Maryon. Encontravam-se dentro d’água quanto, repentinamente, apareceu um sisudo guarda segurando as roupas deles e informando que era proibido tomar banho nu e fazer o que estavam fazendo. A diferença era que, naquela ocasião, os protagonistas eram dois jovens desconhecidos, mas agora a situação era bem diferente, envolvia pessoas importantes no meio empresarial, principalmente ele, industrial famoso, com quase cinqüenta anos de idade. Não havia solução, teriam que circular pelas ruas nus dentro do carro. Por isso, decidiram esperar pela noite alta, para minimizar o vexame. Porém, ao entardecer, ocorreu a Geraldo a idéia de fazer o reconhecimento da área em redor. Após uma caminhada de uns cem metros, em que se fundiram temor e vergonha, ele avistou um trouxa junto duma moita. Vibrou de alívio ao constatar serem as roupas do casal, abandonadas pelo ladrão, que, para
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a felicidade de ambos, levou apenas os documentos e dinheiro, além dos brincos, óculos e um colar da moça. No outro dia Geraldo presenteou-a com novos adornos. Os dois casamentos desfeitos, num período de cinco anos incompletos, custaram a Geraldo 75% do patrimônio pessoal4 1. Novamente livre e desimpedido, reconhecendo erros e acertos nas relações anteriores, resolveu, aos 49 anos, casarse pela terceira vez, na tentativa de encontrar na nova companheira um amor correspondido e sincero. A eleita foi uma colaboradora das mais próximas, Neusa Pinto Cerqueira, que trabalhava no departamento de controle econômico, ligado diretamente à presidência. Gerenciado por Joseph Hoecherl, este setor, o “coração da empresa”, conforme classificação do presidente, tinha entre suas atribuições a determinação do pricing dos produtos, ou seja, o custo de cada marca de charuto, através de uma planilha dos encargos financeiros, fixos e variáveis, incidentes na formulação dos fumos, na fabricação, no acabamento, no despacho, na mão-de-obra e com os impostos. Depois de conhecido o pricing, aplicava-se a chave determinadora do lucro e dos preços para distribuidores e consumidores. A Suerdieck controlava o preço nacional por meio de tabelas enviadas para todos os pontos de vendas. Com isso, defendia o consumidor contra possíveis varejistas inescrupulosos. Havia inclusive um sistema de fiscalização nas principais praças do território brasileiro. Neusa provinha de uma tradicional família de Conceição do Almeida, município da zona fumageira baiana. Através da irmã, Ruth, casada com Wolfgang Suerdieck, ingressou na empresa em abril de 1959, aos 22 anos de idade, para trabalhar como auxiliar de escritório, no departamento de pessoal, acionistas e seguros. Com 1,58 de altura, magra e aloirada, comunicativa e irrequieta, nutria uma verdadeira adoração por Geraldo. Vivia afirmando às colegas que o seu maior sonho, a realização da sua vida, era se casar com o presidente. Mas não imaginava que este desejo pudesse realmente ser materializado. Afinal, o ídolo estava casado com Aída e quando houve a separação entrou imediatamente num novo casamento. Com a experiência de dois matrimônios, Geraldo adotou com Neusa o “jogo do amor”. Toda noite, já em trajes menores, o casal participava de uma partida de tranca, um jogo de cartas onde se convencionou que o perdedor tomaria a iniciativa de afagar carinhosamente o vencedor. O que parecia uma brincadeira tinha no fundo um caráter conciliador e romântico, desanuviando os aborrecimentos que por ventura existissem. O jogo deu certo, contribuindo para uma convivência mais harmoniosa. Evitava que as tensões do dia-a-dia fizessem morada no quarto do casal. Enfim, todo e qualquer desentendimento, tão comum na vida conjugal, era sepultado pela tranca. 41 Na partilha dos bens com a primeira esposa, a casa da Graça, num dos endereços mais nobres da cidade, na Rua Manoel Barreto 18, esquina com Antônio Rocha, ficou com Aída, que a vendeu ao banqueiro Asdrúbal Pedreira Brandão. Projetada na concepção das missões mexicanas, desfrutava do conceito de ser uma das mansões residenciais mais requintadas de Salvador. Tudo de primeiríssima qualidade, utilizando materiais das melhores procedências, com mármores e vitrais importados, alizares, caixilharias, janelas e portas em jacarandá maciço. Os gradis de segurança e ornamentais foram confeccionados no Rio de Janeiro, com ferro rebatido e trabalhado no estilo medieval. O mobiliário era também sofisticado: móveis em jacarandá nobre, louças, pratarias e cristais de renomados fabricantes. Enfim, bom gosto e luxo à altura da posição econômica e social do casal Suerdieck.
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Capítulo
Q
27
PREOCUPAÇÕES
PREOCUPAÇÕES
uando começou a trabalhar com o pai, Geraldo propôs a compra de uma chácara que se encontrava à venda no valorizado bairro da Graça, para transformá-la num loteamento. Seria o ingresso da Suerdieck no ramo imobiliário, uma atividade ainda bastante tímida em Salvador. O patriarca não concordou, dizendo que os negócios da família deveriam sempre ficar restritos ao âmbito do fumo e do charuto. Tempos depois, nova investida, desta feita propondo o ingresso na indústria de cigarros. Aproveitando a rede nacional de distribuição de charutos, a Suerdieck poderia levar substancial vantagem sobre a concorrência, na época bem diversificada e regionalizada, ainda sem o domínio predador da Souza Cruz. Novamente Gerhard descartou o empreendimento, com o seguinte argumento: — Cigarro não é indústria do capital trabalho! Geraldo sabia o significado desta colocação. Referia-se ao que estava acontecendo nos países desenvolvidos, onde a indústria cigarreira caía no controle dos monopólios formados pelo capitalismo internacional, ao qual o capital comercial dos pequenos grupos nacionais não podia resistir. Gerhard previa que este fenômeno não tardaria a aportar com força no Brasil, decretando o fechamento de dezenas de fábricas de cigarros. Por isso, desaprovava investimentos neste segmento do fumo. Depois, nos últimos meses de vida, numa visão futurista, confidenciou ao sucessor: — Crescemos muito, acho que está na hora de sairmos deste negócio de charutos! No entanto, jovem e dotado de uma força de trabalho incomum, Geraldo não temia o gigantismo. Inclusive, iria priorizar a formação de um conglomerado empresarial para dar suporte e consolidar o império dos charutos. Faria investidas até no setor financeiro, tornando a Suerdieck acionista de peso no Banco Comercial da Bahia, onde era representada no quadro diretivo por Fernando Suerdieck. Como também possuía significativa participação no Banco Mercantil Sergipense, Fernando foi o inspirador da fusão entre os dois estabelecimentos, dando origem ao Banco Comercial do Nordeste, com sede em Salvador e 42 agências distribuídas por nove estados: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Maranhão, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Fernando ficou como vice-presidente da Diretoria e Geraldo como membro do Conselho Diretor. Mas, antes da investida na área financeira, Geraldo passou por um instante de profunda preocupação. No segundo domingo de agosto de 1955 encontrava-se na Fonte Nova quando recebeu a notícia do fechamento da Costa Penna, a mais
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antiga fábrica de charutos em funcionamento, com 104 anos de produção. Com a péssima informação, que o levou a perder o interesse pelo jogo entre Vitória e Bahia, foi para casa pensando na crise que se abatera sobre duas importantes indústrias, pois três meses antes a Dannemann também havia encerrado definitivamente suas atividades. Dos três grandes produtores de charutos restava apenas a Suerdieck. Embora estivesse num momento de pujança, em excelente situação econômicofinanceira, o presidente receava os reflexos das desconfianças que naturalmente brotariam entre fornecedores, clientes e, principalmente, no setor bancário. Ele sabia dos boatos que emergeriam e das indagações especulativas, tais como: — E a Suerdieck, como vai de saúde? — A Suerdieck vai agüentar até quando?
As falências da Dannemann e Costa Penna, respectivamente em abril e agosto de 1955, lançaram um facho de luz duvidosa sobre o futuro da Suerdieck.
Geraldo Meyer Suerdieck.
Estudos da Suerdieck indicavam que a configuração dos consumidores brasileiros de charutos estava assentada no seguinte perfil: a. Fumantes da Classe A (alta).................................... 10% b. Fumantes da Classe B (média)............................... 60% c. Fumantes da Classe C (proletária)........................ 30% Para atender esta estratificação, a Suerdieck produzia seis linhas de charutos, duas para cada classe social, a saber: a. Nobre e Alta para........................................................... Classe A b. Intermediária Alta e Intermediária para ............... Classe B c. Popular I e Popular II para........................................... Classe C
Cenas como esta, em que pessoas aparecem fumando charutos, foram ficando raras. A foto, de 1952, foi feita num sítio em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Até dez anos depois, era comum em festas de aniversários ou confraternizações, em ambientes fechados ou abertos, os anfitriões deixarem caixas abertas para os convivas se servirem e fumar charutos. Fazia parte da etiqueta do bem-receber.
Esta segmentação pelo poder aquisitivo permaneceu praticamente imutável durante décadas. As mudanças observadas nos hábitos dos consumidores foram mínimas, sem impactos nos percentuais de cada classe. As pequenas alterações representavam casos de ascensão social, daqueles que conseguiam melhorias no padrão de vida, de fumantes que pulavam da Classe C para B e desta para A, mas sem muita representatividade nos índices do perfil econômico. A partir da inauguração do Edifício Suerdieck, símbolo visual do império
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MARCHA DA INFLAÇÃO ANO
%
1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966
24,9 6,6 36,3 39,5 30,6 48,0 50,9 82,0 91,8 34,6 38,8
Fonte: Banco Central do Brasil/FGV
Um pescador de Salvador no hábito diário de fumar charutos populares, facilmente encontrados em qualquer armazém ou botequim de esquina de rua. A foto é de 1953.
charuteiro, a economia brasileira começaria a sofrer profundas transformações, que iriam influir no futuro da empresa. No período entre 1956 e 1966 seria selada a sorte da Suerdieck como indústria do capital trabalho. A marcha da inflação foi determinante no paulatino empobrecimento das classes B e C, que sustentavam 90% do consumo nacional de charutos. Aliado a este fator, responsável pela queda nas vendas, ocorriam, paralelamente, os seguintes fenômenos: 1. Os charutos ficavam cada vez mais caros, comprimindo a faixa consumidora; 2. O perfil do fumante de charutos no país era de homens de uma faixa etária acima dos 40 anos, já havendo até uma sentença: “Para cada fumante da terceira idade que falecia não havia substituto”. Portanto, sem renovação, a clientela de charutos minguava; 3. Os jovens aderiam ao cigarro, um produto barato, mais barato do que os charutos populares; 4. As críticas cada vez mais intensas contra os charutos, nos recintos públicos e privados, começaram a inibir os fumantes tradicionais. Até em casa os charutófilos começaram a ser perseguidos. Esposas e filhas combatiam o charuto, reclamando do cheiro ativo e da cinza que caía nos tapetes, poltronas, etc. Em 1964 o quadro das exportações encontrava-se numa fase ascendente, com grandes embarques de charutos para Argentina, Estados Unidos, Canadá, África do Sul e Europa. Situação inversa vivia o mercado interno, onde as vendas das marcas básicas caíam em todos os estados, com exceção apenas do Maranhão. O retrospecto, a partir de 1960, mostrava um vertiginoso declínio no consumo, atingindo um patamar assustador. Pela primeira vez na história da empresa, em tempos de paz mundial, a Suerdieck via nuvens negras aproximarem para colocar em xeque o seu futuro. Para enfrentar a ameaça, pois o mercado nacional era o sustentáculo principal, o presidente promoveu, no segundo semestre de 1964, uma reunião com dez executivos. Debaixo do maior sigilo, o problema foi discutido e a todos solicitou a apresentação de um parecer individual acompanhado com sugestões que iriam subsidiar a elaboração de
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um plano emergencial visando a recuperação das vendas nacionais, já a partir de 1965. Tudo foi analisado nos mínimos detalhes: custos de produção, estatísticas regionais, logística de comercialização, custos dos charutos para os consumidores, perfil dos fumantes, principais marcas, promoções, publicidade, etc. Geraldo Meyer Suerdieck discursando no Rio de Janeiro, na abertura do coquetel Com relação ao item oferecido pela Suerdieck à imprensa, para apresentação dos charutos das seleções publicidade, chegou-se Ouro, Prata e Rubi, numa campanha de marketing desenvolvida pela McCann Erickson, em 1961. à conclusão que o alto investimento feito em 1961/62, numa campanha nacional preparada pela McCann Erickson, não havia dado o retorno esperado. Tinha sido inócuo o marketing da promoção dos charutos em três categorias: Seleção Ouro, Seleção Prata e Seleção Rubi. Mas a agência, num informe confidencial, assinado por Ildefonso de Paula Carvalho, levou ao conhecimento de Geraldo um diagnóstico de pesquisa: “O que se observa é que não há crença no futuro do charuto, no Brasil”. O grupo de executivos da Suerdieck analisou tudo, especulou até sobre a qualidade dos charutos, tendo sido questionada a introdução do fumo Arapiraca, cultivado em Alagoas, que alterou o gosto original de algumas marcas consagradas, fator que estaria disseminando uma imagem de quebra na qualidade dos produtos. Enfim, tudo foi passado a limpo, para, no final, o presidente deliberar sobre os caminhos a serem seguidos: 1. Importação de máquinas para elevação da produtividade dos charutos que pudessem ser vendidos a preços populares; 2. Redução do número de marcas de charutos, mas conservando-se as preferências regionais; 3. Incentivo à aposentadoria dos que já tivessem tempo de serviço para tal benefício; 4. Redução, ao máximo possível, do número de operários do sexo feminino, cujo custo era superior ao da mão-de-obra masculina; 5. Desativação paulatina da fábrica de Cachoeira, para, num prazo de dois anos, operar exclusivamente como depósito de beneficiamento de fumos destinados às unidades fabris de Maragogipe e Cruz das Almas. Mas o fato mais relevante foi a decisão de entrar forte no mercado das cigarrilhas,
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na suposição de que este segmento seria o passaporte para os jovens serem atraídos para os charutos. Para viabilizar as cigarrilhas, cujo processo produtivo assemelhavase ao dos cigarros, a Suerdieck já havia inclusive adquirido, em 1961, e levado para Cruz das Almas, o maquinário de uma pequena fábrica localizada em Minas Gerais, na cidade de Astolfo Dutra, pertencente à Indústria de Fumos e Cigarros Plínio Linhares Ltda. DIRIGENTES ENVOLVIDOS NO TRABALHO Geraldo Meyer Suerdieck.................................. fumante de charuto Fernando Meyer Suerdieck...............................
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Antonio Eloy da Silva..........................................
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Herbert Stern.........................................................
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Lourival Vivas.........................................................
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Luiz Schroeder*..................................................... fumante de cigarros Joseph Hoecherl...................................................
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Epaminondas Bandeira......................................
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José Ruas Boureau...............................................
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Wolfgang Meyer Suerdieck..............................
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Nicolau Meyer Suerdieck................................... não-fumante *Chefe das vendas no Brasil
Em 1965 Nicolau teve uma conversa com o presidente onde teria externado o seu ponto de vista: — Charuto não é mais um bom negócio, vamos vender a empresa e aplicar o dinheiro numa outra atividade empresarial! Geraldo desmentiu que tenha havido esta manifestação. Porém, na Suerdieck não era nenhum segredo que Nicolau vivia apregoando que o cigarro estava roubando os fumantes do charuto.Esta postura deixava o presidente profundamente irrritado, provocando um distanciamento cada vez maior entre os dois irmãos. Mas, no íntimo, Geraldo sabia que Nicolau não estava dizendo uma inverdade. O cigarro e os efeitos da corrente inflacionária na economia brasileira debilitavam a saúde financeira da empresa, direcionando o presidente na busca de um parceiro internacional para poder enfrentar a crise que se aproximava ameaçadoramente. E foi encontrá-lo justamente num grupo cuja força residia na indústria dos cigarros. A grande maioria fuma charuto
Quase na totalidade,
por diletantismo e não por vício.
a nova geração não fuma charutos,
Por esta razão o consumo está sendo
se dedica ao vício do cigarro.
reduzido à medida que o preço do
Joseph Hoecherl
charuto vai crescendo. José Ruas Boureau
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Geraldo conversando com jornalistas.
Os irmãos Geraldo e Fernando ladeados por dois correspondentes da agência de notícias Reuters.
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Capítulo
28
ASSOCIAÇÃO COM GRUPO INGLÊS
ASSOCIAÇÃO COM GRUPO INGLÊS
F
oi Gisela Huch Suerdieck a articuladora da associação com Carreras Limited, multinacional sediada em Basildon, GrãBretanha, cujo principal dirigente chamava-se Robert Wickenden. Em setembro de 1965 ela levou o marido para o início das conversações. O casal foi recebido na Inglaterra com pompas e cumpriu uma agenda preparada pelos britânicos: ITINERARY FOR MR. AND MRS. GERALDO SUERDIECK 21st September 06.16 p.m. Arrive London Airport. 06.30 p.m. Met by car and driven to London Hilton. 22nd September 09.30 a.m. Met by Mr. J. Wood at London Hilton and taken to Baker Street. 10.15 a.m. Meet Mr. Wickenden in his Office at Baker Street. 10.30 a.m. Meet Mr. Plumley, Mr. Bulpitt and Mr. Blair. 01.00 p.m. approx. Lunch with Directors. 02.00 p.m. approx. Meeting with Mr. Wickenden in his Baker Street
Office.
06.00 p.m. and afterwards. Refreshments and dinner with Mr.
Wickenden and Mr. Wood.
23rd September 08.30 a.m. To be met by car at London Hilton and luggage transferred
to the Savoy Hotel.
09.00 a.m. Driver to supply transport to Basildon. 10.30 a.m. approx. Discussions with Mr. Wickenden, Mr. Clarke and
Mr. Wood in Mr. Wickenden´s Basildon Office.
01.00 p.m. Lunch in Director´s Dining Room, Basildon, with C.R.M.D.
Directors and Mr. Clarke and Mr. Wood.
02.00 p.m. approx. Further discussions with Mr. Wickenden, Mr.
Clarke and Mr. Wood to be followed by a factory tour.
Evening: Dinner with Mr. and Mrs. Wickenden and Mr. and Mrs.
Wood at the Heybridge Country Club.
11.00 p.m. approx. Mr. Wickenden´s driver to supply transport to
Savoy Hotel for Mr. and Mrs. Suerdieck.
191
Pelo acordo, formalizado em 3 de maio de 1966, Carreras assumiu 50% das ações da Suerdieck, com direito de colocar dois executivos ingleses na diretoria. Os escolhidos foram James Wood e Jakob Mulder, que passaram a residir em Salvador. Geraldo Meyer Suerdieck continuou na presidência.
192
Carreras tinha sido atraído para o Brasil com um olho no mercado dos cigarros, seduzido pelo fato de uma das empresas do grupo, Eloy da Silva & Cia., ser a responsável pela distribuição na Bahia dos cigarros produzidos pela Tabacaria Londres S.A., com sede e fábrica no Rio de Janeiro. Sabendo disto, Geraldo repassou aos ingleses um relatório ultra-confidencial. Continha o ranking dos dez maiores fabricantes brasileiros, com o seguinte perfil das vendas mensais:
193
FABRICANTE
cigarros/mês
%
1. Souza Cruz
2.500 bilhões
68.6
2. Flórida
350 milhões
9.6
3. Sudan
220 milhões
6.0
4. Sabrati
110 milhões
3.0
5. Lopes Sá
110 milhões
3.0
6. Araken
90 milhões
2.5
7. Henning
80 milhões
2.2
8. Caruso
75 milhões
2.1
9. Londres
65 milhões
1.8
10. Santa Cruz
45 milhões
1.2
Elaborado em 1958, o estudo havia sido encomendado para determinar a viabilidade da presença de um novo fabricante no mercado nacional. Mas dois fatores demoliram o sonho de Geraldo estender o prestígio do nome Suerdieck aos cigarros: 1. Para ser rentável, a venda mínima mensal teria de alcançar 125 milhões de unidades. Isto significava que a Suerdieck deveria posicionar-se no 4º lugar do ranking, uma missão impossível a curto ou médio prazos; 2. A Souza Cruz, controlada por um grupo anglo-americano, estava sufocando os concorrentes nacionais e caminhava para um domínio monopolístico do mercado brasileiro. Enfim, a Suerdieck descobriu que não possuía cacife para enfrentar sozinha a concorrência predatória da Souza Cruz. Mas, agora, com Carreras, trazendo a tecnologia cigarreira e o poder do fogo financeiro, a Suerdieck poderia ser parceira nesta empreitada. Os ingleses chegaram até a projetar a transformação do parque charuteiro em Cruz das Almas numa fábrica de cigarros. Porém, no dia 3 de julho de 1968 o casamento foi desfeito. Um curto comunicado à imprensa, assinado por Geraldo Meyer Suerdieck e James Wood, deu a explicação oficial: As recentes e severas medidas adotadas pelo Bank of England e as restrições quanto ao investimento de capitais por parte da Inglaterra, limitou o programa de expansão acertado com a Suerdieck S.A. Por esta razão, ficou resolvido entre as duas empresas encerrar o empreendimento, atendendo assim, e melhor, aos interesses de ambas companhias. O Grupo Suerdieck readquiriu as ações mantidas pelo Grupo Carreras e pretende continuar sua política de expansão, com capitais nacionais.
Na verdade não foram as medidas restritivas do governo britânico que determinaram a saída de Carreras da Suerdieck. Os motivos reais teriam emergido de duas fontes:
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a. O diagnóstico dos ingleses teria revelado que, entre 1958 e 1966, o avanço da Souza Cruz tinha sido avassalador, transformando o Brasil num monopólio inquebrantável. Por conta disto Carreras decidiu não arriscar investimentos vultosos sem a garantia de um retorno vantajoso; b. Na Inglaterra teria havido pressões ou negociações do controlador da Souza Cruz para impedir a entrada de Carreras no mercado brasileiro de cigarros, para onde fatalmente traria a famosa e poderosa marca Rothmans. Um desses fatos, ou ambos, foi a causa concreta do desinteresse de Carreras, esfriando o entusiasmo pela Suerdieck. Os ingleses descobriram também que o mercado brasileiro de charutos encontrava-se em decadência. Exclusivamente charutos, preferiram continuar apenas com a fábrica que possuíam em Wageningen, na Holanda, a Schimmelpenninck. Retiraram-se sem ter deixado nenhum dos benefícios prometidos. Foram embora deixando parabéns à família Suerdieck pela organização na produção de charutos. Obviamente que levaram um proveitoso aprendizado da tecnologia Suerdieck, desenvolvida ao longo de décadas, para aplicação na fábrica holandesa. Como consolo assumiram o compromisso de não entrar no ramo de charutos no Brasil pelo prazo de cinco anos. Se a associação com Carreras tinha sido um recurso para capitalizar a empresa no limiar do processo da corrosão do capital de giro, a dissociação representou um golpe duríssimo. Com o malogro da experiência inglesa os problemas aumentaram. Agora, além de enfrentar sozinha as dificuldades financeiras, a Suerdieck viu-se na obrigação de indenizar Carreras, restituindo-lhe investimentos efetuados durante os dois anos da parceria anglo-baiana. Com isto, e sem o ingresso de um novo capital revitalizador, o futuro da empresa configurava-se numa projeção dramática. O ano de 1968 também foi marcado por um episódio político dos mais
Algumas marcas de cigarros da Tabacaria Londres, que na Bahia tinha como distribuidora de seus produtos uma empresa do Grupo Suerdieck.
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importantes. O governador Luiz Viana Filho encontrava-se sob forte pressão do comandante da 6ª Região Militar, general Abdon Sena, que não se conformava com a presença de um ex-ministro de João Goulart na Secretaria das Minas e Energia. O general dispunha inclusive de uma foto em que o Antônio de Oliveira Brito aparecia ao lado de Jango no célebre comício em frente à Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no dia 13 de março de 1964, em plena efervescência dos acontecimentos que culminariam, dezoito dias depois, no golpe que instaurou o regime militar. O governador ficou na corda-bamba e um de seus auxiliares mais próximos tratou de pavimentar a estrada para um eventual exílio do chefe do Executivo Estadual. Através de Fernando Suerdieck, íntimo dos vianistas, Geraldo foi sondado sobre a possibilidade da empresa colaborar financeiramente durante o período que o governador estivesse residindo no exterior. Já em silenciosa campanha de contenção das despesas, mas sem querer dar a mão à palmatória, abrindo o jogo sobre a enfermidade que dilapidava os recursos da empresa, Geraldo respondeu que a Suerdieck não poderia fazer nenhuma contribuição, mas ele daria uma ajuda pessoal, dentro do limite de três mil dólares mensais, disponíveis na Alemanha, onde se encontrava sediada a Suerdieck GmbH, empresa administrada por Gisela Huch Suerdieck, que possuía um depósito no porto livre de Hamburgo, para transbordo das mercadorias destinadas à Europa. Não houve necessidade dos repasses, pois o governador continuou no cargo, ganhou a queda-de-braço mantida com o comandante da 6ª Região Militar42. Mas no staff da equipe que preparava a logística do exílio ficou a imagem de um Geraldo Suerdieck sovina, que não abriria os cofres da empresa para necessidades mais vultosas. LAÇOS FAMILIARES & ESTABILIDADE NO EMPREGO A grande crise que se aproximava poderia ter sido evitada, ou pelo menos minimizada. Isto caso o presidente houvesse tomado medidas severas para reduzir custos, adequando a empresa aos novos tempos da realidade de um mercado consumidor de charutos em franca retração no Brasil. Em 1964, nos primeiros sinais das dificuldades, Geraldo deveria ter promovido a implantação de uma radical política para reestruturação administrativa e operacional, com o redimensionamento da força do trabalho e o enxugamento da estrutura organizacional. Com a drenagem das gorduras, o expurgo da crise seria exeqüível. Mas o remédio era por demais amargo, impopular e de ministração muito difícil. Obrigatoriamente, a medicação passaria pelo seguinte receituário básico: 1. Redução drástica no quadro de operários, inclusive com o 42 O pivô da crise entre o general e o governador somente seria apeado do cargo em 11 de setembro de 1969. Nesta data, a Junta Militar que governava o país assinou um decreto suspendendo os direitos políticos e cassando o mandato parlamentar de diversos brasileiros, entre os quais se encontrava o deputado federal licenciado Antônio de Oliveira Brito, que foi sucedido na Secretaria Estadual das Minas e Energia pelo bacharel Wilson Rocha.
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fechamento imediato e sumário das fábricas de Cachoeira e Cruz das Almas. 2. Enxugamento, também drástico, no corpo administrativo, com a extinção de cargos e o afastamento de vários executivos veteranos. Com o tempo, eles foram se tornando caros na estrutura dos custos e bem menos produtivos. 3. Redução no número de diretores e subdiretores, inclusive com a retirada dos três irmãos do presidente, os quais ficariam apenas como acionistas. 4. Rejuvenescimento gerencial, priorizando nas chefias os empregados jovens, com maior disposição para o trabalho, maior produtividade e bem mais baratos à organização. Geraldo dispunha de poderes legais para impor uma virada revolucionária na vida da empresa. Afinal, com 59% das ações, era o dono incontestável da Suerdieck. Porém, pelo perfil do seu caráter, formador de uma liderança muito respeitada e querida por todos, ficou numa situação delicada. No comando de uma sociedade assentada em base familiar, onde os laços se cruzavam e se multiplicavam, sentiu-se impedido para, repentinamente, mudar as regras e puxar a toalha da grande mesa, onde era servida a alimentação para dezenas, centenas de famílias. Não querendo se transformar no algoz dos liderados, que confiavam cegamente nele, Geraldo preferiu não tomar as medidas dolorosas que a razão impunha, mas que o coração não aceitava, pois provocaria um verdadeiro cataclisma: a) Se pelo simples fato de ter afastado o irmão Nicolau da gerência da fábrica de Maragogipe, fazendo-o retornar ao posto de diretor em Salvador, já tinha sido motivo para o azedamento no relacionamento entre ambos, Geraldo ficou a imaginar o que aconteceria se resolvesse destituir todos os irmãos da Diretoria. b) Ao afastá-los, até a matriarca, dona Tibúrcia, ficaria contra o presidente. Ela, que ocupava a vice-presidência da Suerdieck, aprovaria no máximo a venda da empresa, um desejo inclusive manifestado pelo marido um pouco antes do seu falecimento. c) Além do confronto direto com os irmãos, responsáveis por um elevado percentual na planilha dos custos (salários, gratificações, retiradas extras, adiantamentos por conta de lucros, despesas pessoais, viagens, etc.), Geraldo teria contra si a fúria de todos os parentes, contraparentes e amigos que tinham na Suerdieck o único meio de subsistência. Também provocaria um curto-circuito numa rede formada por pessoas leais à empresa. A própria vida pessoal do presidente encontrava-se num momento de incertezas. Após desfazer um sólido casamento, havia ingressado noutro,
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não-assimilado pela conservadora sociedade baiana, causando-lhe boicotes. Passada a euforia inicial dos tempos da lua-de-mel, o segundo matrimônio ingressou nos desentendimentos e já estava no caminho da inevitável dissolução. Em vista da desestabilização conjugal, Geraldo quis se preservar perante o que restava de positivo no círculo familiar, a fraterna amizade com os irmãos Wolfgang e Fernando, além do amor pela mãe. Enfim, o presidente não queria ficar isolado pela família e amigos de longas datas. Havia também considerado um outro fator fundamental, a barreira interposta pela legislação trabalhista, que garantia a estabilidade no emprego a quem completasse dez anos na casa. A Suerdieck vinha de uma tradição em não demitir, a não ser por justa causa, em casos gravíssimos. Esta política permitiu que centenas de empregados galgassem o patamar da sólida segurança no emprego. Agora, para poder demitir a legião dos estáveis, a empresa teria, na conformidade da lei, de pagar indenizações milionárias. Para bancar este custo a Suerdieck seria obrigada a recorrer aos empréstimos, endividando-se seriamente para que pudesse reduzir o quadro de pessoal. Além disto, não estava descartada a hipótese de uma onda de processos trabalhistas. Uma decisão por demissões em massa poderia ainda desencadear agitações na fábrica de Maragogipe, com conseqüências imprevisíveis, pois estaria quebrado um dos pilares de sustentação da Suerdieck, a confiança do operariado no patronato. Para poder continuar convivendo em paz com parentes, amigos e os operários de um modo geral, Geraldo preferiu não se aventurar em mexer no status quo. Manteve a estrutura pesada e onerosa. Mas foi buscar no exterior uma parceria que pudesse ser a tábua da salvação. Encontrou em Carreras Limited a força que necessitava para ter o fôlego que permitisse um reordenamento de objetivos. Após longas negociações, a parceria foi fechada em 1966. Mas o tiro saiu pela culatra, os ingleses retiraram-se da sociedade dois anos depois, deixando a Suerdieck numa situação crítica, num beco sem saída. Não restou a Geraldo nenhuma alternativa que não fosse a execução de medidas paliativas, de eficácia apenas no curtíssimo prazo. Passou a travar batalhas sem tréguas, solucionando um problema emergencial aqui, outro acolá. Lutava também para não deixar vazar a real situação da empresa. Estava na faixa vermelha, a caminho do colapso financeiro. Uma faca de lâmina bem amolada avançava pelo interior do corpo do gigante dos charutos, seccionando as veias do sistema da irrigação sangüínea.
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Capítulo
A
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A CRISE DE 1970
A CRISE DE 1970
— Compra de fumos à vista e venda de charutos a o lado estão os cinco prazo; i n gredientes da — Aumento dos custos sociais, principalmente após receita que exauriu a capacidade o advento do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo da empresa em manter o de Serviço; capital de giro. Na medida que — Efeitos da inflação nos custos operacionais; o sufoco crescia, os custos dos — Despesas financeiras por conta de empréstimos encargos eram transferidos para bancários, descontos de duplicatas sobre vendas o preço do produto final. Era uma futuras, descontos de promissórias rurais e política de faca com dois gumes: empréstimos particulares; a arrecadação mantinha-se em — Pagamento de empréstimos tomados por conta níveis aparentemente estáveis, de capitais que seriam injetados por Carreras mas as vendas unitárias caíam Limited. progressivamente. O mercado retraía-se, pois o charuto se transformava num artigo de luxo, ficando cada vez mais fora do alcance da classe média, que também sofria com a inflação e perdia o seu poder aquisitivo. Neste ciclo vicioso e sem saída, a Suerdieck, pela primeira vez na história de 63 anos dos seus charutos, teve prejuízo operacional no exercício de 1968, que se repetiu no ano seguinte, colocando o gigante no xeque-mate. No início de 1970 a empresa teve de pedir, também pela primeira vez, socorro financeiro ao governo do Estado, no valor de 6 milhões de cruzeiros, para pagamento a longo prazo. O governador Luiz Viana Filho determinou que fosse preparado, em caráter de urgência, um estudo que foi denominado “Diagnóstico Industrial da Suerdieck”. Assinado por Aderbal Pinto, Arlindo Senna, Elmar Araújo, José Barbosa e Sérgio Almeida, o relatório foi entregue ao secretário da Indústria e Comércio, Manoel Barros Sobrinho43. O trabalho continha os seguintes itens como destaques: Introdução A crise econômica por que passa Maragogipe, em decorrência da situação financeira bastante delicada que atravessa a Suerdieck, está sendo de conseqüências funestas à economia do município, com reflexos 43 Recém-empossado no cargo, Manoel Barros Sobrinho foi alçado do próprio quadro da SIC, onde respondia pela promoção industrial da Bahia. Como secretário substituiu Ângelo Calmon de Sá, transferido para a pasta da Fazenda estadual.
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acentuadamente negativos para a economia do Estado, dado o nível de dependência de toda uma área da zona fumageira. Para que se tenha uma idéia mais aproximada da importância da Suerdieck na região, basta que se diga que cerca de 30% da arrecadação de impostos municipais são pagos diretamente pela empresa. Com a crise que se abateu sobre a indústria e com o decorrente não recolhimento dos impostos, desde março, pela Suerdieck, o fato não poderia deixar de trazer conseqüências negativas para o poder municipal, que, de uma hora para outra, se viu privado de parte maciça de seus recursos, com prejuízos de toda ordem. Assim é que o funcionalismo municipal não recebe vencimentos há três meses e enfrenta por isso uma situação vexatória. As casas comerciais passaram a pôr dificuldades nos fornecimentos à Prefeitura, devido à falta de pagamentos, com evidentes prejuízos para todos os segmentos. Também as arrecadações estadual e federal se viram afetadas. De todas, entretanto, a situação mais dramática é a enfrentada pelo operariado da empresa, que sem receber os seus salários e sem dispor de outras fontes de receitas, tem vivido momentos os mais difíceis. A Suerdieck emprega na região 1.200 pessoas, sendo que na época da safra absorve entre 2.000 e 3 mil pessoas como mão-de-obra sazonal, em serviços de destalagem, escolha, classificação e enfardamento de fumos. Em suma, a maior parte da população local depende direta ou indiretamente da empresa. Como se vê, dado ao elevado grau de influência que exerce, uma crise mais demorada terá que, inevitavelmente, se desdobrar numa crise social bastante séria e de conseqüências desastrosas para a região, haja vista a queda vertical que já sofreu o movimento comercial e bancário. Por outro lado, mantém a empresa um serviço de assistência social a todos os seus funcionários e respectivos familiares, com um corpo de cinco médicos, cinco enfermeiras, serviços de enfermaria, ambulatório completo, com aparelhos de abreugrafia e raios X, consultório dentário e farmácia para fornecimento gratuito de medicamentos. Todos esses benefícios sociais serão ainda mais reduzidos se não forem encontradas maneiras de superar as dificuldades da Suerdieck, com perdas significativas para toda uma comunidade que espera uma solução para os seus problemas.
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Compras e Vendas Sendo uma empresa bastante antiga, calcada nos moldes tradicionais de família, constituiu-se numa surpresa a verificação do grau de complexidade e objetividade existentes nos controles de compra e venda. A Suerdieck possui controles de compras de fumo baseados na previsão de produção e conforme as necessidades de cada tipo ou qualidade de fumo para os diversos produtos. No setor de vendas, a empresa possui dados estatísticos de vendas mensais, trimestrais, semestrais e anuais, por: distribuidor, marca por marca, estado por estado, etc. Os controles mensais contêm número das faturas, quantidades, valores e marcas dos charutos e cigarrilhos. Estas estatísticas existem há anos e possibilitam a verificação imediata da posição da empresa em relação às quantidades e valores de compras e vendas. Política de Compras Fumo adquirido diretamente ao lavrador ................................... 94% Fumo adquirido de terceiros .............................................................. 6% 80% do fumo é pago à vista. Política de Vendas Vendas a prazo médio de 90 dias .................................................. 92% Vendas à vista ....................................................................................... 8%
Mercado As vendas de charutos e cigarrilhos no mercado interno apresentaram um declínio de 1967 para 1968 da ordem de 8%, e de 1968 para 1969 de 14%. Contudo, já no primeiro semestre de 1970 a empresa vendeu metade da quantidade vendida em 1969. A previsão para 1970, não obstante a intensidade da crise, é de igualar e talvez suplantar as vendas do ano passado. No mercado internacional é incontestável a posição de destaque que possui o nome Suerdieck. Em cada parte do mundo, qualquer revendedor de charutos possui, pelo menos, uma das inúmeras marcas da Suerdieck. No ano de 1969 as vendas para o exterior, em quantidade, foram da ordem de 25% do movimento total das vendas. Pelo que foi constatado, com relação ao mercado atual e potencial, pode-se concluir que, superada a fase crítica e tomadas as medidas necessárias com relação à intensificação de propaganda e promoção, as vendas tenderão a um rápido crescimento.
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Aspectos Financeiros Após análisar a empresa, solicitamos considerações, por escrito, do seu presidente, a respeito dos problemas que levaram a Suerdieck à situação atual. Esta medida visava sobretudo verificar a capacidade analítica do problema pelo topo da empresa. Por julgarmos a análise realizada pelo senhor Geraldo Suerdieck lúcida e oportuna, a transcrevemos em seguida, embora outros aspectos relativos à situação não tenham sido considerados. Deste modo, achou-se mais apropriado colocar as argumentações gerais dadas pela empresa dentro do aspecto particular financeiro, devido a sua análise se voltar mais para este problema.
Razões Apresentadas pelo Empresário A empresa, cuja estrutura econômica surgiu praticamente do trabalho e não do capitalismo – com isso queremos dizer que não houve agrupamento de capitalistas que se propusessem a explorar o ramo de charutos, e sim, ao modo europeu, alguns homens que, começando do nada, à custa dos próprios esforços, foram edificando, pedra por pedra, o atual parque de trabalho – vinha, na medida do avanço da inflação, enfrentando dificuldades. Embora em sua longa existência jamais houvesse registrado prejuízos em suas atividades, os resultados não foram de ordem a cobrir o desgaste da moeda (inflação), ou mesmo a permitir-lhe uma mecanização avançada, o que, aliás, só seria possível lenta e parcialmente, em face da alta responsabilidade social com o operariado. Igualmente possível não lhe foi a execução de qualquer plano publicitário, sofrendo, em contrário, o esmagamento permanente da propaganda de cigarros. Diante dos problemas de custo, que se agravaram de modo galopante com a inflação, à empresa só restavam dois caminhos a seguir: 1º - Continuar a expandir a produção e consumo, cujo maior volume superaria as despesas, desde que era rentável; 2º - Elevar os preços dos manufaturados acima do hábito, para obter maior receita (uma medida inflacionária). Sentindo que se optasse pelo primeiro item lhe faltariam condições financeiras (suprimento de matérias-primas e assistência de meios bancários), a empresa tomou a segunda alternativa, mesmo consciente do risco da limitação do consumo. As medidas de combate à inflação instalada no país, a realidade
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cambial, as novas leis sociais e a reforma tributária, descapitalizaram a empresa. As contingências nacionais, sobejamente conhecidas, apontavam às empresas de pequeno e médio porte duas alternativas: — Serem vendidas a grupos poderosos; — Ou a eles se associarem. Como, no setor de fumo, toda atividade está cada vez mais concentrada em mãos de grupos estrangeiros, a Suerdieck aceitou em 1966 uma associação, à base de 50%, com o grupo inglês Carreras Ltd.. Mas, a intenção deste grupo, usando a tradição e os conhecimentos da Suerdieck, era na verdade estudar o mercado nacional de cigarros, seu principal interesse mundial. Os levantamentos concluíram que, face ao domínio da Souza Cruz, praticamente monopolista no Brasil (todas as demais fábricas estavam economicamente liquidadas, quando não em caos absoluto, como nos casos da Londres, Caruso, Flórida, etc.), não havia condições do grupo aqui se instalar. Coincidentemente o governo inglês (Harold Wilson) entrou em crise econômica, fato que se valeu Carreras para justificar, mediante alegação de proibição legal de seu país, a impossibilidade de realizar investimentos ou prestar qualquer apoio econômico. Financiamentos contratados na gestão dos ingleses tiveram de ser pagos a curto prazo ao Banco Holandês Unido, Bank of London e ao Bozzano Simonsen, quando, em verdade, haviam tido caráter transitório, até o investimento real da Inglaterra, que, por fim, não ocorreu. Tal desfecho levou-nos a desfazer imediatamente a associação, em julho de 1968, para evitar a destruição completa de nossa indústria. No entanto, o desenlace ocasionou: a. Maior retaliação do capital de giro, pois empréstimos outros tiveram que ser tomados para fazer face às emergências; b. Desvio das atenções da Diretoria, dos problemas normais da empresa. Assim, pela primeira vez em sua vida, a Suerdieck apresentou prejuízos elevados em seus balanços, agravando-se a sua situação financeira. Relatório da Diretoria, apresentado em 31.12.69, revelou a falta absoluta de capital de giro, que retirou toda e qualquer possibilidade de equilíbrio e rentabilidade.
Conclusões Tendo em vista a possibilidade de recuperação e rentabilidade da empresa, a importância sócio-econômica para a região e ser uma indústria
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com grandes possibilidades de ampliar as exportações, significando isto uma entrada maior de divisas para o país, algumas medidas devem ser tomadas, mesmo em caráter especial. Por isso, recomendamos: 1. MEDIDA A CURTÍSSIMO PRAZO
Empréstimo vinculado a:
1.1
1.2
Pagamento dos salários atrasados do pessoal e financiamento da folha do mês seguinte. Compras emergenciais de matéria-prima e de material de embalagem.
2. MEDIDAS A CURTO PRAZO
2.1
Empréstimo vinculado a:
2.1.1
Pagamento de contas atrasadas.
2.1.2
Pagamento de empréstimos a curto prazo feitos pelos bancos comerciais.
2.1.3
Suplementação para capital de giro, visando
diminuir o volume de descontos de duplica
tas, reduzindo-se com isso as despesas finan
ceiras.
2.2
Parcelamento das dívidas tributárias, com o
estabelecimento de um prazo de carência adequado.
Reformulação da dívida existente com o Banco do
2.3
Estado da Bahia, ou seja, a renovação das Resoluções 71 e 63.
3. MEDIDAS A MÉDIO PRAZO
3.1
Venda das áreas que a empresa possui no Edifício
Suerdieck, para saldar uma fração da dívida com os
empréstimos governamentais.
3.2
Estudar uma maneira do pagamento dos juros,
semestrais ou anuais, ser em ações emitidas pela
empresa.
4. MEDIDA A LONGO PRAZO
Abertura do capital da empresa ao público. MEIO EXPEDIENTE
Em janeiro de 1970 a Suerdieck deixou de recolher os impostos e tributos sociais: ICM, IPI, FGTS e INPS. Em março os operários entraram em férias coletivas, interrompendo a produção. Ficaram em funcionamento apenas os setores para expedição dos charutos em estoque. No final das férias compulsórias, a fábrica de Maragogipe foi reaberta, mas passou a funcionar em regime de meio expediente, para que, no outro, os empregados pudessem ir pescar, retirar da generosa bacia do Paraguaçu os peixes e mariscos para o sustento de suas famílias.
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Capítulo
M
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VIA-CRÚCIS
VIA-CRÚCIS
esmo com o parecer favorável dos técnicos da Coordenação de Fomento à Indústria, órgão da Secretaria da Indústria e Comércio do Estado da Bahia, os escalões superiores desprezaram olimpicamente o diagnóstico oficial. Adotaram a postura de deixar a Suerdieck entregue à própria sorte. Foi aí que Geraldo se lembrou do Livro de Visitas à Fábrica de Maragogipe, onde Juracy Magalhães havia registrado, em 27 de abril de 1950, uma mensagem enaltecendo o papel da indústria. Mandou buscá-lo, para reler o trecho que julgou mais importante: A indústria é multiplicadora de riquezas. Estimulá-la e desenvolvê-la, aproveitando a iniciativa particular, é indiscutível tarefa do governo, a quem cabe velar pela paz social.
Juracy Magalhães
Mas os governantes da atualidade pensavam de forma diametralmente oposta. Pelo posicionamento adotado, não cabia ao governo do Estado a tarefa de velar pela paz social. Então, como última instância, Geraldo recorreu ao governo da União. Pelas mãos do deputado federal Fernando Wilson Magalhães, filho de um antigo agente comprador de fumos para a Suerdieck, foi bater nas portas dos órgãos federais: Banco do Brasil, Banco do Nordeste do Brasil – BNB, Banco de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, Ministério da Agricultura, etc. No Ministério da Indústria e Comércio, ocasião em que se fez acompanhar do presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Fumo de Maragogipe, Antônio Barbosa, encontrou o governador Luiz Viana Filho, que, surpreso em vê-lo, saudou-o meio sem graça: — Oi Geraldo! Você por aqui? — Sim, estou levando ao ministro os problemas da nossa indústria! Na conversa com Pratini de Moraes, o jovem ministro perguntou em tom investigatório: — O governador tem conhecimento dos problemas? — Claro, foi o primeiro a saber da gravidade da situação! — Estranho, ele acabou de sair daqui e não tocou na questão da Suerdieck! Na Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene, órgão forte do
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Ministério do Interior, que aprovava recursos para projetos agrícolas e industriais, o superintendente, general Tácito de Oliveira, transmitiu a Geraldo um veredito discriminatório: — O governo não financia nada para os setores de fumo e bebida! Mas financiava empreendimentos faraônicos, idealizados exclusivamente para tomar o dinheiro fácil dos incentivos fiscais. Praticava-se no Brasil um monumental esbulho, orquestrava-se a falsa imagem do “milagre econômico”, de que se estaria viajando do terceiro mundo para o seleto clube dos países desenvolvidos. Enfim, gastava-se dinheiro à tripa-forra, em projetos mirabolantes, muitos deles natimortos ou simplesmente fantasmas. Enquanto isso, padecia do apoio uma indústria renomada internacionalmente, de capital integralmente nacional, grande empregadora de mão-de-obra, que pela primeira vez recorria ao oxigênio governamental. A única concessão, após muita insistência, foi a Sudene abrir uma linha de financiamento meio maroto, apenas para aplicação em parte das plantações de fumo. Com isso, colocou uma pá-de-cal na industrialização, justamente o vértice da pirâmide fumageira, onde residia, naquele instante, o tumor da crise. A Tarde No dia 22 de maio o presidente Emílio Garrastazu Médici esteve em Salvador para uma visita de 30 horas. Na conversa que manteve com o cardeal-arcebispo da Bahia, ouviu de dom Eugênio Sales44 um relato da necessidade de ajuda para salvar a Suerdieck. Depois, publicamente, Médici falou nos “famosos charutos da Bahia” e que “a fábrica Suerdieck não pode parar”. E para mantêla em atividade foi montada no Ministério da Fazenda a “Operação Suerdieck”, com a criação de um grupo para analisar a crise e propor as medidas saneadoras. Porém, os estudos andavam de forma lenta, enquanto na empresa os problemas se agravavam cada vez mais. A fábrica de Maragogipe funcionava precariamente, em vias de uma paralisação total e Dom Eugênio Sales, à direita, com o ex-prefeito (1959/63) de definitiva. Salvador, Heitor Dias Pereira. 44 Dom Eugênio era apreciador dos charutos Suerdieck. Fumava a marca Florinha, de forma discreta e reservada.
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SUERDIECK Notícias chegadas ontem, de Maragogipe, dizem que os prejuízos causados pela crise da Suerdieck estão chegando a um ponto insuportável, não só pelos operários como pela comunidade em geral, inclusive pela Prefeitura. Embora seja público que o presidente Médici, quando aqui esteve, prometeu a dom Eugênio Sales interessar-se por uma solução, até o momento a direção da Suerdieck não recebeu qualquer definição das autoridades federais. Sabe-se que o ministro Delfim Neto vem adiando uma providência concreta. Considerando o caráter agudo da crise que atinge a Suerdieck, nunca uma empresa nesta situação esperou tanto tempo por um sim ou não. Tribuna da Bahia Coluna Raio Laser 18.08.1970
Numa audiência com o ministro da Fazenda, Antônio Delfim Neto, Geraldo recebeu o seguinte aconselhamento: — O senhor deve procurar uma associação com algum grupo estrangeiro ou então passar a empresa adiante! O presidente da Suerdieck concordou com o ministro, mais argüiu que isso demandava tempo, e que, até lá, sem socorro financeiro, a indústria não teria como se agüentar, iria paralisar totalmente a produção. Os salários já estavam atrasados há várias semanas e milhares de famílias viviam momentos de desespero. O apelo foi em vão, o dono do cofre da União manteve-se friamente irredutível. Geraldo retornou a Salvador convicto que Delfim Neto desejava realmente ver a Suerdieck no colapso total, fechada. Mas não sabia as razões que levavam o ministro a esta postura radical e cruel. Ficou com a impressão de que por trás de tudo havia interesse político escuso contra a Bahia ou contra a Suerdieck. Quando tudo parecia perdido, eis que o vereador da Câmara Municipal de Maragogipe, Bartolomeu Borges Paranhos – mestre-charuteiro que chefiava a produção da fábrica – comunicou a Geraldo que solicitaria, em nome do povo maragogipano, nova intervenção de dom Eugênio Sales, que dentro de poucos dias teria um encontro com o presidente República. Em Brasília o cardeal espôs a dramática situação da empresa e as sérias implicações de ordem social em duas cidades, Cruz das Almas e, principalmente, Maragogipe, cuja economia dependia 80% da Suerdieck. Médici ficou surpreso, pois supunha que o problema já tivesse sido equacionado pelo Ministério da Fazenda. Quando dom Eugênio entregou a nota que saiu na coluna Raio Lazer, no jornal Tribuna da Bahia, o presidente desabafou, visivelmente contrariado: — Num país onde se joga tanto dinheiro fora, essa questão não ficará engavetada!
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E cumpriu com a promessa. Dias depois, chegou de Brasília um telefonema solicitando a presença de Geraldo no Banco Central do Brasil. Na ante-sala do gabinete do presidente, Ernani Galvêas, o industrial baiano foi abordado por um assessor que, sem arrodeios, foi logo dizendo, em primeira mão: — O seu pedido vai ser atendido, mas o senhor terá de assumir o compromisso de pagar uma comissão pelo serviço! Fazendo-se desentendido, Geraldo retrucou dizendo que trataria deste assunto depois, e adentrou logo na sala do presidente. Galvêas comunicou que, por ordem do presidente da República, o caso Suerdieck seria imediatamente solucionado e pediu a confirmação do valor desejado, que sairia do Banco Central. Informou também que a formalização dos aspectos técnicos e legais do empréstimo ocorreria numa reunião comandada pelo ministro da Fazenda, que já tinha sido notificado da decisão presidencial. O encontro foi agendado para o dia 13 de outubro de 1970, no Rio de Janeiro, com a participação de representantes da empresa e dos governos federal e estadual. Depois de tudo acertado, o gerente de Operações Bancárias, Ernesto Albrecht, segredou na saída: — O senhor poderia ter solicitado um valor maior. Com certeza seria atendido, pois a ordem do Palácio do Planalto era esta! Na reunião do Rio de Janeiro ficou pactuado que os Cr$ 6 milhões seriam repassados ao Banco do Estado da Bahia, onde ficariam à disposição da Suerdieck. No Baneb Geraldo foi informado por um assessor do diretor-superintendente, da cobrança de uma comissão de praxe. Como fizera com o “corretor” do Banco Central, também esbravejou com o do banco baiano: — Não vim aqui pedir nada, vim para receber um empréstimo federal, com prazos e juros pré-estabelecidos. Não pagarei nenhuma comissão! Com prazo de pagamento em cinco anos, com dois de carência e tendo como garantia todo o patrimônio da Suerdieck, o dinheiro saiu casado com a exigência do diretor-financeiro ser indicado pelo Banco do Brasil, que escolheu um funcionário de Salvador, Albérico Spínola Barbosa45. Aproveitando-se da passagem do empréstimo pelo caixa do banco estadual, Luiz Viana Filho foi a Maragogipe, às vésperas das eleições de 15 de novembro. Da sacada do Paço Municipal fez um pronunciamento, assumindo perante o povo a paternidade do dinheiro que chegou para salvar a Suerdieck e o emprego de milhares de pessoas. Em seguida, capitaneando uma ruidosa passeata, dirigiuse à fábrica, onde Geraldo obsequiou-lhe com uma caixa de charutos, presente que sempre oferecia aos visitantes ilustres. Porém, não fez nenhum discurso, pois nada tinha a agradecer, mas respeitou a festa política do governador. Ao vereador Paranhos, ao cardeal Sales e ao presidente Médici, verdadeiros merecedores de todos os tributos, o presidente da Suerdieck já havia endereçado as manifestações da gratidão. 45 Albérico Spínola Barbosa foi eleito diretor em assembléia geral extraordinária realizada em 14 de dezembro de 1970. Ficou até 11 de janeiro de 1973, quando foi substituído por José de Melo Figueiredo, também indicado pelo Banco do Brasil.
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A crise nos salários Foram oito meses, de fevereiro a outubro, de agonia e incertezas. Os operários chegaram a ficar 14 semanas sem receber salários, mas não abandonaram o trabalho, garantindo a sobrevivência da grande fábrica de charutos. O comércio de Maragogipe, embora penalizado pela crise, alimentou os trabalhadores, vendendo na caderneta do fiado.
O maragogipano Bartolomeu Borges Paranhos foi eleito Operário Padrão da Bahia em 1987, às vésperas de completar 70 anos, sendo 57 dedicados à Suerdieck. Além de mestre em charutos, gostava da vida pública. Vereador em quatro legislaturas, foi prefeito de Maragogipe durante 45 dias, em 1974, quando ocupava a presidência da Câmara Municipal. Como bom político, foi quem articulou com o arcebispo da Bahia, dom Eugênio Sales, a estratégia que salvou a Suerdieck da falência.
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Em Brasília e no Rio de Janeiro, Geraldo cumpriu uma verdadeira maratona pelos gabinetes dos órgãos governamentais. Apolítico e sem nenhuma articulação com os esquemas que dominavam a liberação dos recursos financeiros da União, não teria obtido o empréstimo se o presidente Médici não tivesse ficado irritado quando dom Eugênio Sales lhe mostrou que uma ordem sua estava sendo cozinhada em banho-maria.
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Fotos: Val Araújo
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Reprodução
Reprodução
Persona non grata à Suerdieck, o presidente do Banco do Brasil, Nestor Jost, tinha sido deputado federal em três legislaturas, pelo seu estado, o Rio Grande do Sul. Empresário e agricultor, possuía ligações com o setor de fumos para cigarros, sendo mais tarde presidente da Abifumo – Associação Brasileira da Indústria do Fumo.
Trinta e um anos após ter lavado as mãos na crise da Suerdieck, o ministro gaúcho Pratini de Moraes foi flagrado por Fernando Bizerra, da Agência BGPress, saboreando um charuto cubano.
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Capítulo
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CONTROLE PASSA PARA GRUPO ALEMÃO
CONTROLE PASSA PARA GRUPO ALEMÃO
A
crise na Suerdieck agigantouse de tal forma que os recursos liberados pelo Banco Central serviram apenas como paliativo emergencial. Foram consumidos na liquidação dos débitos com empregados, fornecedores, encargos financeiros e sociais. O próprio diretor financeiro, indicado pelo governo federal, Albérico Barbosa, tentou, sem êxito, a ampliação dos CR$ 6 milhões para 10 milhões. A logomarca no período da Melitta: dentre as Por isso, embora a produção fosse mantida modificações, foi inserido o B, de Blase, a fábrica de em patamares normais, não se conseguia charutos que a multinacional possuía na Alemanha. equacionar os problemas decorrentes da descapitalização e da falta de um capital de giro para atender dois pré-requisitos básicos na indústria charuteira: as compras de fumo são feitas junto a pequenos produtores que exigem, por questões óbvias de sobrevivência, pagamento à vista e às vezes até adiantado, por conta de futura entrega; depois, o fumo tem de ficar estocado durante um longo período, para perder a acidez ou o amargor natural. Não restava outra alternativa, a Suerdieck teria de encontrar um parceiro forte, em condições de injetar capital na empresa. A procuradora na Europa, Gisela Huch Suerdieck, entrou novamente em ação e intermediou negociações com o Grupo Melitta, que possuía um braço na indústria de charutos, através de August Blase Zigarrenfabrik GmbH, de Lübbecke, Alemanha Ocidental. Esta organização, dona de uma grande fábrica de charutos, antiga cliente da Exportadora de Fumos Suerdieck, tinha uma rede européia formada por 102 lojas revendedoras de charutos. Em junho de 1974 chegaram os técnicos para proceder um diagnóstico na Suerdieck, onde, dois meses depois, assistiram a entrega, ao Banco do Estado da Bahia – Baneb, em dação de pagamento, por compromissos vencidos, dos seguintes pavimentos da sede, no Edifício Suerdieck: subsolo, térreo, sobreloja, primeiro e segundo andares. As negociações com os representantes do Grupo Melitta, sediado em Minden, Alemanha Ocidental, ficaram tensas à certa altura dos entendimentos. Saindo do habitual cavalheirismo, Geraldo chegou a abandonar a mesa dos trabalhos, bradando: “Não negocio com gângsteres”. Paradoxalmente, foi acalmado por Neusa Suerdieck que, ao contrário dele, era quem tinha gênio explosivo. A fúria deveu-se
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também à presença, contratado pelo grupo alemão, de um profissional pertencente ao renomado escritório advocatício que prestava serviços à Suerdieck, há mais de dez anos, detentor inclusive de informações confidenciais da empresa. O presidente enxergou na postura do advogado uma dupla traição, contra a Suerdieck e o escritório que o projetava na carreira jurídica. Na verdade, Geraldo encontrava-se refém de August Blase, que já tinha provido o caixa da empresa com adiantamentos por conta de futuras vendas de charutos. Sofria também pressões do Banco do Brasil, cujo presidente, Ângelo Calmon de Sá, que tinha passado por duas importantes secretarias na gestão de Luiz Viana Filho, conhecia bem a situação da Suerdieck, tendo inclusive representado o governo da Bahia na reunião do Rio de Janeiro, que formalizou a liberação dos 6 milhões de cruzeiros. Calmon de Sá havia também colocado na diretoria financeira da Suerdieck um cunhado, Raimundo Heráclito de Carvalho, que se posicionou francamente favorável à entrega do controle acionário nas condições ditadas pelos alemães. Após o banco federal fritar e recusar um novo pedido de empréstimo para capital de giro, Geraldo capitulou, dizendo: — Me suicidaram! Acuado pelas dificuldades e sem querer ser o pivô do mergulho da empresa numa outra crise, que novamente penalizasse o operariado, Geraldo teve de acatar a Cláusula Sétima do contrato proposto por August Blase Zigarrenfabrik GmbH (cessionário), de transferência do controle acionário, na forma do quadro abaixo: Com a cessão gratuita das ações ao cessionário, este assume o ativo e passivo da Suerdieck, responsabilizando-se por todos os avais emitidos pelos atuais diretores da Suerdieck, até a data da assinatura do presente instrumento.
Como se vê, a saída da família Suerdieck foi dolorosa do ponto de vista econômico e financeiro. Não houve nenhuma contrapartida, patrimonial ou pecuniária. No dia 22 de fevereiro de 1975, os jornais de Salvador veicularam, como matéria paga, um comunicado levando ao conhecimento público a transferência do controle da Suerdieck para a empresa August Blase Zigarrenfabrik GmbH, pertencente ao grupo Melitta-Werke Bentz & Sohn. Foi o último documento que Geraldo Meyer Suerdieck assinou como presidente da Suerdieck S.A. Charutos e Cigarrilhos. DESTINO DAS EMPRESAS Controladas pela Melitta 1. Suerdieck S.A. 2. Esperança 3. Dancoin 4. Eloy da Silva 5. Suerdieck Emmendingen 6. Suerdieck Freiburg 7. Suerdieck Hamburgo
Vendidas Anteriormente 1. Inducondor 2. Exportadora Suerdieck Conservadas na Família 1. Agro Fumageira 2. Gerdieck
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Desativadas 1. Distribuidora RS 2. Distribuidora RJ 3. Maragogipana 4. Surta 5. Pisa
A tomada dos pavimentos
A BAHIA QUE DEU REIS,
no Edifício Suerdieck,
DO AÇÚCAR, DO CACAU E DO FUMO,
pelo Banco do Estado da Bahia,
PERDEU SUA ÚLTIMA CABEÇA COROADA
representou o último golpe
QUANDO GERALDO DEIXOU O
na existência de uma era,
TRONO DA SUERDIECK,
a do reinado dos charutos.
APÓS REINAR ¼ DE SÉCULO.
Por iniciativa de August Blase, havia sido inserido no contrato da entrega do controle acionário, o seguinte item: “O cessionário reconhece a eficiência da organização Suerdieck, constatada por seus prepostos junto à referida organização, há mais de seis meses, bem como a vantajosa produtividade”. Com esta estratégia, o grupo alemão lançou os fundamentos para segurar o cérebro técnico, Geraldo Meyer Suerdieck, único da família convidado para continuar na empresa, agora como empregado, ocupando o cargo de diretor industrial, tendo na presidência o alemão Peter Hermann Wimmer, executivo que ingressara na Melitta em 1964. O ex-presidente pensava que iria testemunhar uma nova era de prosperidade, decorrente da envergadura do Grupo Melitta, com cacife suficiente para investir pesado na Suerdieck. Mas o que assistiu foi a paulatina desestruturação da empresa, não por questões de ordem financeira, e sim de ordem organizacional. Em que pese os novos proprietários terem enviado à Bahia alguns técnicos com reconhecida capacidade, como Franz Himberger, Egon Zobiak e Töns Wellensieck, foram infelizes na escolha de outros, a exemplo de Rudolf Anton Fraunhofer, despreparado para superintender uma empresa com a complexidade da Suerdieck. Era um executivo competente. Ocorreram vários procedimentos polêmicos: desativada a produção do fumo homogeneizado46, e suprimida uma linha de charutos que abastecia a Argentina, cujos fumantes davam preferência aos chamados “feucht-mattiert”. Foi também eliminada a segmentação regional do mercado brasileiro, ou seja, para cada região havia marcas preferenciais, de acordo com o gosto de cada área. Enfim, adotou-se uma política de impor a padronização 46 Fumo homogeneizado é o fumo artificial, oriundo do aproveitamento dos fumos inferiores ou dos refugos de armazéns. Reprocessados industrialmente, transformam-se em nova matéria-prima, apresentada sob a forma de bobina ou rolo, com larga aplicação na produção mecanizada de charutos. A Suerdieck possuia uma formulação de sua própria criação e lavra, onde não entrava nenhum aditivo químico, pois trabalhava com fumo 100%, reutilizando as sobras da produção artesanal, as folhas dilaceradas ou com imperfeições na coloração. O seu fumo homogeneizado era aplicado, mecanicamente, nos capotes de algumas marcas de charutos da linha popular.
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do tipo e da qualidade sem levar em consideração uma máxima em vendas: “O consumidor é o rei, é quem escolhe”. A multinacional misturou filosofia de venda de filtros de café com charutos, implantando um sistema comercial de alto risco. Com a presença de August Blase incrementou-se o “draw-back”, que a Suerdieck fizera na época da crise, para esta mesma empresa. A operação “draw-back” consistia em receber o “bunch” (torcida+capote) produzido mecanicamente no exterior, para aqui ser colocada a capa, de maneira artesanal. O produto acabado retornava ao país de origem em contêineres. Mesmo com os encargos de docas, seguros e fretes, mas com a mão-de-obra barata e especializada da Bahia, compensava a utilização desta estratégia operacional47. Lá fora, os charutos eram embalados em caixas com a inscrição “Hand Made in Brazil” e procedida a comercialização, provavelmente com boa margem de lucratividade. Priorizou-se também a linha de encomendas, ou seja, a fabricação de marcas de terceiros. Um dos maiores clientes era o Zino Davidoff, que mensalmente comprava 50 mil charutos nobres, que na Europa recebiam anéis Davidoff e acondicionamento em caixas sofisticadas. Por conta disto, muitos brasileiros compravam no exterior, a peso de ouro, charutos Davidoff sem saber que eram brasileiros, ou melhor, baianíssimos, puros Suerdieck.
Fidel Castro oferecendo charutos Suerdieck a Carlitos (Charlie Chaplin), numa charge de Agostinho Gisé, veiculada em 1980, na revista Status. 47 Como se tratava de dar ocupação à mão-de-obra nacional, o governo isentava de impostos as operações pelo sistema “draw-back”: importação do charuto semi-acabado e exportação do charuto acabado.
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August Blase é incorporado pela Dannemann Zigarrenfabrik GmbH, sediada em Lübbecke. Em abril de 1981 a Dannemann alemã, controlada pela Melitta, assume o lugar de Blase na Suerdieck, transformando-se na nova sócia majoritária. No ano seguinte, em assembléia geral extraordinária, realizada a 12 de março de 1982, é apresentada uma carta datada do dia 24 do mês anterior, onde Peter Wimmer48 renunciava à presidência da Suerdieck. Para substituí-lo, a Melitta colocou um tcheco naturalizado brasileiro, Eugenio Saller. Logo após a troca no comando saiu um informe publicitário, que circulou encartado nas principais revistas nacionais. Intitulado “A Reconstrução de um Império”, foi aposto, em destaque, o lead abaixo: O Grupo Melitta investe milhões de dólares para modernizar a Suerdieck e aprimorar a qualidade de seus produtos.
A frase “aprimorar a qualidade de seus produtos” foi de cunho falso. Na verdade, o nível qualitativo dos charutos estava despencando por conta de compras malfeitas de fumo, efetuadas por prepostos com parcos conhecimentos técnicos da lavoura fumageira. O novo presidente, da “Nova Suerdieck”, como Saller gostava de frisar e perpetuou na publicação oficial, vivia a síndrome do medo, de pavor ao passado opulento e respeitável da Suerdieck. Fazia de tudo para destruir esta imagem. Sua tônica era alfinetar a verdade histórica, com afirmações recheadas de maldades e extemporâneas. Afinal, há sete anos a Melitta era dona da Suerdieck. Mas Saller buscava no passado o bode expiatório para os problemas do presente, dizendo demagogicamente: INFORME PUBLICITÁRIO
Compramos um nome de prestígio, embrulhado num pacote de problemas.
Saller sempre iniciava suas citações com uma frase verdadeira para concluir com outra fora da realidade, como esta jóia do delírio, também registrada no informe publicitário: — Nosso objetivo é ampliar o mercado interno, que pode absorver 100 milhões de unidades por ano! Pela previsão do presidente, a meta de 100 milhões de charutos seria factível até 1985, “quando todos os objetivos terão sido alcançados”, profetizou. Na Suerdieck sabia-se da inviabilidade desta fantasia faraônica. A pergunta de todos era: “Como ampliar as vendas se tinham implodido o setor comercial da distribuição nacional, que a Suerdieck levou décadas para edificar?
Eugenio Saller e uma de suas frases utópicas.
48 Peter Wimmer envolveu-se na Alemanha num escândalo que teve ampla repercursão na imprensa. Acusado de sonegação fiscal e apropriação indevida de 213 mil marcos, arrebanhados entre junho de 1997 e dezembro de 1981, período que presidia a Suerdieck, foi levado a julgamento em Bielefeld. Em outubro de 1984 saiu a sentença do tribunal alemão, uma condenação a 30 meses de prisão, para Wimmer cumprir em regime fechado.
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Eugenio Saller sonhava à distância, pois dirigia a Suerdieck por controle remoto, da retaguarda, do seu escritório em São Paulo, onde residia49. Aqui na Bahia quem mandava, desmandava, pintava e bordava, era o diretor superintendente, Rodolf Fraunhofer, o braço esquerdo da Suerdieck. Como Saller, o braço direito, nada entendia de fumos e de comercialização de charutos. Prova é que tentou alterar um sistema consagrado universalmente, ao cogitar a venda de charutos pelo peso, numa vulgarização que retiraria do produto toda a sua nobreza. Quando a inusitada proposta foi inserida na pauta de uma reunião, os gerentes brasileiros, remanescentes do período áureo, já assombrados com alguns métodos “revolucionários” implantados pelo que chamavam de “capataz da Melitta”, passaram a ter fundadas suspeitas do equilíbrio psicótico do dirigente. Pelos corredores sussuravam: “Este alemão é doido!”. Mas o hilariante mesmo foi o diretor ter despachado para Santa Catarina um agente para fechar a compra de três mil fardos de fumo Amarelinho, a preço bem inferior aos fumos da Bahia e de Arapiraca. Por se tratar de uma espécie para cigarros, o fumo do sul do Brasil não pode ser usado em charutos, sendo os fardos abandonados num depósito da fábrica de Maragogipe. Debochadamente, os mestres charuteiros se referiam ao “estoque estratégico” como “o fumo do Fraunhofer”. Pois bem, entregue ao comando de pessoas estranhas ao mundo dos charutos e ao próprio mundo baiano, e também por desconhecerem completamente os bastidores do mercado brasileiro de charutos, a Suerdieck empacou, não chegou no patamar projetado e esperado por Saller. Como as multinacionais poderosas exigem resultados compatíveis com o nível dos investimentos, a Melitta optou em desfazer-se da Suerdieck50. A aventura tinha durado onze anos, tempo suficiente para avaliar e reconhecer a ineficácia de seus executivos no ramo de charutos. Eles só foram eficientes na pose e na arrogância imperial, típica dos que se julgam superiores a tudo e a todos. O problema da Melitta não foi de ordem financeira, mas de gestão empresarial. Para vencer no mundo charuteiro, não basta ter dinheiro, tem que haver experiência e competência neste difícil ramo.
Sem time no topo da organização, para torná-la realmente vitoriosa na atividade charuteira, a Melitta decidiu devolver a empresa à família Suerdieck após um vultoso prejuízo operacional no exercício de 1985. A devolução foi de modo silencioso, sem nenhum comunicado nos jornais de Salvador ou de outras cidades, como São 49 Saller repartia seu tempo com outra presidência, na Companhia Industrial de Celulose e Papel Guaíba, também do Grupo Melitta. 50 Antes, a Melitta já havia demitido Rudolf Fraunhofer, julgado responsável por “condução desastrosa na Suerdieck”.
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Paulo e Rio de Janeiro, onde a multinacional havia badalado que iria transformar a Suerdieck nisto e naquilo. Já dizia um antigo provérbio popular: “Falar é fácil, o difícil é fazer”. Sem especialistas na matéria-prima, na fabricação e na comercialização, o difícil torna-se até impossível. OS PECADOS CAPITAIS 1º PRESIDENTE: WIMMER Passava a maior parte do tempo na Alemanha, orquestrando falcatruas contra o fisco e a própria empresa. 2º PRESIDENTE: SALLER Nem vinha à Bahia, mas era notória a sua ignorância nos setores da matéria-prima e do marketing charuteiro. DIRETOR SUPERINTENDENTE: FRAUNHOFER Um incompetente crônico, sem nenhuma qualificação técnica para superintender uma empresa do porte da Suerdieck. BANDITISMO Também contribuiu para os prejuízos operacionais a ação de alguns executivos desonestos, verdadeiros gângsteres, que traíam a confiança da Melitta. Aplicaram os mais variados golpes: compras desnecessárias ou para uso pessoal, aquisições fantasmas e pagamentos superfaturados. Roubaram até um antigo sino da fábrica de Maragogipe, que foi parar numa fazenda em São Paulo.
Porém, reconhece-se e credita-se à Melitta dois méritos inquestionáveis. Manteve intocável o emprego dos operários de Cruz das Almas e Maragogipe,uma exigência de Geraldo Suerdieck ao transferir o controle acionário. A Melitta saiu da Suerdieck deixando-a financeiramente saneada, sem dívidas, embora comercialmente arruinada. CONSEQÜÊNCIA DO CASO WIMMER NO BRASIL Numa auditoria, fiscais do governo alemão apreenderam documentos que comprometiam Peter Wimmer. Dentre eles relatórios da produção pelo sistema “draw-back”, assinados pelo diretor industrial, Geraldo Meyer Suerdieck. Os dados não batiam com os que foram contabilizados por determinação de Wimmer. As diferenças, de milhões de charutos, teriam sido a ponta do novelo para a descoberta de outros procedimentos irregulares, que culminariam no indiciamento, julgamento e prisão do
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executivo. No entremeio das investigações, Geraldo recebeu uma solicitação, através de Franz Himberger, para refazer os relatórios e assinar uma carta vinda já pronta da Alemanha, na qual o diretor brasileiro assumia os erros e atestava a inocência do presidente. Era uma desesperada tentativa para livrar a cabeça do Wimmer dos rigores das leis alemãs. Geraldo não acatou as ordens, por dois motivos: 1. Como presidente da Suerdieck sua conduta sempre fora de manter a empresa dentro dos trilhos da legalidade, sem qualquer artifício para burlar leis ou sonegar impostos; 2. Homem de passado limpo, não iria, aos 64 anos, fabricar documentos para falso testemunho, expondo-se também a ser enquadrado como corrupto perante a legislação na Alemanha, onde a comprovação dos casos de falsidade ideológica terminavam, invariavelmente, na cadeia. Porém, a honestidade teve o seu preço estipulado em 9 de maio de 1983, quando a assembléia geral ordinária reduziu de quatro para três o número de cargos na Diretoria. O extinto foi justamente o de Geraldo, que neste mesmo dia deixou a Suerdieck, para se dedicar exclusivamente ao comércio de fumos na sua exportadora, a Gerdieck.
A condenação de Peter Wimmer teve destaque na imprensa alemã. A matéria acima foi publicada no jornal Neue Westfälische, edição de 5 de outubro de 1984: 30 meses de prisão para o “Rei do Cigarrilho”.
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Capítulo
N
32
HONRARIAS
HONRARIAS
o dia 1º de maio de 1958, no Rio de Janeiro, em solenidade realizada na sede do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, o ministro José Parsifal Barroso entregou ao presidente da Suerdieck a Medalha de Ouro e o Diploma de Honra ao Mérito no Trabalho e na Produção. Geraldo Meyer Suerdieck constituiu-se assim no primeiro industrial do Norte/Nordeste a ser distinguido com as duas elevadas honrarias oficiais, anualmente concedidas, no Dia do Trabalho, há apenas quatro empresários. As homenagens a Geraldo, de ampla repercussão, foram decorrentes dos relevantes serviços prestados à causa social, como empregador na indústria. Esta foi a conclusão da comissão criada pelo governo federal, encarregada de analisar e aprovar nomes de destaques na vida sócio-econômica do Brasil. Em 4 de abril de 1959, o prestigioso jornal Estado da Bahia, órgão dos Diários Associados, a maior rede jornalística do país, publicou a relação dos “Dez Baianos mais Empreendedores”. Geraldo Meyer Suerdieck apareceu Parsifal Barroso, ministro da República, entregando a Geraldo no topo da lista, com divulgação Suerdieck o Diploma de Honra ao Mérito no Trabalho e na Produção. do seguinte currículo: O senhor Geraldo Meyer Suerdieck viveu de 1928 a 1933, e de 1937 a 1939, na Alemanha. Conhece quase todos os países da Europa. Liderando as mais importantes organizações de fumo, tem levado o nome da Bahia a todos os estados do Brasil e mesmo pelo mundo afora. A lavoura, a indústria e o comércio de fumos encontram nas diversas empresas ligadas a Geraldo Suerdieck uma posição de destaque em nossos meios econômicos.
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Agraciado no ano passado pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, com Medalha de Ouro e Diploma de Honra ao Mérito, Geraldo já exerceu os cargos de presidente do Sindicato da Indústria de Fumo do Estado da Bahia e de diretor da Associação Comercial da Bahia. Foi conselheiro da Federação das Indústrias do Estado da Bahia. Atualmente preside a Câmara de Fumos da Bolsa de Mercadorias da Bahia. No Grupo Suerdieck comanda um conjunto formado por nove empresas. Homem de grandes ocupações, seu hobby é o trabalho, que não esquece mesmo nos feriados e dias de descanso. Dificilmente participa de reuniões sociais, mesmo sendo figura de muito destaque na sociedade baiana.
Na verdade, o hobby de Geraldo era assistir competições de remo e futebol. Em Salvador torcia pelo Esporte Clube Vitória, tendo em dezembro de 1952 doado o barco Suerdieck para enriquecer a flotilha do rubro-negro. Sempre que podia ia ver o Vitória nas regatas no porto dos Tainheiros e nos jogos da Fonte Nova. Freqüentava também os mais importantes estádios brasileiros e europeus. Estava no Maracanã na decisão do mundial de 1950, ganho pelo Uruguai diante dos olhos de 220 mil espectadores. Eis o que os de Geraldo viram: Ao assinalar o gol da vitória, o uruguaio Gighia impôs ao monumental e superlotado estádio um silêncio mortal. E quando o juiz apitou o final do jogo, o Maracanã dava a impressão de ter-se transformado no palco de um gigantesco velório. Os brasileiros foram saindo aos poucos do maior templo de futebol do mundo. Pareciam desorientados pela tragédia esportiva e caminhavam lentamente, em marcha de cortejo fúnebre, entregues aos soluços e lágrimas. Tamanha dor coletiva somente voltaria a ver em 1954, no dia do suicídio de Getúlio Vargas. Ao sair do Hotel Glória, onde estava hospedado, deparei-me com um clima de grande comoção popular pelas ruas do Rio de Janeiro. O traslado do corpo do presidente até o aeroporto foi outra cena dantesca, que também muito me emocionou. A multidão parecia transtornada, como se todos tivessem diante da perda irreparável do pai ou de um irmão.
Durante a juventude,Geraldo destacou-se como ponta-direita habilidoso, tendo na Alemanha atuado no time do Donnerbank. Em Salvador criou e jogou no Suerdieck Futebol Clube, que chegou a fazer várias partidas preliminares de jogos profissionais no Estádio Arthur Morais, o popular Campo da Graça, que foi o principal templo do futebol baiano até 1952. A partir do ano seguinte os jogos de maior envergadura foram transferidos para um novo estádio, o da Fonte Nova. A última vez que Geraldo jogou foi numa partida entre a Suerdieck e a seleção da
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Penitenciária de Salvador, quando, ao chutar para assinalar o segundo gol, sofreu uma entrada desleal do marcador, que cravou os bilros da chuteira na sua canela. Com o sangue escorrendo, teve de deixar o campo, com a sorte do detento não ter lhe quebrado a tíbia. Nunca mais jogou futebol. Também já estava beirando os trinta anos e não via mais sentido jogar no meio dos jovens valores que renovavam o plantel da Suerdieck.
Time de futebol da Suerdieck, em 19 de setembro de 1945, logo após um jogo treino. Da esquerda para a direita: Geraldo Suerdieck, Jessy Amorim, Gilberto Lacerda, Almeidinha, Euriberto Ferreira, Fernando Suerdieck e Dudu. Agachados: Epaminondas Bandeira, João, Nicolau Suerdieck, Aroldo Ribeiro e Péricles Drumond. O garoto é Maneca, filho de Epaminondas Bandeira.
Abandonado o futebol, passou a se dedicar com intensidade a um outro hobby que o fascinava, o cultivo das orquídeas. Na mansão da Graça possuía um fantástico orquidário, com mais de 300 espécies raras, de todas as regiões brasileiras e de dezenas de países. Montou também um viveiro na Fazenda Boa Vista, localizada na entrada da cidade de São Gonçalo dos Campos, destino dos passeios a cavalo. De área pequena, impressionava pela organização, verdadeiro modelo para propriedades do seu porte. Havia pomar, haras, apiário, animais silvestres e criação de gado leiteiro, galinhas, saqués, perus, gansos, pavões e porcos, além das orquídeas colocadas nos troncos do arvoredo nativo. A casa-sede tinha mobiliário em madeira de lei, todo confeccionado por hábeis marceneiros Sede da Fazenda Boa Vista.
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da carpintaria da fábrica Suerdieck em Maragogipe. Além do lazer familiar, a propriedade servia como ponto de apoio para os que chegavam à região fumageira levados por Geraldo. Uma boa parte dos hóspedes era de importadores de fumos ou charutos e até por donos de fábricas de charutos no exterior. Sabedores da paixão pela orquidologia, muitos agentes distribuidores dos charutos Suerdieck ofereciam a Geraldo mudas preciosas. Mas na maioria das vezes ele as adquiria durante suas viagens, algumas delas em países tão longínquos como a Indonésia. Nas décadas de 50 e 60, Geraldo chegou a ser, seguramente, o empresário baiano que mais viajava ao exterior, sempre para tratar das exportações de fumo em folha ou de charutos. Culto e poliglota, nunca precisou de intérpretes. Tratava tudo diretamente, em alemão, inglês, francês ou espanhol. Geraldo e Aída na Fazenda Boa Vista, em São Gonçalo dos Campos, julho de 1958.
Na comunidade internacional de setor fumageiro, Geraldo gozava do
conceito de ser um dos maiores especialistas do mundo em fumos e
charutos.
Um fato que lhe encheu de orgulho ocorreu em Hamburgo, durante uma visita programada à firma Gebr. Keitel, cujo titular era um nobre, Von Leisewitz. Conduzido a uma grande mesa com duas pilhas de fumo, cada uma coberta por uma toalha branca, um dos executivos perguntou, num teste para desmoralizar ou consagrar: — Senhor Suerdieck, recebemos as amostras dos FL’s, uma ao preço de 1 dólar e outra por 80 cents. Para nós são da mesma qualidade. Deixamos aqui para o senhor indicar o tipo mais caro! Não foi difícil para Geraldo, após uma rápida avaliação, apontar com absoluta segurança para o monte mais caro. Havia sido preparada uma cotação para mil fardos de FL Bahia-Brasil a 1 dólar o quilo. A firma alemã contrapôs a compra por 80 cents. Geraldo respondeu com uma nova amostra, esta sim, no valor proposto pelo cliente. Só que esta última continha uma mistura com 25% de FL Arapiraca-Alagoas, cujo formato da folha, espessura, coloração e cheiro eram um pouco diferentes do FL Bahia-Brasil, imperceptíveis por leigos ou semi-leigos. Didaticamente, Geraldo mostrou aos alemães os diferenciais técnicos. Ficaram tão surpresos com a honestidade comercial que nunca mais questionaram qualquer item em relação aos fumos cotados pela empresa de Geraldo. Certa feita, na Suíça, ao visitar uma fábrica de charutos na cidade de Burg/Aargau, em atividade desde 1864 e dona da famosa marca “Rossli”, Rudolph Burger, queixouse que na última compra havia recebido gato por lebre. Assustado com a denúncia,
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Geraldo pediu para ver uma amostra do produto. Ao examiná-la, desabafou, taxativamente: — Deve haver algum engano, este fumo não é nosso, quero inspecionar os fardos! O industrial acompanhou-o ao depósito, onde o encarregado apontou para as pilhas recém-chegadas do Brasil. Geraldo aproximou-se, mandou virar um dos fardos e passando a mão no invólucro de aniagem mostrou com um leve sorriso: — Não falei que houve engano? Este fumo pertence a outro exportador, veja as iniciais dele aqui, CL. É de Carl Leoni! O capitão do Grupo Burger Söhne ficou muito impressionado com o conhecimento demonstrado por Geraldo. A partir daí nasceu uma sólida amizade entre ambos. Noutra visita, Rudolph Burger confidenciou possuir um neto que era admirador fanático do Pelé, terminado por pedir uma foto autografada pelo craque. Geraldo ficou numa situação difícil, pois não conhecia Pelé pessoalmente. Voltou ao Brasil pensando numa maneira de conseguir atender ao desejo do amigo. Poucos meses depois, num sábado pela manhã, na marina onde ficava a sua lancha, deparou-se com Pelé, que também se preparava para sair, na companhia de cicerones baianos, para um passeio pela Baía de Todos os Santos. Foram apresentados, bateram papo, mas Geraldo só se lembrou da foto depois, tarde demais. Na segunda-feira, no Aeroporto Dois de Julho, quando aguardava o vôo que o levaria ao Rio de Janeiro, onde faria conexão para nova viagem à Europa, outra coincidência, lá estava o astro do futebol. Enquanto conversavam, Geraldo contou o pedido do industrial suíço. Pelé colaborou na hora e poucos segundos depois, uma máquina Polaroyd registrou o encontro dos dois. No verso o rei fez a dedicatória para o menino, que recebeu o presente das mãos do próprio Geraldo. A Pelé ofereceu uma caixa de charutos Suerdieck, retirada da loja do aeroporto, com a seguinte observação: — Sei que você não fuma, mas leve para o seu pai. Ofereça ao Dondinho esta lembrança da Bahia! Uma ocasião, quando ao volante do seu automóvel se dirigia da Alemanha à Suíça, teve o veículo revistado na fronteira. Os guardas helvécios viram no porta-malas dez caixas da Suerdieck. Para liberá-las exigiam o pagamento de impostos, elevadíssimos. Geraldo argumentou que os charutos se destinavam ao seu consumo pessoal e que, com aquela taxação, preferia deixá-los ali, pois seria muito mais barato requisitar novas caixas no distribuidor, A. Dürr & Co. AG, em Zurique. Os aduaneiros não gostaram da observação e um deles ameaçou: — Ou paga ou o autuamos por contrabando! Depois de muita conversa, convencidos de que as caixas não seriam vendidas na Suíça, pois de fato estavam diante do proprietário da fábrica famosa, fizeram-no assinar um termo de doação dos charutos, em favor de uma instituição filantrópica. Geraldo continuou a viagem convencido de que as caixas seriam na verdade repartidas entre os próprios guardas do posto fronteiriço. Tinha percebido que os olhos de alguns brilhavam de desejo pelos produtos sobejamente conhecidos.
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Na convivência das viagens internacionais, pelo fato de possuir sobrenome genuinamente germânico e por falar fluentemente alemão e inglês britânico, muitos confundiam-no como empresário alemão radicado Brasil. Embora pudesse usufruir da cidadania alemã e usar passaporte alemão, Geraldo jamais pleiteou tais direitos. Preferia ser exclusivamente brasileiro e ficava aborrecido quando ouvia perguntas cretinas ou comentários desfavoráveis ao seu país. Sentia-se ofendido com a ignorância ou imagem distorcida que os europeus e americanos tinham do Brasil. A grande maioria acreditava que o Brasil era inóspito, um território selvagem, habitado por índios ferozes, por animais perigosos e cheio de doenças tropicais. Muita vezes Geraldo recepcionou visitantes que chegavam cautelosos, pisando em ovos. Uma certa feita o casal Suerdieck recebeu uma alemã para jantar em Brotas, na Chácara Suerdieck, dotada de vasta vegetação nativa. Após o repasto, todos se dirigiram a uma varanda na lateral da casa, para respairecer e apreciar o bosque iluminado pelo clarão da lua cheia. De repente, Geraldo verificou que a visitante olhava para a parede com ar de assombro. Quis saber a razão da súbita preocupação, tendo recebido uma resposta que lhe deixou espantado, pois a distinta senhora apontou e disparou: — É aquele filhote de crocodilo. Será que a mãe está por perto? Ela vai entrar aqui? Frau Elisabeth tinha visto uma lagartixa branca, o inofensivo e pequenino réptil de hábitos noturnos, que vive exclusivamente nas paredes das construções. O que ela não sabia e se descobrisse ficaria horrorizada, talvez até fosse acometida de um mal-estar, era da existência de um jacaré-de-papo-amarelo, uma espécie da família dos crocodilos. Fora colocado na propriedade para meter medo e afastar a entrada dos ladrões de frutas. Mas o tiro saiu pela culatra, pois mataram e levaram a carne do animal, de sabor muito apreciado, principalmente quando cozinhada na forma de moqueca, um prato típico da Bahia, preparado com azeite-de-dendê. Noutra ocasião, Geraldo hospedou um inglês na Vila Suerdieck, em Maragogipe. Na manhã seguinte, fez a pergunta de praxe: — Como foi a noite, dormiu bem? — Para dizer a verdade, senhor Suerdieck, não consegui dormir um minuto! — O que foi que houve? — Um mosquito ficou a noite inteira me mordendo. O danado não perdia uma viagem, piscava uma luz para me localizar! A luz era de um vaga-lume, um pirilampo vagueando pelo quarto com o seu intermitente pisca-pisca fosforescente, mas as ferroadas foram das muriçocas que infestavam Maragogipe naquela época do ano. O visitante tinha sido, inadivertidamente, alojado num quarto desprovido de mosquiteiro, o cortinado protetor contra as investidas do terrível inseto, invisível à noite, que só ataca no escuro. Quando já não era dono da Suerdieck, o município de Salvador, por iniciativa do vereador Jaime Vieira Lima, homenageou o empresário que durante 27 anos comandou a empresa que muito contribuiu para divulgar a Bahia no exterior. No dia 12 de novembro de 1975, o prefeito Jorge Hage Sobrinho sancionou a Lei nº 2.777, que oficializou denominações de logradouros no bairro da Boca do Rio. Um deles,
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de código 2322, que começa na Rua Cristóvão Ferreira e termina na Abelardo Andrade de Carvalho, recebeu a designação de Rua Geraldo Suerdieck, donde deriva a Travessa Geraldo Suerdieck, que tem o código 15736.
João Ramos
VILA SUERDIECK
A antiga residência de Gerhard vista através de dois ângulos, em épocas distintas. No final de 1937 foi transformada em hospedaria, para uso de visitantes especiais, empregados graduados em permanência temporária e diretores em trânsito por Maragogipe.
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HOMENAGENS PÚBLICAS OFICIAIS Designação
Cidade
Homenageado
SUERDIECKSTRASSE (Rua Suerdieck)
MELLE (Alemanha)
AUGUST WILHELM SUERDIECK
RUA AUGUSTO SUERDIECK
MARAGOGIPE
AUGUST WILHELM SUERDIECK
RUA FERNANDO SUERDIECK
MARAGOGIPE
HEINRICH FERDINAND SUERDIECK
COLÉGIO ESTADUAL GERHARD MEYER SUERDIECK
MARAGOGIPE
GERHARD MEYER SUERDIECK
RUA GERHARD MEYER SUERDIECK
MARAGOGIPE
GERHARD MEYER SUERDIECK
PRAÇA GERALDO MEYER SUERDIECK
CRUZ DAS ALMAS
GERALDO MEYER SUERDIECK
RUA GERALDO SUERDIECK
SALVADOR
GERALDO MEYER SUERDIECK
TRAVESSA GERALDO SUERDIECK
SALVADOR
GERALDO MEYER SUERDIECK
Obs: Em Salvador, na Casa de Retiro São Francisco, por contribuições à realização de obras, existem duas placas de agradecimentos, a Gerhard Meyer Suerdieck e Geraldo Meyer Suerdieck.
Geraldo era constantemente citado nos periódicos especializados em fumos e charutos. Um deles, a revista World Tobacco, editada em Londres, enviou-lhe um ofício, redigido em alemão (ao lado), solicitando dados biográficos e autorização para publicação do seu perfil numa seção reservada aos executivos importantes, conhecidos no comércio mundial. O registro saiu em inglês, o idioma oficial do conceituado magazine de circulação internacional.
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Leão Rozemberg
GERALDO M. SUERDIECK
WORLD TOBACCO
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EXPOENTES DA INDÚSTRIA BRASILEIRA Em 1960, a Confederação Nacional da Indústria prestou um tributo à memória de onze empresários que haviam se destacado no setor industrial do país. Individualmente, a láurea foi consignada numa placa circular (7cm de diâmetro) cunhada em bronze e contendo em alto-relevo a efígie do homenageado. A distribuição foi conjunta, com as onze medalhas dentro de grandes estojos aveludados. Eis o seleto grupo, por ordem alfabética: Alvimar Carneiro de Rezende (1897-1943), Armando Arruda Pereira (1889-1955), Carlos Renaux (1862-1945), Delmiro Gouveia (1863-1917), Euvaldo Lodi (1896-1956), Francisco Matarazzo (1854-1937), Gerhard Meyer Suerdieck (1886-1950), Jorge Street (1863-1939), Luiz Tarquínio (1844-1903), Morvan Dias de Figueiredo (1890-1950) e Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948).
Miss Bahia 1965, Marilda Mascarenhas, em visita à sede da Suerdieck. A pose é junto ao quadro da matriarca da família, Tibúrcia Guedes Meyer Suerdieck, pintado por M. Gaspar, em 1946.
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Capítulo
33
CONTROLE VOLTA À FAMÍLIA SUERDIECK
CONTROLE VOLTA À FAMÍLIA SUERDIECK
A
o casar-se com Geraldo Meyer Suerdieck, Gisela Huch deixou de ser uma simples secretária na Exportadora de Fumos Suerdieck para se transformar numa executiva de primeiro escalão. Quando o namoro começou, reconhecendo potencial na moça, Geraldo mandou-a para um estágio em Maragogipe, onde absorveu os conhecimentos técnicos na escolha de bons fumos e aprendeu tudo sobre a fabricação de charutos, os quais, na convivência com o marido, passaria a fumar. Geraldo também traquejou a esposa nas viagens internacionais de negócios, abrindo portas e introduzindo-a no círculo empresarial da Europa, inclusive no Donnerbank, onde ela penetrou através da Hans Joachim Peters, filho do comendador Julius Peters. Hans, que substituiu o pai no topo da organização, era amigo de Geraldo, pois haviam sido colegas no estágio profissionalizante. O aprendizado de Gisela foi rapidíssimo e, em pouco tempo, resolvia negociações que não dependiam mais da presença do marido. Virou expert em questões do mercado externo, tanto que, mesmo após o casamento desfeito, continuou a trabalhar para o Grupo Suerdieck, como procuradora, baseada em Hamburgo. NA AGRO A ASCENSÃO Em 1978 Gisela Huch Suerdieck retornou ao Brasil para assumir uma diretoria na Agro Comercial Fumageira S.A., que não havia sido repassada ao Grupo Melitta. A posição foi-lhe proporcionada pelo ex-marido, que através da Gerdieck detinha uma participação acionária na empresa. Pensando no futuro dos filhos gêmeos e também desejando vê-los residindo na Bahia, Geraldo criou os meios que fizeram a mãe das crianças co-proprietária e dirigente da Agro, conforme quadro abaixo. Presidente................................................ Fernando Meyer Suerdieck Vice-Presidente........................... Mário Amerino da Silva Portugal Diretora Superintendente............................... Gisela Huch Suerdieck Diretor Técnico......................................... Agenor de Jesus Souza
Graças aos indiscutíveis méritos pessoais, não foi difícil para Gisela tornar-se vitoriosa na Agro. Especialista no mercado internacional de fumos, assumiu as rédeas das exportações. Em julho de 1983, numa operação com a participação do
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Donnerbank, Gisela tornou-se acionista majoritária e elevou-se à presidência da empresa, consolidando a imagem de empresária bem-sucedida, de vertiginosa ascensão e notável articuladora internacional. COMPRA DA SUERDIECK Três anos após ter assumido o controle total da Agro, Gisela Huch Suerdieck surpreendeu o meio empresarial baiano com a compra da Suerdieck, em 16 de julho de 1986. Fora vendida pela Melitta num processo de pagamento parcelado até 1993. Portanto, 11 anos e 4 meses depois, o controle acionário de um dos mais famosos fabricantes de charutos do mundo voltou à família Suedieck, agora representada pela quarta geração. Com os novos donos surgiu também uma nova razão social, Suerdieck Charutos e Cigarrilhas51 Ltda., limitada à Gisela e seus dois filhos, Geraldo Andreas e Gisela Elisabeth. GERAÇÕES NO COMANDO 1. Suerdieck 2. Meyer Suerdieck 3. Meyer Suerdieck 4. Huch Suerdieck
CENTENÁRIO DA EMPRESA
1892
1992
O ano de 1992 tinha um significado muito especial. Há um século August Suerdieck iniciava em Cruz das Almas suas atividades como enfardador e exportador de fumos. Em comemoração ao centenário da empresa, a Suerdieck preparou uma exposição itinerante para percorrer dez capitais. A largada foi dada em Salvador, no dia 26 de abril, no Shopping Barra, seguindo depois para Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília, Recife e Fortaleza. A mostra foi montada com 30 painéis fotográficos, catálogos de produtos e caixas de charutos. Mas, a grande atração, que atraiu às atenções do público, foi o trabalho de duas charuteiras, que fizeram demonstrações ao vivo, evidenciando a tradição da Suerdieck, reconhecida mundialmente como fabricante de ótimos charutos totalmente feitos à mão. 51 Na época da empresa como sociedade anônima, o nome era Cigarrilhos, com sede em Salvador. Com a nova razão social a sede foi transferida para Maragogipe.
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FECHAMENTO DE UMA FÁBRICA
Fábrica de Maragogipe, uma das maiores do mundo.
Em 1992 a empresa teve também de tomar uma medida impopular, que mexeria na economia de um município. Não se justificava mais a Suerdieck continuar mantendo duas fábricas numa mesma região, em duas cidades distantes entre si apenas 44 quilômetros. A de Maragogipe, onde começou a história dos charutos, era a maior e mais equipada. A de Cruz das Almas se encaixava no perfil de uma unidade enxuta, com menor custo operativo. Qual das duas a fechar? No passado, Maragogipe teve um porto importante, bem movimentado. Agora era uma cidade parada no tempo. Desde que a linha de navegação perdera a importância no Recôncavo, ela entrou num paulatino e irreversível processo de decadência. Num país em que o progresso ficou atrelado à malha rodoviária, Maragogipe, distante de um eixo rodoviário importante, foi perdendo espaço no contexto econômico. Com a BR-101 passando na porta da cidade, Cruz das Almas ficou em evidência e numa posição privilegiada. A rodovia foi a alavanca para o seu progresso e desenvolvimento rápidos. Por conta disto, o comércio varejista e atacadista prosperou, surgiram concessionárias de veículos, melhoraram os meios de hospedagem, abriramse restaurantes e surgiram várias agências bancárias. Isto sem falar já na existência da Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia e no Centro Nacional de
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Pesquisa da Mandioca e Fruticultura, implantado pela Embrapa, que se transformou num pólo em tecnologia agrícola e deu a Cruz das Almas o título de principal núcleo produtor de frutos cítricos da Bahia. Ademais, lá estava também a sede da Agro Comercial Fumageira, pioneira no Brasil no plantio do fumo Sumatra. A Agro encontrava-se numa situação excelente, abastecendo a Suerdieck de matéria prima de primeiríssima qualidade e exportando muito fumo. Com 15 campos de cultivo em quatro municípios (Cruz da Almas, Sapeaçu, Muritiba e Conceição do Almeida), era a maior empresa brasileira na exportação de fumos capeiros. CIDADE
REGIÃO
DISTÂNCIA POPULAÇÃO BANCOS DE SALVADOR URBANA - 1991 1991
ECONOMIA
CRUZ DAS ALMAS
RECÔNCAVO SUL
146km
30.910
05
ASCENDENTE
MARAGOGIPE
RECÔNCAVO SUL
133km
20.475
01
ESTAGNADA
Devido às circunstâncias do quadro acima, a opção foi pelo encerramento das atividades da famosa fábrica de Maragogipe. Todos os negócios, de fumo e charutos, ficaram concentrados na cidade de Cruz das Almas, a capital do fumo baiano, onde exatamente há um século August Suerdieck começou sua caminhada empresarial e onde também se abasteceu de recursos para, mais tarde, iniciar a vitoriosa produção dos charutos Suerdieck. Com a desativação da unidade de Maragogipe, desapareceu a maior fábrica da história dos charutos brasileiros, que durante muitos anos foi a base de sustentação de um verdadeiro império industrial.
Quem não gostou do súbito fechamento da fábrica pioneira, além, evidentemente, de seus operários e autoridades municipais, foi o antigo capitão do conglomerado Suerdieck, Geraldo Meyer Suerdieck, que sempre se orgulhou de ter nascido em Maragogipe. Ligado por laços afetivos à cidade e à fábrica que seu pai transformou na mais completa da América do Sul, Geraldo lamentou que na nova gestão da família Suerdieck, agora sob o comando da ex-esposa, a medida tivesse de ser implementada. Relembrou que somente havia cedido às propostas para entregar a Suerdieck à Melitta por causa justamente da fábrica de Maragogipe, para preservar a sua continuidade e garantir os empregos que sustentavam milhares de famílias maragogipanas.
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Fechada a fábrica de Maragogipe, a sede da Suerdieck Charutos e Cigarrilhas Ltda. foi automaticamente transferida para o endereço da única unidade fabril remanescente da Suerdieck, à Rua 15 de Novembro n° 25, bem no centro de Cruz das Almas, pois a cidade cresceu ao redor da fábrica. FIM DE UM CICLO A fábrica da Suerdieck em Maragogipe, que chegou a ser a maior do mundo na produção de charutos artesanais, funcionou até o dia 5 de novembro de 1992. Esta data marca o fim da era dos charutos em Maragogipe, que durou 140 anos. Tudo começou em 1852, com o português Manoel Vieira de Mello, pioneiro na manufatura empresarial de charutos em Maragogipe, que teve duas outras fábricas famosas, Victória e Dannemann.
AÇÕES RELEVANTES Em 1993 foi instalada na Praça da Matriz, num dos prédios da antiga fábrica dos charutos Mello, a Casa da Cultura de Maragogipe, tendo como mantenedora a recém-criada Fundação Suerdieck. O empreendimento visava proporcionar à cidade, sem opções para o desenvolvimento das atividades artísticas e culturais, um espaço adequado e bem equipado, próprio ao fomento dos bens regionais, valorizando e incentivando as áreas da música, artes plásticas, artesanato, etc. A iniciativa minorou um pouco o impacto gerado pelo fechamento da grande fábrica. Em Cruz das Almas a investida foi no setor educacional, com a criação da Escola Profissionalizante Gisela Suerdieck. A idealizadora seguia o exemplo da Mercedes Benz e da Bayer, que mantinham excelentes escolas profissionalizantes na Alemanha. A escola da Gisela começou com 30 vagas, para formar eletricistas e mecânicos, em cursos com duração de três anos, onde os alunos estudavam gratuitamente e recebiam alimentação. Primeira mulher a fazer sucesso num ramo tipicamente masculino, Gisela Suerdieck foi convidada para presidir a Câmara do Comércio e Indústria BrasilAlemanha, Seção Bahia. Aceitou dizendo que sua missão seria “restabelecer os laços da Bahia com a Alemanha, que tinham sido fortes antes da II Guerra Mundial”. Nas suas viagens à Europa, Gisela passou a incluir na agenda dos trabalhos na Alemanha assuntos da entidade que tratava do intercâmbio comercial e industrial entre os dois países. Por conta desta atuação foi homenageada pelo governo alemão, tendo recebido, em 1994, do embaixador no Brasil, Herbert Limmer, a condecoração da Ordem do Mérito da República Federal da Alemanha.
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Gisela devia a Geraldo a ascensão internacional. Foi ele quem lhe abriu as portas para o mundo dos fumos, dos charutos e das finanças. Entregou-lhe a agenda dos contatos na Europa. De posse deste legado importantíssimo, e carregando o sobrenome Suerdieck, ela soube traçar o seu caminho empresarial. Margret K.H. Schwartz (Magy)
Gisela Huch Suerdieck em 1994, aos 58 anos, no climax da trajetória empresarial.
Assinaturas da empresária.
236
Capítulo
C
34
RECONSTRUÇÃO DO GRUPO
RECONSTRUÇÃO DO GRUPO
om os bons ventos soprando na exportação dos fumos, Gisela resolveu investir num leque empresarial, formando um novo Grupo Suerdieck. 1. CHARUTOS PIMENTEL Em abril de 1987 foi adquirida a Pimentel Indústria de Charutos Ltda., com sede e fábrica em Muritiba. Fundada em 14 de setembro de 1937, a Pimentel tinha boa penetração nos mercados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e em três países da Europa, Holanda, Alemanha e Suíça. 2. GERDIECK Mesmo entregando a Suerdieck ao Grupo Melitta e sendo contratado como diretor, Geraldo não abandonou a enfardação e exportação de fumos. Exercia estas atividades através da Gerdieck, como supervisor, já que o comando efetivo da empresa ficou com a esposa, Neusa. Ao deixar de ser diretor da Suerdieck o empresário voltou-se integralmente à Gerdieck. Quatro anos depois Geraldo resolveu sair do ramo fumageiro e se aposentar. A Gerdieck Comércio e Exportação de Fumos Ltda. foi vendida à ex-esposa, em 18 de setembro de 1987. 3. CHARUTOS IDEAL Fundada em Muritiba, a 31 de julho de 1986, a Manufatura de Charutos Ideal Ltda. foi comprada pela Suerdieck dois anos depois, em agosto de 1988.
Anúncio publicado na Alemanha e Suiça, em diversos jornais e revistas especializadas, quando a Pimentel já estava sob controle da Suerdieck.
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4. EXPORTADORA SUERDIECK Quando a Suerdieck foi repassada à Melitta, a firma holandesa Koch Scheltema N.V., sucessora de N.V. Koch & Co´s Tabakshandel, que era majoritária na Exportadora de Fumos Suerdieck S.A., procedeu uma alteração na razão social da empresa baiana. Tabarama Tabacos do Brasil Ltda. passou a ser a nova designação. Gisela foi buscar de volta a razão social antiga, haja vista a boa reputação do nome Suerdieck no exterior. Ademais, havia um componente de ordem afetiva. A Exportadora tinha sido a razão da sua vinda para o Brasil, como secretária. Agora era a dona da empresa. 5. CONCESSIONÁRIAS DE VEÍCULOS Com a abertura às importações, surgiu em 1993 a oportunidade da entrada no ramo de veículos, sendo negociada a representação da marca francesa Peugeot para Salvador e Feira de Santana. Em janeiro de 1994 foi inaugurada a concessionária Nancy Automóveis e depois a Passy Veículos, respectivamente na capital e na maior cidade do interior baiano. 6. OUTROS INVESTIMENTOS No período de dez anos (83/93), foram adquiridas várias fazendas, com três finalidades: a. Ampliação da área cultivada do fumo Sumatra, que passou de 50 para 450 hectares; b. Experimentos com outras espécies de fumo; c. Experimentos com plantas medicinais. A Agro investiu também em convênios técnicos com universidades do Brasil e da Alemanha, para pesquisas de novos métodos de secagem do fumo e de combate às pragas e doenças na lavoura fumageira. Top de Marketing 93 Com o objetivo de estimular a produção publicitária e as vendas de produtos e serviços, a Associação dos Dirigentes de Marketing e Vendas da Bahia – ADVB, instituiu em 1986 o Top de Marketing, uma premiação anual. Embora a entidade promotora do evento fosse regional, o certame tinha alcance nacional e os prêmios muito cobiçados. Na VIII edição do Top de Marketing a Suerdieck Charutos e Cigarrilhas foi a vencedora na categoria Indústria. O presidente da ADVB, Raymundo Dantas, ao entregar a estatueta à Gisela Huch Suerdieck, disse que o troféu tinha sido “o coroamento da capacidade da empresa de transformar problemas em ótimas oportunidades de bons negócios, usando o marketing como ferramenta de trabalho”. A solenidade, realizada na noite de 3 de março de 1994, teve como palco o Hotel Meridien de Salvador.
238
Capítulo
35
RECONFIGURAÇÃO MERCADOLÓGICA
RECONFIGURAÇÃO MERCADOLÓGICA
E
m 1991 iniciou-se um amplo processo de reformulação na estrutura das marcas, com o objetivo de otimizar a produção, concentrando recursos nos títulos e formatos de maior aceitação pelo mercado. De quase três centenas, entre marcas do período pré-Melitta e as que foram criadas durante a administração dos alemães, chegou-se em 1997 com as seguintes: 1. CHARUTOS LONG FILLER Panatela Ouro Panatela Fina Ouro Mata Fina Especial Corona Imperial Luxo * Pimentel Gigante * Pimentel Príncipe Negro * Pimentel Paquetá * Iracema Mata Fina * Iracema Macumba * Caballeros * Valência 2. CHARUTOS SHORT FILLER Ouro de Cuba Supremo Florinha Havana Médios Havana Pequena Flor Holandeses Supremo * Pimentel Rosinha * Pimentel Pimentillos * Pimentel Guarujá * Pimentel Muritiba * Iracema Santo Amaro * Iracema Santana * Iracema Autênticos * Mandarim Pai * Copacabana Sumatra
Show-room da Suerdieck na Tabacaria Reis, São Paulo.
* Exportação.
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3. SHORT FILLER (produção mecanizada)
Índios Mulata Puro Bahiano Pimentel 4. CIGARRILHAS Pimentel Cigarrilhas Brasilva Petit Palomitas (Classic, Cherry e Clove) Mas a grande novidade, do ponto de vista mercadológico, ocorreu em novembro de 1994, quando foi lançada uma linha de charutos especiais. Atendendo aos apelos dos distribuidores nacionais, e após ter realizado uma pesquisa de mercado, foi desenvolvida a série Don Pepe, voltada também aos consumidores europeus e americanos.
DON PEPE EXPORT LINE elenco
SHORT FILLER
LONG FILLER
double corona churchill
MM 190x20
capa SUMATRA-BAHIA
178x18.5
´´
robusto
127x20
´´
petit lonsdale
150x16
´´
slim panatela
130x12
´´
half corona
110x14
´´
small cigars
100x10
´´
Os charutos long filler da linha Don Pepe foram concebidos visando também o segmento dos “Premium Cigars”, uma categoria extremamente seletiva, criada pelos americanos, para agrupar as marcas nobríssimas, ou seja, a fina-flor da produção mundial de charutos.
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PRESENTE & PASSADO MARCAS Em contraposição ao passado, de centenas de marcas, para todos os gostos, preferências e poder aquisitivo,com multiplicidade de tipos (comprimento e bitola dos charutos), a linha de produção ficou resumida a poucas marcas, seletivas, compatíveis com a capacidade de uma fábrica enxuta no espaço físico e no quantitativo da mãode-obra. Mesmo assim, a Suerdieck continuou sendo o maior fabricante de charutos do Brasil. FORMATAÇÃO O formato bojo ou torpedo, que durante décadas caracterizou os charutos Suerdieck, foi definitivamente substituído pelo formato paralelo de bico batido (linheiro). A empresa acompanhou a tendência mundial, que privilegia o padrão da formatação cubana. CAPEAÇÃO A produção dos charutos com capa clara foi priorizada em função do gosto dos fumantes brasileiros, americanos e
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até europeus, que se renderam à influência cubana. Mas, os charutos de capa escura, Bahia-Brasil, continuaram tendo boa aceitação na Europa, especialmente na Alemanha e Suíça. Por conta disto, a Suerdieck manteve duas linhas de exportação, Pimentel e Iracema, capeadas com fumo escuro. No Brasil, a marca Mata Fina Especial passou a ser a única comercializada com o capeiro Bahia-Brasil. ANÉIS No segmento Don Pepe, onde a Suerdieck concentrou todo o esforço de marketing, quebrou-se a longa tradição dos anéis com a logomarca Suerdieck-Bahia, nas cores vermelho e branco sob o fundo ouro, num design aristocrático. O novo anel apresenta cores discretas com o nome Don Pepe em destaque, secundado pela inscrição Made in Brasil. A assinatura Suerdieck aparece na parte posterior,tão reduzida que ficou quase imperceptível. Nas marcas tradicionais foi conservado o Suerdieck-Bahia, usado desde 1905.
Val Araújo
CAIXAS A Suerdieck não possuía mais a Indústria de Madeiras Esperança, ou qualquer outro fornecedor de cedro, para a confecção das caixinhas embaladoras. Esta madeira nobre ficou escassa, tornando-se quase impossível um abastecimento regular na quantidade exigida pela indústria e no preço que pudesse ser absorvido pela estrutura de custo de cada produto. A solução foi encontrada na madeira aglomerada, produzida industrialmente, cuja matéria-prima é extraída das florestas artificiais, com padrão de crescimento rápido e econômico. Também passou-se a utilizar, de forma bastante significativa, como já ocorria na Europa, o recurso das carteiras em papel duplex, para acondicionamento de poucos charutos, 3, 4 ou 5 unidades.
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Capítulo
36
A CRISE FATAL
A CRISE FATAL Para continuar a progredir, deve-se aceitar o risco de falhar. Andrew Carnegie
E
É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar triunfos e glórias, mesmo expondo-se à derrota, do que formar fila com os pobres de espírito, que nem gozam muito nem sofrem muito, porque vivem nessa penumbra cinzenta, que não conhece vitória nem derrota. Theodore Roosevelt
nxergando o mundo de forma semelhante às citações acima, Gisela Huch Suerdieck continuou na sua luta até que, no final de 1995, teve início uma nova crise financeira no Grupo Suerdieck52. O motivo principal foi a quebra da safra de 1995, provocada por um ataque severo do fungo cercóspora nas plantações do fumo Sumatra. Após anos de investimentos, com déficit histórico de capital de giro e sem financiamentos a curto prazo, a Agro Comercial Fumageira, dona da Suerdieck, viu-se num processo de grandes dificuldades, colocando em risco a sobrevivência de todo o grupo empresarial. A Agro Comercial Fumageira pulou do 232º lugar para o 130º no ranking das 300 maiores empresas da Bahia. Esta posição, o auge do desempenho, foi mantida durante dois anos consecutivos, em 1994 e 1995. No desempenho setorial (fumo) liderou por cinco anos seguidos. Em 1996, com o advento da crise, a Agro não conseguiu sequer figurar entre as 300 maiores empresas baianas. CLASSIFICAÇÃO ENTRE AS MAIORES DESEMPENHO 1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
GLOBAL
232
160
140
132
130
130
fora do ranking
SETORIAL-FUMO
2º
1º
1º
1º
1º
1º
fora do ranking
Fonte: IMIC – Fundação Instituto Miguel Calmon de Estudos Sociais e Econômicos.
52 Os filhos de Gisela exerciam funções executivas de grande importância: Geraldo Andreas era diretor administrativofinanceiro e Gisela Elisabeth a diretora comercial.
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Em novembro de 1997, quando a Suerdieck já estava mortalmente contaminada pela crise na Agro, ocorreu uma mudança no topo da organização. Gisela passou o comando à filha, reconhecidamente uma executiva competente, que tinha dinamizado o setor comercial da Suerdieck. Mas Gisela Elisabeth pegou a empresa num beco sem saída, completamente exaurida nos recursos financeiros, drenados pela líder do Grupo. Sua missão ficou praticamente restrita à obrigação de prolongar a agonia de um paciente em fase terminal. Internamente, já se sabia que somente um milagre poderia salvar a Suerdieck do devastador efeito cascata que se originou na controladora do seu capital. Durante alguns dias, no jornal A Tarde, foi publicado um convite para o jantar “Amigos dos Charutos”, programado para 10 de setembro de 1999, no Meridien Bahia, luxuoso hotel localizado em Salvador. Continha a seguinte informação: “Menu acompanhado de vinhos portugueses e charutos Dannemann, Chaba, LeCigar e Menendez Amerino”. Embora convidada, a Suerdieck não participou do evento, pois se encontrava nos estertores dos moribundos. A produção de charutos foi interrompida em 30 de outubro de 1999, uma sextafeira. No dia seguinte os operários entraram em férias coletivas. Na reapresentação tiveram a confirmação da notícia que mais temiam, o anúncio do encerramento das atividades e o fechamento da fábrica em caráter definitivo. O setor administrativo, que continuou funcionando durante o “descanso” compulsório do operariado, já havia concluído os procedimentos para as rescisões dos contratos de trabalho, garantindo que todo o quadro de pessoal – já reduzidíssimo, com apenas 100 empregados – pudesse obter, com maior rapidez, o seguro-desemprego do governo. Última das empresas a ser desativada, a Suerdieck não foi fechada por contingência judicial, decorrente de uma ação falimentar requerida pelos credores do Grupo ou pelos portadores dos cheques sem-fundos emitidos pela produtora dos charutos famosos. A paralisação da fábrica ocorreu por completa exaustão nas fontes da alimentação financeira. Sem crédito na rede bancária e sem meios para o custeio dos insumos, o colapso total foi inevitável. A Suerdieck morreu no dia das demissões dos empregados, em 1º de dezembro de 1999, na cidade onde nasceu, Cruz das Almas, com idade de 107 anos, sendo 94 dedicados à fabricação de charutos. Da mesma maneira como veio ao mundo, o desenlace ocorreu na forma mais discreta possível, silenciosa e sem alarido na imprensa. Durante 55 anos (1942-1997) a Suerdieck constituiu-se na maior fabricante e exportadora de charutos brasileiros. Paradoxalmente, a crise surgiu num momento em que o mercado era francamente favorável aos produtores de bons charutos. O consumo mundial encontrava-se em crescimento e o mercado interno também dando mostras de recuperação. Enfim, o hábito de fumar charutos renascia com força na década da virada do milênio, após a intensificação das campanhas internacionais contra os cigarros.
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Na crise de 1970, somente eliminada em 1975, a origem das dificuldades estava na empresa líder do Grupo, Suerdieck S.A. Charutos e Cigarrilhos. Na crise iniciada em 1995, o epicentro das dificuldades foi na Agro Comercial Fumageira S.A., empresa líder do novo Grupo. Na seqüência das complicações na Agro, a Suerdieck Charutos e Cigarrilhas Ltda.
foi sangrada em seus recursos e
Fachada da sede da Agro, em Cruz das Almas.
levada à extinção.
Gisela, a construtora e presidente do novo Grupo Suerdieck, entre os filhos Geraldo Andreas (diretor administrativofinanceiro) e Gisela Elisabeth (diretora comercial), em março de 1994. Com a crise financeira, iniciada no ano seguinte, a capitã não resistiu ao choque de assistir o desmoronamento da Agro Comercial, ficando bastante deprimida. Em 1997 retornou à Alemanha, para levar uma vida longe dos negócios, numa aposentadoria precoce. Coube à filha a missão de comandar a fábrica de charutos, até o seu último suspiro.
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Adendo
AS EXPLICAÇÕES DO DIRETOR ADMINISTRATIVO-FINANCEIRO
Geraldo Andreas na inauguração da Nancy, concessionária Peugeot, em janeiro de 1994.
Faço abaixo um breve resumo sobre os últimos anos das empresas do Grupo e sobre os motivos da crise financeira que causou o encerramento das atividades da Suerdieck. Estrutura de Capital do Grupo No ano de 1983 a minha mãe assumiu o controle da Agro Comercial Fumageira, comprando as ações do senhor Mário Portugal, com a ajuda financeira de bancos estrangeiros. Naquela época a Agro já apresentava um déficit de capital de giro. Os clientes passaram a adiantar receitas para poder financiar o custeio da safra. A Agro aumentou a sua área de plantio de 50ha para 450ha. Além dos investimentos na expansão da sua produção, foi comprada, entre outras empresas do setor, a Pimentel e a Suerdieck. A recuperação da imagem do nome Suerdieck e da qualidade dos seus charutos exigiram durante anos um aporte constante de capital, feito pela Agro. Em função destes investimentos, a Agro passou a ser a empresa controladora da Suerdieck.
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A maioria dos investimentos foi feita com recursos de curto prazo, o que criou uma forte dependência de capital de terceiros (bancos e clientes). Não posso deixar de citar também que nos anos 80, alguns executivos do Grupo, abusando da confiança dada por minha mãe, lesaram seriamente as empresas, tanto a Agro, como a Suerdieck. Um destes roubos foi levantado pelos auditores da KPMG, que, a partir deste momento, assumiram a auditoria contábil e financeira do Grupo. Quebra da safra de 1995 A incidência desastrosa de um fungo na lavoura do fumo, que atingiu não só a Agro, como todos os demais plantadores de fumo na região. Plano Real O Plano Real teve um impacto muito forte sobre a rentabilidade da Agro. A desvalorização das receitas e o aumento dos custos, principalmente da mão-deobra (60% do total dos custos), com o aumento do salário mínimo de US$ 70,00 para US$ 100,00, geraram um aumento do endividamento de curto prazo. Nesta fase, a crise do setor financeiro, com a intervenção do Banco Central no Banco Econômico, tornou extremamente difícil para os bancos brasileiros, em função da insegurança do mercado internacional, a captação de dólares no exterior. Com isso, as linhas de câmbio, principal linha de financiamento da Agro, tornaram-se escassas, caras e com um prazo incompatível com o ciclo da safra de fumo, ou seja, a empresa, neste momento difícil, ainda perdeu a maioria das suas fontes de capital de giro. É importante lembrar a postura do Baneb, que prejudicou seriamente a Agro nesta fase. Como o Baneb não conseguia captar recursos no mercado internacional, a nossa linha de câmbio de US$ 1.000.000,00 ficou indisponível para a empresa. Conseguímos, através do bom relacionamento comercial, junto ao Deutsch Südamerikanische Bank (DSK), um banco alemão, um repasse para o Baneb no valor de US$ 1.000.000,00, exclusivo para ser utilizado pela Agro. O DSK não podia aumentar o seu risco com a Agro, mas estava disposto a assumir o risco Baneb para ajudar a empresa. Para o Baneb a operação seria interessante, pois poderia beneficiálo em futuras captações no exterior. Quando o Baneb solicitou oficialmente junto ao DSK a linha, o Baneb tentou repassar parte do valor para outra empresa, o que acabou causando um desgaste junto ao DSK e o cancelamento da operação. Financiamento Clientes A outra fonte de capital de giro era o financiamento dos clientes. Desde 1983 os clientes ajudavam a custear a safra de fumo através do adiantamento de parte das receitas. Porém, a quebra da safra e a instabilidade do setor exportador, com
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a desvalorização do dólar, levaram os clientes a interromper inesperadamente o financiamento. Eles estavam dispostos a fornecer contratos de compra de fumo, mas em função do “risco Brasil”, ficaram inseguros em relação ao futuro dos exportadores como um todo. Tentamos negociar os contratos de compra, mas como o fumo capeiro claro não é uma commodity, não foi possível levantar um financiamento baseado nos mesmos. As duas fontes de financiamento da Agro, os clientes e os bancos, secaram ao mesmo tempo. Concessionária Peugeot Prevendo uma paridade futura entre o real e o dólar, não uma desvalorização tão acentuada como de fato ocorreu, o Grupo investiu na marca Peugeot, procurando um equilíbrio cambial dentro do Grupo. Se por um lado as exportações iriam ser prejudicadas, por outro as importações seriam beneficiadas, uma vez que o governo, com a redução do imposto de importação sobre veículos, deu um sinal verde para o setor de automóveis importados. É importante frisar que o local do show-room e o da oficina eram alugados, o que reduziu bastante o montante do investimento. Infelizmente, com a mudança radical das regras de mercado pelo governo, o setor de importados entrou também em crise. Das 25 primeiras concessionárias Peugeot no Brasil, a nossa foi a de nº 24. Somente uma sobreviveu. O investimento não teve o retorno desejado, mas não contribuiu de forma expressiva na crise posterior do Grupo. Negociações com os Bancos Credores / Investidores Mediante o impasse financeiro, a família decidiu agir da seguinte forma: · Contratar um escritório de advocacia de renome nacional (Demarest & Almeida), para consultar e ajudar a família na negociação com os bancos credores e na reestruturação financeira do Grupo (financiamentos de longo prazo, sócios investidores ou venda das empresas). · Através do escritório Demarest & Almeida, contratamos o Banco Cindam, que, após diversos estudos, achou viável a elaboração do projeto de reestruturação financeira do Grupo. Optamos por contratar a assessoria de profissionais experientes, conscientes da nossa falta de maturidade profissional para enfrentar uma crise tão séria. Internamente, optamos, em conjunto, por dividir as tarefas da seguinte forma: · Minha irmã, que já vinha coordenando o processo de produção das empresas, iria cuidar também da parte financeira do dia-a-dia, incluindo a negociação do passivo dos fornecedores com os recursos disponíveis através das vendas da Suerdieck, única fonte de entrada de dinheiro. · Eu iria acompanhar as negociações externas junto com o escritório
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Demarest & Almeida e a elaboração do projeto de reestruturação financeira pelo Banco Cindam. É importante deixar claro que, todos os passos das negociações com os bancos, bem como as negociações junto aos investidores, foram decididos sempre em família (quando falo família, me refiro a minha mãe, minha irmã e eu). O BNB foi o primeiro banco que nós procuramos para expor as sérias dificuldades e solicitar um empréstimo adicional de R$ 2.000.000,00 para concluir o cultivo do fumo, que já estava plantado, pois o BNB: · era durante quinze anos um parceiro da empresa, · era o maior credor e detentor da maioria das garantias da empresa, · era um banco, voltado para o desenvolvimento regional, preocupado com os aspectos sociais. O BNB exigiu, além da garantia dos demais bancos credores, e que estes recursos seriam exclusivamente destinados ao custeio da safra, uma avaliação da viabilidade do Grupo por um consultor de confiança do próprio banco. Foi realizada, a pedido do BNB, uma reunião com a presença dos demais bancos credores, o Banco Cindam, os advogados do escritório Demarest & Almeida, o consultor indicado pelo BNB (que aprovou a viabilidade financeira das empresas) e a diretoria do Grupo Suerdieck. Após a reunião todos os demais bancos deram como certo o empréstimo que seria concedido pelo BNB. Infelizmente o BNB contrariou todas as expectativas e, após diversos contatos com a empresa, incluindo um estudo sobre a viabilidade de transformar a Agro em uma cooperativa, o empréstimo não foi liberado. Essa postura do BNB, além de causar a perda da safra que estava em andamento e, com isso, o aumento do endividamento da Agro, criou um mal-estar muito grande junto aos demais bancos, que também se recusaram a conceder um capital de giro extra para a empresa. Teria sido muito melhor se o BNB não tivesse assumido a liderança perante os demais bancos credores. Os diretores dos bancos em São Paulo diziam “por que nós vamos disponibilizar recursos para a Agro, se justamente o BNB não está preocupado com isso?” Alguns funcionários do BNB acharam um absurdo como o banco nos prejudicou. O projeto, elaborado e apresentado pelo Banco Cindam aos bancos credores, baseava-se na expansão e no crescimento da Suerdieck dentro do Grupo, ou seja, a Suerdieck tinha que aumentar o seu faturamento anual, que girava em torno de US$ 1.500.000,00, e, conseqüentemente, a sua geração de caixa, para ajudar o pagamento do passivo. A venda isolada da Suerdieck não iria equacionar os problemas do Grupo.”A Agro investiu muitos recursos na Suerdieck, estava na hora da Suerdieck ajudar a Agro.” Isso foi fundamental para que a Suerdieck não fosse vendida isoladamente da Agro. Mesmo que isso fosse feito, qual o investidor iria assumir o risco de comprar uma empresa, cuja operação poderia ser questionada judicialmente pelos bancos credores? Infelizmente, em função da forte e inesperada desvalorização do dólar, aliada à repentina falta das linhas de financiamentos e a interrupção dos financiamentos dos clientes, que ocorria há mais de dez anos, não foi possível, em tempo hábil, desvincular a Suerdieck da Agro.
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É importante mencionar, · que todos estes fatos ocorreram em um período de seis meses, · e para o registro na Junta Comercial da alteração de capital das duas empresas, era necessária a atualização dos impostos de ambas as empresas. Foram realizadas diversas negociações com investidores de dentro e, principalmente, de fora do país. A família desde o início das negociações deixou claro que o interesse era de achar uma solução para a continuidade das empresas, e não uma solução para os donos. Em nenhum momento ignoramos uma lição dada pela própria família, em 1975, quando meu pai, os tios e a minha avó abriram mão de todas as ações na Suerdieck, em troca da preservação da empresa, dos empregos e da tradição internacional dos charutos. Não quero detalhar todos os contatos com investidores, mas dois meses antes da reeleição do presidente do País, quase obtivemos uma carta de intenção para apresentar aos bancos credores. Porém, quando o governo, em função da crise asiática, resolveu aumentar os juros internos para 49% ao ano, o investidor desistiu e resolveu esperar como a economia brasileira iria se desenvolver. No final, o Banco Fator se interessou pelo projeto e assumiu a tentativa de venda das empresas e exigiu conduzir as negociações diretamente com os bancos credores. Infelizmente, as previsões do Banco Fator de achar uma solução também não se realizaram e o tempo de vida das empresas estava chegando ao final. Eu não quero com esse relato colocar a culpa só em fatores externos. É evidente que nós fracassamos na busca de uma solução. A culpa é de muitos, incluindo as assessorias contratadas, que talvez buscaram um caminho errado, e claro, a família. É óbvio que a culpa no final recai sobre os donos e não pretendo, e nunca pretendi, transferir responsabilidades ou apontar “bodes expiatórios”. É evidente também que se minha irmã e eu tivéssemos tido uma melhor preparação profissional e uma maior experiência, pudéssemos, talvez, ter enxergado mais cedo a frágil estrutura financeira da empresa e previsto com mais antecedência a crise. Em momento algum, porém, nós nos deixamos tomar pelo orgulho ou pela autoconfiança, tanto que buscamos a ajuda de profissionais competentes, conscientes das nossas próprias limitações. Geraldo Andreas Meyer Suerdieck Ao abrir espaço às explicações do diretor administrativo-financeiro do Grupo Suerdieck, permiti sua defesa contra as acusações de diversas fontes, nos setores bancário e empresarial, que o tinham na conta de principal responsável pelo fim das empresas. Ao diretor imputavam diversas decisões infelizes, que teriam contribuído para fragilizar a capacidade financeira do grupo na hora de enfrentar as conseqüências do ataque do fungo cercóspora nas plantações de fumo da Agro. Foi também apontado como obstáculo para que a Suerdieck fosse desvinculada da Agro, quando ainda havia condições jurídicas e contábeis. umpf
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Capítulo
37
CRONOLOGIA
CRONOLOGIA EVOLUÇÃO EMPRESARIAL PERÍODO
RAZÃO SOCIAL
ATIVIDADE
1892 - 1905
AUG. SUERDIECK
EXPORTAÇÃO DE FUMOS
1905 - 1914
AUG. SUERDIECK
EXPORTAÇÃO DE FUMOS FABRICAÇÃO DE CHARUTOS FABRICAÇÃO DE CHARUTOS
SUERDIECK & CIA.
1914 - 1946
EXPORTAÇÃO DE FUMOS SUERDIECK S.A.
FABRICAÇÃO DE CHARUTOS
CHARUTOS E CIGARRILHOS
EXPORTAÇÃO DE FUMOS (*)
SUERDIECK CHARUTOS
FABRICAÇÃO DE CHARUTOS
1947 - 1986 1986 - 1999
E CIGARRILHAS LTDA. (*) Passou para a Exportadora de Fumos Suerdieck S.A., criada em 30 de março de 1950.
localização da sede SOCIAL MARAGOGIPE
1905 / 1938
SALVADOR
1938 / 1986
MARAGOGIPE
1986 / 1992
CRUZ DAS ALMAS
1992 / 1999
FUNCIONAMENTO DAS FÁBRICAS LOCALIZAÇÃO
TEMPO
SITUAÇÃO EM 2000
Maragogipe
87 anos
Prédio abandonado
(grande porte)
(1905-1992)
Cruz das Almas
64 anos
(porte médio)
(1935-1999)
Cachoeira
30 anos
(pequeno porte)
(1936-1966)
Prédio fechado Depósito de fumo da Danco*
* Danco – Comércio e Indústria de Fumos Ltda., antiga Dancoin, vendida pela Melitta ao grupo suíço Burger Söhne.
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PRINCIPAIS DIRIGENTES DA INDÚSTRIA DE CHARUTOS Fundador: August Suerdieck* NOME
PERÍODO
TEMPO
ferdinand suerdieck
1905 - 1923
18 ANOS
Gerhard meyer suerdieck
1923 - 1948
25 ANOS
geraldo meyer suerdieck
1948 - 1975
27 ANOS
administração melitta
1975 - 1986
11 ANOS
GISELA H. F. HUCH SUERDIECK
1986 - 1997
11 ANOS
GISELA ELISABETH HUCH SUERDIECK
1997 - 1999
2 ANOS
peter Wimmer 75/82 e Eugenio Saller 82/86
(*) August Suerdieck patrocinou o surgimento da fábrica de charutos, mas, pessoalmente, dedicava-se exclusivamente ao setor da exportação de fumos. Com a sua aposentadoria, em 1928, esta área passou a ser acumulada por Gerhard Meyer Suerdieck.
OS SUERDIECK DIRIGENTES DA INDÚSTRIA DE CHARUTOS
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ESPECIALISTA NO FUMO BAHIA-BRASIL Acervo: Therezinha Goes de Araújo
Eric Hess
Antônio Eloy da Silva nasceu em São Félix, a 12 de maio de 1903. Aos oito anos foi levado para ser educado na Alemanha. Ficou morando na casa que August Suerdieck possuía em Wiesbaden. No retorno, em 1919, teve de reaprender a falar o português, tendo como escola básica a Suerdieck, onde seu padrinho o colocara para trabalhar, no setor de fumos. Revelando uma excepcional vocação, rapidamente aprendeu tudo e tornou-se um grande conhecedor do ciclo fumageiro, desde a lavoura até a aplicação da matéria-prima na fabricação dos charutos. Além da ligação íntima com o fundador da Suerdieck, verdadeiro pai de criação, Antônio Eloy conviveu profissionalmente com o criador dos charutos, Ferdinand, e com seus sucessores no comando da empresa, Gerhard e Geraldo. Também conheceu Gisela, pois trabalharam juntos, na época em que a futura dona da Suerdieck estava casada com o presidente. Em suma, foi o único a ter relacionamentos estreitos com os líderes das gerações familiares que dirigiram a Suerdieck. Chegou no topo da companhia em janeiro de 1947, quando a Suerdieck foi transformada numa sociedade anônima e ele guindado ao posto de diretor técnico. O nome da Eloy da Silva & Cia. Ltda., criada pela Suerdieck, foi em sua homenagem, bem como os charutos DaSilva e BraSilva, juntamente com várias marcas integrantes do elenco destas duas linhas. Durante mais de meio século dedicou-se à Suerdieck, sempre trabalhando com o tabaco nativo. Antônio Eloy da Silva foi um dos maiores especialistas que a empresa teve na sua história. Geraldo Meyer Suerdieck, uma referência internacional quando se falava no fumo baiano, foi seu discípulo. O catedrático no fumo Bahia-Brasil faleceu em Salvador, no dia 25 de abril de 1986, às vésperas de completar 83 anos.
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LEGADOS CULTURAIS 1. A Suerdieck foi a principal patrocinadora, durante décadas, da Festa de São Bartolomeu, em Maragogipe, uma das mais tradicionais e importantes manifestações do patrimônio religioso e culturalpopular do Recôncavo. 2. A Suerdieck fomentou a criação e apoiou o grupo folclórico Samba-de-Roda da Suerdieck, formado por charuteiras da fábrica de Cachoeira. O grupo, que continuou existindo mesmo após o fechamento da fábrica, transformou-se numa relevante manifestação cultural da Cidade Monumento Nacional. 3. A Suerdieck colaborou, durante muitos anos, com seis filarmônicas de três cidades: Sociedade Cultural Orféica Lira Ceciliana e Sociedade Lítero Musical Minerva Cachoeirana, ambas de Cachoeira; Sociedade Filarmônica Euterpe Cruzalmense e Sociedade Filarmônica Lyra Guarani, de Cruz das Almas; Sociedade Recreativa e Cultural Terpsícore Popular e Sociedade Recreativa 2 de Julho, de Maragogipe. 4. Como uma das mais importantes empresas com sede em Salvador, a Suerdieck apoiou, em diversas oportunidades, a realização de exposições e eventos artísticos na capital baiana.
PRÊMIO TIBÚRCIA SUERDIECK Para incentivar o interesse pela cultura científica em geral, e particularmente pelos estudos da administração escolar, foi instituído pela firma baiana Suerdieck S.A. Charutos e Cigarrilhos um prêmio no valor de Cr$ 100.000,00, a ser distribuído segundo o regulamento do concurso. A Notícia, 18.01.1961 Rio Preto – São Paulo O Prêmio Tibúrcia Suerdieck, conferido bianualmente a um autor brasileiro, dono do melhor trabalho original sobre o tema Administração Escolar, foi uma promoção idealizada pela Anpae – Associação Nacional dos Professores de Administração Escolar.
A DÉCADA DE 1950 REPRESENTOU O AUGE DA OPULÊNCIA DA SUERDIECK.
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APÊNDICE APÊNDICE
255
256
APÊNDICE: 1ª PARTE
GENEALOGIAS
FAMÍLIA MEYER
FAMÍLIA MEYER GEORG ERNST EDUARD MEYER 03.02.1805, Stadthagen 10.12.1861, Stadthagen AUGUSTE CHARLOTTE WOBBEKING 31.12.1804, Oldendorf 27.05.1887, Stadthagen JOHANN CHRISTIAN GERHARD MEYER 11.02.1835, Stadthagen 24.09.1898, Stadthagen HENRIETTE ADALIE KNEMEYER 03.07.1841, Bielefeld 11.08.1906, Stadthagen
• Como não conseguia ter um filho, o casal Meyer adotou uma menina, Marie, que não aparece no diagrama. Porém, logo depois nasceria o primeiro dos dez filhos. • Desta família de Stadthagen, Gerhard foi o terceiro a vir para o Brasil. Hermine foi a primeira e uma outra irmã, Susanne, chegou em 1908, casada com Eugen Meyer, natural de Winnenden. Um dos homens da confiança de August, Eugen era procurador em Salvador da Aug. Suerdieck.
CHARLOTTE LOUISE MEYER
ANTOINETTE CAROLINE MEYER
HERMINE
05.10.1865, Stadthagen 19.12.1902, Bückeburg 30.04.1867, Stadthagen 04.10.1917, Hannover
LOUISE JULIANE GERHARDA MEYER 11.04.1869, Stadthagen 08.11.1906, Bückeburg FANNY SOPHIE ADELE GERHARDINE MEYER 01.08.1871, Stadthagen MARIA DE LA LUZ JOHANNA GERHARDINE MEYER 16.03.1873, Stadthagen 25.05.1933, Braunschweig JOSEPHINE WILHELMINE MARGARETHA GERHARDINE MEYER 02.04.1875, Stadthagen 30.12.1916, Stadthagen
GERHARD
HERMINE ADOLPHINE GERHARDINE MEYER 08.02.1877, Stadthagen 30.10.1931, Wiesbaden FRIEDRICH AUGUST GERHARD ALBRECHT WOLFGANG MEYER 23.05.1878, Stadthagen 21.06.1933, Stadthagen WILHELMINE AUGUSTE GERHARDINE SUSANNE MEYER 22.11.1880, Stadthagen 20.12.1921, Sachsa KARL LUDWIG RUDOLF GERHARD MEYER 04.12.1886, Stadthagen 31.07.1950, Salvador
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APÊNDICE: 1ª PARTE
GENEALOGIAS
FAMÍLIA SUERDIECK
FAMÍLIA SUERDIECK JOHANN FRIEDRICH SUERDIECK 19.09.1753, Melle 08.01.1827, Melle ANNA MARIA CHARLOTTE MEYER 1757, Glandorf 26.06.1831, Melle ANTON RUDOLPH SUERDIECK 01.07.1791, Melle MARIA ANNA ELISABETH SPECKMANN 14.02.1793, Borgloh 10.01.1875, Melle JOSEPH SUERDIECK 03.08.1824, Melle 05.04.1875, Melle ELIESE MARIA NIEMEYER 18.04.1840 23.07.1930, Melle
AUGUST WILHELM SUERDIECK 01.01.1860, Melle 23.09.1930, Wiesbaden
HEINRICH FERDINAND SUERDIECK 29.08.1875, Melle 17.03.1923, Luzern
HERMINE ADOLPHINE GERHARDINE MEYER 08.02.1877, Stadthagen 30.10.1931, Wiesbaden
ALMA STUPPE
SEM DESCENDÊNCIA
03.09.1875, Hamburgo 06.08.1956, Joinville
SEM DESCENDÊNCIA
Nos últimos seis anos, a viúva de Ferdinand Suerdieck residiu em Joinville, no convívio da colônia alemã desta cidade de Santa Catarina, onde veio a falecer, de edema cerebral, aos 80 anos. Sua morte ocorreu três meses após a inauguração do Edifício Suerdieck, símbolo do império dos charutos criados pelo seu marido. Alma Suerdieck deixou Salvador a convite da amiga Edith Schmalz, que havia sido dona de um hotel na capital baiana. Desde o falecimento de Ferdinand, recebia uma pensão da Suerdieck, que também custeou as despesas do funeral. Foi sepultada no Cemitério Municipal de Joinville.
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APÊNDICE: 1ª PARTE
GENEALOGIAS
FAMÍLIA MEYER SUERDIECK
FAMÍLIA MEYER SUERDIECK GERHARD MEYER SUERDIECK 04.12.1886, Stadthagen 31.07.1950, Salvador
AGUIDA ALICE DA COSTA CUNHA
TIBÚRCIA PEREIRA GUEDES 15.11.1900, Maragogipe 26.11.1997, Salvador
CARLOS MEYER 09.07.1910, Maragogipe desconhecido
Casamento: 19.11.1923 Maragogipe
MARIA AMÉLIA DAS NEVES
ANTÔNIO NEVES MEYER 17.05.1916, Maragogipe 1960, Belo Horizonte
RAULINA DA COSTA CUNHA 13.05.1912, Maragogipe 27.05.1998, Salvador GERALDO MEYER SUERDIECK 23.11.1918, Maragogipe
NICOLAU MEYER SUERDIECK 23.02.1922, Maragogipe 31.05.1999, Salvador
1 2
3 4
GLACY PENOVARRO SERRANO 06.02.1920, Porto Alegre 01.03.1999, Rio de Janeiro
SUSANA MEYER 25.03.1920, Maragogipe 20.12.1922, Maragogipe ALBRECHT WOLFGANG MEYER SUERDIECK 20.03.1923, Maragogipe 02.01.2001, Lauro de Freitas RUTH PINTO CERQUEIRA 11.03.1928, Conceição do Almeida
SUSANA MEYER SUERDIECK 14.10.1944, Salvador 12.02.1993, Salvador
GERALDO MEYER SUERDIECK NETO 30.06.1951, Salvador
ANA MARIA SERRANO SUERDIECK 03.09.1948, Salvador
MARCELO CERQUEIRA MEYER SUERDIECK 10.08.1953, Salvador 13.05.1954, Salvador
NICOLAU MEYER SUERDIECK JR. 26.02.1952, Salvador
RUTH CERQUEIRA MEYER SUERDIECK 30.07.1956, Salvador 16.07.2003, Miami ALBRECHT W. MEYER SUERDIECK JÚNIOR 09.10.1959, Salvador 5
FERNANDO MEYER SUERDIECK 09.08.1924, Maragogipe 17.09.1989, Salvador JÚLIA MARIA DE CARVALHO DÂMASO 22.03.1927, Salvador
VIRGÍNIA DÂMASO SUERDIECK 21.08.1950, Salvador
FERNANDO MEYER SUERDIECK JR. 30.11.1964, Salvador
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APÊNDICE: 1ª PARTE
GENEALOGIAS
DESCENDÊNCIA DE GMS
DESCENDÊNCIA DE GMS GERALDO MEYER SUERDIECK 23.11.1918, Maragogipe AÍDA MARIA DA CUNHA RIBEIRO 22.01.1924, Salvador
Casamento: 31.10.1942 Salvador Desquite: 24.11.1962 Salvador
SOLANGE RIBEIRO MEYER SUERDIECK 02.08.1943, Salvador LUIZ EDUARDO MEYER SUERDIECK 16.12.1951, Salvador 16.02.1984, Salvador CARLOS GERALDO MEYER SUERDIECK 06.08.1953, Salvador
GISELA HEDWIG FRANZISKA HUCH 17.10.1936, Hannover
Casamento: 12.12.1962 Santa Cruz, Bolívia Desquite: 03.09.1967 Santa Cruz, Bolívia
GERALDO ANDREAS MEYER SUERDIECK 04.07.1966, Hamburgo GISELA ELISABETH HUCH SUERDIECK 04.07.1966, Hamburgo
NEUSA PINTO CERQUEIRA 15.09.1936, Salvador 28.01.1990, Salvador
Casamento: 22.07.1968 Santa Cruz, Bolívia Casamento: 13.06.1979 Salvador
LARA CERQUEIRA MEYER SUERDIECK 04.08.1970, Salvador KARINA CERQUEIRA MEYER SUERDIECK 12.09.1973, Salvador
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Kurt Julius
Aída Ribeiro aos 17 anos, na foto oficial para formatura no Colégio das Mercês.
Gisela Huch em 1956, aos 20 anos de idade.
Neusa Cerqueira em 1956, aos 20 anos de idade.
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Aída e Geraldo no salão de festas do Hotel da Bahia, em Salvador. Comemoração do Ano Novo, 1º de janeiro de 1956.
Gisela e Geraldo, tendo no centro o casal Oscar e Agrair Schmidt, no Iate Clube da Bahia. Carnaval de 1963.
Neusa e Geraldo, em setembro de 1968, durante a viagem de lua-de-mel: na cervejaria Muncherner Hofbrauhaus, em Hamburgo, na companhia da senhora Else Niemann.
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APÊNDICE: 1ª PARTE
GENEALOGIAS
TIBÚRCIA GUEDES MEYER SUERDIECK
TIBÚRCIA GUEDES MEYER SUERDIECK
A
A vida da matriarca da família Meyer Suerdieck foi um conto de fadas. Teve existência longa, 97 anos.
exemplo de milhares de crianças maragogipanas, Tibúrcia nasceu na dureza da pobreza e, o que era pior, na zona rural, em Capanema, distante das escolas, inviabilizando qualquer possibilidade de alfabetização. Aos quinze anos perdeu o pai, humilde agricultor, obrigando a mãe a enviá-la à cidade, em busca de trabalho que lhe desse o sustento. Os parentes arranjaram uma colocação na Suerdieck, onde foi iniciada na arte de fazer charutos. No ambiente fabril brotou na adolescente a ambição de ser uma charuteira importante, para poder ingressar no seleto grupo das operárias de elite, que produziam os charutos da confecção mais difícil. Como a Dannemann era a grande fábrica de Maragogipe, a jovem também projetou o sonho para o salão de fabricação desta famosa empresa. Após o período da aprendizagem, Tibúrcia foi destacada para o setor dos charutos mais simples de serem elaborados, onde o gerente passou a observá-la e a rondar a sua banca. Catorze anos mais velho, com fama de mulherengo e pai solteiro de três filhos, havidos com duas maragogipanas, Gerhard Meyer na fábrica, em 21 de janeiro de 1917. Logo à sua frente, sentada na o alemão encantou- ponta, aparece Tibúrcia Pereira Guedes, que há dois meses completara 16 anos. Um se com o exotismo de ano e dez meses depois desta foto ela teria o primeiro filho. uma beleza que lhe fascinou, formada pela miscigenação de sangues português, espanhol e aborígine. Desprezando as advertências de que seria mais uma no rol do conquistador, a moça da roça deixou-se arrebatar pelos galanteios. Tinha 16 anos, engravidou aos 17 e tornou-se mãe aos 18 anos. Embora inexperiente, a operária era decidida e corajosa. Em vez de ter sido vítima
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Gonsalves
de uma armadilha da sedução, Tibúrcia foi, na verdade, a sedutora, a mulher que conseguiu virar a cabeça de um homem experiente e duro na queda. O casamento somente seria formalizado após o nascimento do quarto filho, quando Gerhard teve, finalmente, todas as provas e a certeza de que era a parceira ideal, a deusa dos seus sonhos dourados. Além dos filhos, Gerhard deu-lhe instrução, retirando-a do analfabetismo. Ensinou-lhe Primeira foto de Tibúrcia com Gerhard. boas maneiras, a vestir-se bem e como portar-se de acordo com as etiquetas sociais. Contratou ainda um professor para ensinar-lhe a se expressar corretamente. Não chegou ao requinte de falar fluentemente o idioma do marido, mas de tanto ouvir os alemães conversando com Gerhard passou a compreender o que diziam e aprendeu o básico para se fazer entender. Enfim, Gerhard lapidou um diamante bruto, transformando uma mocinha rude numa dama da sociedade, desembaraçada, de bom-gosto e com traquejo internacional, que circulou com desenvoltura por sofisticados hotéis e restaurantes da Europa. Em Salvador acompanhava o marido em todas as recepções, inclusive nas oferecidas pelos governadores no Palácio da Aclamação, pólo de encontro da elite social, econômica e política da Bahia. Tibúrcia cultivava a paixão pelas cavalgadas. Na Fazenda Quatro Irmãos (nome em homenagem aos filhos) possuía um plantel de excelentes cavalos, nos quais eram feitas excursões pelos arredores de Maragogipe. Gostava também das festas juninas, sendo uma apreciadora da “guerra das espadas” em Cruz das Almas, onde também dispunha de cavalos para passeios com grupos de pessoas amigas. Gerhard tratava-a como rainha, proporcionando-lhe tudo do bom e do melhor. A relação entre os dois foi de uma grande história de amor, de 33 anos ininterruptos, até a morte de Gerhard, primeiro e único rei de Com ascendência ibérica e aborígene, a jovem Tibúrcia era alegre Tibúrcia. Viúva aos 50 anos incompletos, e extrovertida. Neste registro, fotografada pelo marido, na varanda da casa em Maragogipe, protagoniza uma guerreira índia, com arco bem conservada, elegante e rica, e flexas verdadeiros.
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repeliu várias investidas de candidatos a namoro e casamento. Seu coração teve um só habitante, inesquecível e insubstituível. Não quis saber de outro homem, preferindo levar o restante da vida sem um companheiro. Uma parte do tempo foi gasta em excursões turísticas pela Europa, integrando grupos da terceira idade. Gostava de visitar museus, igrejas, castelos, monumentos e
Tibúrcia com Gerhard e os filhos: Nicolau, Wolfgang e Fernando, em Maragogipe.
Tibúrcia era uma exímia amazona.
ruínas históricas, uma herança cultural deixada por Gerhard, com quem também aprendeu a amar as artes. Carismática, construiu no eixo familiar uma liderança firme e incontestável, impondo uma influência que se manifestava de forma discreta, porém eficiente. Os filhos cortejavam-na e mantinham-se unidos em torno da figura materna, que se revelou uma eficaz conciliadora dos conflitos profissionais. Tibúrcia fazia parte da empresa desde 1931.
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Fachada da residência em Maragogipe, na Rua Farmacêutico Bernardino Borges, onde nasceram os filhos, que depois foi transformada na Vila Suerdieck.
De presença forte e marcante, chegava a inibir as noras, que foram sete: três de Geraldo, duas de Nicolau, uma de Wolfgang e uma de Fernando. Com as esposas dos filhos não se permitia a relacionamentos muito profundos, evitando com esta postura se envolver nas intimidades e nos assuntos dos casais. Preservava-se, mantendo uma diplomática distância. A exceção foi Gisela, que era bastante hábil. Sabia, como poucos, envolver, cativar e cultivar novas amizades. A líder do clã não fazia arrodeios. Seus comentários, diretos Tibúrcia em Nápoles, Itália. 1928. e objetivos, às vezes ásperos, podiam criar alguns constrangimentos, mas eram respeitados, pela franqueza e sinceridade. Somente três vezes não deram ouvidos às suas observações, tendo o tempo demonstrado que estavam certíssimas. A primeira foi sobre Karl Horn, ao dizer para o marido: — Não gosto deste sócio, ele tem cara de falso! Muitos anos depois, quando percebeu que Gisela ficava muito tempo na Alemanha, deixando o marido sozinho no Brasil, tentou abrir-lhe os olhos, para salvar o casamento: À direita, entre dois filhos, Tibúrcia em traje de — Pelo que conheço do meu filho, acho que banho, o maiô da época. você deveria ficar sempre ao seu lado! Quando Geraldo comunicou-lhe que estava buscando na Inglaterra um parceiro para poder neutralizar uma crise que poderia atingir a Suerdieck, o parecer da vice-presidente não foi de amém: — Filho, venda a e m p re s a , e n q u a n to é tempo e tem valor! Gerhard e Tibúrcia ladeando o casal Willy Koch, em Hamburgo, no Ratsweinkeller, restaurante especializado em vinhos. Setembro de 1928.
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Tibúrcia com o marido e os quatro filhos, em Salvador.
Tibúrcia em 1952, com os filhos jovens, ricos e poderosos. A partir da esquerda: Geraldo, Wolfgang, Nicolau e Fernando.
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Tibúrcia não dirigia automóvel, mas pilotava lancha.
Tibúrcia na Suíça, em St. Moritz, 1951.
Tibúrcia ladeada pelo casal José e Guiomar Dâmaso, em Sevilha, Espanha. Junho de 1955.
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Tibúrcia num traje árabe. Marrocos, 1955.
Tibúrcia entre o filho Fernando e Guiomar Dâmaso, na Adega do Machado, em Lisboa. Portugal, 1955.
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Tibúrcia entre Hilda Cerqueira e Guiomar de Carvalho Dâmaso, a bordo do transatlântico inglês Alcantara, em 1955.
Tibúrcia ao completar 85 anos, com os filhos sessentões.
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APÊNDICE: 2ª PARTE
FUMOS, CHARUTOS E PODER
TODA A 2ª PARTE DO APÊNDICE REPORTA-SE À FASE DA SUERDIECK COMANDADA POR GERALDO MEYER SUERDIECK
CHARUTO, UM PRODUTO COMPLEXO
CHARUTO, UM PRODUTO COMPLEXO
U
m prosaico charuto, que proporciona prazer nas horas de calmaria, e funciona como relaxante nos momentos de nervosismo ou preocupações, é um artigo dos mais trabalhosos. A quase totalidade dos fumantes não imagina que, por trás do produto, aparentemente simples, encontra-se uma rede inextricável. Desconhece a complexidade que envolve a tarefa da fabricação de um bom charuto. Quanto trabalho se oculta sob a fina capa dum charuto. Stefan Zweig
O ciclo começa no campo, envolvendo cuidados especiais em dez etapas: preparo do solo, semeadura, plantio, adubagem, tratos culturais, colheita, secagem, seleção, manocagem e fermentação preliminar. Em seguida processase o beneficiamento do fumo nos armazéns de compra, com a classificação, enfardamento e meia-cura (segunda fermentação). Finalmente o fumo chega à fábrica, onde circula por diversas seções especializadas, que vão desde o descanso (fermentação final) até a saída do produto, o charuto, pronto para ser comercializado e consumido pelos aficionados. 1
AGRICULTOR
2
ENFARDADOR
3
PRODUTOR
4
DISTRIBUIDOR
FUMO
CHARUTO 5
LOJISTA
6
CONSUMIDOR
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Cultura do Fumo Na Bahia reinava o fumo para charutos. Plantava-se em larga escala, com predominância dos pequenos lavradores. Costumava-se dizer que o fumo era a lavoura dos pobres. Havia milhares de fumicultores. O fumo constituía-se numa autêntica lavoura de fundo-de-quintal, de forte tradição familiar, transmitida de geração à geração. Em qualquer casa rural, em qualquer ponta de terra encontrava-se uma plantação. O fumo era sinônimo de dinheiro certo, de dinheiro vivo, sendo o sustentáculo da economia de subsistência, garantindo a sobrevivência dos minifúndios. Cultivava-se o fumo em cinco zonas, denominadas de acordo com as espécies: Mata Fina, Mata Sul, Mata Norte, Sertão e Feira. REGIÃO DO FUMO BAHIA-BRASIL ZONAS
CARACTERÍSTICAS DO FUMO
INDISPENSÁVEL AOS CHARUTOS
* SÃO GONÇALO DOS CAMPOS * CONCEIÇÃO DA FEIRA * CACHOEIRA * SÃO FÉLIX * MURITIBA GOVERNADOR MANGABEIRA * CRUZ DAS ALMAS * SAPEAÇU * CONCEIÇÃO DO ALMEIDA * SÃO FELIPE
DE PRIMEIRÍSSIMA QUALIDADE.
* MARAGOGIPE
PALADAR SECO, MAIS LEVE
* CASTRO ALVES
PALADAR FORTE, AROMA REDONDO, TEXTURA DENSA, ÓTIMA ELASTICIDADE, MATA FINA
COMBUSTÃO MUITO BOA, EXCELENTE PARA CAPAS,
RECÔNCAVO
CAPOTES E TORCIDAS,
MATA SUL
E MENOS AROMÁTICO, POUCO
SANTA TEREZINHA
RENDIMENTO PARA CAPAS E
ELÍSIO MEDRADO
CAPOTES, MAS PERFEITO PARA
AMARGOSA * SANTO ANTÔNIO DE JESUS
FORMULAÇÃO DAS TORCIDAS.
SANTO AMARO TEODORO SAMPAIO CORAÇÃO DE MARIA * CONCEIÇÃO DO JACUÍPE SANTO ESTEVÃO
PALADAR LEVE, MATA NORTE
AROMA LIMPO, BOA COMBUSTIBILIDADE,
SERTÃO
QUALIDADE INFERIOR
QUALIDADE INFERIOR
Não usados pela Suerdieck
BOM PARA TORCIDAS. FEIRA
PRINCIPAIS MUNICÍPIOS PRODUTORES
(*) Localização dos treze armazéns de compras do Grupo Suerdieck.
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ALAGOINHAS SANTA INÊS BREJÕES ITABERABA RUI BARBOSA
Verbo de Ligação Ilustrações
Para garantir a qualidade e até mesmo o aprimoramento da cultura, o Grupo Suerdieck desenvolvia um intenso, permanente e incansável trabalho educativo, orientando o agricultor nas técnicas e no manejo correto do fumo. Muitas vezes financiava as plantações, fixando a parceria com os plantadores. O ciclo do fumo Bahia-Brasil obedecia ao seguinte ritual: 1. Semeadura, no princípio de abril, dos minúsculos grãos que, entre 40 e 60 dias, se transformarão em mudas. 2. Preparo do solo, com aração do terreno, adubagem base, gradagem da terra e marcação para o plantio. 3. Plantio das mudas no campo, entre o final de maio e início de junho, em pleno período da estação chuvosa. 4. Adubagem, preferencialmente utilizando insumo orgânico ou animal. 5. Tratos culturais, que consiste no combate às eventuais pragas ou na eliminação das folhas doentes. Ao atingirem uma determinada altura as plantas passam pelo processo da desolha, em que se corta o olho das árvores, para permitir a concentração da força no crescimento das folhas.
Municípios produtores de bons fumos para charutos. Armazéns de compras do Grupo Suerdieck.
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6. Colheita, após 45/50 dias do plantio. No fumo capeiro retira-se folha por folha, deixando o pé para produzir outras folhas. No fumo para capote e torcida corta-se o pé inteiro, na base, perto da raiz, donde, a depender das condições climáticas, nascem sucessivos rebentos, chamados socas. 7. Arrumação das folhas, para secagem em ambiente sombreado, penduradas por 30 dias, período em que perdem a coloração verde e ganham a tonalidade marron. 8. Seleção da safra, dividindo-a em três blocos: a. Fumo Alto, com folhas de 22cm de comprimento em diante; b. Fumo Baixo, com folhas inferiores a 22cm; c. Refugo, formado pelas folhas defeituosas, chamadas pocas. 9. As folhas são amarradas em grupos, chamados manocas, cada um contendo aproximadamente 30 folhas. 10. As manocas são colocadas dentro de uma casa, em pilhas (samas), para a primeira fermentação, por 30 dias. 11. Concluída a fermentação preliminar, o lavrador levava as manocas para os armazéns de compra do fumo.
Armazém de fumo em Cruz das Almas: trabalhos de classificação para prensagem e enfardamento.
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COMERCIALIZAÇÃO DA SAFRA Nos armazéns, o comprador, também chamado de enfardador, abria as manocas para fazer a classificação comercial. Em seguida, o fumo seguia para a segunda fermentação, obtida pelo processo do empilhamento dos fardos, em pilhas de 15 toneladas. A depender da qualidade da safra, o fumo permanecia estocado, em ambiente fechado, de três a quatro meses, sob temperatura vigiada, não podendo passar dos 50 graus centígrados, sob pena de entrar em combustão e incendiarse. Os fardos tinham de ser imediatamente desempilhados e virados quando a temperatura se aproximava da graduação máxima. Depois desta fermentação natural, também chamada de meia-cura, o fumo estava pronto para ser vendido aos produtores de charutos. Nas fábricas o fumo passava pelo procedimento da fermentação final, denominado de descanso ou cura definitiva, por um longo período, normalmente de 14 a 17 meses. FUMO BAHIA-BRASIL
FOLHAS
SOLTAS
FOLHAS
DESTALADAS
FOLHAS MANOCADAS
CLASSIFICAÇÃO
COMPRIMENTO DA FOLHA
APLICAÇÃO NOS CHARUTOS
CLASSE SUPERIOR (ALTA) PFS – Patente Fino Superior PF – Patente Fino PP – Patente Patente P – Patente 1A – Primeira 2A – Segunda 22 – Segunda de Segunda
+ de 40cm + de 37cm + de 34cm + de 31cm + de 28cm + de 25cm + de 22cm
capas e capotes grandes capas e capotes médios capas e capotes pequenos capas e capotes pequenos torcidas grandes torcidas médias torcidas menores
CLASSE INFERIOR (BAIXA) 3A – Terceira 33 – Terceira de Terceira 0 – Zero
+ de 19cm + de 16cm – de 15cm
torcidas miúdas torcidas miúdas torcidas miúdas
FA – Folhas Arrumadas FF – Folhas Finas FL – Folhas Limpas 1 FLM – Folhas Limpas Miúdas FR – Folhas de Refugos 2
folhas paralelas com + de 22cm folhas finas das classes superiores folhas limpas em tamanhos diversos folhas limpas de segunda qualidade folhas defeituosas
XXA – Folhas Pararelas e Alisadas com + de 22cm XXB – Folhas Paralelas e Alisadas com – de 22cm XA – Folhas Soltas com + de 22cm XB – Folhas Soltas com – de 22cm 1. Dividiam-se em FL-1, FL-2, FL-3 e FL-4. 2. Canalizados à produção de charutos de combate, destinados aos fumantes dos segmentos bem populares.
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DA PLANTA AO PRODUTO charutos nobres TEMPO/DIAS
CRONOLOGIA 1. Colheita após plantio das mudas 2. Secagem das folhas 3. Fermentação do fumo 3.1 – Produtor 3.2 – Armazém 3.3 – Fábrica 4. Manufatura do charuto (da abertura dos fardos ao acabamento) 5. Descanso do charuto (maturação) CHARUTO LIBERADO PARA VENDA
MÍNIMO
MÁXIMO
45/50 30
45/50 30
30 90 420
30 180 510
15 21
15 60
22 MESES
29 MESES
Obs: Os tempos da fermentação variavam de acordo com o tipo do fumo e da qualidade da safra. Podiam inclusive ultrapassar os prazos acima, de permanência no armazém ou no depósito da fábrica.
COMERCIALIZAÇÃO DO CHARUTO Para garantir o abastecimento dos milhares de pontos de vendas de charutos ao consumidor final, a Suerdieck possuía uma vasta rede de agentes, no Brasil e no exterior. Em todos os estados e territórios brasileiros havia distribuidores exclusivos, bem como nos principais países da Europa, Ásia, África e Américas. SUERDIECK (fábricas)
ATACADO (agentes - atacadistas) representantes
VAREJO (lojas)
CONSUMIDOR (fumantes)
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FABRICAÇÃO DE CHARUTOS O corpo de um charuto é formado por três partes: torcida, que vem ser o enchimento, também chamado de bucha ou embuchamento; capote, a subcapa ou cinta de revestimento do miolo; e capa, que é o arremate final, a folha externa do charuto. A chave para se obter bons charutos consiste, primeiramente, em se saber combinar fumos na formulação das torcidas e na perícia da escolha das folhas para os capotes e capas. A Suerdieck utilizava fumos de três fontes: 1. Bahia-Brasil, dos tipos Mata Fina, Mata Sul e Mata Norte, para aplicação em torcidas, capotes e capas; 2. Arapiraca-Brasil1, usado em torcidas, capotes e capas; 3. Sumatra-Brasil, aplicado exclusivamente em capas. Era chamado de Agro, por causa da procedência, dos cultivos especiais da Agro Comercial Fumageira. O segredo dos bons charutos da Suerdieck residia ainda na qualidade das safras e no descanso dos fumos. Numa safra excelente, entre o início da primeira fermentação e o término da última, o fumo adquiria condições ideais em 18 meses. Em safras ainda consideradas boas, o fumo levava até 24 meses para eliminar as toxinas, o amargor, a acidez e permitir a queima perfeita. Nas safras não-boas o fumo tinha de descansar por três anos, sendo que nas safras ruins não conseguia alcançar a plenitude qualitativa. Estas safras eram destinadas aos charutos populares, onde não se exigia paladar do top de linha. Um bom charuto também era determinado por um outro fator muito importante, o processo da produção. Os charutos de qualidade superior têm de ser feitos totalmente à mão. Apesar da fabricação demandar mais tempo e custos, somente pelas mãos de hábeis charuteiras podia-se obter uma irretocável arrumação das folhas nas torcidas inteiras, no preparo dos capotes, nas capas e no esmero dos bicos. Uma fábrica de charutos artesanais depende de um vasto contingente de mão-deobra especializadíssima, formada na tradição, em que os ensinamentos são repassados de forma gradual, no dia-a-dia, no seio de famílias inteiras, de pai para filho, de mãe para filha, de geração à geração. Não há compêndios, nem fórmulas para treinamentos. O know-how é adquirido na prática de uma tradição secular, de uma cultura que forja artesões exímios, dotados de excepcionais habilidades manuais e de privilegiadas condições visuais e de tato. Da abertura dos fardos de fumo à saída de uma caixa de charutos para comercialização, o tempo mínimo era de 36 dias. A fábrica de Maragogipe, que chegou a ser uma das mais completas do mundo, possuía o seguinte fluxograma na linha de produção artesanal: 1 - O fumo Arapiraca, produzido no estado de Alagoas, era visto como de qualidade inferior, por causa dos fumos ruins, largamente utilizados em charutos de péssima qualidade. No entanto, a lavoura foi aprimorada e Alagoas passou também a ter fumos excelentes. A Suerdieck fazia uso destes, tendo montado em Arapiraca um grande armazém para compra e estocagem.
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1
DEPÓSITO (Fermentação)
2
3 4
5
6
7
8
- Fumo descansa e é imunizado contra o lasioderma, pelo sistema de fumigação.
(Vaporização)
- Vaporização de água fria para umidecer e soltar as folhas. - O fumo capeiro claro passa por um processo de umidificação especial.
QUEBRAGEM
- Abertura dos fardos.
UMIDIFICAÇÃO
BANCAS DE FUMO
MISTURA
CONCENTRAÇÃO
CHARUTARIA
CONTROLE DA QUALIDADE
9
CONGELAMENTO
10
ESTUFAMENTO
11
PRENSAGEM
- Classificação, seleção e destalação das folhas, separando-as para torcidas, capotes e capas. - Combinação dos tipos de fumos que entrarão na composição da torcida, formulando o paladar básico de cada marca. - Já separados pelas marcas em que serão aplicados, os fumos ficam guardados. - Fabricação propriamente dita, com arrumação da torcida, colocação do capote, passagem pela fôrma de paus, ou pelo cafornote, colocação da capa, preparação do bico e corte do pé do charuto. - Os charutos passam por uma seleção visual e manual. - Mestres, ajudantes dos mestres e provadores, fumam por amostragem, para testarem o padrão da qualidade de cada marca.
- Processo de resfriamento, numa câmara frigorífica, a 20 graus negativos, para evitar a germinação de possíveis ovos do lasioderma, o bicho-do-fumo. - Passagem pela estufa para retirada da umidade adquirida na câmara frigorífica. - Para não enrugarem e manter a fumaça em boas condições de circulação, alguns tipos de charutos passam pelo processo da prensagem.
278
12
13
14
ANELAMENTO
CELOFANAGEM
CAIXARIA (Encaixamento)
15
ACABAMENTO FINAL (Empapelamento)
16
DESCANSO (Maturação)
17
EXPEDIÇÃO
- Colocação do anel que identifica o fabricante ou, em alguns casos, a marca do charuto, às vezes conjugado com o selo de garantia. - Colocação do selo de consumo em cada charuto, uma exigência do governo que vigorou durante algum tempo. - Para proteção e conservação, cada charuto é colocado num invólucro de celofane, ou de papel apergaminhado, papel arroz, lâmina de cedro e tubo de polistirene.
- Os charutos são colocados nas caixinhas de cedro, que antes de serem fechadas são alvo de um controle final de qualidade, para verificação da embalagem e da arrumação.
- Empapelamento das caixinhas: rótulos, etiquetas e celofanagem externa. - As caixinhas são levadas para um salão revestido por grossas tábuas de cedro (piso, teto e paredes), onde permanecem no mínimo três semanas. Neste recinto, também chamado de câmara de envelhecimento, os charutos adquirem a maturidade plena no sabor e aroma. - Encaixotamento e despacho das caixas de charutos para os agentes distribuidores, primeira etapa no processo das vendas.
GLOSSÁRIO Produção
Acabamento
Destaladeira Operária que retira o talo (veia central) das folhas de fumo. Charuteira Operária que prepara a torcida, coloca o capote, a capa, faz o bico e corta o pé do charuto. Capoteira Charuteira que prepara apenas o bunch. Capeadeira Charuteira que termina o charuto, colocando a capa, fazendo o bico e cortando o pé.
Aneladeira Operária que coloca os anéis nos charutos. Celofonista Operária que coloca o invólucro nos charutos, geralmente folha de celofane. Encaixadeira Operária que arruma os charutos nas caixas. Empapeladeira Operária que faz rotulagem, etiquetagem ou celofonagem externa das caixas.
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ORGANOGRAMA DA FÁBRICA DE MARAGOGIPE GERÊNCIA Consultório Médico Gabinete Dentário Centro Tisiológico Enfermaria Laboratório Farmácia Creche
ESCRITÓRIO
Impressora Rocha
Impressos
Carpintaria
Serraria Ferração de Táboas Pregação das Caixas
FABRICAÇÃO
ACABAMENTO
Fermentação Vaporização Quebragem Bancas Confecção Congelamento Estufamento Prensagem
Leão Rozemberg
Pessoal Tesouraria Contabilidade Faturamento Expedição
Assistência Social
Agrair Schmidt, Aída Suerdieck e o casal Antunes Neri, na fábrica de Maragogipe.
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Anelamento Celofanagem Encaixamento Empapelamento Maturação
CONTAGEM DOS CHARUTOS Uma pergunta que os visitantes costumavam fazer quando viam aquele mundaréu de charutos feitos por centenas de operárias: — Como vocês contam os charutos? Numa produção artesanal a contagem também se processava de forma artesanal. Obviamente que seria impossível a contagem por unidade numa fábrica que paria diariamente milhares de charutos. Usava-se um sistema simples, prático e rápido, chamado Método da Pirâmide. Durante o dia, à medida que os charutos iam sendo artefinalizados, a produção era automaticamente empilhada, em caixas especiais, sem mistura de marcas. No final do expediente bastava contar as pirâmides e proceder os lançamentos no mapa de controle, que registrava o quantitativo de cada charuteira, por marca confeccionada. O mapa da produção diária municiava a formulação de uma estatística semanal, instrumento hábil para cálculo do pagamento da produtividade semanal das charuteiras, cujos valores variavam, a depender do grupo de marcas. EXEMPLO DE PIRÂMIDE COM 185 CHARUTOS
SEQUÊNCIA DA CONTAGEM
A=130 B=55 A – Multiplica-se a altura da pilha pelo vértice, menos o último charuto.......................... 10 x 13 = 130 B – Adiciona-se o quantitativo do bloco piramidal, conforme tabela abaixo ..................... 10 / 10 = 55 Total da Pirâmide................................ 185 20/20 = 210 19/19 = 190 18/18 = 171
17/17 = 153 16/16 = 136 15/15 = 120
14/14 = 105 13/13 = 91 12/12 = 78
281
11/11 = 66 10/10 = 55 9/9 = 45
8/8 = 36 7/7 = 28 6/6 = 21
5/5 = 15 4/4 = 10 3/3 = 6
INFORMAÇÕES ADICIONAIS a. Charutaria: Todo trabalho tinha a supervisão de atentos mestres e ajudantes, que visualmente controlavam o labor das operárias. b. Fôrma de Paus: Feita com madeira especial, nos formatos dos charutos, onde se colocava o bunch (torcida + capote), para dar a conformação ideal antes do capeamento. c. Cafornote: Outro sistema, também chamado de Cafanhote ou Cafanote, para dar o formato ideal ao charuto, onde o bunch recebia um invólucro temporário. Após doze horas, retirava-se o papel arengueiro e capeava-se o charuto. d. Capa: Para o fumo capeiro não desenrolar, a charuteira utilizava uma cola artesanal, feita de farinha de trigo, goma de mandioca, água e pó-de-fumo, sendo este último ingrediente o responsável pela tonalidade igual a do fumo. e. Torcida: De acordo com a classe do charuto desejado, a torcida podia ser: 1. Graúda (long filler), também chamada de torcida inteira, pois se trabalha com folhas inteiras, arrumadas uma sobre as outras. Na verdade eram meias-folhas, pois ao se retirar o talo central cada folha de fumo se dividia em duas bandas. A torcida inteira destinava-se à produção dos charutos das classes nobre e intermediárias. Havia ainda uma torcida inteira especial, chamada de torcida espalmada, de marcas requintadas, tais como Corona Imperial, Mata Fina Especial e a linha Panatela. 2. Miúda (short filler), produzida com folhas cortadas manualmente ou picotadas mecanicamente. Esta torcida era usada nos charutos de fabricação mecanizada e nos charutos da linha popular. 3. De Bagaço ou Combate, produzida com restos de outros charutos ou com raspas de armazém (refugo, classificado como fumo B). f. O Lasioderma Serricorm, nome científico do “bicho-do-fumo”, é um inseto de 1,5 milímetro de comprimento. Seu habitat não é na lavoura, e sim no fumo seco e no charuto. Nos armazéns o minúsculo besouro ataca os fardos, furando as folhas e fazendo a desova. Nas fábricas avança no produto, inutilizando-o com orifícios, verdadeiros túneis que transfixiam o produto. Quando nasce num charuto já dentro da caixa de cedro, o “bicho-do-charuto”, como também é chamado, perfura a madeira, para evadir-se e atacar as caixinhas vizinhas.
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Em decorrência dos hábitos, das tradições regionais e da segmentação econômica, a Suerdieck desenvolveu estratégias mercadológicas para atender as diversas categorias de consumidores. Por isso, havia diferenciações na capeação, na formatação, na tipificação, na classificação, nos invólucros e na apresentação das caixas de charutos. CAPEAÇÃO A Suerdieck oferecia duas opções: charutos de Capa Clara (acinzentada), capeados com fumo Sumatra-Bahia (Agro), e charutos de Capa Escura (quase negra), capeados com fumo Bahia-Brasil (Matas) ou Arapiraca-Brasil.
FORMATAÇÃO Basicamente, os charutos eram configurados em três formatos: Torpedo ou Bojo, de tradição européia, que predominava na linha de produção; Susa, desenvolvido pela Suerdieck S.A., donde foi extraída a denominação; e Linheiro, formato consagrado pelos cubanos.
TIPIFICAÇÃO Para atender gostos e preferências múltiplas, fabricavam-se charutos em diâmetros e comprimentos variados. A tabela abaixo indica o enquadramento em termos de dimensão longitudinal. CHARUTOS
COMPRIMENTO/CM
LONGOS
A PARTIR DE 17
MÉDIOS
ENTRE 14 E 17
PEQUENOS
MENORES DE 14
CLASSIFICAÇÃO Também para satisfazer diversas segmentações de consumo, a Suerdieck dividia sua produção em cinco linhas:
283
a. Classe Nobre: Enfeixava as marcas dos charutos clássicos, excelentes ou notáveis, destinados aos clientes ricos, sofisticados e exigentes, formadores de uma elite de aficionados especiais. As marcas Suerdieck desta linhagem figuravam entre as melhores do mundo, gozando de muito prestígio no exterior. b. Classe Alta: Marcas de qualidade muito boa. Também destinavam-sem aos segmentos da classe rica. c. Classe Intermediária Alta: Marcas de qualidade boa, tendo como público alvo a classe média alta. d. Classe Intermediária: Faixa das marcas destinadas aos consumidores da classe média em geral. e. Classe Popular: Aglutinava os charutos das marcas voltadas ao consumo das classes econômicas menos aquinhoadas. Produzidos em larga escala, geralmente usando processos mecanizados, os charutos podiam ser vendidos a preços acessíveis ao bolso dos segmentos populares.
ANEL Uma criação atribuída ao holandês Gustav Bock, o anel é a cédula de identificação da marca ou do fabricante. Aplicado no meio do charuto, a Suerdieck modificou este posicionamento em 1960, deslocando-o para baixo e fixando-o na última terça parte, próximo ao bico, como indicativo para o fumante abandonar a degustação quando a queima atingisse a borda do papel. No processo da colagem das pontas, feito manualmente, as aneladeiras tinham o cuidado de não deixar que resíduos da cola prendessem o anel na folha do capeiro. A fixação ocorria exclusivamente por pressão, com o anel bem ajustado à bitola do charuto. O famoso “Suerdieck Bahia”, criado em 1905 e nunca modificado no seu design, era o anel padrão, utilizado em quase todas as marcas de charutos. Mas não identificava a marca do produto, mas a imagem da empresa. Por extensão, foi transformado no exterior em sinônimo de “Charuto do Brasil”.
INVÓLUCRO Os charutos de algumas marcas especiais eram acondicionados em estojos individuais, caixinhas de cedro ou tubos de polistirene. Mas o básico, por ordem na hierarquia da classe comercial, os charutos recebiam como envoltórios as seguintes opções: lâminas de cedro, papel apergaminhado, papel arroz ou celofane. Em algumas marcas da linha popular os produtos não recebiam invólucros, apenas os anéis.
284
APRESENTAÇÃO Cada fábrica possuía uma carpintaria para montar as caixinhas com cedro enviado de Santa Catarina. Fabricavam-se caixas de vários tamanhos, para acondicionamento de 10, 25, 50, 100 e 200 charutos, nos seguintes tipos: caixas comuns, simples, fechadas com preguinhos; caixas de luxo, com acabamento requintado e tampas fechadas com ferrolhos; e caixas superluxo, com acabamento sofisticado. Para encomendas especiais e personalizadas, além do cedro, as caixas podiam ser confeccionadas em jacarandá, pau-ferro, pinho ou imbuia. Havia até uma embalagem exótica. Algumas marcas, além da tradicional caixinha de madeira, eram oferecidas em invólucros confeccionados com lâminas secas do tronco das bananeiras. A aceitação foi de tal ordem que August Blase Zigarrenfabrik solicitou orçamento para importar as lâminas beneficiadas em Maragogipe. A Suerdieck também proporcionava a opção pelas embalagens próprias para bolso. Com isso, o cliente que gostava de fumar fora de casa ou do local de trabalho, não precisava carregar seus charutos soltos no bolso da camisa ou paletó. Os conduzia devidamente acondicionados em carteiras de papelão, para poucas unidades.
Val Araújo
Val Araújo
285
Val Araújo
EXEMPLIFICAÇÃO DA FORMATAÇÃO
LINHEIRO
FORMATO
MARCA
CAPA
TIPO
CLASSE
BICO REDONDO
PANATELA OURO
CL/ES
LONGO
NOBRE
BICO PIRÂMIDE
OURO DE CUBA
CLARA
MÉDIO
INTER. ALTA
BICO CORTADO
ROLIÇO
ESCURA
MÉDIO
POPULAR
TORPEDO OU BOJO
HAVANA PEQUENA FLOR
CLARA
PEQUENO
NOBRE
SUERDIECK Nº 1
ESCURA
MÉDIO
INTERM.
ÍNDIOS
CLARA
MÉDIO
POPULAR
CABOCLOS
ESCURA
MÉDIO
POPULAR
SUSA
286
LINHEIRO bico redondo
LINHEIRO bico pirâmide
LINHEIRO bico cortado
TORPEDO
SUSA
AS PREFERÊNCIAS DOS EUROPEUS E BRASILEIROS • Oitenta por cento das exportações para a Europa eram de charutos
capeados com fumo escuro, nativo da Bahia.
• No mercado interno os charutos com a marca registrada do país
representavam apenas 20% do consumo. Oitenta por cento dos fumantes brasileiros optavam pelos charutos com capa clara, de origem externa.
A estatística do quadro acima serviu de base para um julgamento em tribunal alemão, por causa de uma queixa patrocinada por um pool de fábricas contra um pequeno produtor que, de repente, começou a se destacar no mercado por causa de um apelo publicitário forte: “O charuto que o brasileiro fuma”. O charuto em questão era capeado com fumo escuro. As vendas dispararam e os concorrentes alegaram que se tratava de propaganda enganosa, pois no Brasil o hábito seria pelos charutos claros. Um grupo de técnicos da justiça alemã veio a Salvador e junto à Suerdieck diagnosticou que o slogan em charuto escuro não traduzia a preferência dos fumantes brasileiros. Foi proibido de ser utilizado na Alemanha. • O brasileiro da classe média para cima não dava o devido valor ao produto nacional. De modo generalizado, tudo que era importado era melhor. Esta cultura também atingia os charutos, que para fugirem deste fenômeno discriminatório tinham de ser capeados com fumos do exterior. • O marketing das vendas no Brasil explorava a sedução pelo que vinha de fora. Assim, durante um longo período, para diferenciar do charuto 100% baiano, muitíssimo valorizado no exterior, a Suerdieck difundiu que nos charutos de capa clara o acabamento era com fumos de Sumatra, Java, Vuelta Abajo e Havana. • No elenco das marcas nobres havia uma estratégica linha de apelo estrangeiro, Suerdieck-Havana.
287
Em 1951, quando completou 75 anos de fundada, A. Dürr publicou um livro comemorativo às bodas de brilhante. Na página 23 da retrospectiva (vide infografia abaixo) foi consignado que o elo com a Suerdieck não se restringia a uma simples relação comercial. A distribuidora dos charutos Suerdieck na Suíça registrou que a parceria com o fabricante brasileiro já fazia parte da sua história, que estava incrustada no coração da empresa suíça.
Boletim Trimestral da Suerdieck, nº 11 (abr-jun/1951).
288
APÊNDICE: 2ª PARTE
FUMOS, CHARUTOS E PODER
MARCAS SUERDIECK
MARCAS SUERDIECK
A
s marcas que foram produzidas na fábrica de Maragogipe, em 1964, e comercializadas com a grife Suerdieck, estão apresentadas a seguir, por agrupamento qualitativo e dispondo do receituário básico dos fumos. Contudo, não estão revelados os segredos de cada marca, decorrentes da procedência e dos tipos das folhas formadoras das misturas individuais das torcidas. TORCIDA INTEIRA 100% Mata Fina Classe Superior
GRUPO EXTRA Classe Comercial: NOBRE MARCA
CAPOTE
CAPA
OBS
218
Panatela Ouro
Mata Fina
Mata Fina
–
23
Panatela Júnior
“
“
–
216
Mata Fina Especial
“
“
–
214
GGG
“
“
–
210
Corona Imperial
“
Agro
–
57
Havana Finos
“
“
–
59
Havana Flor
“
“
–
60
Havana Médios
“
“
–
61
Havana Pequena Flor
“
“
–
68
Havana Especial
“
“
–
109
Havana Políticos
“
“
–
148
Havana Supremo
“
“
–
142
Lembrança da Bahia
“
“
–
289
TORCIDA INTEIRA 80% Mata Fina, 20% Arapiraca Classe Superior
1º GRUPO Classe Comercial: ALTA MARCA
CAPOTE
CAPA
OBS
Arapiraca
Agro
–
80
Regalia Cubana
42
Regalia Fina
“
“
–
15
Fiesta Brasil
“
“
–
17
Brazilian Nips
“
“
–
174
Diadema Extra
“
“
–
217
Premier
“
“
–
220
Albuquerque
“
“
–
8
Princesas
“
“
–
9
Três Estrelas
“
“
–
12
Banqueiros
“
“
–
16
Mulata
“
“
–
20
Únicos
“
“
–
22
Aurora
“
“
–
55
Olympicos
“
“
–
62
Profetas
“
“
–
73
Valência
“
“
–
135
Ika Nº 1
“
“
–
140
Ika Nº 2
“
“
–
10
Sadda
“
“
–
152
Condor
“
“
–
157
Facica
“
“
–
106
Pincel
“
“
–
110
Coreana
“
“
–
212
Ouro Vermelho
“
“
–
41
Beira Mar
“
Arapiraca
–
70
Fazendeiros
“
“
–
182
Agulhas Negras
“
“
–
186
Jubileu de Ouro
“
“
–
208
Brissago
“
“
–
215
Caetés
“
“
–
115
Nippões
“
Agro
cigarrilho
151
Brasileiros
“
“
–
192
Susa Filtro
“
“
–
191
Glamour
Mata Fina
Mata Fina
–
290
TORCIDA INTEIRA 100% Mata Fina Classe Superior
2º GRUPO Classe Comercial: intermEdiária alta MARCA
CAPOTE
CAPA
OBS
Arapiraca
Agro
–
47
Ouro de Cuba
52
Suerdieck Brasil
“
“
–
67
Coronas
“
“
–
13
Prima Dona
“
“
–
19
Boas Festas
“
“
–
189
Grande Gala
“
“
–
221
Executive
“
“
–
Holandeses
“
“
–
147
Baroneza Erna Grande
“
“
–
179
Pampulha
“
“
–
183
Primo
“
“
–
11
Viajantes
“
Arapiraca
–
18
Record Grosso
“
“
–
Baroneza Erna Média
“
Agro
–
4
Florinha
“
“
–
7
Perfeitos
“
“
–
Petisqueira
“
“
cigarrilho
26
154
71
Uma das mais antigas marcas, e das mais vendidas, Holandeses, num anúncio de 1955, com a grafia original. Logo depois, perderia um “ele” e o “zê” seria trocado pelo “esse”.
291
TORCIDA MIÚDA 80% Mata Fina, 20% Arapiraca Classe inferior
3º GRUPO Classe Comercial: intermEdiária MARCA
CAPOTE
CAPA
OBS
3
Cata Flor
Arapiraca
Agro
–
46
Odalisca
“
“
–
98
Castelhanos
“
“
–
102
Su-Co
“
“
–
161
Cesários Filho
“
“
–
176
Sorrisos
“
“
–
180
Pampulhinha
“
“
–
181
Black and White
“
“
–
Mandarim Pai
“
Arapiraca
–
150
Bororós
“
“
–
171
Autênticos Pai
“
“
–
187
Autênticos Filho
“
“
–
197
Suerdieck Grande
“
“
–
198
Suerdieck Médio
“
“
–
199
Suerdieck Pequeno
“
“
–
203
Moreno Nº 1
“
“
–
204
Moreno Nº 2
“
“
–
205
Moreno Nº 3
“
“
–
230
Legítimos Nº 2
“
“
–
2
Suerdieck Nº 2
Mata Sul
Agro
–
1
Suerdieck Nº 1
K
Arapiraca
–
Mulata
K
“
–
Esplanada
K
“
–
Petiscos
K
Agro
–
Monte Castelo
K
“
–
Arapiraca
“
P/U
76
16 195 29 173 78
Cesários Pai
155
Baroneza Erna Pequena
“
“
“
202
Campeão do Mundo
“
“
“
207
Cerários Mirim
“
“
“
162
Flor da Noite
“
“
cigarrilho
160
Mandarim Filho
“
Arapiraca
P/U
177
Petisqueira
“
292
“
cigarrilho
TORCIDA MIÚDA 30% Matas, 20% Arapiraca 50% Losta
4º GRUPO Classe Comercial: popular i MARCA
CAPOTE
CAPA
OBS
5
Catarina
K
Arapiraca
–
27
Caboclos
K
“
–
149
Suerdieck 200
K
“
–
153
Mercedes
K
“
–
164
Tocos
K
“
–
184
Roliço
K
“
–
185
Suíço
K
“
–
188
Anão
K
“
–
190
Nordestinos
K
“
–
194
Vencedores
K
“
–
201
Brotinho
K
“
–
206
Índios Mirim
K
“
–
213
Escurinho
K
“
–
Índios
K
Agro
P/U
132
Ouro Vermelho Popular
K
“
“
156
Nair
K
“
“
14
Granfinos
K
“
“
75
Suerdieck 75
K
“
cigarrilho
28
TORCIDA MIÚDA Matas e Arapiraca não utilizados nos grupos acima
5º GRUPO Classe Comercial: popular iI MARCA
CAPOTE
CAPA
OBS
Arapiraca
Arapiraca
–
209
Toscanos
227
Capa Preta
“
“
cigarrilho
228
Flor da Noite
“
“
“
219
Novos Castelhanos
“
Agro
P/U
103
Colibri
“
“
cigarrilho
108
Garantidos
“
“
“
167
Argolla
“
“
“
178
Adlon
“
“
“
293
Observações: 1. O número antecedendo ao nome da marca identifica o registro da marca no Livro de Referência Industrial; 2. As marcas com capas Mata Fina e Arapiraca são dos charutos escuros; 3. As marcas capeadas com fumo Agro (Sumatra-Bahia) são dos charutos claros; 4. A palavra Losta, um código derivado de “talos”, enfeixava uma grande descoberta e segredo industrial da Suerdieck: os talos das folhas de fumo, antes descartados, eram transformados, por um processo mecânico de esmagamento e prensagem, em tiras de fumo, excelentes na queima dos charutos; 5. Capote K: papel de cigarro na tonalidade do fumo, importado ou comprado na Souza Cruz. A partir de 1965 foi sendo substituído por um fumo homogeneizado com formulação (Susa Fumo) desenvolvida no laboratório da Suerdieck; 6. P/U: símbolo de “pó de fumo úmido”, outro segredo da Suerdieck. Tratava-se de um recurso para melhorar a apresentação de alguns tipos de charutos. O procedimento residia num banho mecânico, nos charutos já prontos, uniformizando a coloração, contribuindo para uma queima mais plena e dando um gosto agradável aos produtos.
MARCAS COM PARTICULARIDADES ESPECIAIS Suerdieck Gigante. Charuto para exposição, que alguns exibicionistas gostavam de fumar em eventos públicos, principalmente nas festas juninas. Era considerado o maior charuto do mundo na escala de produção comercial. Black and White. Charuto com capeamento misto, metade capa clara (SumatraBahia) e metade capa escura (Bahia-Brasil). Pincel. O pé do charuto, área destinada ao lume, apresentava-se como o próprio nome da marca sugere, sob a forma de um pincel, por onde se acendia o charuto. Autênticos. Charutos de inspiração indígena, com bico denominado “virote”, vulgarmente chamado “rabo de porco”. Para fumá-los, bastava torcer cuidadosamente o virote, afastando-o. Eram produzidos em três versões: Autênticos (médios), Autênticos Pai (grandes) e Autênticos Filho (pequenos). Nippões. Charutos pequenos que terminavam com uma boquilha feita de pena de ganso, importada do Japão, cuja beira era levemente dobrada, no evidente propósito de oferecer maior apoio ao fumante. Depois, as penas de ganso foram substituídas por um material plástico endurecido. Brissago. Charuto de origem austríaca, fino e comprido, com uma palha introduzida no bico, que era retirada no ato de fumar. Toscanos. Charutos do tipo italiano, picantes, porém não muito fortes. Suíço, Roliço e Tocos. Três marcas de charutos suaves, fabricados de acordo com
294
um processo suíço muito popular, chamado Stumpen. O nome da última variedade foi inspirado no fato de ser originalmente um charuto linheiro longo que, cortado no meio, deu origem a dois tocos, ou melhor, a dois charutos Tocos. GGG. Pronunciava-se “gêgêgê”, que os consumidores difundiram como sendo uma homenagem ao presidente Getúlio Vargas, que tinha o apelido de “Gegê”. Esta versão nunca foi desmentida pela empresa, mas na verdade a marca tinha sido cunhada da expressão “Grande, Grosso e Gostoso”. C.T.C. Marca exclusiva para a Curaçao Trading Company, agente nas Antilhas Holandesas, com sede em Willemstad, na ilha de Curaçao. Su-Co. Marca inspirada na antiga razão social da casa, Suerdieck & Companhia. Susa Filtro. Cigarrilho com filtro para suavizar a chegada da fumaça à boca, tornando-a bem leve. Recomendado aos iniciantes no ofício da degustação. O nome Susa foi retirado de Suerdieck S.A. Glamour. Cigarrilho com filtro ou sem filtro. Como o Susa Filtro, foi um lançamento voltado ao público jovem.
LINHAS ESPECIAIS No sentido de ensejar a nomeação de novos agentes, em diversas regiões, foram desenvolvidas linhas especiais, cada uma com várias marcas, como se fossem concorrentes da Suerdieck. Assim, nasceram os charutos com os anéis Giorgetti (inicialmente uma exclusividade para Giorgetti & Cia., dona de tabacarias em São Paulo), Colombo, Brandura e Iracema.
295
Os novos agentes, distribuidores grossistas, responsáveis pelos pontos das vendas no varejo, não recebiam os charutos oficiais da grife Suerdieck. Mas, além dos produtos das linhas especiais eram abastecidos com charutos da Dancoin (Dannemann) e de Eloy da Silva (linhas BraSilva e DaSilva).
CIGARRILHOS & CIGARRILHAS Os cigarrilhos eram charutos pequenos, charutinhos geralmente feitos com torcida miúda, de um tipo conhecido pela designação “bagaço fino”. As marcas: Adlon, Argolla, Beira Mar Finos, Brasileiros, Capa Preta, Colibri, Estelita, Flor da Noite, Flor Extra Fina, Fidalgos, Garantidos, Glamour, Mimosa, Nippões, Petisqueira, Petisqueiros, Petit Suerdieck, Salutar, Suerdieck Dez, Suerdieck 75 e Susa Filtro. As cigarrilhas, produzidas com fumo picadinho e usando no capote papel alcaçuz, tinham sido uma criação de Luiz de Oliveira Barretto Filho, controlador da Sociedade Anônima Leite & Alves, com fábrica em Cachoeira, donde saíam as marcas Stanley, Stucas, L&A e Talvis, esta última a mais afamada, sucesso nos mercados nacional e internacional. A Suerdieck entrou neste segmento com as marcas Arpoador, D. Pedro, Cichar e Diplomata, esta última retirada do elenco Dannemann. Da linha Suerdieck foram transferidas para cigarrilhas as marcas dos cigarrilhos Flor Extra Fina e Fidalgos. Com a rubrica Dannemann também foi lançada a cigarrilha Gavea. Em 1955 o representante na Suíça, A. Dürr & Co. AG. Zürich, escreveu à Suerdieck solicitando informação e autorização para importar as cigarrilhas Talvis. Eis a resposta: — Até o momento em que a Suerdieck estiver impedida de fabricar cigarrilhas, concordamos com a importação da Talvis. O endereço para contatos com o fabricante é: S.A. LEITE & ALVES Rua Conselheiro Lafaiete nº 12 Salvador – Bahia – Brasil O impedimento da Suerdieck em fabricar cigarrilhas decorria da patente pertencer à Leite & Alves. Quando caiu no domínio público, a Suerdieck passou a produzí-las.
FUMO PARA CACHIMBO A Suerdieck também possuía uma linha de produção de fumos para cachimbo, com as marcas Holandeses, Onça e Clan, esta última uma franquia holandesa.
296
APÊNDICE: 2ª PARTE
FUMOS, CHARUTOS E PODER
DOMÍNIO DO MERCADO
DOMÍNIO DO MERCADO
E
MECANIZAÇÃO
m 1953 entraram em operação as 25 máquinas elétricas adquiridas na Suécia. Elas possibilitavam agilização no processo fabril, com incremento na produção e redução nos custos, vez que substituíam tarefas executadas por centenas de operárias. Para familiarizar-se com os equipamentos, o diretor Albrecht Wolfgang Meyer Suerdieck passou seis meses em Estocolmo, treinando nas instalações da Arenco Aktiebolag, fabricante do maquinário. Montado em Maragogipe, o parque industrial compunha-se de três conjuntos destinados à fabricação de charutos da linha popular: a. Máquinas DOW: usadas na destalação das folhas, retirando o talo central (veia grossa); b. Máquinas MEJ: chamadas “semi-completas”, pois os charutos dependiam que a etapa final, a capeação, fosse executada manualmente; c. Máquinas MIR: denominadas “completas”, confeccionavam totalmente o charuto.
Máquina para capeação de charutos da linha popular, com fumo natural.
297
CHARUTOS DE BALAIO Os “charutos de balaio”, também denominados de “regalia de balaio”, ou “charutos de regalia”, eram produtos de origem doméstica ou oriundos de fabriquetas clandestinas, que utilizavam o trabalho caseiro das charuteiras que ficaram desempregadas com o fechamento das fábricas Dannemann e Costa Penna, ou que simplesmente deixavam a Suerdieck. A produção destes charutos cresceu tanto que chegou a responder por aproximadamente 5% do mercado nacional. Os intermediários vinham à Bahia e os levavam ilegalmente para o sul e centro-sul do país. Para enfrentar a concorrência dos charutos de balaio, a Suerdieck adotou duas estratégias operacionais: a. Interferindo nas fontes fornecedoras de fumos para capas (vide quadro abaixo); b. Cortando a ação dos contrabandistas, assumindo nas fontes a compra dos caseiros. Classificados como “charutos de combate”, pois não tinham uniformidade qualitativa, eram vendidos sob rotulação de uma empresa controlada pela Suerdieck, Eloy da Silva & Cia. Ltda2, que criou marcas populares para dar vazão legal aos produtos do mercado informal.
confidencial CAPAS PARA CHARUTOS POPULARES O plano de combate aos charutos de balaio, que competem no preço com os nossos populares, pois não pagam impostos, consiste em dificultar a ação dos fabricos. Orientação: os gerentes, com a supervisão de Herbert Stern, deverão ficar atentos para toda oferta de Capas. Como Capas deve ser considerado qualquer Fumo Bahia (exceto Sertão), de melhor gosto que o Fumo Sul. Iremos concorrer em todas as ofertas, não só visando o reforço dos nossos estoques, mas, sobretudo, para enfraquecer o abastecimento dos fabricos. Em 27.08.1957 Geraldo Meyer Suerdieck Presidente
2 - A empresa, que já existia, atuava nos ramos de exportação de fumos, comercialização de charutos e representações, dentre as quais os produtos da vinícola Dreher e os cigarros da Tabacaria Londres.
298
INDUCONDOR Em dezembro de 1953, no Rio de Janeiro, o presidente da Suerdieck reuniu-se com Kurt Augusto Guilherme Stumm e Erico Paulo Esch, controladores da Casa Condor Importadora S.A., da qual Geraldo também era acionista. Pauta do encontro: a. O mercado do sul estava a exigir um novo mecanismo para o abastecimento das marcas populares mais baratas e para combater a concorrência dos chamados “charutos de colonos”, fabricados em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. b. A Casa Condor encontrava-se na contingência de procurar outro campo de atividade, uma vez que as condições para as importações estavam se tornando cada vez mais difíceis no Brasil. Visando interesses mútuos, os empresários decidiram pela criação da Indústria de Fumos Inducondor S.A., com 50% do capital subscrito pelo Grupo Suerdieck e 50% pelo Grupo Condor. A empresa, registrada em 12 de março de 1954, foi idealizada para atuar nos seguintes segmentos: 1. Fabricação exclusiva de charutos b a r a t o s, d o t i p o S t u m p e n , preservando o nome Suerdieck, pois era inconveniente abandonar a tradição em produtos de qualidade superior. 2. Produção de fumo desfiado para cachimbo. 3. Exploração da linha de cigarrilhas, tipo Talvis, tão logo a patente caísse no domínio público. Faltava pouco tempo para que isto viesse a ocorrer. O local escolhido para a construção da fábrica foi Correas, distrito de Petrópolis, no eixo Rio-São Paulo,onde ficava o grosso dos consumidores. Do ponto de vista logístico, Correas proporcionava duas importantes vantagens: a. Facilidade rodoviária para o recebimento da matéria-prima, comprada no Rio Grande do Sul, Santa Cata-rina, Minas Gerais e até na Bahia. b. Rápido escoamento dos produtos da Suerdieck e da Inducondor na Exposição até as fontes consumidoras, com Stand Internacional da Indústria e Comércio. Rio de Janeiro, 1961. substancial redução no frete, quando comparado com o custo de um transporte desde uma fábrica na Bahia.
299
Fred Kraus
Após a instalação de um grupo de máquinas importadas, essenciais numa produção totalmente mecanizada, a Inducondor entrou em operação comercial no ano de 1955, com os charutos Batuta. Uma equipe enviada da Bahia pela Suerdieck deu todo o aporte técnico. Posteriormente, foi lançada a cigarrilha Vedette. Inducondor na Souza Cruz Em 1967 a Inducondor foi vendida à Companhia de Cigarros Souza Cruz, que manteve, na fábrica de Petrópolis, a produção do fumo para cachimbo, dos charutos Batuta, das cigarrilhas Vedette e lançou uma nova marca de cigarrilhas, a St. James. Em que pese o sucesso no setor dos cigarros, onde montou um império alimentado por sete fábricas (Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte e Belém), a Souza Cruz não obteve o mesmo êxito na experiência com cigarrilhas e charutos. Usando fumos do sul do país, impróprios para boas cigarrilhas e charutos, os produtos foram perdendo a aceitação, até que o braço brasileiro da British American Tobacco acabou optando pela desativação da Inducondor.
MITO E VERDADE DA EXPORTAÇÃO Na Bahia acreditava-se que o principal mercado dos charutos era o externo. Engano, o internacional respondia, em média, com 30% das vendas. Este percentual poderia ser maior, o dobro, haja vista o bom conceito dos produtos Suerdieck, principalmente na Europa. Porém, a empresa encontrava-se eticamente impedida de promover uma grande e agressiva presença no mercado europeu, para não entrar em choque com os principais fabricantes de charutos neste continente, todos eles importantes clientes do fumo Bahia-Brasil, vendido pelo Grupo Suerdieck. GRANDES FABRICANTES DE CHARUTOS NA EUROPA Empresa Neuhaus August Blase Arnold André Burger Söhne Villiger Willem II Schimmelpenninck Hirschprung E. Nobel Vander Elst
Localização Cidade Schwetzingen Lübbecke Bünde Burg/Aargau Pfeffikon Luzern Valkenswaard Wageningen Copenhague Nykobing Antuérpia
300
País Alemanha Alemanha Alemanha Suíça Suíça Holanda Holanda Dinamarca Dinamarca Bélgica
Todavia, 30% de quem vendia entre 150 e 180 milhões de charutos anuais representava o que poucas indústrias no mundo produziam o ano inteiro. Remeter anualmente para o exterior entre 45 e 54 milhões de charutos era algo de espetacular. Na verdade, em qualquer parte do exterior encontrava-se pelo menos uma das centenas de marcas Suerdieck. Embutidos nos 30% contabilizavam-se os seis milhões de charutos consumidos anualmente nos Estados Unidos. Analisando isoladamente, este quantitativo pode ser configurado como excelente. Porém, a Suerdieck julgava-o tímido quando relacionado ao potencial do mercado. Os hábitos impostos pelos charutos cubanos e as barreiras interpostas pelos grandes atacadistas, foram fatores impeditivos à conquista de uma fatia maior do bolo americano. Quantitativo que a Suerdieck elegia como muito bom lhe proporcionava a Argentina, que importava cinco milhões anuais, através de quatro agentes: Pascual Hnos (Suerdieck), Florentino Martinez (Dancoin), Arimex (Brasilva) e Heguer S.A. (linha Giorgetti). Esta última empresa, com sede em Buenos Aires, era controlada pelo brasileiro Hélio Guertzenstein3. O prestígio dos charutos Suerdieck era tão grande Hélio Guertzenstein dividia o tempo o Brasil, Argentina e Uruguai. que em alguns países havia disputa pela representação. entre Fumava charutos Suerdieck, que Um deles era Portugal, donde foi recebida uma carta criou marcas em sua homenagem: Don Hélio, Heguer e Palame. A última da conceituada Casa Havaneza, fundada em 1864. Eis carregava o nome do iate que o empresário possuía na Bahia, onde o ofício 7065-PL/AM, na íntegra: era agropecuarista e industrial.
Lisboa, 28 de novembro de 1966. Excelentíssimos Senhores, Tomamos a liberdade de nos dirigir a V.Exas. no sentido de lhes propor a candidatura da nossa sociedade como vosso agente exclusivo para o mercado português. Sabemos perfeitamente, até porque mantemos relações comerciais com vosso atual agente, a firma R.S. Contreras, que há muitos anos representa em Portugal a vossa marca. Na eventualidade única de V.Exas. não estarem totalmente satisfeitos
3 - Gaúcho de Erexim, nascido em 1913, Hélio Guertzenstein foi fundador do Aeroclube de Salvador e dono do primeiro avião particular na Bahia, um monomotor que importou dos Estados Unidos em 1941. Usava-o para percorrer as fazendas de criação de bovinos e eqüinos. Do Rio de Janeiro, local do domicílio principal, controlava diversos negócios no exterior. Além de charutos, agenciava empresas de navegação marítima, dentre elas a Companhia de Navegação Bahiana. Guertzenstein foi o responsável pela chegada de uma linha da Bahiana, de cargas e passageiros, aos portos de Montevidéu e Buenos Aires.
301
com os arranjos que têm para o mercado português, estaríamos na disposição de iniciar diligências com o fim da representação exclusiva ser transferida para a nossa organização. Pela lista anexa, terão V.Exas. a oportunidade de verificar algumas das principais empresas mundiais com as quais trabalhamos no nosso departamento de tabacos. No que se refere à referências bancárias, podemos esclarecer que o presidente da nossa empresa é também Presidente do Conselho de Administração do Banco Burnay, Rua dos Fanqueiros 10, em Lisboa. Assim, e rogando a V.Exas. que este assunto seja tratado em bases rigorosamente confidenciais, ficamos na expectativa da recepção das vossas notícias e subscrevemo-nos com a mais elevada estima e consideração. P. Leon Gerente
MERCADO BRASILEIRO O Grupo Suerdieck chegou a reter 85%4 do mercado nacional de charutos. Abastecia o país com produtos de quatro empresas: Suerdieck, Dancoin, Eloy da Silva e Inducondor. O domínio foi de tal envergadura que a Suerdieck recebeu intimação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade, órgão do Ministério da Justiça encarregado da defesa da livre concorrência. O Cade havia acolhido uma denúncia de formação de truste, formulada por Walter Max Julio Straus, que tinha herdado do pai a empresa que representava os charutos Suerdieck em todo o território do estado de São Paulo. Insatisfeito com a acomodação do agente – que deixou de investir na ampliação do seu raio de ação, principalmente na exploração de novas regiões no vasto e rico mercado paulista, Geraldo introduziu Walter Straus acendendo o charuto de Geraldo. outros atacadistas, sem retirar do Walter Straus os charutos das marcas Suerdieck. 4 - Os 15% restantes encontravam-se distribuídos entre a Pimentel, pequenos fabricantes de Alagoas, Sergipe, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e fabricos domésticos.
302
A estratégia consistiu em entregar aos novos agentes a distribuição dos charutos com anéis Dannemann, BraSilva, DaSilva, Giorgetti, Colombo, Iracema e Inducondor. Sentindo-se desprestigiado e incomodado com a concorrência patrocinada pela própria Suerdieck, o Walter partiu para a vendeta. Estribado numa análise enviada pela delegacia do Norte-Nordeste, comandada por Ary Marques Porto, que era professor universitário de direito, o Cade concluiu que o elevado grau de concentração do mercado charuteiro nas mãos da Suerdieck se devia a um processo natural. O fechamento das antigas fábricas tinha sido um fenômeno decorrente de crises econômicas, com exceção da Dannemann, que sucumbira devido a um problema político. A Suerdieck havia sobrevivido às crises e como possuía uma sólida estrutura nacional de distribuição e vendas, absorveu os espaços deixados pelos concorrentes. No caso das empresas coligadas, o Cade não diagnosticou qualquer procedimento danoso à livre concorrência. A marca Dannemann tinha sido adquirida em leilão público oficial e a Eloy da Silva, que encaixotava os charutos de balaio, prestava um serviço ao fisco, haja vista que, ao comprar os produtos caseiros, estava minimizando a ação dos contrabandistas, estes sim, nocivos à economia, principalmente ao erário baiano. Na Inducondor, que produzia apenas uma marca de charutos e uma de cigarrilhas, o Cade também não enxergou nenhum abuso de poder econômico. PESO DOS MERCADOS 1. Brasil 2. Europa 3. Estados Unidos 4. Argentina 5. Canadá 6. África do Sul 7. Outros países
IMPÉRIO DE MARCAS Dos 464 títulos comerciais, de charutos, cigarrilhos e cigarrilhas, o Grupo Suerdieck chegou a ter, em produção simultânea, cerca de 300 marcas.
TODAS AS MARCAS No período de 70 anos (1905-1975), com os anéis da linha Suerdieck, foram comercializadas 268 marcas, entre charutos, cigarrilhos e cigarrilhas. A lista, onde a predominância é dos charutos (88%), é na sequência alfabética, tendo sido desprezada a ordem cronológica encontrada no Livro de Referência Industrial. Andarilhos Argolla Arpoador Aurora Autênticos Autênticos Filho Autênticos Pai
A Bela Bahia Adlon Agulhas Negras Albuquerque Amizade Amor Perfeito Anão
303
Bacará Banqueiros Baroneza Erna Baroneza Erna Grande Baroneza Erna Média Baroneza Erna Pequena Baronezas Beira Mar Beira Mar Finos Bela Flor Black and White Boas Festas Bororós Brasa Brasileiros Brasília Brazil Especial Brazil Finos Brazil Médios Brazil Políticos Brazil Regalia Brazilian Nips Brissago Broadway Brotinho Broto C.T.C. Caballeros Caboclos Caetés Caixa de Presente Grande Caixa de Presente Pequena Calu Campeão do Mundo Capa Preta Caprichosos Castelhanos Castelo Castilhanos Cata Flor Catarina Catita
Centenário Cesários Cesários Filho Cesários Mirim Cesários Pai Chilenos Cichar Colibri Condor Copa Coreana Corona Imperial Coronas Cortizile Coxville Cruz Condor Cruzeirinho Curitibanos D. Pedro Diadema Extra Don Rodolfo Ducal Havana Extra Ducal Havana Nº 1 Encantado Maior Encantado Menor Escurinho Esplanada Estelita Estrelita Executive Exposição Facica Fazendeiros Fidalgos Fiesta Brazil Flor da Noite Flor de Brasília Flor de Cintra Flor do Caribe Flor Extra Fina Florência Flores
304
Florinha Florista Fortuna Garantidos GGG Glamour Globo Governadores Grand Duc Grande Gala Granfinos Guarujá Hamburgueses Havana Especial Havana Extra Havana Finos Havana Flor Havana Médios Havana Pequena Flor Havana Políticos Havana Puros Havana Supremo Holandeses Ika Nº 1 Ika Nº 2 Imperiales Índios Índios Mirim Invencível Jubileu de Ouro Kibacana Labiata Lazael Legítimos Nº 1 Legítimos Nº 2 Lembrança da Bahia Louro Nº 1 Louro Nº 2 Louro Nº 3 Mandarillos Mandarim Mandarim 800
Mandarim Filho Mandarim Pai Margareth Mata Fina Especial Mello Filho Mello Fino Mello Mirim Mello Nº 1 Mello Nº 2 Mello Nº 3 Mello Simples Mercedes Mimosa Monte Castelo Moreno Nº 1 Moreno Nº 2 Moreno Nº 3 Mulata Municipal Nacionales Nair Natal Navegantes Nippões Nirvana Nobreza Nordestino Novos Castelhanos Número 3 Número 4 Número 5 Número 10 Número 11 Número 12 Número 13 Odalisca Olympicos Ouro de Cuba Ouro de Cuba Livro Ouro do Caribe Ouro Velho Ouro Verde
305
Ouro Vermelho Ouro Vermelho Popular Palmeiras Pampulha Pampulhinha Panatela Fina Panatela Grande Panatela Júnior Panatela Média Panatela Ouro Panatela Pequena Percal Havana Perfeitos Persianos Petiscos Petisqueira Petisqueiros Petit Corona Petit Suerdieck Pincel Políticos Premier Prima Dona Primo Princesas Profetas Puro Bahiano Puro Bahiano Grande Record Record Fino Record Grosso Record Lançado Regalia Bahiana Regalia Cubana Regalia Fina Regional Nº 1 Regional Nº 2 Regional Nº 3 Regional Nº 4 Regional Nº 5 Rex Rocco Roliço
Rubia Sadda Salutar São Nicolau Sem Igual Serenatas Simpatia Simples Nº 1 Simples Nº 2 Sorrisos Sortimento 26 Sortimento Extra Fino Sortimento Ypiranga Su-Co Suerdieck 75 Suerdieck 200 Suerdieck Brasil Suerdieck Dez Suerdieck Fantasia Suerdieck Flor Fina Suerdieck Gigante Suerdieck Grande Suerdieck Médio Suerdieck Nº 1 Suerdieck Nº 2 Suerdieck Pequeno Suerdieck Presidente Suerdieck Stumpen Suíço Sul Bahianos Supremo Requinte Susa Filtro Tocos Toscanos Três Estrelas Tropeiro Tuffizinho Turismo Únicos Valência Vencedores Viajantes White
306
Observações A marca Getúlios
Uma mesma marca podia apresentar
os charutos em duas versões de capeamento.
Dono de fazendas de fumo na região
Exemplo: Ouro de Cuba S e Ouro de Cuba M.
de Cruz das Almas, Lauro Passos cultivava a
S indicava capa clara e M capa escura.
amizade com Getúlio Vargas enviando charutos
Uma marca também podia ser apresentada
sob diferentes formas de envazamento, em caixas simples, luxo ou superluxo.
especiais.
Conhecidos pela marca Getúlios, que não
pertencia ao elenco comercial, os charutos eram fabricados pela Suerdieck exclusivamente para o consumo do grande líder da política nacional.
MARCAS DA LINHA GIORGETTI Amapola
Garden
Inajá
Austral
George Nº 1
Lili
Bandeirante
George Nº 2
Nº 30
Black
George Nº 3
Palame
Caiçara Nº 1
Giorgetti de Luxo
Príncipe de Gales
Caiçara Nº 2
Giorgetti Especial
Sant’Anna
Copacabana
Giorgetti Nº 1
Teimoso
Cuba Libre
Giorgetti Nº 2
Test
Dolores
Giorgetti Nº 3
Tumiaru
Don Hélio
Giorgetti Nº 4
Ubatuba
Don Nicolau
Giorgetti Nº 5
Encantados
Heguer
MARCAS DA LINHA IRACEMA MARCAS DA LINHA COLOMBO
Alvorada Amada
Colombo Corona
Andira
Colombo Maior
Estrelas
Colombo Menor
Iracema
Colombo Máximo Nº 1
Jurema
Colombo Máximo Nº 2
Segredo
Colombo Simples Colombo Panatela
307
MARCAS DA LINHA BRASILVA Brasilica
MARCAS DA LINHA
Brasillos
DASILVA
BraSilva BraSilva Diadema
DaSilva
BraSilva Encantado Maior
Dolores
BraSilva Encantado Menor
Eloy Extra Suave
BraSilva Extra Suave
Eloy Nº 1
BraSilva Hamburgueses
Eloy Nº 2
BraSilva President
Eloy Nº 3
BraSilva Rex
Eloysinho
BraSilva Sem Igual
Plínio
Holland Panatela
Populares
Importado Maior
Silva Nº 1
Importado Menor
Silva Nº 2
Natalinos
Silva Nº 3 Silvinho 801 M 33 Escuro
LINHA BRANDURA Brandura Bahia Brandura Sumatra
DANNEMANN INDUCONDOR
Vide as 115 marcas
Batuta
no Capítulo 24
Vedette
TODAS AS MARCAS Suerdieck................................................................................. 268 Dannemann............................................................................ 115 Giorgetti .................................................................................... 34 BraSilva ...................................................................................... 15 DaSilva ....................................................................................... 15 Colombo ..................................................................................... 7 Iracema ........................................................................................7 Inducondor ............................................................................... 2 Brandura ..................................................................................... 2
464
308
LABORATÓRIO PARA DIVERSIFICAÇÃO Apesar de dispor, sem problema algum, do abastecimento dos melhores fumos do Recôncavo (Bahia-Brasil e Sumatra-Bahia) e de Alagoas (Arapiraca), a Suerdieck dava-se ao luxo de comprar matéria-prima de outras fontes. Era a busca incessante por novos tipos e marcas de charutos, com paladares diferenciados e de boa qualidade, para atender segmentos dos mercados interno e externo. Além dos fumos tradicionais de Cuba (Vuelta Abajo e Havana), da Indonésia (Sumatra e Java) e do México (San Andrés), a Suerdieck chegou a importar fumos cultivados nos Estados Unidos (Connecticut e Flórida) e na Alemanha (Pfälzer). Também fez experimentos com fumos de outras regiões brasileiras: Santa Catarina (Vale do Itajaí) e Minas Gerais (Ubá). Existia na fábrica de Maragogipe um verdadeiro laboratório para pesquisa e desenvolvimento de novas misturas de fumos. A diversificação e o alto padrão dos produtos fizeram da Suerdieck uma empresa ímpar e muito conceituada no mundo dos charutos.
ANEL PADRÃO
ANÉIS ESPECIAIS
Marca
Marca
Havana Supremo
Corona Inperial
Marca
Getúlios
309
310
APÊNDICE: 2ª PARTE
FUMOS, CHARUTOS E PODER
GRUPO SUERDIECK
GRUPO SUERDIECK PISA holding
Fábrica 1 - 1905 Maragogipe Fábrica 2 - 1935 Cruz das Almas Fábrica 3 - 1936 Cachoeira
SUERDIECK Susa Salvador/BA
Salvador/BA
4
9
EXPORTADORA Suerdex Salvador/BA 1950 AGRO FUMAGEIRA
10
6
11
7
12
1943
1945
1950
INDUCONDOR Petrópolis/RJ
13
1954
DISTRIBUIDORA PORTOALEGRENSE Porto Alegre/RS 1955 DANCOIN Salvador/BA
1961 14
suerdieck Charutos e Cigarrilhos GmbH Freiburg. Alemanha 1962 15
suerdieck Charutos e Cigarrilhos GmbH & Co.KG Emmendingen, Alemanha 1962 16
SURTA AG Zurique, Suíça
1961
Cruz das Almas/BA
1939
ESPERANÇA Rio do Sul/SC
8
5
DISTRIBUIDORA RIO Rio de Janeiro/RJ
3
1930
ELOY DA SILVA
GERDIECK
1
1961
1892
MARAGOGIPANA Maragogipe/BA
2
SUERDIECK GMBH 1963
1. Companhia de Participações Geraldo Suerdieck – GERDIECK 2. Participações Industriais S.A. – PISA 3. Suerdieck S.A. Charutos e Cigarrilhos – SUSA 4. Companhia Maragogipana de Eletricidade S.A. 5. Eloy da Silva & Cia Ltda. 6. Distribuidora de Charutos Suerdieck Ltda. 7. Indústria e Comércio de Madeiras Esperança Ltda. 8. Exportadora de Fumos Suerdieck S.A. – SUERDEX 9. Agro Comercial Fumageira S.A. 10. Indústria de Fumos Inducondor S.A. 11. Distribuidora Portoalegrense de Charutos S.A. 12. Dannemann Comércio e Indústria de Fumos Ltda. – DANCOIN Obs: A Suerdieck foi grande acionista do Banco Comercial do Nordeste, com direito a indicar um membro na Diretoria e outro no Conselho Diretor.
311
Hamburgo, Alemanha 1969
COMPOSIÇÃO ACIONÁRIA DA PISA Gerdieck ............................................594.748 Geraldo Meyer Suerdieck ........... 233.249 Tibúrcia Guedes Meyer Suerdieck............... Albrecht Wolfgang Meyer Suerdieck......... Nicolau Meyer Suerdieck.............................. Fernando Meyer Suerdieck.......................... Antônio Eloy da Silva..................................... Total das ações ................................................
827.997 160.377 148.141 116.922 98.198 48.365 1.400.000
59,14% 11,46 10,58 8,35 7,01 3,46 100,00%
Obs.: Nicolau Suerdieck retirou-se da PISA em outubro de 1972. Suas ações foram adquiridas pela Gerdieck (58.461) e por Ruth Cerqueira Suerdieck (58.461)
O Edifício Suerdieck, construído por Geraldo, num cartão postal produzido por uma empresa do Ceará e colocado à venda, em lojas de souvenirs e bancas de revistas.
A Distribuidora de Charutos Suerdieck Ltda., com sede no Rio de Janeiro, na Rua Almirante Baltazar 333, em São Cristóvão, chegou a ter uma frota de 40 camionetes do tipo furgão, para entregas no comércio varejista.
Em situações emergenciais, ou quando os destinos não estavam servidos por linhas de navegação, pelas ferrovias ou ainda nos casos da via rodoviária ser problemática, o transporte aéreo era acionado nas entregas dos charutos. A Panair do Brasil S.A., maior empresa em operação no país, era a transportadora oficial dos charutos Suerdieck.
312
APÊNDICE: 2ª PARTE
FUMOS, CHARUTOS E PODER
SUERDIECK S.A.
SUERDIECK S.A CHARUTOS E CIGARRILHOS CHARUTOS E CIGARRILHOS NÚCLEO DAS DECISÕES ENTRE 1960 – 1970 GERALDO MEYER SUERDIECK Presidente
AUGUSTO MARTINS JÚNIOR Expedição
FERNANDO MEYER SUERDIECK Matéria-Prima: Fumo Sumatra-Bahia
JOÃO DA SILVA LEAL Faturamento
ANTÔNIO ELOY DA SILVA Matéria-Prima: Fumo Bahia-Brasil
ELISABETH CABÚS DE AMORIM Contabilidade
ALBRECHT WOLFGANG MEYER SUERDIECK Máquinas e Produção Mecanizada
VIVALDO FONSECA BARRETO Pessoal, Acionistas e Seguros
NICOLAU MEYER SUERDIECK Exportação
HERBERT STERN Fiscal das Fábricas
LUIZ AUGUSTO SCHROEDER Vendas e Propaganda
MILTON NUNES TAVARES Jurídico
EPAMINONDAS DA SILVA BANDEIRA Finanças
HILDEGARDO FIGUEIREDO CÂMARA Serviço Médico
JOSEPH KARL FRANZ HOECHERL Controle Econômico
GISELA HEDWIG FRANZISKA HUCH SUERDIECK Procuradora na Europa
JOSÉ RUAS BOUREAU Compras
GERENTES DAS FÁBRICAS Maragogipe (1905-1975)
INSPETORES VIAJANTES (Vendas no Brasil) • Diógenes Menezes Ferreira • Jorgelito Mauadié
1. Fardinand Suerdieck 2. Carl Gerles 3. Gerhard Meyer 4. Willy Haendel 5. Heinrich Caspelherr 6. Johann Schinke 7. Corbiniano Rocha 8. Lourival Vulpian Vivas 9. Raimundo Eloy de Almeida 10. Nicolau Meyer Suerdieck 11. Milton da Silva Andrade
Cruz das Almas (1935-1975) 1. Johann Schinke 2. Josef Mülbert 3. Herbert Stern 4. Mário Fernandes de Almeida 5. Leonel Ribas 6. Boaventura Santos Cachoeira (1936-1966) 1. Conrad Grave 2. Gerhard Behrens 3. Kurt Hasse 4. Waldo Herondino Azevedo
OBS: Dos dezessete, nove falavam alemão: os irmãos Suerdieck, Antônio Eloy da Silva, Luiz Schroeder, Joseph Hoecherl, Herbert Stern e Gisela Huch Suerdieck.
313
Cruz das Almas, julho de 1952: Antônio Nonato Marques, secretário da Agricultura do Estado da Bahia, Geraldo Meyer Suerdieck e Jorge Guerra lendo o discurso.
Carlos Dreher Neto e Geraldo, presidentes da Dreher S.A. e Suerdieck S.A., num encontro regado a vinhos e charutos.
314
Salvador, março de 1961: Geraldo apresentando o vinicultor gaúcho Carlos Dreher Neto ao governador da Bahia, Juracy Magalhães (de óculos), observados por João Galant Júnior e Hermann Overbeck.
Hotel da Bahia, 1961: Geraldo entre Aroldo Ribeiro (diretor de Eloy da Silva & Cia.) e o jornalista João Falcão (proprietário do Jornal da Bahia), atentos a uma explicação do empresário gaúcho João Galant Júnior, vice-presidente da Dreher S.A. Vinhos e Champanhas.
Geraldo com Hermann Josef Abs, diretor do Deutsche Bank, observado pelo deputado federal Antônio Carlos Magalhães (de branco), pelo vice-governador da Bahia, Orlando Moscozo (atrás) e pelo ministro da Fazenda, Clemente Mariani (de óculos). Salvador, 1961.
315
Emissoras de rádio transmitindo um discurso de Geraldo.
316
Geraldo com Er win Morgenroth, dono de um leque de negócios, onde se sobressaíam a exportadora de fumos Morgenroth, Leoni & Cia., a rede das Lojas Érmor, especializada em eletrodomésticos, e o Banco do Comércio e Indústria da Bahia. Os dois eram compadres, tendo Erwin batizado o filho caçula de Geraldo e Aída.
APÊNDICE: 3ª PARTE
A
DESVENDANDO SEGREDOS
CONTROLE DE QUALIDADE
CONTROLE DE QUALIDADE
lém do controle qualitativo da matéria-prima, a Suerdieck sempre fez, pelo sistema aleatório da amostragem, uma avaliação diária das marcas produzidas. A base para o julgamento provinha da pontuação no formulário abaixo: TESTE DE CHARUTOS Marca: _____________________ Provador: ______________________ Data: ______/______/______
Caráter Bom Caráter Meio Caráter Pouco Caráter Muito Pouco Caráter Sem Caráter Força Forte Meio Forte Meio Leve Leve Muito Leve
2. AROMA
3. COMBUSTÃO
10 - 5 - 0
1. PALADAR
Pontuação
10 - 5 - 0
Pontuação
Acidez Leve Meio Leve Meio Picante Picante Muito Picante
10 7 5 3 0
Limpeza Limpo Quase Limpo Meio Limpo Meio Sujo Sujo
10 7 5 3 0
4. CINZA
Limpo/Redondo Ainda Limpo Um Pouco Sujo Sujo Picante/Agudo
10 7 5 3 0
Muito Boa/Franca Boa Razoável Irregular/Dentada Baixa/Ruim
10 7 5 3 0
Cor Alva Clara Meio Clara Escura
10 7 5 3
Consistência Boa Regular Pouca
10 7 3
É de Fernando Fraga, diretor técnico da Suerdieck por onze anos, a definição de cada item constante do formulário para o teste de charutos: 1. PALADAR 1.1 – Caráter: é o sabor característico de cada fumo ou do blend (mistura
317
dos fumos). Se um charuto tem sabor bem marcante ele é considerado “bom caráter” e, inversamente, se tem sabor de palha, é considerado “sem caráter”. 1.2 – Força: está, em parte, ligada ao “caráter” do fumo. Por exemplo, um Mata Fina de “bom caráter” nunca terá força abaixo de “meio forte”, ao passo que um fumo Sumatra nunca terá força acima de “meio leve”. 1.3 – Acidez: todo fumo tem um determinado grau de acidez. Para que o charuto tenha sabor agradável, além do “caráter” e da “força”, será preciso que a acidez seja “leve” ou “meio leve”. 1.4 – Limpeza: o charuto considerado “limpo” é aquele que não tem nenhum sabor amargo. Fernando Fraga, pai dos charutos da linha Don Pepe. O “quase limpo” possui um amargor quase imperceptível. O “sujo” é o que tem um amargo bastante acentuado. Para que um charuto possa ser considerado fumável ele precisa, pelo menos, ser classificado como “meio limpo”. 2. AROMA O charuto com aroma considerado “limpo ou redondo”, mesmo sendo de paladar forte, é agradável, ao passo que o considerado “sujo”, por mais que o paladar seja leve, o aroma é desagradável. 3. COMBUSTÃO A combustão de um charuto é considerada “muito boa ou franca” quando a sua queima é constante enquanto está sendo puxado (aspirado), a intervalos mais ou menos regulares, não muito longos. É normal um charuto se apagar quando for deixado, por alguns minutos, sem ser puxado. 4. CINZA A cinza de um bom charuto deve ser “clara” ou pelo menos “meio clara”. Também poderá ser “alva”, desde que a alvura não seja superuniforme e lisa, o que denota a utilização de algum produto indutor de combustão e clareador na capa do charuto. A consistência deve ser “boa” ou pelo menos “regular”. A cinza não deve cair toda vez que se puxar o charuto.
318
APÊNDICE: 3ª PARTE
G
DESVENDANDO SEGREDOS
TESTE ANALÍTICO
TESTE ANALÍTICO
eraldo Meyer Suerdieck, um dos maiores especialistas do mundo em charutos, dá a receita de como procede num teste para julgamento da qualidade dos charutos. Ele trabalha com duas unidades de cada marca que irá avaliar, uma para cada etapa abaixo. DIAGNÓSTICO MANUAL, VISUAL E OLFATIVO Munido de um estilete, executa cuidadosa autópsia no corpo do charuto, para dissecação e exame dos componentes da anatomia do produto. 1.1 – Torcida: verifica o tipo da bucha utilizada, a arrumação e o cheiro da combinação dos fumos. 1.2 – Capote: examina a uniformidade e a qualidade da subcapa. 1.3 – Capa: através da visão e do tato verifica a coloração e a textura do fumo empregado no acabamento. DIAGNÓSTICO GUSTATIVO, OLFATIVO E VISUAL Neste procedimento, Geraldo simplesmente degusta o charuto, para avaliação de quatro propriedades. 2.1 – Paladar: avalia o caráter,a força, a acidez e a limpeza resultantes da mistura dos fumos utilizados no preparo do “bunch” (torcida e capote) e da capa. 2.2 – Aroma: da mesma forma que se avalia um vinho, um bom charuto também se determina pelo buquê que exala da combustão dos fumos. 2.3 – Combustão: analisa a uniformidade da queima, o tráfego da fumaça, a densidade com que chega à boca, o grau da fermentação dos fumos e o teor do cerol. Verifica também se o fumo recebeu tratamento com nitrato de potássio, recurso que assegura a queima contínua. 2.4 – Cinza: examina o grau da compactação, a coloração e se houve tratamento com sal ou cálcio, para torná-la mais alva. FATORES ELIMINATÓRIOS Num julgamento de um Premium Cigar, Geraldo elimina, já na primeira fase (nem entra na degustação), todo charuto que contiver um dos quatro itens abaixo. a. Capa Foscalizada. Normalmente, por indisponibilidade de bons fumos
319
capeiros, alguns fabricantes utilizam do artifício da foscalização para esconder a verdadeira identidade da capa. O processo consiste num banho de talcode-fumo, que transforma visualmente as capas lustrosas (qualidade inferior) em capas foscas (qualidade superior), através de dois métodos, aplicados nos charutos já prontos: “mattiert”, que utiliza talco seco, e “feucht-mattiert”, com talco úmido, quase uma tintura. b. Fumo Homogeneizado. Este tipo de fumo, artificial, também denominado fumo-papel ou fumo-de-bobina, é muito utilizado por fabricantes europeus e americanos, em capotes e até capas. c. Torcida Miúda. Para ser enquadrado na categoria Premium Cigar, o produto terá que, necessariamente, ser um long filler. d. Produção Mecanizada. Os dois últimos itens têm estreita ligação com a fabricação à máquina. Quando o bunch é composto por torcida miúda + capote homogeneizado, a passagem pela máquina é inevitável.
UM PARECER Não gostei das amostras que me enviaram. As do teste anterior estavam melhores. Como charutos para “não-fumantes” são até bem feitos. As considerações: 1. Os de capa na tonalidade esverdeada têm gosto horrível; 2. Os de torcida miúda, embora bem limpa, são muito macios e oleosos. Ardem com influência negativa no gosto. Também achei a gradeação muito “miúda”, o que dificulta a combustão; 3. Nos de torcida graúda, long filler de marcas caras, verifiquei que utilizaram fumo muito largo e grosso. Na arrumação as folhas foram enroladas dobradas, provocando prejuízos na combustão e no paladar. Recomendo que se corte as folhas em tiras, no tamanho ideal, para permitir melhor combustão e uma melhoria no paladar; 4. De um modo geral, os charutos estavam demasiadamente cheios, o que permite boa apresentação, mas tranca a combustão, principalmente nos tipos de bico lançado. É um sacrifício fumálos, pois exigem que se faça força nas puxadas, que devem ser contínuas, para que continuem queimando. gms/12.07.95
320
OUTRO PARECER 1. Torcida arrumada: na visita à fábrica, encontrei desperdício e relaxamento no processo inicial da confecção por este método, que é para ser a arte mais perfeita e nobre de se produzir um charuto superior. Está se arrumando folhas de larguras variadas para se obter o “livro de folhas arrumadas”. Mas o capoteiro dobra tudo antes de levar à máquina pedal, formando a rigor um “livro fechado”, quebrando assim a facilidade na combustão, a consistência da cinza e permitindo, muitas vezes, que a combustão seja “dentada” no local onde as partes do livro foram fechadas; 2. As capas no tom esverdeado, que sempre reclamei no capeiro Agro, produzem um efeito negativo nos charutos de bitola mais fina; 3. Com referência à adubação, sempre creditei uma boa parte da qualidade negativa dos fumos à adubação química; 4. Se aplicadas na dosagem certa, as essências de café e chocolate reduzirão o gosto desagradável, amargo e enjoativo dos fumos de uma safra ruim. Somente assim poderão ser utilizados, nas cigarrilhas aromatizadas. gms/01.09.95
O cerol é a gordura do fumo, funciona como combustível da fermentação
Numa fermentação incompleta,
e dá elasticidade à folha.
O charuto pode apresentar
O cerol não pode ser em nível elevado,
amargor, acidez alta (ardência),
o seu teor é fundamental à qualidade
cinza preta, embeiçar
de cada safra de fumo.
ou ficar suado.
ALGUNS REFLEXOS NEGATIVOS NO PALADAR DOS CHARUTOS — Plantação
Falta de combinação certa entre sol e água na lavoura.................. GOSTO QUEIMADO
— Colheita
Folhas colhidas antes do tempo............................................................. GOSTO VERDE
— Estocagem
Varredura de armazém, com refugo no meio................................... GOSTO DE TERRA
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APÊNDICE: 3ª PARTE
DESVENDANDO SEGREDOS
CURIOSIDADES SOBRE GMS FUMANTE RECORDISTA
eraldo Meyer Suerdieck é uma das raras personalidades do mundo que enfeixa conhecimentos profundos no tripé do segmento agro-industrialconsumidor, ou seja: a. Domina como poucos as técnicas da cultura e do manejo do fumo. b. Sabe tudo sobre a fabricação de charutos. c. É fumante exigente e requintado. Por prazer e por obrigação, Geraldo fuma ininterruptamente desde os 16 anos de idade. Em 62 anos no ofício, não se recorda de ter ficado um dia sequer sem levar um charuto à boca. Por dever profissional, fumava periodicamente uma unidade de todas as marcas da linha Suerdieck, para avaliar a qualidade dos produtos que estavam sendo colocados no mercado. O lançamento de novas marcas tinham que, necessariamente, passar pelo seu crivo aprovatório. Habitualmente, no dia-a-dia da degustação reservada, a preferência de GMS recaía nos charutos médios de bitola grossa. Porém, em festas, solenidades e aparições públicas, fumava charutos longos. ANOS
QUANTIDADE DIÁRIA
INICIANTE 16 aos 21
5
3
5.400
ATIVIDADE PLENA 22 aos 64
43
12
185.760
CONSUMO MODERADO 65 aos 78
14
3
15.120
FAIXA ETÁRIA
TOTAL EM 62 ANOS COMO FUMANTE ININTERRUPTO
TOTAL DO PERÍODO
206.280 CHARUTOS
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Leão Rozemberg
G
CURIOSIDADES SOBRE GMS
Nem Sir Winston Churchill fumou tanto. Numa estatística de 1955, quando estava com 80 anos, o estadista britânico foi proclamado campeão dos fumantes, com 153.415 charutos5. Como viveria mais dez anos, e mantida a média declarada de 7 charutos diários, conclui-se que Churchill fumou mais 25.550 unidades, contabilizando um total de 178.965 charutos. Portanto, o novo recorde mundial, digno de figurar no Guinness Book, pertence a Geraldo Meyer Suerdieck, com 206.208 charutos, com a ressalva de que o brasileiro continuava em atividade. Registra-se ainda que Geraldo sempre desfrutou de saúde de ferro, sem percalços de qualquer tipo de doença. Estômago, brônquios, pulmões e coração continuavam, aos 78 anos de idade, em condições de fazer inveja em muita gente da sua faixa etária. Um outro fumante insaciável foi o doutor Apolinário Candeias Lopes, de Cachoeira. Não largava o charuto, nem quando estava atendendo em seu consultório odontológico. Dele não se tem estatística, mas pelo volume do consumo, ao longo de décadas, deve ter chegado perto da marca alcançada por Churchill. Fumou até a morte, em 1971, aos 80 anos de idade. Ele, Churchill e GMS são exemplos de que o fumo bom e bem curado, consumido in natura, na forma de charuto, não transporta os males que os antitabagistas generalizam, misturando cigarros com charutos. O ator americano George Burns, que completou 100 anos em 1996, chegou a um século de vida fumando charutos. Mas o campeão da longevidade continua sendo o colombiano Javier Pereira, que chegou à idade de 167 anos degustando um charuto por dia. A imprensa, vez por outra, noticia a façanha de alguns fumantes, afirmando o consumo entre 20 e 30 charutos diários. Para isto ser possível o aficionado, obrigatoriamente, tem de fumar apenas charutos pequenos, ou então abandona os maiores após umas poucas baforadas, sem degustá-los integralmente. Um charuto, nos padrões Churchill, Lonsdale, Panatela, Corona ou Robusto, não se consegue fumá-lo em menos de uma hora. Portanto, qualquer estatística envolvendo quantidades diárias acima de 12 unidades deverá ser encarada com muita reserva. O recorde de Geraldo, ou mesmo o quantitativo alcançado por Churchill, dificilmente será ultrapassado. Fumar de 7 a 12 charutos, de um dos cinco padrões acima, onde se situavam Churchill e GMS, representa números extraordinários. Nos tempos da atividade plena, Geraldo trabalhava entre 12 e 15 horas diárias, sempre na inseparável companhia dos charutos. As horas restantes eram gastas com dormida, no barbear, no banho, no vestir-se e nas refeições. Fora disto, somente deixava o charuto de lado quando se entregava aos exercícios do amor, praticados diariamente, exceto quando viajava desacompanhado. ELIXIR SEXUAL Geraldo não gosta do rótulo de que tinha sido um mulherengo incorrigível. Mas quem o conheceu de perto afirma que foi um bem sucedido sedutor, refinado e 5 - Boletim Trimestral da Suerdieck, nº 27 (out-dez/1955).
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O charuto é um elixir da sexualidade. As colunas de fumaça dissipam tensões, espantam o estresse, afugentam os aborrecimentos e dão disposição para o amor, uma disposição contínua, sempre renovada a cada dia. gms
discretíssimo. Na verdade, segundo os mais íntimos, Geraldo era o conquistado e não o conquistador impetuoso. No período da juventude, extensiva à fase madura, até mais ou menos os cinqüenta e cinco anos, foi muito assediado. Dono de sobrenome famoso, industrial importante, educação esmerada, internacionalizado e dominando vários idiomas, este homem de 1,72 de altura, temperamento calmo, dono de voz mansa e pousada, de barítono matreiro, enganosamente tímido, complementava o charme no toque mágico dos charutos sofisticados e na classe dos trajes impecáveis. Gostava de comprar roupas finas na Europa. Usava gravatas suíças, francesas e italianas, confeccionadas em seda pura. Os ternos eram encomendados a Staben, em Hamburgo, ou talhados em Salvador pelo alfaiate Gustavo Reis. Enfim, municiado por todo este aparato, Geraldo fascinava brasileiras, alemãs, suíças, holandesas, francesas, inglesas, americanas, etc. Sucumbiu aos encantos de várias e resistiu aos ataques de muitas, inclusive de uma baronesa italiana em visita à Bahia. Ele admite que não foi “nenhum santo”, mas faz a ressalva de que as relações na rua decorreram dos casamentos já estarem na rota da dissolução inevitável, faltando tão somente os processos formais das separações. Nestas situações confessa: — Tinha de arranjar logo uma nova costela, nem que fosse temporária, pois nunca fui do tipo vocacionado para jornadas longas sem o aconchego de uma companheira! Geraldo vangloria-se da sorte de não ter nenhum filho fora de casa. Os que teve, em número de sete, foram frutos dos casamentos. Sem jactâncias de nomear-se um supra-homem, garante no entanto que sua Sexo é um jogo gostoso, vida sexual foi muito ativa. Credita e agradece mas muito diferente do amor, esta disposição indomável aos charutos. que é um sentimento mais profundo. Acredita piamente nos efeitos benfazejos gms e até afrodisíacos da fumaça de um bom charuto. SURPRESAS No retorno à Alemanha, para cumprir estágio profissionalizante em Hamburgo, Geraldo acompanhou um grupo de colegas do Donnerbank a uma cervejaria em St. Pauli. Depois, todos resolveram concluir a noitada na Kalkhof, famoso reduto da prostituição. O renome do local provinha de um fato envolvendo um figurão da realeza, que, bem no estilo do imperador brasileiro Pedro I, gostava de sair incógnito e sozinho, para divertir-se nos bordéis. O homem de sangue azul encantou-se por uma prostituta e em pleno ato sexual teve uma apoplexia, falecendo sobre a dama de truz. Como nenhuma documentação foi encontrada, a direção do prostíbulo
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tratou logo de se livrar do incômodo defunto, desovando-o na rua. Ao amanhecer, o cadáver foi recolhido pela polícia e entregue no necrotério, onde a identidade do cidadão foi desvendada. Tratava-se do rei da Dinamarca. A causa mortis tinha sido a ruptura de um vaso sanguíneo, que estava comprometido pela idade do monarca, ocasionando o que se chamava de “morte no amor”, decorrente do esforço empreendido durante o coito. A Kalkhof ganhou notoriedade e os homens que passavam por Hamburgo eram atraídos para o cenário onde o rei dinamarquês havia encontrado a morte, um tipo de morte sonhado pelos idosos. Seria a glória suprema, morrer nos braços de uma bonita rapariga, dando provas da virilidade. Somente abominavam a visão do corpo na rua, jogado como lixo, num descarte ultrajante, humilhante para um glorioso final de vida. O corpo tinha de ser recolhido na cama da alcova, como prova inquestionável de que a morte fora honrosa, no cumprimento do dever de macho que se preza. Para atender às legiões de visitantes, os bordéis da Kalkhof caprichavam no luxo e na qualidade da matéria-prima. As prostitutas passavam por uma seleção, escolhidas entre jovens belíssimas e portadoras de invejáveis atributos físicos. Geraldo ficou de queixo caído quando as viu. Algumas casas exibiam-nas cobertas apenas pela peças íntimas,numa espécie de “vitrine erótica”. Enquanto percorria o mostruário chegou a dizer para si mesmo: — Não tem rei que agüente o tranco de uma destas mulheres. E se o indivíduo for cardíaco sofre um curto-circuito na hora agá! A tentação explícita fê-lo mergulhar na difícil tarefa de optar por uma das beldades. Coisa de louco, nunca tinha visto nada igual, estava no paraíso do rei. Instalado na cama, pronto para a noitada da luxúria amorosa, não percebeu que durante as ações preliminares estava sendo sutilmente interrogado. Ao deixar escapar a nacionalidade brasileira, a habilidosa profissional passou a mão pela mesinha de cabeceira e, num gesto rápido e preciso, enfiou um condom no membro do cliente ensandecido pelo desejo. Foi a primeira vez que praticou uma relação usando o preservativo de borracha inventado pelo dr. Condom, um legendário médico inglês. Não gostou, achou o resultado insosso. O condom podia ser excelente para evitar gravidez e doenças venérias, mas era péssimo para o desfrute das sensibilidades e para um bom orgasmo. A intromissão do elemento artificial, um envoltório elástico, de membrana fina, porém espessa para o tato peniano, esfriava sensivelmente o ato da penetração e o prazer carnal. O preservativo, que no Brasil se chamava camisinha-de-vênus, retirava o molho do calor provocado pelo contato direto, reduzindo drasticamente a capacidade do pênis em sentir as vibrações das interações ocorridas na cópula. Geraldo ficou com a certeza de que somente por meio do sistema natural, da carne roçando na carne, podia-se usufruir das deliciosas sensações do jogo na cavidade vaginal e do gozo na sua máxima plenitude. Ao perguntar a razão da súbita instalação do condom, a meretriz confessou que
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sul-americanos não eram bem vistos, pois gozavam da fama de serem portadores das doenças transmissíveis sexualmente. Ficou também sabendo que este conceito, divulgado pelo órgão da vigilância sanitária, havia sido gerado pelas tripulações dos navios mercantes que freqüentavam o movimentado porto de Hamburgo. Na época, as doenças sexuais grassavam no Brasil. A cura era muito difícil, haja vista não haver os antibióticos que mais tarde debelaram as epidemias que infelicitaram gerações de jovens sem recursos ou sem acesso aos poucos especialistas. Na volta à Bahia, Geraldo foi apanhado por uma blenorragia, a primeira e única moléstia de origem sexual que teve na vida. Contraiu-a de uma bela e bem torneada mulher que conquistou no salão de dança do Tabaris, templo dos boêmios da capital baiana. Ela até foi honesta, comunicando-lhe que estava com um pequeno corrimento, que poderia ser uma infecção, fruto do relacionamento com o último companheiro. Mas, na fúria indomada da juventude, e do desejo incontrolável, desprezou o alerta e a camisa-de-vênus. Pagou caro, teve de enfrentar um penoso procedimento no consultório do dr. Jorge Valente, uma das sumidades médicas de Salvador. O combate consistiu primeiramente na introdução de um tubinho parecido com um endoscópio, por dentro do qual foram queimados os focos dos gonococos aninhados na mucosa da uretra. Depois vieram as sessões das lavagens desinfetantes, com permanganato de potássio. Findo o tratamento foi liberado para voltar à atividade sexual, sem risco da transmissão venérea. Estava completamente curado da infecção blenorrágica. O grupo de Geraldo, integrado dentre outros por Oscar Schmidt, Walter Brito, Hélio Rocha, Hermógenes Príncipe de Oliveira, Jorge Alberto Costa (Boga) e Freitas (Guanabara),era habituê do Tabaris, onde também funcionava um cassino. Conhecedor dos macetes do jogo e com fama de sortudo, ao Boga cabia a missão de movimentar o capital formado pelas cotas arrecadadas de cada um. Quando a roleta engolia as aplicações, a rapaziada voltava para casa mais cedo. Porém, quando o investimento gerava lucro, a noitada do final de semana alongava-se, terminando invariavelmente na Cabana do Manoel, no Farol da Barra, trampolim para a praia, a praia que lhe havia proporcionado o primeiro banho de mar e que o havia ensinado a nadar. Agora, generosamente, oferecia-lhe o aconchego para o jogo do amor e as benesses do sexo, com as parceiras de dança no Tabaris. Uma certa feita, já na presidência da Suerdieck, Geraldo recebeu, no escritório em Maragogipe, a visita de uma senhora que se fazia acompanhar de duas ninfetas, bonitinhas. Estarreceu-se com a pretensão da mãe, que foi oferecer as filhas, garantindo serem virgens. Como se tratava de gente humilde, após uma descompostura na mercadora, empregou as mocinhas na fábrica, para que pudessem ganhar dinheiro com o trabalho, e não pelos caminhos que fatalmente as jogariam na prostituição. Este episódio, decorrente de um desespero por dificuldades financeiras, que levou uma mãe ao extremo de querer vender a virgindade das filhas, remeteu-o a uma antiga lembrança, envolvendo virgens. Ouvira de maragogipanos idosos, que na época do Império, em algumas fazendas do Recôncavo, o senhor das terras tinha a primazia da primeira relação sexual com as moçoilas mais bonitas. O senhorio fazia valer o seu direito feudal, absoluto sobre todos.
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POSTURA Geraldo raramente aparecia nos noticiários das colunas sociais e geralmente só comparecia em recepções se houvesse alguma motivação empresarial. O que gostava, e sentia-se bem à vontade, era receber parentes e amigos em casa, para jantares ou almoços, onde também promovia festas de aniversários e comemorava datas importantes. De temperamento reservado e avesso à publicidade pessoal, não investia um centavo em autopromoção6. Promoção somente dos charutos, e nisto era generoso, investia muito na propaganda. Uma outra característica era a de não provocar entrevistas. Quando procurado pela imprensa, falava apenas de fumos e charutos, prendendo-se sempre aos aspectos técnicos, nunca entrando em considerações de ordem política. Embora efetivamente tenha sido o “imperador do fumo” e o “rei do charuto”, não há um pronunciamento sequer em que se vangloriasse disto ou daquilo, em que apregoasse poder econômico, em que ditasse normas ou se julgasse o dono da verdade. Não há também qualquer registro de arrogância, pois sua postura sempre se pautou pelo equilíbrio nas colocações. Era um homem sem bravatas e que evitava exteriorizar publicamente os sinais de riqueza. Uma única vez permitiu-se a uma ostensividade. Foi quando mandou vir dos Estados Unidos um luxuoso automóvel, um Lincoln Continental. No grupo das empresas que comandava era querido, pois todos reconheciam sua seriedade no trato de todas as questões, uma qualidade herdada do pai. Somente não havia unanimidade no estilo da condução dos negócios. Alguns executivos acusavam-no de ser centralizador demais.
VIAGENS Um exemplo de simplicidade era o de viajar na classe econômica. Certa feita, um empresário suíço embarcou na mesma aeronave e quis saber da aeromoça a razão do “rei do charuto” não estar acomodado na first class. A única exceção ficou por conta de uma viagem no Concorde, logo após a Air France tê-lo colocado na linha
Geraldo Suerdieck no Aeroporto do Galeão, entre Erico Esch e Kurt Stumm. Na seqüência Renato Sampaio e Carlos Azevedo. Rio de Janeiro, 1962.
6 - O pólo oposto, amante dos encontros sociais, era o irmão caçula. Fernando representava automaticamente a família Suerdieck nos eventos badalados pela imprensa.
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Em Zurique Geraldo sempre ficava no Grand Hotel Dolder, um dos mais elegantes e bonitos do mundo.
Paris-Nova Iorque. O supersônico cobria este percurso em 3 horas e 30 minutos, contra as 7 horas nos jatos convencionais. Além da grande redução no tempo, o Concorde voava numa altitude acima das nuvens e das fortes correntes de ar, evitando assim as turbulências. Mas o preço da passagem custava o dobro da tarifa praticada nos aviões comuns. Por uma questão de imposição comercial, Geraldo via-se compelido a não economizar com hotéis, forçado por uma pergunta inevitável dos interlocutores durante as rodadas de negociações: “Aonde o senhor está hospedado?”. Exclusivamente por isto, e não por vaidade, sempre informava nomes de hotéis da categoria superior. Considerando o custo da hotelaria como investimento, fazia reservas no Vier Jahreszeiten ou Atlantic (Hamburgo), Grosvenor Hause ou Dorchester (Londres), Hotel de Paris ou Napoleon (Paris), Dolder (Zurique), Hassler (Roma), Trois Rois (Basel), Royal Savoia (Lausanne), Waldorf Astoria (Nova Iorque), etc. Com relação aos restaurantes, não se sentia atraído pelos cardápios sofisticadíssimos. Amante do trivial para uma alimentação sadia, hábito adquirido em casa e nas andanças por Maragogipe, Cruz das Almas, Cachoeira e demais cidades da região fumageira baiana, dava preferência aos estabelecimentos simples, de boas iguarias caseiras. Porém, quando convidava pessoas para almoçar ou jantar, tinha o cuidado de levá-las aos melhores endereços da gastronomia internacional. Como nos hotéis, um restaurante de renome fazia parte das regras do jogo empresarial.
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CUBA Apesar de ter viajado pelos mais importantes países produtores ou consumidores de fumos ou charutos, curiosamente Geraldo jamais pôs os pés em Cuba. Mas conhecia bem os produtos da meca dos charutos. De vez em quando recebia caixas das marcas mais conceituadas. Serviam-lhe para ficar atualizado com o nível do padrão da qualidade cubana e poder discutir, municiado de aporte técnico, com os importadores. Nas inevitáveis comparações entre os charutos brasileiros e cubanos, Geraldo sabia explorar os pontos positivos da Suerdieck em relação aos concorrentes.
AVENTURAS Quando foi à Santa Catarina, com a missão de comprar uma serraria, Geraldo viajou de Curitiba a Rio do Sul num carro alugado movido a gasogênio7, substituto da gosolina, ainda racionada por causa da II Guerra. Embora desconfortável, por causa da fumaça expelida pelo veículo conduzido por motorista da região, e penosa pela precariedade das estradas, Geraldo gostou tanto da aventura que a estendeu, internando-se nas matas, acompanhando os madeireiros nas derrubadas das árvores, muitas vezes em locais de difícil acesso, bem como o transporte dos troncos de cedro até o leito do rio, por onde chegavam ao parque do beneficiamento, em Rio do Sul, na margem direita do Rio Itajaí-Açu. A legendária Rio-Bahia, como era conhecida a BR-116, no trecho entre Feira de Santana e a capital federal, foi a primeira rodovia projetada para ligar o Rio de Janeiro ao nordeste brasileiro. As obras no território baiano, iniciadas em 1940, demoraram anos até que ficasse concluída a interligação com Minas Gerais e o Estado do Rio. No crepúsculo de 1952 foi inaugurada a primeira linha de ônibus entre Salvador e Rio de Janeiro8. Todavia, as classes média e alta continuaram preferindo as rotas marítima e aérea. Os menos aquinhoados, impedidos de arcar com os custos de uma viagem por navio ou avião, e que por isso se utilizavam de ferrovia9, com a Rio-Bahia ganhavam 7 - Nos automóveis, o equipamento que transformava o carvão no gás substituto da gasolina, ficava no porta-malas. 8 - O ônibus, da Empresa Salvador-Rio, saiu da capital baiana ao alvorecer do dia 6 de dezembro, com previsão de três pernoites, em Vitória da Conquista, Governador Valadares e Caratinga (A Tarde, 10.12.1952, pág.2). 9 - Pejorativamente denominado “trem dos baianos”, os passageiros eram massacrados pela lentidão das máquinas marias- fumaças e por dezenas de paradas em estações intermediárias. Às vezes acontecia o martírio maior, das paradas imprevistas, pelo percurso de 2.231 km, levando muitas pessoas a passar sede e fome.
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a opção rodoviária, mas com o ônus do rigor de uma odisséia por estrada precária, sem pavimentação asfáltica10, atravessando regiões desabitadas e sem nenhuma infra-estrutura de apoio logístico. Em seus primeiros anos de tráfego, a Rio-Bahia simbolizava um autêntico rali para se vencer seus 1704 km, em grande parte cortando áreas distantes de quaisquer recursos da civilização. Por esta razão, somente motoristas profissionais, de ônibus e caminhões, além de uns poucos e audaciosos amadores do volante, tinham coragem de fazer todo o itinerário entre Salvador e o Rio de Janeiro e vice-versa. Instigado pelo sentimento de saudade das aventuras vividas no Vale do Itajaí, movido também pelo que ouvia falar da Rio-Bahia e num rasgo de pioneirismo turístico, Geraldo resolveu em 1953 enfrentar o desafio da longa estrada. E foi levando o amigo Oscar Schmidt, companheiro desde Aída e o automóvel da viagem, numa oficina à beira da estrada. os tempos do trabalho de aprendizado em Hamburgo. Fizeram-se acompanhar das esposas, num Packard preto, novinho em folha, recém saído de uma concessionária em Salvador. A viagem durou cinco dias de sofrimentos, principalmente para as mulheres, desacostumadas às situações de total desconforto, de noites maldormidas, de corpos empoeirados e de banhos em águas de cacimbas. No percurso que parecia sem-fim, com pouquíssima movimentação de veículos, sob o sol inclemente e muita poeira, os viajantes somente encontravam pousos de dormida e de comida (pelas A Rio-Bahia fotografada por GMS, numa parada em Medina, Minas Gerais, vendo-se Aída e Agrair juntas ao Packard. improvisações não se podia chamá-los de pousadas ou restaurantes) juntos aos minguados e rudimentares postos de gasolina, em redor dos quais já se formavam rústicos povoados, futuras 10 - O asfaltamento entre o Rio de Janeiro e Salvador somente seria concluído e inaugurado em 1963. A partir daí, a BR-116 transformou-se numa passarela para os automóveis e ônibus confortáveis. Aliás, todo o Brasil ingressou na era das rodovias pavimentadas, iniciando-se o processo da decadência e da desativação do transporte de passageiros pelas linhas marítimas e ferroviárias.
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cidades. Cidades verdadeiras passaram por poucas, bem distantes uma da outra. Aída e Agrair recusaram-se a acompanhar os maridos na epopéia da volta. No Rio de Janeiro embarcaram num avião que as trouxe de regresso a Salvador, enquanto Geraldo e Oscar enfrentavam a maratona do retorno pela Rio-Bahia. Revezavam-se ao volante do carro, que teve vários problemas mecânicos. Num deles, uma pedra avariou o sistema das marchas hidramáticas. Geraldo suspendeu o Packard e foi espiar o acontecido, sendo surpreendido com a repentina queda do macaco, assim que saiu debaixo do pesado veículo. Não mais do que dois segundos o separaram do esmagamento. Ficou trêmulo com o susto no leito de uma inóspita BR-116. Sob um sol abrasador de quase 40 graus viu a passagem da morte pelo rastro da poeira levantada pelo impacto. Imediatamente lembrou-se de outro grande susto, ocorrido na Alemanha, quando viajava com a Maryon. Numa curva perdeu o controle do automóvel que dirigia e foi parar à beira de um abismo apavorante. Por uma questão de dois metros o casal escapou de um acidente fatal da Floresta Negra. Na tenra infância Geraldo já havia driblado a morte duas vezes. Quando nasceu, a gripe espanhola, também chamada de influenza, que matou 21 milhões de pessoas no mundo, chegou à Bahia e fez milhares de vítimas fatais. O pai ficou muito preocupado, mas o recém-nascido escapou da epidemia. Porém, três anos depois contraiu o vírus da peste bubônica, num surto que aterrorizava o interior baiano, fulminando inúmeras pessoas. Geraldo chegou a ser desenganado pelos médicos de Maragogipe, mas foi salvo por uma receita da medicina popular, que prescrevia banhos numa bacia contendo álcool puro, para pipocar as tumefações ganglionares, erupções chamadas de bulbos. Após cada banho, a criança era enrolada em folhas verdes de bananeira. O tratamento era tão doloroso que não permitiram a presença da mãe na hora dos banhos, para não ver o sofrimento do rebento, que se debatia em dores e chorava convulsivamente. Passada a fase crítica da “febre-de-caroço” ou da “peste”, nomes que o povo deu à moléstia, a enfermeira leiga que comandou o processo da cura disse para dona Tibúrcia: “Este menino nasceu forte, vai viver muito tempo!”. CONCORRENTES Geraldo não combatia a concorrência pelo preço, mesmo porque os concorrentes sempre aguardavam as saídas periódicas das novas listas dos preços Suerdieck, para colocar seus produtos com valores um pouco inferiores. Geraldo sabia disto, porém nunca reduziu seu percentual de lucro para, pela ganância, ir sufocando os concorrentes. Aliás, até os ajudava nos momentos difíceis. Quando a Dannemann se debatia nas dificuldades do pós-guerra, a Suerdieck forneceu-lhe tábuas de cedro para fabricação das caixinhas de seus charutos. Com a Costa Penna, sem capital de giro para efetuar os pagamentos adiantados exigidos nas importações de fumos Sumatra, a Suerdieck colocou seus estoques à disposição, para retiradas nas quantidades desejadas, pagando o mesmo valor desembolsado pela Suerdieck no exterior. Geraldo competia na qualidade. Por exemplo, certa feita chegou de
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São Paulo um comunicado informando que o Pimentel 2 estava desestabilizando as vendas Suerdieck no segmento dos charutos populares. Geraldo analisou a composição dos fumos utilizados pelo concorrente e preparou o lançamento de uma nova marca, com uma mistura de fumos mais rica, especialmente para dar combate ao Pimentel 2. Com a ajuda de um nome forte e marcante – Puro Bahiano, ganhou a parada na qualidade. Nisto a Suerdieck era imbatível, vencia pela competência.
Royal Foto
GENEROSIDADES Nem perdulário, nem sovina. Quando necessário, em ocasiões que o momento exigia, Geraldo mostrava-se generoso com empregados, amigos e pessoas da sua estima. Mas fazia tudo de forma reservada, poucos tomavam conhecimento. Num ano de ótimo resultado no balanço comercial, presenteou um dos homens da sua maior confiança, integrante do staff gerencial, com um veículo zero quilômetro. Quando terminou o romance com Bernardete Melgaço (Detinha), comerciária que gerenciava um setor na Casa Gordilho, Geraldo comprou uma casa para ela morar por tempo indeterminado, até a morte, com garantia passada em cartório. Ficava na Rua Guanabara nº 147, Amaralina. O imóvel era simples, mas representava a certeza de uma moradia digna à fiel, dedicada e discretíssima ex-amante, que nunca exigiu absolutamente nada. A resposta ao gesto de Geraldo foi dada mais tarde, de uma forma um tanto quanto surpreendente. Detinha foi pedir ao ex-amante consentimento para colocar dentro da casa o homem que lhe pedira em casamento, Aurelino Alves da Silva, de quem ficaria viúva. Aurelino, mais conhecido por Lelé, morreu de enfarte, no banheiro desta casa. A filha adotiva do casal, Ângela Caldas, contaria que no dia do falecimento da mãe, em 21 de julho de 1987, encontrou na penteadeira do quarto uma pequena foto de Geraldo, emoldurada. Era o sinal de que ela continuou, platonicamente, amando-o até os seus últimos Filha de portugueses, Maria Bernardete da Costa Melgaço (Detinha) nasceu em Salvador, a 14 de abril de dias, aos 72 anos. A casa foi posteriormente 1915. O charme e os traços da beleza lusitana foram comprada pela Ângela. os ingredientes que atraíram e seduziram Geraldo, que era três anos mais moço. Nos tempos das relações amorosas, o ninho de alcova funcionou num apartamento nas Sete Portas, alugado pelo presidente da Suerdieck. Um dia, dona Tibúrcia conversou durante alguns minutos com uma cliente que também aguardava chamada na sala de espera de um consultório dentário. Uma mera intuição levou-a a acreditar que se tratava de um amor secreto do filho. Para surpresa de Geraldo, que esperava uma
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dura reprimenda, ouviu da mãe um comentário lisonjeiro: — Casualmente, conheci a Detinha. Gostei dela, é muito simpática! Mas o gesto mais nobre ocorreu quando a Costa Penna & Cia. fechou e seu principal dirigente ficou numa situação difícil. Geraldo estendeu-lhe a mão, passando a pagar, sem nenhuma contrapartida, um salário correspondente ao de um diretor da Suerdieck. A contribuição mensal somente foi suspensa quando Alaim Melo, um empresário que havia sido viajante-vendedor da Costa Penna, tornou-se deputado federal. Geraldo chamou o parlamentar, detentor de vasto prestígio político, e disse-lhe: — Doravante, caberá a você ajudar o ex-patrão, que também é sogro do seu irmão! O irmão do deputado. Raul Melo, havia se casado com Dulce, uma das filhas do industrial. Nascido em São Félix, a 16 de março de 1889, Luiz da Costa Penna, neto do fundador da empresa, veio a falecer no Rio de Janeiro, aos 71 anos de idade, no dia 6 de junho de 1960. Era tio de uma mocinha que se transformaria numa cantora famosa, Gal Costa. Quando foi premiado com uma casa em Brotas, num sorteio promovido pelo jornal A Tarde, Geraldo repassou-a imediata e diretamente para Raulina, a Maninha, irmã por parte de pai, que havia se casado com um rapaz pobre, Abelardo Magalhães Sacramento, empregado da Suerdieck, filho de um antigo mestre-charuteiro, Clementino Sacramento. LEALDADE Da mesma forma que exigia lealdade dos subordinados, GMS oferecia-lhes reciprocidade. Por motivo das múltiplas atividades, como professor e jurista famoso, muito requisitado, o dr. Orlando Gomes indicou para o seu lugar, na chefia do jurídico da Suerdieck, um jovem advogado cria do seu escritório, dr. Milton Tavares. Anos depois, após um desentendimento entre ambos, o ex-chefe procurou Geraldo, travando-se o seguinte diálogo: — Presidente, quero reassumir meu cargo na Suerdieck! — Mas Orlando! Foi você mesmo quem colocou o Milton aqui. Ele é competente, tornou-se meu amigo e é também o advogado das minhas questões pessoais. Infelizmente, não poderei atendê-lo neste pleito! O doutor Orlando Gomes, verdadeira instituição na Bahia, chegando mesmo a ser venerado nos meios jurídicos,pensou que, por força do prestígio e renome, Geraldo iria destituir o seu antigo pupilo. Errou na avaliação. Quando foi introduzido um tipo de charuto popular, de fabricação simples, no formato linheiro longo, que depois de pronto era cortado no meio, dando origem a duas unidades, houve uma reação dos operários de Cachoeira. Insuflados por elementos políticos, a classe ingressou na Justiça do Trabalho com uma ação coletiva, pleiteando aumento no pagamento da produtividade. Com base no laudo de um perito em direito trabalhista, a Justiça deu ganho de causa à Suerdieck, que nesta ocasião já estudava alternativas para desativação de uma fábrica, com o objetivo
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de reduzir custos em função da queda nas vendas de charutos. A deslealdade dos operários fez Geraldo decidir pelo fechamento da fábrica de Cachoeira, preservando a de Cruz das Almas, que embora fosse uma cidade mais distante de Salvador e na época menos desenvolvida do que Cachoeira, possuía operários mais leais à organização. Num momento de crise no fornecimento de pregos utilizados no fechamento dos caixotes grandes – que acondicionavam as caixinhas de charutos para as viagens de Maragogipe às cidades brasileiras e do exterior – a Suerdieck foi obrigada, temporariamente, a comprar pregos de um tipo mais alongado, despertando o oportunismo de um dos líderes da classe operária. Ele ingressou com uma queixa reclamando aumento salarial, alegando que seu trabalho tinha aumentado, pois passou a dar uma martelada a mais em cada cabeça de prego. A Justiça do Trabalho deu ganho de causa ao empregado quando a empresa já havia restabelecido o uso dos pregos no formato antigo. A decisão abriu um precedente perigoso, pois centenas de operários – cada qual na sua seção e por motivos diversos – poderiam requerer idêntico benefício, provocando, na esteira da jurisprudência, uma enxurrada de ações trabalhistas, implodindo a estrutura de custos das fábricas. Para evitar uma catástrofe, Geraldo mandou demitir sumariamente o homem da martelada. A punição exemplar inibiu qualquer outra tentativa de extorsão. POLÍTICA GMS jamais permitiu que o Grupo Suerdieck fosse utilizado para apoiar postulantes a cargos eletivos. Sempre que as eleições se aproximavam, expedia circulares exigindo o cumprimento da norma de neutralidade das empresas e que os gerentes das fábricas de charutos também se mantivessem eqüidistantes de todo o processo eleitoral. Fazia questão de reiteirar que os operários deveriam ficar livres de quaisquer tipos de pressão, tendo liberdade para votarem nos candidatos que quisessem. Recomendava apenas que exercitassem o direito sagrado do voto de forma consciente e responsável, que cada um escolhesse os nomes que fossem melhor para o Município, o Estado e o País. Os empregados também se encontravam liberados para serem candidatos, desde que fizessem suas campanhas fora das instalações fabris. Durante a fase preparatória para as últimas eleições municipais antes da Revolução de 1964, o Partido Social Progressista propôs o nome de GMS para concorrer à Prefeitura de Maragogipe. A RESPOSTA Senhor Presidente do Diretório do PSP, Por intermédio de diversos amigos, tive conhecimento da indicação do meu nome para a Prefeitura da nossa querida Maragogipe.
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Em conseqüência disto, recebi inúmeras mensagens desta cidade, de pessoas que hipotecavam inteira solidariedade e pediam a minha aceitação de postulante ao cargo. Sinto-me, sem dúvida alguma, honrado pela confiança que acaba de me ser demonstrada, razão pela qual peço a este Diretório a gentileza de tornar público o meu sincero agradecimento a todos os amigos que se manifestaram solidários com a minha indicação à Prefeitura desta cidade. Cumpre-me, outrossim, pedir ainda a este Diretório levar ao conhecimento do povo que, na hipótese de vir a aceitar a indicação para tão honroso cargo, somente o farei depois de saber a opinião de todos os partidos locais. Finalizando, envio o meu cordial abraço a todos os componentes deste Diretório Municipal. Geraldo Meyer Suerdieck
A única hipótese admitida por Geraldo em ser prefeito seria como candidato uno, apoiado por todos os partidos. Seria um prefeito do consenso, aclamado por todos os maragogipanos. Porém, não houve unanimidade entre os caciques da política maragogipana e ele sequer chegou a preencher uma ficha de filiação partidária, pré-requisito a qualquer candidatura.
GUERRA SECRETA Um dia, no começo da vida de executivo, encontava-se com o gerente da fábrica de Cachoeira quando a secretária comunicou a presença dum jornalista de um influente jornal de Salvador, que apareceu sem agendar o encontro. Geraldo mandou dizer que o atenderia ao término da reunião, cuja pauta era extensa. A espera foi massacrante, três longas horas. Também em início de carreira, o jornalista desejava, além da entrevista, um patrocínio comercial, que foi negado. Anos depois, o jornalista tornou-se editor-chefe do poderoso jornal e, sem perdoar o chá-de-espera acompanhado do faturamento não-obtido, encetou um sistemático boicote contra o líder do império charuteiro. Apesar de participar de eventos empresariais, onde era fotografado ao lado de autoridades e pessoas famosas, as fotos com Geraldo não eram publicadas. O interessante no episódio residia no fato de não haver na redação nenhuma restrição a GMS. Todavia, como fazia a triagem final, habilmente, e sem chamar a atenção, o editor descartava os registros em que o industrial figurava. Durante mais de vinte anos assim procedeu. O arquivo do veículo diário acumulou dezenas de fotografias com Geraldo, todas
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virgens. Em contrapartida, para não transparecer que movia uma campanha contra a empresa, publicava com muita freqüência as fotos do irmão do presidente, Fernando Suerdieck. Por causa desta praxe, as pessoas que se orientavam pelo jornal A Tarde pensavam que o Fernando era o principal diretor da Suerdieck. Geraldo sabia da discriminação e a fonte da sua origem, mas a ignorava solenemente. Porém, dava o troco na hora de fatiar o bolo da publicidade. Deixava o jornal sem as generosas matérias pagas que outros importantes veículos da mídia nacional recebiam. Na Suerdieck ninguém percebia a existência dessa guerra, surda e interminável. O relacionamento entre os dois generais (Geraldo Suerdieck e Jorge Calmon), que se encontravam em solenidades, era cordial, como convinha a cavalheiros honrados, mas cada qual guardando, uma amistosa distância do outro. SEM PERDÃO Como conseqüência da Segunda Guerra, Johann Heinrich Schinke perdeu a gerência (1938-42) da fábrica de Maragogipe, foi demitido do emprego, preso pela polícia e incurso na Lei de Segurança Nacional, sob a acusação de ser um dos líderes da propaganda nazista. Como responsável legal pela fábrica, Geraldo Meyer Suerdieck foi convocado pelo Dops para prestar esclarecimentos sobre as atividades de cinco alemães, entre os quais Johann Schinke. O único incriminado pelo jovem executivo foi justamente o ex-gerente de Maragogipe, onde, além de fazer política a favor do nazismo, sabotava ordens do dono da empresa, Gerhard Meyer Suerdieck. Após a guerra, Schinke trabalhou na Dannemann até abril de 1955, quando a empresa faliu. Depois, doente, enviou uma correspondência, escrita em alemão, pedindo socorro à Suerdieck, contra a qual havia movido um processo trabalhista depois que foi absolvido em julgamento pelo Tribunal de Segurança Nacional. Geraldo respondeu ao ex-empregado, que tinha traído a confiança do seu pai, em papel timbrado da Suerdieck. O ofício foi remetido para o endereço residencial de Schinke, na Rua Juarez Távora nº 2, em São Félix. Tinha o seguinte conteúdo, vertido do original em alemão: Salvador, 25 de março de 1958. Prezado Senhor Schinke, Suas linhas, de 16 deste mês, chegaram às minhas mãos, pelas quais tomei conhecimento da pouca satisfatória situação de sua saúde. Lamento muito que o destino não o tenha protegido contra este sofrimento horrível, ao qual todos nós estamos expostos. Este é meu ponto de vista pessoal. Olhando para o lado comercial, não posso concordar quando o senhor disse em sua carta: “Em reconhecimento ao trabalho, que prestei à empresa, espero do senhor um apoio que não será pequeno”.
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Contra a firma o senhor promoveu um processo que me deixou noites sem dormir. Ao invés do processo, deveria ter se utilizado de um outro caminho, quando então os interesses gerais seriam protegidos. Eu espero que, pelo progresso da medicina atual, o senhor encontre os meios para a sua melhora. Geraldo Meyer Suerdieck Presidente
AJUDA A EX-MINISTRO NO EXÍLIO O jornalista Odorico Tavares, superintendente na Bahia dos Diários e Emissoras Associados, poderosa rede nacional que em Salvador controlava a Rádio Sociedade da Bahia, a TV Itapoan e dois jornais diários, Estado da Bahia e Diário de Notícias, esteve na Suerdieck para entregar e apadrinhar uma solicitação despachada de Lima, suplicando por charutos, para serem vendidos no Peru. A carta causou um certo reboliço, e até embaraços, por ter sido subscrita pelo Abelardo Jurema, que tinha sido ministro da Justiça no governo de João Goulart. Os executivos ficaram contra o despacho da mercadoria para um cassado e banido pela revolução que instaurou o regime militar. Deixaram o assunto para decisão do presidente, que se encontrava no exterior. Para atender Odorico Tavares, sem se comprometer com os novos governantes do país, a Suerdieck poderia fazer os charutos chegarem ao Peru através de redespacho pelo agente na Argentina, Pascual Hnos. Mas Geraldo, que não devia favores ao ex-ministro, e nem o conhecia pessoalmente, autorizou o estabelecimento de vínculos comerciais diretos com a empresa do Abelardo. E não foram relações de simples vendas. Na vaga deixada por Henrique Kaufmann Roos, a Suerdieck enviou ao Abelardo uma credencial de agente, nomeando-o distribuidor exclusivo para todo território peruano. Foi uma decisão que poderia ter custado caro, haja vista as instruções do governo militar proibindo qualquer tipo de aproximação com exilados. Para felicidade de todos, não houve nenhuma interferência das autoridades e o Abelardo pode desenvolver o trabalho de reintrodução dos produtos Suerdieck em algumas das mais importantes cidades do país andino, tais como Trujillo, Chimbote, Callao, Arequipa e Tacna. Em Lima, Abelardo chegou a ser chamado de “rei do charuto”, “graças aos puros brasileiros”, conforme ele mesmo confessaria mais tarde. Anos depois, de volta ao Brasil, o ex-ministro escreveu um livro de memórias, Exílio, onde relatou as peripécias durante os quatro anos vividos em Lima. Nele contou as atividades de comerciante e criticou a empresa que lhe deu a mão. Além de grafar de forma errada o nome Suerdieck, cometeu o perjúrio de comparar as embalagens de charutos populares do Brasil com as embalagens de luxo dos charutos americanos. Eis um trecho da página 66 de seu livro, editado pela Acauã: — Enquanto os charutos americanos eram ruins em comparação aos nossos,
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a embalagem era sofisticada. A embalagem dos charutos brasileiros era ainda do tempo dos meus avós, em caixas rústicas, mal apresentadas. Um charuto americano é envolvido em folha de alface, lisinho, bem apresentado. Não tinha sabor de fumo, mas era procurado pela sua apresentação. Celofane, laços de fita, uma riqueza de embalagem! O trecho “do tempo dos meus avós, em caixas rústicas, mal apresentadas”, foi cruel e leviano. A Suerdieck nunca teve caixas que se enquadrassem neste tipo de descrição. As mais simples, dos charutos populares, eram em cedro maciço e com acabamento muito bom, com alto padrão de qualidade final. O Abelardo Jurema esqueceu-se também das marcas nobres, todas elas em caixas de luxo ou superluxo, que não deviam absolutamente nada às mais sofisticadas do mundo. Algumas, verdadeiras obras de arte, não tinham sequer similares no mercado internacional. Portanto ao desqualificar as embalagens da Suerdieck, de maneira inverossímel, o antigo ministro cometeu uma ingratidão imperdoável. Cuspiu no prato que comeu em hora de extrema necessidade, durante uma fase difícil na sua vida, quando se encontrava no desterro.
ARREPENDIMENTO Um dia, ao entrar na charutaria do Edifício Suerdieck, Geraldo deparou-se com uma senhora que conversava com um dos balconistas. Sentiu um calafrio, mas fingiu que não sabia quem era. Afinal, havia trinta anos que a tinha visto pela última vez. Ela fitou-o, de baixo a cima, sorriu discretamente e perguntou: — O senhor é o Bubi? Respondeu que sim, de forma seca, para logo em seguida pedir licença e retirar-se rapidamente, desistindo do objetivo que o levara à loja. Tempos mais tarde, relembrando o encontro do qual se esquivou, fazendo-de-conta que não a reconhecera, Geraldo arrependeu-se do tratamento dispensando à mulher que lhe proporcionara a oportunidade da primeira experiência sexual, inesquecível. Como pude ter sido tão frio com a Baçu, só porque era de uma classe social inferior? Esta pergunta fez a si próprio repetidas vezes. Se pudesse fazer o tempo recuar, a reação seria outra, o tratamento carinhoso. Iria convidá-la para ir ao seu gabinete, onde procuraria saber como estava e se precisava de alguma ajuda. Enfim, poderia até, caso fosse necessário, oferecer-lhe um emprego numa das várias empresas do grupo. Geraldo nunca mais viu a Baçu! UMA AMEAÇA Em julho de 1969 chegou no escritório central da Suerdieck um pequeno pacote, endereçado ao presidente. Dentro havia um projétil para revólver calibre 38, acompanhado de uma carta datilografada, onde o missivista exigia dinheiro e
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ameaçava matar Geraldo, com uma bala idêntica a da amostra, se a exigência não fosse atendida no prazo e nas condições estipuladas. Através do advogado Milton Tavares, a Secretaria da Segurança Pública do Estado foi imediatamente acionada. Ficou-se sabendo que outros importantes industriais baianos também tinham recebido a mesma correspondência. Aconselhado pelas autoridades policiais, Geraldo e a esposa saíram da Bahia, foram para São Paulo, onde ficaram aguardando o resultado das investigações, para identificação e prisão do autor da tentativa de extorsão. Foi o drama pessoal vivido pelo presidente às vésperas de um outro drama, este de caráter coletivo, que ameaçava a base do sustento de milhares de famílias. ADMIRAÇÃO Geraldo tinha uma grande admiração por Luiz de Oliveira Barretto Filho, que havia derrubado as barreiras dos preconceitos raciais, impondo-se no meio empresarial baiano e conquistando o respeito da comunidade internacional do comércio fumageiro. O presidente da Suerdieck reconhecia em Luiz um brilhante exemplo de que a dedicação ao trabalho e a tenacidade em alcançar objetivos se sobrepunham aos obstáculos interpostos por uma sociedade discriminadora, que procurava barrar a ascensão sócio-econômica das pessoas que não fossem genuinamente de raça branca. Nascido em 11 de setembro de 1892, Luiz Barreto diplomou-se pela Academia de Ciências Econômicas da Bahia em 1916. Proprietário agrícola e exportador de fumos, tornou-se industrial quando adquiriu o controle da Leite & Alves, antiga fábrica de cigarros que Luiz transformou numa afamada produtora de cigarrilhas, onde se sobressaía a marca Talvis, grande sucesso de vendas. Quando presidiu a Bolsa de Marcadorias de Valores da Bahia, Luiz Barreto idealizou o I Congresso Nacional do Fumo, realizado na capital baiana, de 12 a 20 de julho de 1952. Como especialista nesta área, publicou três trabalhos técnicos: Periodicidade da Crise Fumageira no Estado da Bahia; Intributação do Consumo Nacional do Fumo de Corda; e Problema Agrário na Bahia. Também foi político, exercendo um mandato de deputado federal, de 27 de dezembro de 1946 até 31 de janeiro de 1951. Faleceu aos 62 anos, em 1º de dezembro de 1954. Um dia, ao saber que Luiz se encontrava enfermo, Geraldo foi visitá-lo em sua residência. Prostado na cama, o inventor das cigarrilhas aconselhou: Não esqueça que a coisa mais valiosa da vida é a juventude. Procure aproveitá-la, o máximo possível. A velhice não vale nada!
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Quando completou 81 anos, GMS lembrou-se da frase do amigo e desabafou numa pequena crônica: Há 45 anos o tempo de um dia era muito curto para tanta coisa fazer. Agora o tempo de um dia é muito longo para nada fazer. A solidão imposta pela ausência do trabalho é um problema seríssimo. A velhice realmente nada vale, o Luiz tinha toda razão.
Longevidade Pela linhagem Meyer, Geraldo ultrapassou quatro gerações de ascendentes, que não atingiram sequer a idade dos sessenta e cinco: o trisavô viveu 56, o bisavô 55, o avô e o pai 63 anos. Mais velho dos irmãos, Geraldo sobreviveu a todos: Nicolau, o segundo, chegou até 77; Wolfgang, o terceiro, aos 76; e Fernando, o caçula, faleceu com 65 anos.
APELIDOS, UMA TRADIÇÃO NA TERRA DE GMS São Bartolomeu, padroeiro de Maragogipe, era muito venerado pelas famílias. Em todas, ou quase todas, havia um Bartolomeu. Para diferenciar e caracterizar cada um, dentro do mar dos bartolomeus, o jeito foi apelar para os apelidos, que se multiplicaram e se derramaram até sobre os que não tinham sido registrados com o nome em homenagem ao santo, um dos doze apóstolos. Por conta da inflação dos apelidos, a maioria esmagadora da população masculina tinha dois nomes, o oficial, geralmente desconhecido, e o popular, de domínio público. Na maior parte das ocorrências, a criança recebia o apelido dentro de casa, para evitar que ganhasse na rua um codinome exdrúxulo, pejorativo ou indesejável. A tradição dos apelidos não poupava nem os forasteiros, fossem eles jovens ou adultos. Quem chegasse a Maragogipe podia ter a certeza que não tardaria a ganhar um apelido, independente da condição social ou econômica. Nem as autoridade escapavam. Tinham apenas a garantia
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pelo respeito ao título, como foi o caso de um juiz, cognominado Doutor Mão de Gengibre. Teve um alemão, de nome complicadíssimo, que o povo batizou com uma designação bem simples. Ele virou Chico Fogão. Houve também um caso que ficou célebre, pela rapidez no surgimento do apelido. Foi aplicado antes mesmo do cidadão colocar os pés no solo maragogipano. Não lhe foi dado sequer tempo para abrir a boca e pronunciar uma única palavra. Um sagaz carregador de malas, de olhos de lince, vendo no convés um circunspecto passageiro, que demorava de desembarcar, não se conteve e gritou a plenos pulmões: — Mãozinha, o senhor vai ou não vai descer? Revoltado com o destempero do tratamento, o sisudo cavalheiro, portador de uma pequena deficiência na mão esquerda, voltou mudo para o interior do navio, como se tivesse desistido da cidade. Mais tarde, quando foi avistado, o carregador do cais comentou numa roda na porta do Bar do Ariston: — Olha lá, o Mãozinha, finalmente ele saiu do vapor! As mulheres também recebiam apelidos. A Epifânia, conhecida como Neném, ficou famosa por causa de um charuto Suerdieck. Um dia, a bonita morena levantou-se da banca das charuteiras e foi ao sanitário, onde debelou o fogo do desejo, usando um Baroneza Erna Grande. Na volta, feliz da vida, contou à colega do lado que pela primeira vez se masturbara com um charuto. E revelou o grau da satisfação: — Foi uma delícia, o fumo provocou uma ardência enlouquecedora! No dia seguinte a notícia correu pela cidade inteira. O solitário apelido da jovem e fogosa operária ganhou a companhia de um sobrenome consagrador. Ela passou a ser chamada de Neném Charutinha.
Área central de Maragogipe e a Igreja Matriz, onde Geraldo Meyer Suerdieck foi batizado.
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BARONEZA ERNA GRANDE
PARA INESQUECÍVEIS MOMENTOS.
SUERDIECK
UM PRAZER ESPECIAL 342
APÊNDICE: 4ª PARTE
COMENTÁRIOS DE GMS
QUE MAL FAZ O CHARUTO?
QUE MAL FAZ O CHARUTO?
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Geraldo Meyer Suerdieck*
esde longos tempos, o charuto tem sido um companheiro do homem. Dos amigos, o charuto é o mais constante e leal. Nas horas de alegria, o charuto está sempre ao seu lado, agindo como um estimulante dos bons prazeres. Nos transes da vida, quando as tristezas e preocupações enevoam os dias, é ao charuto que o homem recorre, encontrando sempre paz e conforto. Tenho a impressão que as mágoas ou aborrecimentos se apagam com a sua chama, transformando-se em cinzas que o vento espalha. Há quem condene o charuto, atribuindo a ele a causa de alguns males. Todavia, os entendidos na matéria, baseados em resultados de pesquisas, têm posto o charuto a salvo de qualquer suspeita. Estas notícias são auspiciosas e tranqüilizadoras. Aliás, não é demais que se diga que o bem-estar da clientela da Suerdieck sempre foi, para mim, uma questão de vital importância. A fabricação dos nossos produtos obedece aos mais rigorosos princípios técnicos, com fumos escolhidos e de primeira qualidade, e também com a ausência completa de elementos estranhos ou químicos. O charuto é, sem dúvida, a primeira forma sob a qual o fumo foi utilizado. E se lançarmos um olhar retrospectivo para os dias idos, veremos os nossos antepassados fumando constantemente o seu charuto, e vivendo mais de 80 anos. É também oportuno observar que no passado os processos utilizados na cultura do fumo eram muito rudimentares, sendo ele apresentado aos fumantes em seu estado quase primitivo, ainda sem as técnicas de cura natural para eliminar as toxinas. Nem por isso, o charuto agia como elemento destruidor do organismo. Ainda hoje, neste atribulado século, cheio de emoções traumatizantes, com o aumento das preocupações, quando a vida do homem se tornou mais conturbada, vemos milhares de pessoas pelo mundo, já em avançada idade, desfrutando dos prazeres que lhes proporciona um bom charuto. Aí está Winston Churchill, eminente homem público, com bem vividos 80 novembros (30.11.1874), ainda liderando a GrãBretanha e enfrentando, com a sua calma peculiar, os problemas de uma grande nação. Ele é visto fumando, constantemente, o seu bom charuto, companheiro inseparável (*) - Este artigo foi condensado de três outros, que escrevi para o Boletim Trimestral da Suerdieck, números 25 (janmar/1955), 33 (abr-jun/1957) e 38 (jul-set/1958) .
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de todas as horas e nos momentos difíceis da sua carreira política. De Londres, onde se encontra, chegam-nos notícias de Villa-Lobos, compositor e maestro de fama internacional. O brasileiro está encantando os ingleses, pela sua personalidade e êxito dos concertos. Em declarações aos jornais britânicos ele tem revelado a fórmula do sucesso musical: “Não dispenso um charuto para compor”. Um outro exemplo frisante vem da França, remetido por Maurice de Vlaminck, mestre das artes plásticas. Com 80 anos, o consagrado artista ainda se dedica com afinco à duas paixões: a pintura e o charuto. Fuma diariamente entre dois intervalos de trabalho. São fatos como estes que nos levam a afirmar ser o charuto combustível predileto para os que necessitam de concentração, para os que buscam em meditações superiores o clima e o estímulo perfeitos ao desenvolvimento do labor intelectual. Em suma, um bom charuto tem sido a companhia ideal eleita por vários gênios da política, da música e das artes em geral. Também no sexo feminino o uso do charuto vem se difundindo consideravelmente. Para as filhas de Eva, o charuto é o “complemento de sua vida elegante”. Aliás, também entre elas já se conta com bem antigas fumantes, como, por exemplo, a senhora Alma Clason, de Estocolmo, na Suécia, que fuma desde os 17 anos, tendo agora nada menos do que 100 anos. Ada Reeve, inglesa, também passa sua vida fumando um bom charuto e já tem a idade de 81 anos. Um fato interessante e singular foi um concurso recentemente realizado na Alta Baviera, em Burghausen, para a escolha do mais vagaroso fumante de charutos. A vitória coube a Anna Niederbuchner, de 50 anos, que derrotou 32 concorrentes, sendo 29 deles homens. Na Dinamarca o número dos fumantes é por demais significativo. A própr ia ministra B odil Koch compareceu a um encontro com John Foster Dulles, secretário de Estado dos Estados Unidos, fumando um charuto longo. Por último, um dado oficial incontestável. As últimas estatísticas da Organização Mundial de Saúde, apontam que nos países escandinavos registram-se os menores índices de mortalidade provocada pelo câncer. Na Noruega, por exemplo, a média é de apenas 8,14 casos em cada 100 mil habitantes. Por curiosa coincidência, é lá onde mais se cultiva o hábito de fumar charutos, inclusive entre as Silvana Pampanini, estrela do cinema italiano, numa foto mulheres. publicada no Boletim Trimestral da Suerdieck, edição 28, jan-mar/1956.
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APÊNDICE: 4ª PARTE
COMENTÁRIOS DE GMS
OS MELHORES FUMOS, OS MELHORES
OS MELHORES FUMOS, OS MELHORES PRODUTOS PRODUTOS
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Geraldo Meyer Suerdieck*
xiste uma lição escolar inglesa intitulada “The plum pudding which has given a thousand men work” (O pudim de ameixa que deu trabalho a mil homens). Poderíamos transferir o título desta velha lição para os nossos produtos, mundialmente conhecidos. Quantas vezes o fumante acha-se, após o jantar, confortavelmente instalado numa poltrona lendo o vespertino de sua preferência e deliciando-se com um
charuto envolto no aroma da fumaça. Será que alguma vez, ao pegar num desses deliciosos charutos, ele imaginou quanto cuidado, quanto esmero, quanta preocupação e quanto labor foram necessários para que aquele charuto pudesse dissipar um pouco suas preocupações cotidianas? Será que ele conhece quanta atenção e zelo foram empregados na escolha do fumo com que foi confeccionado o charuto que tanto aprecia? (*) - Publicado no Boletim Trimestral da Suerdieck, nº 37 (abr-jun/1958), acrescido de um trecho de algumas anotações pessoais inéditas.
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O excelente fumo da Bahia, que briga com Cuba pelo título de “o mais aromático do mundo”, é a fonte da matéria-prima para os charutos da Suerdieck. O Recôncavo, principal região do cultivo, produz o tipo genericamente denominado Bahia-Brasil, que se subdivide, pois há diferenciais qualitativos, a depender da localização e da característica da lavoura. Como exemplo cito a zona do fumo Mata Fina, de propriedades ímpares, celeiro para o abastecimento da Suerdieck. Na margem direita do Paraguaçu e pelos tabuleiros de Cruz das Almas, encontram-se os fumos altamente aromáticos. Na outra margem, nos campos de Belém de Cachoeira e São Gonçalo dos Campos, estão os fumos uniformes na coloração e na classe, que os alemães chamam de “würtzig” (picante). Nestes roteiros, já nas primeiras colheitas, a Suerdieck está presente, testando a qualidade dos fumos, que se encontram sujeitos às variações do fator climático. As condições climatéricas sempre ditaram as características de cada safra. Se faltar chuva as folhas tornar-se-ão curtas, fortes e cerolentes. Permitirão armazenagem longa e necessitarão de um processo forte na fermentação, para poderem ser utilizadas na produção de charutos. As safras lavadas, com excesso de chuva, são perigosas, pois haverá grande risco dos charutos ficarem mofados (infumáveis). Por isso, a seleção dos fumos deverá ser rigorosa, para retirada da parte com indícios de mofo ou futuro mofo. Após selecionados, os fumos destas safras são programados com prioridade na produção, uma vez que não resistirão a uma armazenagem longa. Um outro fator muito importante é o local do cultivo. Se o fumo for plantado em terrenos baixos (brejos), geralmente será pesado, não sendo por esta razão utilizado na fabricação de charutos bons, que requerem fumos cultivados em tabuleiros, bem crescidos e que não estejam com adubação inadequada. Enfim, os testes permanentes, para diagnósticos da procedência e da qualidade, que orientam nossos técnicos sobre o volume das compras, prolongam-se pelos meses de escolha e classificação da mercadoria. É este o procedimento que garante o conceito da Alta Qualidade que gozam os charutos Suerdieck.
Fumo e charuto foram fatores de riqueza e desenvolvimento para a Bahia. Grandes absorvedores de mão-de-obra, ofereciam serviços manuais à famílias inteiras.
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APÊNDICE: 4ª PARTE
COMENTÁRIOS DE GMS
A REALIDADE DA LAVOURA FUMAGEIRA
A REALIDADE DA LAVOURA FUMAGEIRA NA BAHIA BAHIA NA
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Geraldo Meyer Suerdieck
oje, quarenta anos depois que escrevi o artigo anterior, pergunto: Foi a lavoura fumageira que entrou em decadência, levando a comercialização ao mesmo caminho, ou foi vice-versa? Planta nativa do continente americano, o fumo tornou-se conhecido na Europa graças aos navegadores espanhóis, portugueses, franceses e ingleses. Os primeiros usuários europeus do fumo foram, evidentemente, os marinheiros e soldados, que a exemplo dos índios o consumiam de duas maneiras, fumando ou mascando. Em Portugal, a planta dos indígenas brasileiros passou a ser cultivada no viveiro da infanta D. Maria, onde, em 1560, o embaixador da França, Jean Nicotª, veio conhecê-la. Informado de que as pitadas do fumo em pó (rapé) curavam enxaquecas, Nicot enviou o produto à rainha Catherine de Médicis, que padecia do mal. A monarca francesa começou a pitar e, por imitação, os nobres passaram a fazer o mesmo, gerando um hábito que rapidamente se espalhou pelas cortes e por todos os segmentos da sociedade européia. Surgiram dezenas de fábricas de rapé na Europa, interagindo com dois fatores, a expansão da cultura do fumo no Novo Mundo e o desenvolvimento de um intenso comércio internacional. Porém, nem tudo foram flores. O fumo teve oponentes fortes, dentre eles o rei da Inglaterra, Jaime I, e o papa Urbano VIII. Mas, nenhuma das proibições, mesmo poderosas, conseguiram estancar a produção e o consumo do fumo, que cresceram de forma vertiginosa. Como exemplo basta citar a evolução das exportações brasileiras, levantadas por Jean Baptiste Nardi, autor do livro O Fumo Brasileiro no Período Colonialb. O pesquisador registra que o comércio da Bahia com Portugal teve início em 1571, com cinco arrobas, para alcançar o apogeu da era colonial em 1816, com 854.787 arrobas de fumo baiano. a - Numa homenagem a Jean Nicot, os botânicos deram ao fumo o nome científico de Nicotiana Tabacum. b - Editora Brasiliense, 1996, São Paulo.
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Mas foi durante a República – até o inicio da II Guerra Mundial, excetuando-se o período da Primeira Grande Guerra – que o fumo baiano viveu o apogeu máximo da sua produção, tendo chegado ao pico dos 500 mil fardos, o equivalente a 2,5 milhões de arrobas. Ainda fui testemunha da época de ouro da lavoura fumageira. Os exportadores dispunham de uma rede de enfardadores qualificados. Em cada zona produtora, os enfardadores, especialistas que faziam a seleção e compra dos fumos enviados pelos agricultores, eram rigorosos no controle da qualidade. Da confiança mútua, entre os fabricantes de charutos e exportadores, firmou-se a tradição das marcas famosas, tais como Costa Ferreira, Dannemann, Suerdieck, Martfeld, Overbeck, Morgenroth, Amerino Portugal, etc. Fumos destes exportadores eram comercializados até mesmo antes de uma nova safra, tamanha a confiabilidade na qualidade dos seus produtos. A fumicultura na Bahia era dominada por minifúndios, que no contexto global formavam uma grande e extraordinária lavoura, concentrada em cinco zonas do Recôncavo, cada qual com uma espécie de fumo bem definida. Obviamente que dentro de cada zona ocorriam variações nas safras, em função das condições climáticas da cada ano, haja vista ser fundamental o equilíbrio entre chuva e sol. Por isso, numa mesma área de plantio era normal a diferença entre a safra de um ano para a do ano seguinte. Porém, cada zona fumageira mantinha intocável a identificação da sua espécie. Por exemplo, no reduto do fumo Mata Fina somente se plantava, colhia e vendia o Mata Fina. Mas o progresso, inevitável, acabou desestabilizando e destruindo toda uma esquematização secular. Vejamos as razões principais: 1. Estradas: a implantação e o conseqüente aprimoramento da malha rodoviária, possibilitaram que negociantes inescrupulosos transportassem safras de regiões de fumos inferiores para mistura com os fumos nobres. Com isso, em lugar das safras selecionadas, cresceram as partidas do fumo baldeado para o exterior. 2. Sementes: a mistura de sementes de fumo de outros estados, ou mesmo o baldeamento interregional, acabou desvirtuando os tipos e qualidades dos fumos superiores. 3. Adubos: antigamente utilizava-se adubo orgânico (talo de fumo seco e torta de mamona) ou animal (esterco de gado), com resultados positivos. No
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entanto, com o advento e aplicação em larga escala dos adubos químicos, a lavoura passou a sofrer conseqüências negativas a longo prazo. O mal uso dos agrotóxicos, sem os devidos cuidados técnicos ou desacompanhado de exames do solo, gerou efeitos colaterais, refletindo na qualidade das safras de fumo. Tudo isto minou o prestígio do fumo Bahia-Brasil e abalou a confiança dos compradores internacionais. A situação se agravou de tal forma que muitas indústrias européias passaram a substituir, na formulação de seus charutos, o percentual do nosso fumo por fumos de outras origens. Paralelamente à quebra da qualidade do fumo baiano, os órgãos governamentais de fomento à lavoura fumageira foram sendo esvaziados e deixaram de cumprir com suas finalidades. No Brasil passou-se a praticar uma política inversa da adotada por Cuba. O governo deste país caribenho nunca deixou de lado a lavoura e a indústria. Mesmo com a crise decorrente do bloqueio econômico dos EUA, Cuba zelou obstinadamente pelo seu fumo e charutos, mantendo a fama e o prestígio inabaláveis. Já o governo brasileiro simplesmente deixou de assistir aos milhares de pequenos lavradores baianos. Resultado, as safras de outrora, que chegaram ao meio milhão de fardos anuais, estão hoje resumidas entre 50 e 80 mil fardos anuais. Em contraposição às dezenas de exportadores de antigamente, somente meia dúzia ainda opera na Bahia. Enfim, a lavoura tabaqueira baiana, especializada em bons fumos, para bons charutos, abastecedora de centenas de indústrias no exterior, peso pesado na balança das exportações nacionais, foi desarticulada, tanto quantitativa como qualitativamente. Hoje, tem-se inclusive dificuldades na obtenção de fumos finos para abastecer as necessidades das nossas próprias fábricas de charutos nobres. E justo num momento em que o mercado internacional atinge um notável boom, numa explosão de consumo dos handmade cigars e premium cigars, sem precedentes nos últimos trinta anos. Mas, no panorama atual, fica impossível a Bahia voltar à produção de outrora, onde somente a Suerdieck chegou a responder por 180 milhões de charutos anuais. Hoje, reunindo todos fabricantes, a produção anual não ultrapassa 10 milhões de charutos. Salvador, 23 de novembro de 1998. PASSADO & PRESENTE HOJE
ONTEM Pela abundância da matéria-
Pela escassez de matéria-prima
prima de qualidade superior, era
na mesma qualidade do passado,
fácil fabricar bons charutos. Nos
os fabricantes estão tendo muitas
tempos áureos da Costa Penna,
dificuldades em produzir bons
Dannemann e Suerdieck, havia
charutos, cuja oferta sofreu uma
fartura de charutos excelentes.
grande regressão.
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COMENTÁRIOS DE GMS
A ARTE QUE EXIGE PERFEIÇÃO
A ARTE QUE EXIGE PERFEIÇÃO
N
Geraldo Meyer Suerdieck
o artigo anterior abordei sinteticamente a questão da lavoura fumageira, no passado e no presente. O quadro abaixo resume os preceitos básicos e indispensáveis à fabricação de charutos de qualidade superior. Para se obter um bom charuto necessita-se de fumos selecionados, cultivados em terrenos adequados, adubados corretamente e abençoados pela natureza, com sol e chuva equilibrados durante todo o período da safra, entre o plantio e a colheita. Gonsalves
Mas, para se produzir charutos de linhagem nobre não basta que a matériaprima seja de primeira. É também indispensável um componente muito importante, representado pela mãode-obra especializada, extremamente qualificada. Mesmo com bons fumos, mas sem charuteiras primorosas, não se consegue um bom charuto.
Uma lenda dizia que os charutos da Bahia eram bons em função de serem enrolados nas coxas das mulheres. E quanto mais carnuda, bonita e jovem, melhor ficavam os charutos. Pura fantasia. No entanto, na Suerdieck, a quase totalidade dos charutos passava por hábeis mãos femininas. A experiência dos anos ensinou-nos que no Recôncavo baiano as mulheres eram mais cuidadosas, seletivas e perfeccionistas. Ao contrário dos homens, elas também trabalhavam com mais amor e maior dedicação. Daí a preferência pelas charuteiras, e não pelos charuteiros.
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Ainda criança, a futura charuteira recebia o aprendizado inicial no dia-a-dia da família, ouvindo explicações, vendo e ajudando a mãe no trabalho doméstico. Em toda casa de charuteira sempre havia uma produçãozinha do chamado charuto de balaio, para o marido fumar e para vender nas feiras livres, nos armazéns e nas bodegas dos vilarejos próximos. O aprendizado final, quando a jovem realmente se habilitava à charuteira profissional, obtinha-se na fábrica, muitas vezes sentada numa banca ao lado da mãe, de parentes ou de charuteiras já experientes. Uma charuteira de alto nível, perfeita, levava de dois a três anos passando por diversas etapas, começando pelos charutos mais simples e galgando posições até alcançar o topo, o aperfeiçoamento completo. Neste estágio, entrava para o seleto grupo de produção dos charutos nobres, das marcas sofisticadas, de qualidade premium. Normalmente, entre mil charuteiras, somente um pequeno número, variável entre 5 e 10%, alcançava a ponta da pirâmide, onde ficava a elite das operárias. Uma charuteira deste naipe era capaz de fazer – num trabalho impecável e sem desperdício, e também sem a fôrma de paus – qualquer tipo de charuto à mão livre, qualquer que fosse o bico, reconhecidamente uma das partes mais importantes de um charuto. O bico representa o arremate final, havendo uma dezena de variedades, algumas de execução refinada. A Suerdieck possuía charutos com bicos lançados, cônicos, redondos e até exóticos, como o virote, também chamado rabicho de porco. Os charutos no formato torpedo ou bojo, de origem européia, que durante décadas dominaram as marcas Costa Penna, Dannemann e Suerdieck, eram de preparação rebuscada e trabalhosa. Por isso, requeriam charuteiras habilidosíssimas. Uma boa charuteira tinha ainda a capacidade de, em oito horas de expediente, fazer 80 charutos dos mais notáveis, com torcida espalmada, como os da marca Corona Imperial. Uma charuteira de elite conhecia o ponto perfeito para a combustão dos charutos, que não podem ser duros ou vazios demais. Enfim, donas de técnica apurada, as charuteiras do primeiro escalão dominavam os segredos que influenciavam na queima e no gosto. Pela vivência, sabiam avaliar e até reclamar quando ocorria alguma anomalia que pudesse depreciar o produto. Com a desarticulação da lavoura fumageira e o desaquecimento do setor charuteiro, ocorreu uma fissura no elo familiar, transmitido de geração à geração, que se constituía na verdadeira escola primária das charuteiras. Centenas de jovens deixaram de seguir a profissão da mãe, da avó e da bisavó. Muitas emigraram em busca de um novo trabalho nas cidades mais desenvolvidas. As fábricas de charutos, outrora poderosas, deixaram de ser grandes empregadoras de mão-de-obra. O ciclo da importância do fumo e do charuto nas economias regionais perdeu prestígio e peso econômico. No contexto social, a centenária profissão da charuteira deixou de ser fascinante. Desvalorizou-se na esteira do declínio da cultura fumageira e no desaquecimento da produção de charutos. Hoje, os fabricantes têm dificuldades de formar quadros de hábeis charuteiras. Elas não mais existem na profusão de antigamente. Ainda bem que, seguindo a
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predominância mundial, os charutos baianos passaram a ser produzidos no formato paralelo de bico batido, de inspiração cubana. Neste formato, também denominado linheiro, o charuto é mais fácil e simples de ser confeccionado, pois não tem o rebuscamento dos torpedos ou bojos do passado.
O MESTRE DOS MESTRES
Bartolomeu Borges Paranhos, ou simplesmente Paranhos, foi trabalhar na Suerdieck ainda criança, levado pela mãe, que era charuteira e lhe ensinou a arte de fazer charutos. Chegou a mestre, dos bons, justificando o apelido de “Papa”, papa dos charutos. Chefiou a fabricação em Maragogipe, sendo por décadas o responsável pela qualidade de todas as marcas. A foto é de 1999, aos 82 anos e 72 como fumante de charutos. Precoce, começou dentro de casa, com a bênção materna.
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APÊNDICE: 4ª PARTE
COMENTÁRIOS DE GMS
PRODUTOS IDÔNEOS
PRODUTOS IDÔNEOS
A
Suerdieck não foi simplesmente mais um fabricante de charutos, igual a muitos que proliferaram pelo mundo. A Suerdieck era uma empresa complexa e completa, que possuía até laboratório para o desenvolvimento de novos produtos, sempre no respaldo de pesquisas e em testes de combinação e mistura de fumos finos. O slogan “Suerdieck Significa Qualidade” não se constituía num mero instrumento a serviço do apelo publicitário inconseqüente. Traduzia uma filosofia de trabalho, de uma empresa zelosa da responsabilidade em confeccionar primorosos charutos à mão. Até os da linha popular, produzidos mecanicamente, possuíam elevado padrão de qualidade. Enfim, todos os charutos, cada qual na sua classe, enquadravam-se no bom conceito da qualidade Suerdieck. Produzia-se muito, é verdade, mas sem perda na confiabilidade. Somente se usava matéria-prima selecionada, das melhores regiões produtoras e dos melhores fornecedores de fumos.
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Para garantir o fluxo produtivo das fábricas, a empresa empregava milhares de operários, dentre os quais uma vasta legião de exímias charuteiras, comandadas por excelentes mestres-charuteiros. O anel Suerdieck-Bahia era o selo da garantia de um produto puro e honesto. Disto nunca me afastei, enquanto fui o presidente esta verdade jamais deixou de existir. Sem falsa modéstia, fui seguramente o maior fumante dos charutos Suerdieck. Por zelo profissional, eu mesmo provava e avaliava os produtos. Fumava periodicamente unidades de todas as marcas, retiradas aleatoriamente de caixas expostas à venda na loja do prédio sede. Este era o atestado que intimamente eu oferecia ao público consumidor, sendo também um cliente Suerdieck, com a única diferença de não precisar retirar dinheiro do bolso para obter os charutos. Salvador, no Natal de 2000. gms
UM CHARUTO NÃO DEVE SER ACESO MUITO RAPIDAMENTE, NEM MUITO LENTAMENTE, MAS SUAVEMENTE, EM PEQUENAS PUXADAS.
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E
COMENTÁRIOS DE GMS
EPÍLOGO
EPÍLOGO Irdeb/Maurício Requião
m meio século de trabalho, dediquei à Suerdieck 44 anos, dos quais 27 como dirigente máximo (1948/1975). Enfrentei períodos de tempestades. Logo na chegada, como auxiliar do meu pai, depareime com uma situação grave, gerada pela saída forçada de um dos sócios. Tratava-se de um dos líderes do nazismo na Bahia, o qual, através de uma tentativa golpista, via Alemanha, tentou apoderarse da empresa. Prontamente afastado, mesmo de fora, promovia agitações, insuflando os empregados de nacionalidade alemã contra a liderança de Gerhard Meyer Suerdieck. Com o recrudescimento da II Guerra Mundial, novos problemas, agora no cenário do comércio internacional. Findo o conflito, adveio a bonança e a prosperidade. Em 1970 uma turbulência sem precedentes quase liquida a empresa. No desdobramento fui obrigado a entregar o controle acionário à multinacional Melitta. Convidado pelos novos proprietários, permaneci na empresa como diretor da área industrial até 1983, quando me afastei completamente da vida da Suerdieck. SINOPSE DA MINHA VIDA PROFISSIONAL 01 de fevereiro de 1937........Estágio no Donnerbank (Alemanha). 01 de julho de 1939 .............. Secretário da Suerdieck & Cia. 01 de setembro de 1942..... Sócio da Suerdieck & Cia. 02 de janeiro de 1947.......... Vice-Presidente da Suerdieck S.A. Em 1948 passei a responder pela presidência. 02 de janeiro de 1951...........Presidente efetivo da Suerdieck S.A. 22 de fevereiro de 1975.......Diretor Industrial da Suerdieck S.A. 09 de maio de 1983..............Saída da Suerdieck, passando a dedicar-me exclusivamente à Gerdieck 18 de setembro de 1987......Venda da Gerdieck e aposentadoria.
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Acostumei-me a ler e a ouvir falarem que por trás do sucesso profissional de um homem existe uma grande mulher. Tive três, que simbolizaram e viveram fases distintas nos meus 27 anos de principal executivo da Suerdieck. Aída Ribeiro é do período da pujança econômica, da fase dos maiores êxitos empresariais e de um grande e verdadeiro amor, de quase duas décadas. Gisela Huch representa a etapa da transição, o limiar do declínio da empresa, que levou a Suerdieck a uma associação com Carreras Limited, desfeita dois anos depois, com conseqüências que culminariam na crise de 1970. Da mesma forma do ocorrido com o grupo inglês, o casamento com Gisela, fruto de uma brusca e arrebatadora paixão, teve duração efêmera. Com a terceira esposa, Neusa Cerqueira, vivi o desafio das lutas pela sobrevivência da empresa, em batalhas titânicas para preservar o emprego de milhares de operários. À Neusa devo o incentivo e as forças para enfrentar todas as adversidades na fase mais difícil da Suerdieck. Em compensação, fui muito feliz, numa relação de amor perfeito, por vinte e um anos. Foi o mais longo dos três casamentos, sendo interrompido pelo falecimento dela.
Gisela
Aída
Neusa
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Karina Suerdieck
Viver com a consciência tranqüila é um trunfo íntimo, que muitos não conhecem.
Geraldo Meyer Suerdieck
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gms antes de completar um ano.
Foto Real
Voltaire Fraga
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Leão Rozemberg Ernesto
Irdeb/Maurício Requião
Fredo
Vavá
Ubaldo Neto
gms ao completar 84 anos.
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O Senhor Geraldo Jamais admitiu que fosse chamado de Doutor, um título que os não-portadores de curso superior fazem questão de incorporar quando assumem qualquer posição de destaque, nem que seja uma simples chefia no serviço público municipal. Embora não possuísse diploma universitário, o Senhor Geraldo, como se consolidou o tratamento, era na verdade um Doutor, em fumos e charutos. Administrador nato, especialista na engenharia dos cálculos e das finanças, edificou um conglomerado empresarial e tornou-se um executivo bastante conhecido no mundo dos negócios, dando ao nome Suerdieck uma força extraordinária. Homem de hábitos simples, desprovido de qualquer embófia, o “rei do charuto brasileiro” era de poucas palavras, mas muito cordial, um cavalheiro completo. Com absoluta naturalidade impunha uma distância que o protegia e o fazia ser respeitado por todos, fosse no âmbito familiar, no círculo dos amigos, entre os subordinados ou nos meios profissionais, no Brasil e no exterior. Esta é a síntese do perfil do empresário poderoso, que foi um dirigente de conduta sempre séria, de caráter inatacável, muito admirado e querido. umpf
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POSFÁCIO
POSFÁCIO Uma boa parte da infância passei na cidade mineira de Ubá, grande centro do fumo denominado Sul de Minas, largamente utilizado no preparo de um cigarro artesanal. Meu avô materno, Antônio da Costa Almeida, português da região do Porto, mantinha em casa, como atividade de aposentado, um ateliê de beneficiamento das folhas de milho, usadas no capeamento do cigarro rural. Inúmeras vezes fiquei observando-o no trabalho da seleção das folhas, no corte, na prensagem e no preparo final da mortalha, a palha de milho já pronta, no formato certo para ser comercializada e enrolar o fumo de corda, picado ou desfiado. Nos armazéns de secos e molhados, nas mercearias e nos bares, o fumante adquiria a matéria-prima (o maço da palha e o fumo) e preparava o seu próprio cigarro. Embora vivesse num ambiente de região fumageira, não me recordo de ter visto alguém fumando charuto. Em Ubá reinava o culto ao cigarrinho de palha. Charuto somente iria conhecer em 1957, quando fui morar numa outra região fumageira, no Recôncavo baiano. Despachado na frente da família, por causa das aulas no Ginásio Estadual de Cachoeira, fiquei três meses hospedado com o casal Hilda e Apolinário Candeias Lopes. Ele, dentista e voraz consumidor de charutos, possuía caixas e mais caixas estocadas. Fumava com elegância aristocrática. Extrovertido, o doutor Apolinário dizia que a marca da sua predileção era Suerdieck Nº 2, produzida em Maragogipe. Ao inverso de Minas Gerais, na Bahia via diariamente dezenas de fumantes de charutos zanzando pelas ruas. Aliás, posso afiançar que grande parte da população masculina de Cachoeira fumava charutos, do rico ao mais humilde. Concluído o curso ginasial, nova mudança, para Salvador. No bairro do Rio Vermelho conheci Nelson Gonçalves de Oliveira, fumante de todas as horas, bem ao estilo americano, mordendo o charuto. Figura comunicativa, chamava a atenção por uma particularidade muito especial, a incrível habilidade de falar fumando. Habitualmente, à tardinha, o homenzarrão do charutão, sempre na boca, Nelson de Oliveira, como sempre, com as mãos dirigia-se, a pé, à Padaria Império, no Largo de ocupadas e o indissociável charuto na boca. Santana. No percurso de volta à residência, no belíssimo palacete Gonzaga, na Rua João Gomes, o senhor Nelson de Oliveira comprimentava os passantes e parava para conversar na maior naturalidade, sem retirar o charuto da boca, mesmo porque não podia, as mãos estavam ocupadas com os pacotes de pães e outras compras. Ainda no Rio Vermelho, na casa de um importante executivo da Suerdieck, situada bem defronte a do escritor Jorge Amado, na Rua Alagoinhas, onde meu pai tinha o imóvel onde morávamos, recebi um convite irrecusável: — Ubaldo, quanto você ganha na companhia telefônica?
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— 42 mil cruzeiros por mês! — Quer ir trabalhar comigo? Pago 120 mil mensais! Assim, pelas mãos de José Ruas Boureau, no dia 1º de agosto de 1965, aos vinte anos de idade, ingressei na famosa indústria de charutos. Mas houve um pequeno incidente, provocado por um dos donos, Nicolau Suerdieck. Quando soube do valor da remuneração, que julgou alto para um simples escriturário, tentou reduzí-lo. No entanto, o contrato havia sido referendado pelo presidente, a quem Boureau solicitou o sinal verde para a admissão nas bases salariais contestadas pelo Nicolau. Trabalhar na Suerdieck dava status e proporcionava pequenos privilégios no comércio e na rede bancária, que deixavam seus trabalhadores orgulhosos. Foi o segundo emprego que tive e logo demonstrei o mérito profissional ao desarticular uma fraude que vinha sangrando a empresa há cinco anos, período em que foram desviadas 26.063 caixas, num montante de 1.743.525 charutos, ocasionando um prejuízo vultoso. A descoberta provocou um enorme reboliço, que resultou numa ação policial e prisão de um dos envolvidos. Por ironia do destino, o advogado que o livrou da cadeia, contratado pela colônia espanhola, foi Ary Marques Porto, meu primo. No final, o acusado foi demitido por justa causa e processado pela Suerdieck. O meu conceito na empresa ficou nas alturas e no Natal recebi um ofício do presidente, convidando-me a comparecer à tesouraria, para receber uma gratificação especial. Dentro de um envelope encontrei 500 mil cruzeiros em dinheiro vivo. Em maio, mês da correção anual dos salários, o meu aumento foi diferenciado, acima do índice oficial do governo. Ganhei também um aumento de serviço, passaramme a responsabilidade pela elaboração de uma estatística final, de produção e vendas. Embora continuasse registrado como escriturário, na prática fui promovido a controller estatístico. Enfim, transformado num empregado da confiança do alto escalão, tudo por causa da desarticulação do roubo que se processava pelo depósito instalado na câmara frigorífica do subsolo do Edifício Suerdieck. Neste novo trabalho, diário e inesgotável, de tanto manipular números e nomes, sabia de cor e salteado todas as marcas de charutos em produção, quase trezentas. Em 1967, por ter sido aprovado em vestibular da Universidade Federal da Bahia, não poderia mais trabalhar nos dois turnos, haja vista que as aulas seriam pela manhã. Através do meu chefe, José Boureau, encaminhei uma proposta à Suerdieck: assinaria um novo contrato, para trabalhar apenas um turno, ganhando metade do salário. Para minha surpresa, o presidente não aceitou a rescisão acompanhada de uma nova admissão. Determinou que continuasse recebendo o mesmo salário, mas trabalhando apenas pela tarde. Fiquei sendo o único empregado com jornada laboriosa diária de apenas quatro horas. A lua-de-mel com a Suerdieck acabou com a contratação de Trifon Margiaro1, um romeno que fazia questão de dizer que falava fluentemente oito idiomas e que havia lutado na II Guerra Mundial, a serviço da Alemanha,como piloto da Luftwaffe. 1 - De julho a agosto de 1968, a Installation Efficiency Engeneering, empresa de consultoria, realizou um estudo no setor de vendas. Concluída a avaliação, um de seus técnicos, Trifon Margiaro, ficou um Salvador, contratado pela Suerdieck.
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Autoritário, condenou a metodologia que eu aplicava numa formulação estatística, dizendo estar proporcionando resultados distorcidos. O assistente da Presidência ordenou a adoção de uma nova receita, que rabiscou num pedaço de papel, sem assinar. Levei o “método margiaro” para apreciação do conceituado professor Raymundo Costa e Souza, titular da cadeira de estatística da Escola de Administração da Ufba. Sua resposta foi curta e grossa: — Isto é maluquice, quem lhe ensinou esta bobagem? Com a confiança redobrada no aval do prof. Raymundo, depois que lhe expus toda a situação, continuei fazendo o trabalho pelo método convencional. Resultado, o Trifon não gostou, exigiu que eu trabalhasse conforme sua determinação. Tentei mostrar-lhe o procedimento correto. Como não deixou que concluísse as explicações técnicas, perguntei de chofre: — Senhor Trifon, o meu método é aprovado pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia! E o seu, vem de onde? O homem não gostou, ficou furioso e tivemos uma altercação verbal. Para mim não havia dúvida alguma, tratava-se de um aventureiro, que, escudado na condição de poliglota, vendia a imagem de gênio empresarial. Neste mesmo dia da discussão, à noite, no relax do travesseiro, fiz uma reflexão profunda, analisando a Suerdieck por dois ângulos. Primeiro, havia adquirido um inimigo poderoso, que iria minar o meu prestígio. Segundo, a situação da própria empresa, com nuvens negras no horizonte. Sabia disto por causa de uma tarefa para a Escola de Administração. Sob o título “A Indústria de Charutos Nápoles”, fiz um trabalho inteiramente calcado na realidade da Suerdieck. O estudo, dentre uma série de dados, continha uma planilha estatística que mostrava a vertiginosa queda nas vendas de charutos: 91.706.799 unidades em 1965; 69.096.350 em 1966; e 56.156.005 em 1967. Para uma empresa que chegou a faturar 180 milhões de charutos anuais, o volume de 1967 representava índice de 1945, com a diferença de que, naquela ocasião, as vendas encontravam-se em escala ascendente. O “case”, acompanhado dos últimos balanços da empresa, foi exaustivamente debatido em sala de aula e despertou o mais vivo interesse do professor João Vargas Leal, especialista em marketing e finanças. Diplomado em administração de empresas, tinha chegado recentemente dos Estados Unidos, onde havia feito mestrado e especialização, respectivamente na Michigan State University e Harvard University. Vargas Leal ficou impressionado com o quadro e endossou as conclusões: “A Nápoles estava enferma e necessitava urgentemente de dois remédios: aporte de novos capitais e nova política mercadológica, para estancar a queda nas vendas”. Obviamente que o receituário do laboratório universitário não foi levado ao conhecimento da Suerdieck. Não tive coragem de chegar e dizer para o presidente: — Senhor Geraldo, fiz este trabalho 2, que foi analisado por um grupo supervisionado por um professor com cursos em duas universidades americanas. 2 - GMS somente ficou sabendo do “case” que retratava a Suerdieck quando leu os originais deste Posfácio. Fez o seguinte comentário: “Você não deveria ter escondido o trabalho de mim!”.
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Em anexo estão as conclusões! Raciocinei que seria muita pretensão querer ensinar “padre nosso a vigário”. O tiro poderia inclusive sair pela culatra, com demissão pela ousadia de levar informações da empresa à escola. Ademais, o presidente já deveria estar tomando as providências cabíveis no combate de uma possível crise. Em vista disto, as recomendações do fórum universitário ficaram restritas ao âmbito da sala de aula. Logo depois, fui chamado ao gabinete do presidente, que desejava alguns esclarecimentos sobre as vendas na loja de Salvador. Sentado bem na frente dele, a nos separar apenas a carteira com menos de um metro de largura, encaixei uma observação sobre as quedas anuais no volume quantitativo das vendas globais. Interrompendo a leitura da tabela que acabara de lhe entregar, olhou-me de soslaio, por cima dos óculos. Seus olhos castanho-claros, meio esverdeados, faiscaram num evidente sinal de que não gostou da colocação. Levantando o rosto, encarou-me fixamente durante alguns segundos, talvez surpreso por descobrir que eu estava por dentro da situação da empresa. Confesso que me arrependi de ter feito o comentário, mas ele respondeu, dentro da sua habitual elegância, em tom de encerramento do assunto: — Neste momento, o que interessa é o volume financeiro! Por este prisma, as receitas anuais, após as correções pelos índices da inflação, mostravam vendas estáveis. Na verdade, a Suerdieck estava praticando um jogo incrível, abusando na majoração das tabelas de preços dos charutos, que subiam muito além da inflação.
Dentre os vários controles sob a minha responsabilidade, este demonstrativo de foco restrito foi preparado por solicitação de Geraldo, que fez anotações numéricas e rubricou o boleto. Ficou guardado em seu arquivo particular durante 32 anos .
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Mas, voltando à reflexão do travesseiro, diagnostiquei que a providência adotada pelo senhor Geraldo na área das vendas fora um equívoco, não na ação em si, mas na escolha do profissional. O Trifon não tinha competência. Conclui também que o meu ciclo na Suerdieck estava terminado. O futuro dependia da formatura em administração de empresas. Por isso, ao amanhecer de 28 de fevereiro de 1969, uma sexta-feira, a decisão estava tomada e entreguei o pedido de demissão neste mesmo dia. Ao invés de ficar polemizando com o romeno, postura que não me renderia nenhum dividendo, iria investir tempo integral nos estudos, que estavam ficando cada vez mais puxados, requerendo maior dedicação às tarefas curriculares, principalmente nas pesquisas de campo. Solteiro, morando na casa de meus pais, com comida e roupa lavada de graça, e com as economias aplicadas no Banco Nacional do Norte, verifiquei que, apertando um pouco o cinto, poderia dar-me ao luxo de ir até o final do curso universitário sem necessitar do respaldo de um emprego. O repentino pedido de demissão, após 3 anos e 7 meses na organização, causou surpresa geral. O presidente mandou um aviso por Boureau, queria falar comigo. Estive no seu gabinete, no 2º andar, e se quisesse a carta seria desconsiderada. Mas preferi manter a decisão de sair, contando a verdade pelo ângulo dos estudos, omitindo a aresta profissional. Não quis caracterizar uma insurgência contra um empregado de instância superior, contra o poliglota, homem calejado pela vida, de uma geração forjada nos rigores da guerra e com auréola de executivo internacional, que residia numa casa do presidente da Suerdieck, na Rua 8 de Dezembro, bairro da Graça. O 1º ANDAR DO EDIFÍCIO SUERDIECK Onde trabalhei, um salão aberto, sem divisórias, misturavam-se chefes e subordinados: José Ruas Boureau, Lêda Costa Santos, Avany de Assumpção, Nely Maria Hirsch, Ignes Schubach de Oliveira, Angelina Chagas Serra de Oliveira, Szilárd Riskó, Augusto Martins Júnior e Luiz Carlos Fraga Maia. Numa sala vizinha ficava a contabilidade: Elisabeth Cabús de Amorim, Milton Everaldino Cerqueira, Agnaldo Podestá Lima, Agnelo Silva Nascimento e Hirohilton Vulpian Vivas. Numa área junto ao hall de entrada posicionava-se o caixa nº 2 da tesouraria: Stélio Rocha Bandeira e Daniel Maurício das Neves. Noutro compartimento o setor de pessoal: Vivaldo Fonseca Barreto, Lycia Magdalena Borges Pereira, Maria Olívia Paraíso Vivas e Alderico Marques de Souza. Uma saleta era ocupada pelo advogado Fernando Roth Schmidt e, por último, encontrava-se o arquivo, cujo espaço também abrigava o serviço de rádio com as fábricas.
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O Trifon precipitou a minha saída, pois não queria mais ver aquele elemento asqueroso, maquiavélico. Mas fui embora levando no coração o reconhecimento pelo que a Suerdieck me proporcionou. Foi uma escola excelente, trabalhei muito e muito aprendi. Também importante foi o convívio com os técnicos da legião estrangeira, das nacionalidades alemã, inglesa, holandesa, húngara, tcheca e espanhola. Conheci ainda duas legendas na história da empresa, Antônio Eloy da Silva e Bartolomeu Borges Paranhos, sumidades em fumos e charutos, respectivamente. Quando a Suerdieck entrou na fase aguda da crise, com os problemas da falta de dinheiro sendo noticiados pelos jornais de Salvador, encontrava-me trabalhando na Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia, como estagiário do diretor financeiro, João Vargas Leal. Estávamos em 1970 e de lá relembrava com o professor o realismo do “case Nápoles” e sofria com a agonia da empresa. Preocupava-me ainda com os amigos que passavam momentos aflitivos e um futuro cheio de incertezas. Acompanhei à distância a luta titânica do senhor Geraldo para impedir a paralização da indústria e evitar o desemprego em massa, que levaria milhares de famílias ao desespero e uma cidade inteira ao colapso, pois Maragogipe era totalmente dependente da Suerdieck. Anos depois, também fiquei sabendo da atitude da família Suerdieck, que saiu da empresa sem levar absolutamente nada, num procedimento bem diferente da cultura de inúmeros grandes empresários brasileiros. Ao sinal de qualquer crise, colocam bens em nome de terceiros, desviam recursos e abrem contas bancárias no exterior. Trinta e três anos após o episódio da fraude com os charutos em trânsito pela loja e depósito do edifício sede, descobri dois fatos relacionados ao assunto. No primeiro Geraldo Meyer Suerdieck determinou a retirada da ação que a empresa movia contra o ex-empregado, em razão da intervenção da colônia espanhola. Como os pontos das vendas no varejo de Salvador estavam dominados por comerciantes galegos, o presidente ficou com receio dos charutos Suerdieck serem substituídos pelos produtos do concorrente Pimentel. A outra revelação estava relacionada ao meu desentendimento com o romeno, que teria agido de forma premeditada. Depois da minha saída, José Ruas Boureau teve informações de que Trifon pertencia aos quadros da maçonaria e que em Salvador freqüentava a mesma loja do espanhol, o qual, no convívio das reuniões, teria feito carga contra mim. Esta versão é a única explicação lógica para a exigência do Trifon querer que eu fizesse um trabalho usando metodologia errada. Seria a armadilha para comprovar uma incompetência profissional e, quem sabe, até colocar em dúvida a auditoria feita há três anos, que redundou na descoberta do roubo. O verdadeiro passado de Trifon ninguém conhecia. O que se sabia era o que ele informava. Um dia o romeno foi destacado para acompanhar três jornalistas judeus numa visita à fábrica de Maragogipe. Na manhã seguinte Trifon apareceu contando uma história estranha, dizendo que ao chegar no hotel os encontrou sendo conduzidos à Polícia Federal. Destacado por GMS, Boureau foi verificar o ocorrido
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e lá soube que os jornalistas tinham sido levados para averiguações por conta de uma denúncia anônima. Na empresa brotou a suspeita de que o denunciante seria o próprio Trifon, por duas razões: por odiar judeus, não queria viajar na companhia deles ou, por medo de algum comprometimento no passado, temia que os jornalistas fossem agentes de Israel. Esta última hipótese levou o executivo Herbert Stern, judeu nascido em Hamburgo, a encaminhar um pedido, aos órgãos judaicos de investigação sobre criminosos de guerra, de verificação no passado de Trifon. Nada foi descoberto, mas o romeno ficou desgastado na empresa e ante as evidências cada vez mais sólidas de que não se tratava de um executivo de carreira, mas de um aventureiro poliglota, GMS acabou por rescindir o seu contrato em 1971. Durante a fase das pesquisas para este livro, fui atrás da ficha do Trifon Margiaro nos arquivos da Suerdieck, para extrair dados cadastrais, tais como local e data do nascimento e dia da admissão na Suerdieck. O registro funcional havia desaparecido, de forma tão misteriosa como tinha sido todo o seu passado. Nicolau Suerdieck Dois ou três dias depois de admitido, o senhor Boureau contou-me o episódio do veto do Nicolau ao valor do salário e preparou o meu espírito: — Não repare se ele não falar com você ou o fizer de forma maleducada. Fique tranqüilo, quem manda na empresa é o senhor Geraldo e no seu serviço o chefe sou eu. Portanto, não dê bola pra ele! Em todo o tempo que trabalhei na Suerdieck o Nicolau nunca me dirigiu a palavra, nem para dar um bom-dia ou boa-tarde. Como firmei rapidamente prestígio na empresa, e seguindo o conselho de Boureau, pouco me importava se ele ignorava a minha existência. Fazia o mesmo jogo, fingia solenemente que não via aquele homem magro de quase dois metros de altura. Na verdade o julgava um posudo empertigado e de pessoas deste naipe sempre procurei, desde cedo, manter uma boa distância. Mas me dava muito bem com sua filha, Susana, moça simples e educadíssima. Por não gostar dele, risquei-o da lista das pessoas que iria entrevistar para o livro. Todavia, com o andar dos trabalhos, para não cometer uma injustiça, senti-me na obrigação profissional de ouvi-lo. A entrevista foi marcada pelo irmão, Geraldo. Confesso que cheguei ao seu apartamento com receio de como seria o clima do encontro, o primeiro após tê-lo conhecido de vista há exatos 33 anos. Mas o destino havia me reservado uma boa e agradável surpresa. A tensão foi imediatamente dissipada, pois encontrei um outro Nicolau, um Nicolau amável, cheio de gentilezas, enfim, um gentleman perfeito. Conversamos durante horas. Estive lá duas vezes.
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Íntegro, de vida sem escândalos e que nunca envolveu as empresas do grupo em esquemas de corrupção, nem de sonegação fiscal ou trabalhista, Geraldo é um homem de passado limpo. Dois grandes exemplos tipificam a inteireza do caráter. Um aconteceu na crise de 1970, quando desfez-se de uma fortuna pessoal, em ações, para colocar na empresa o oxigênio da sobrevivência e garantir a manutenção do emprego de milhares de pessoas, até a liberação do empréstimo que saiu pelo Banco Central do Brasil. O outro ocorreu no início de 1975, quando a Suerdieck se encontrava novamente sufocada pela falta do capital de giro. Preferiu sacrificar o patrimônio da família a correr o risco de ver a empresa enveredar pelo caminho da falência. Não quis entrar para a história como vilão de uma desgraça social. Para poder repassar a Suerdieck ao Grupo Melitta, e garantir a sobrevivência da empresa, retirou-se da sociedade, acompanhado pelos irmãos e mãe, sem levar um centavo e sem desviar um tostão para o exterior. Se quisesse teria feito sem problema algum, pois dispunha de toda uma facilidade logística: empresas na Europa e contas em bancos da Alemanha, Suíça, Holanda e Estados Unidos, usadas na cobertura das despesas com viagens a serviço. Poderia até abrir uma empresa num paraíso fiscal, como Liechtenstein. Por esta lisura foi que, basicamente, resolvi preparar este livro. Por outro lado, fascinava-me o desafio de escrever a história do gigante charuteiro. Detinha o suporte de ter sido testemunha de uma época ainda importante, que representava a fase final de um colossal império. Havia estado nas fábricas e conhecia muito bem a empresa e a região fumageira, condições que me permitiram acesso a subsídios dos mais valiosos. A José Ruas Boureau pedi que me reaproximasse do senhor Geraldo, que não via há anos. O primeiro encontro ocorreu no dia 5 de janeiro de 1997. A recepção do expresidente do conglomerado Suerdieck foi ótima: — Você chegou na hora certa. Estava mesmo procurando um escritor, mas já havia recusado dois, pois não me senti à vontade para confiar segredos empresariais e pessoais aos mesmos! Geraldo estava com 78 anos e na frente de um ex-colaborador perdeu a formalidade, abriu a guarda e passou a limpo sua vida profissional e privada. Entre uma baforada e outra em inúmeros charutos, exercitou com prodigalidade a fantástica memória. Confessou inclusive que, apesar de ter se casado três vezes, nunca deixou de suspirar pela Maryon, a noiva alemã que viu pela última vez em abril de 1939. Meu amor pela Maryon foi uma sinfonia inacabada. gms
Transformado em confidente, Geraldo Meyer Suerdieck franqueou-me o seu bem organizado arquivo, depositário de muitos segredos. Numa das pastas, a do desquite da primeira esposa, constatei que, seguramente, em 1962, era um dos homens mais ricos da Bahia. A relação dos bens ocupava dezenas de páginas. Para
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administrar a participação em negócios, no Brasil e no exterior, havia a Companhia de Participações Geraldo Suerdieck – Gerdieck. Além do poder econômico, o bom conceito do nome fazia que Geraldo fosse bastante assediado por promotores de novos negócios na Bahia. Todos queriam tê-lo no quadro de acionistas. Era um chamariz, a senha para captação de outros investidores. Eis alguns dos empreendimentos que comprou ações e permitiu a divulgação: Telefones da Bahia S.A, TV Itapoan, Jornal da Bahia, S.A. Gráficas Reunidas, S.A. Marabá Imobiliária, Empresa de Hotéis Itaparica S.A. e Metalúrgica Semfim S.A.. Apoiou também a Orbitur S.A. (Rio de Janeiro) e a Fosforita Olinda S.A. (Recife). Como investidor meticuloso, que selecionava empresas para abrigar suas reservas, ou para obter ganhos no jogo do mercado financeiro, chegou a possuir grandes lotes de ações do Banco do Brasil, Petrobrás, Eletrobrás, Companhia Siderúrgica Nacional, Banco da Bahia, Banco de Administração e Banco Comercial do Nordeste3. Membro da Associação Comercial da Bahia (foi vice-presidente no biênio 19591961) e da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Geraldo participava de dezenas de entidades sem fins lucrativos, sendo sócio-benemérito da Irmandade de São Bartolomeu (Maragogipe), da Casa de Retiro São Francisco (Salvador) e do Instituto Brasileiro para Investigação do Tórax, sediado na capital baiana. Pertenceu ao Rotary Clube da Bahia4, Clube de Bridge, Clube Bahiano de Tênis, Iate Clube da Bahia, Associação Atlética da Bahia, Clube Carnavalesco Cruz Vermelha, Esporte Clube Vitória, Jockey Clube do Salvador, Clube de Caçadores da Bahia, Clube Social de São Gonçalo dos Campos, Clube de Campo Laranjeira (Cruz das Almas), Iate Clube de Itaparica e Clube da Sororoca (Morro de São Paulo). Trinta e cinco anos depois da separação de Aída, Geraldo já não participava do seleto grupo dos homens mais ricos da Bahia. Mas vivia com conforto e dignidade, na antiga casa de veraneio, no bairro de Brotas, construída em 1948 e que serviu de cenário para a convivência com as três esposas. Geraldo associa uma música a cada mulher que marcou de forma indelével sua vida. Guarda no coração quatro músicas especiais, testemunhas do registro perpétuo de momentos muito felizes. Da Maryon,a eterna namorada, nunca se esquece de “Hindu-Lied”, que ela vivia cantarolando quando passeavam pelos jardins floridos do Planten un Blomen. Com Aída, dona de olhos cintilantes, na raríssima tonalidade amarelo-esverdeado, o marco foi “Solamente Una Vez”, bolero na voz de Pedro Vargas. Quando o famoso cantor mexicano esteve no Brasil, o casal foi ao Rio de Janeiro exclusivamente vê-lo cantar na boate Night and Day, no Hotel 3 - O Banco Comercial do Nordeste resultou da união do Banco Comercial da Bahia com o Banco Mercantil Sergipense. Antes da fusão, dois renomados advogados baianos, Orlando Gomes e Milton Tavares, adquiriram o controle do Mercantil Sergipense, cujo dono, o deputado Oscar Cardoso, fez uma exigência para a venda de suas ações: a operação somente seria concretizada se os compradores apresentassem como avalista a pessoa física Geraldo Meyer Suerdieck. 4 - Como viajava muito, Geraldo compensava as faltas no clube de origem assistindo reuniões rotarianas nas cidades por onde passava, no Brasil e no exterior.
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Serrador. Com Gisela, de brilhantes olhos azuis, não se esquece de “Ein Schiff Wird Kommen”, música tema do filme Nunca aos Domingos, estrelado pela atriz grega Melina Mercouri. Com Neusa, de olhos verdes, a música imorredoura foi “Tema de Lara”, do filme Doutor Jivago, com Julie Christie e Omar Sharif. Na Suerdieck conheci as duas últimas. Gisela, alta e esguia, marcava presença pelo porte de executiva, sempre segurando uma vistosa pasta de couro. Com face de pele rosada, linhas suaves e simétricas, foi uma das mulheres do rosto mais lindo que vi. Já Neusinha, como a chamavam, por causa do biótipo mignon, sobressaiase pela simplicidade e temperamento comunicativo. Todavia, quando contrariada, mostrava ser dotada de um gênio explosivo. Também conheci Detinha. Elegante e bonita, estava com 52 anos quando a vi pela primeira vez, no Rio Vermelho, na casa da professora Walkyria Melgaço Knittel, renomada organista de músicas sacras e dona da Escola de Música Heitor Villa-Lobos. A apresentação ocorreu da seguinte forma: — Este jovem, amigo dos meus filhos, chama-se Ubaldo Marques Porto e trabalha na Suerdieck! Sentada no sofá, Detinha fitou-me durante alguns segundos antes de tomar a iniciativa do diálogo: — O que você é do Gil Marques Porto? — Primo em segundo grau! — Sou amiga da família e freqüento a casa da mãe do Gil, dona Helena. Eu também conheço o Geraldo Suerdieck, um homem muito correto. Mas me diga uma coisa, você trabalha diretamente com ele? — Não. Porém, quando quer tirar dúvidas, sobre um controle que faço nas vendas dos charutos, ele manda me chamar ao seu gabinete! Quando a visitante foi embora a professora Walkyria, sempre alegre e bastante extrovertida, informou que a Detinha era sua irmã, nascida oito anos depois e que fora criada pelo casal Áurea e João Bento Marques Porto5 , que residia na Rua do Castanheda, nas proximidades do quartel da 6ª Região Militar, na Mouraria. E fez uma confidência sobre o passado amoroso da irmã caçula: — Durante alguns anos a Detinha namorou com o presidente da Suerdieck! Detinha havia sido uma amante muito especial. Os detalhes do relacionamento fiquei sabendo trinta e um anos depois de a ter conhecido, revelados pelo próprio Geraldo, que também explicou a razão para o final do idílio: — A Detinha era uma mulher e tanto. Somente terminei porque me apaixonei perdidamente pela Gisela! A primeira esposa somente conheci em 1998, quando a entrevistei para este livro. Dona Aída ainda conservava, aos 74 anos, os traços fisionômicos que fizeram a fama de ter sido uma das mulheres mais lindas de Salvador nos anos 50. Sua beleza chamava atenção e nas viagens ao exterior fazia sucesso, deixando o marido 5 - João Bento Marques Porto era tio do meu avô paterno, Júlio Adalberto Marques Porto.
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enciumado e aborrecido em várias ocasiões. Em Hamburgo, numa cervejaria, ela foi praticamente arrastada para dançar com meia-dúzia de alemães. Um deles, Paul Panzer, conhecido de Geraldo, não se conteve e, subitamente, tacou um beijo, criando uma situação constrangedora e Geraldo Suerdieck provocando a saída do casal Meyer Suerdieck. Em Roma ele teve de tolerar ou fingir que não ouvia os galanteios dos italianos, em todos os lugares. Num centro comercial de Nova Iorque Aída viu-se repentinamente cercada por uma multidão quando um americano disse que era uma atriz de Hollywood. Na praia francesa de Juan les Pins, na Côte d´Azur, onde Geraldo pela primeira vez viu o revolucionário biquíni, Aída também causou f u r o r, m e s m o u s a n d o o tradicional maiô de peça inteira. Aída aos 30 anos, com o filho Luiz Eduardo. Para livrá-la do assédio, pois novamente foi confundida com uma estrela do cinema, o marido decidiu carregá-la de volta ao Hotel Provençal. Quero registrar que jamais suportei e nunca fumei cigarros. Na Suerdieck, convivendo na atmosfera em que tudo gravitava em torno de charutos, passei a apreciá-los. Inicialmente aprendi, com Edwaldo Ayres de Lacerda e Carlos Urbano Rocha Bandeira, as técnicas do conhecimento e a entender a classificação pela qualidade. No salão em que trabalhei, fui colocado próximo ao senhor Augusto Martins Júnior, executivo antigo, com mais de trinta anos na casa. Fumante sem intervalos, que acendia charutos sucessivos, sua carteira era uma bagunça de papéis misturados com as cinzas que despencavam quando falava com o charuto preso no canto da boca. A fumaça sedutora e a fragrância penetrante do aroma de seus bons charutos, que recendia por todo ambiente, induziram-me ao desejo de também fumar charutos. Virei consumidor de uma unidade diária. Optava pelos Havana Supremo, Regalia Cubana, Augusto Martins Júnior, meu iniciador na nobre arte de fumar charutos.
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GGG, Panatela Ouro, Corona Imperial e Mata Fina Especial, marcas preferidas pelo presidente, que fiquei sabendo através do senhor Martins. Ele dizia que GMS fumava mais do que ele, numa quantidade que chegava a ser exagerada, “média de uma caixa por dia”. Mas fazia uma ressalva, que o presidente não a fumava inteirinha, uma vez que, por estar sempre recebendo visitantes, participando de reuniões ou tratando de negócios, tinha por hábito oferecer um charuto a cada pessoa que julgava merecedora do brinde, sempre acompanhado de uma recomendação padrão: “Fume depois do almoço ou do jantar!”. Fumante que raramente podia ser flagrado sem um charuto, GMS declarava francamente: “Além de gostar, tenho de dar o bom exemplo!”. Depois, quando firmei o gosto pessoal, fixei-me na marca Lambrança da Bahia, uma das mais vendidas na Loja Bahia, no Edifício Suerdieck. Por questões de estratégia no preço para o consumidor, geralmente turistas que compravam com souvenir, os charutos não eram acondicionados em estojos de luxo, mas em simples caixas de cedro, para vinte unidades. Além do forte apelo do nome, havia o atrativo da gravação, pelo sistema de ferração a fogo, na parte externa da tampa, de uma paisagem da Colina do Bonfim, um dos cartões-postais de Salvador. De autoria do artista plástico Gregorius, a matriz da xilogravura datava de 1933. O conteúdo da caixa era de primeiríssima qualidade: charutos bem digestivos, de aroma redondo e paladar com bom caráter, suave, leve e limpo. Capeados com fumo Sumatra-Bahia, 12cm de comprimento e no formato torpedo, fascinavam quem os experimentava. Muitos não-fumantes, que os adquiria apenas como recordação da Boa Terra, acabaram tomando gosto e viraram aficionados inexcedíveis. Como eram vendidos somente nas lojas baianas, os charutos Lembrança da Bahia podiam ser encontrados nacionalmente sob a marca Havana Pequena Flor, integrante do time da elite, que abastecia os encaminhados pela inocente embalagem turística, verdadeira armadilha da sedução. Hoje, fumo charutos nos momentos em que busco tranqüilidade e paz interior. Prefiro saboreá-los quando estou sozinho, sem nenhuma interferência externa que pertube o prazer de um verdadeiro ritual sacerdótico. Nestas condições, as baforadas servem de lenitivo para reflexões, inspirações, recuperação das energias mentais ou do ânimo abatido. Enfim, um charuto de qualidade premium funciona como derivativo para os que se acham sobrecarregados de trabalho ou preocupações. Ao evolar da fumaça e do aroma inebriante obtém-se o relax total. Para expurgar as tensões uso uma fórmula infalível: Solto a fumaça de um bom charuto ao sabor de músicas reconfortantes, como Ave Maria (Gounod/Bach), na voz de Sílvio Sólis.
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José Augusto Viana
Durante a elaboração deste livro fumei algumas centenas de charutos. Por meio deles busquei a atmosfera para retroagir no tempo, concatenar as idéias, montar os cenários, ordenar os capítulos e dar o formato final aos textos. E no rastro das informações entrevistei dezenas de pessoas. Com o construtor do Grupo Suerdieck convivi durante seis anos. No final, quando dei por encerrado o trabalho, que em paralelo me proporcionou a absorção de novos conhecimentos técnicos, o doutor em fumos e charutos, o último dos grandes mestres da fase áurea da escola baiana, fez um comentário que me deixou assaz recompensado: — Agora você está formado, tornou-se expert, entrou para o seleto grupo das pessoas que realmente conhecem charutos! N a v e r d a d e, t i v e o r a r o privilégio de ser aluno único de um professor ímpar. Geraldo Meyer Suerdieck nunca havia repassado, com riqueza de detalhes, tantos ensinamentos e até alguns segredos da indústria charuteira. Um dos inúmeros encontros que tive com Geraldo. Como não poderia deixar de ser, Geraldo e o pai formaram o eixo central da obra. Juntos comandaram a empresa por 52 anos ininterruptos. À Maryon, apesar de nunca ter posto os pés na Suerdieck, também coube uma participação de destaque. Afinal, foi a partner de Geraldo numa história de amor digna de um bom filme. Separados pelos acontecimentos preliminares à Segunda Guerra, nunca voltariam a se encontrar, mas ela continuou povoando seus pensamentos de forma indissolúvel. Gisela foi outra personagem de relevo. Uma moça simples que se transformou numa empresária de sucesso. A façanha maior cristalizou-se quando trouxe a Suerdieck de volta ao controle da família. Saneou a empresa, expurgando-a dos males deixados pela administração da Melitta, reorganizou a produção, melhorou a qualidade dos charutos, recuperou a estrutura comercial e fez a organização voltar a ser lucrativa. Derrotas e sofrimentos deposito num arquivo morto. Vitórias e alegrias compartilho com todos.
Com esta citação, que inseri na abertura do livro, Geraldo ditou as normas do comportamento que teria durante as entrevistas. E manteve a postura, não abrindo o baú onde havia enterrado as ocorrências que não lhe eram gratas. Isto levou-me a buscar outros caminhos e outras fontes, onde pudesse obter o que
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não conseguia arrancar no concernente ao binômio derrotas-sofrimentos. Acabei por fazer uma devassa, uma necropsia completa no seu passado profissional e particular. Para minha surpresa não consegui descobrir nada que pudesse ser qualificado como derrota. Identifiquei percalços, vários. Foram na verdade tropeços normais numa atividade empresarial de vulto, principalmente na de um homem com múltiplas responsabilidades e obrigado a tomar constantes e grandes decisões, sempre exposto aos riscos. Também existiram erros e talvez o maior de todos tenha sido a decisão de aceitar o convite para continuar na Suerdieck, como diretor contratado pela administração Melitta. Os amigos estranharam, pois julgavam que Geraldo iria se dedicar exclusivamente às suas empresas remanescentes, havendo inclusive a opção de comandar a Agro Comercial Fumageira. Quanto aos sofrimentos, passou a experimentá-los, na acepção aguda, a partir dos 51 anos de idade. Foram quatro, dois profissionais e dois familiares. Ei-los, por ordem cronológica: 1. A crise de 1970 obrigou milhares de operários, entre mulheres e homens, a mariscar e pescar para o sustento de suas famílias. Os relatos dramáticos, que chagavam de Maragogipe, deixavam Geraldo arrasado. Somente não mergulhou num profundo processo de crise nervosa porque era um homem muito forte e preparado para enfrentar as adversidades. 2. A dilapidação da Suerdieck pelos prepostos da Melitta. Impotente, pois não podia fazer nada, não era mais dono, sofria com os absurdos e roubalheiras. Doía-lhe no coração ver a institucionalização dos procedimentos que abominava. 3. A morte de Luiz Eduardo, aos 32 anos, por um câncer de tipo raro e de ação fulminante. Engenheiro, professor universitário e empresário emergente, era o filho que Geraldo mais adorava. 4. O falecimento da terceira esposa, aos 53 anos, também vítima de insidiosa moléstia, uma hepatite do tipo C. Um novo sofrimento, que não deu tempo dele trancar no baú, pois fui o portavoz, foi proporcionado pelo fechamento da Suerdieck. Representou um golpe duro para um homem já com 81 anos. O sofrimento ocorreu em dose tripla: pelo pai, que comandou a empresa por 25 anos; por si próprio,com um passado de 27 anos na direção; e pelos filhos gêmeos, jovens que ficaram com os currículos manchados pela derrocada empresarial. Na verdade, a dor de Geraldo vinha sendo acumulada desde novembro de 1997, quando Gisela foi à Alemanha e ele ficou sabendo que a empresária não retornaria ao Brasil. O ex-marido, que conhecia bem o seu perfil profissional, conjeturou que para Gisela abandonar o comando das organizações, ou perder as forças para enfrentar a crise em toda a sua extensão, algo de gravíssimo estava em marcha. Mas não tinha acesso aos detalhes, pois os filhos não abriam completamente o jogo, apenas faziam comentários superficiais. Porém, através de outras fontes, Geraldo recebia as informações dos desmoronamentos que iam soterrando as empresas do grupo. O fechamento da fábrica de Cruz das Almas obedeceu a uma seqüência. Num sábado de novembro, quando os operários estavam de férias coletivas, encontrei
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na casa de Geraldo a filha que dirigia a empresa, que reservadamente me disse que a situação era insustentável, já tendo o setor de pessoal preparado as demissões de todos os empregados para o dia 1º de dezembro de 1999, data da morte da Suerdieck. Pediu-me que, além do sigilo da informação, nada comunicasse ao pai. A família iria adiar, o máximo possível, a infausta notícia, pois temia-se as conseqüências. Como a imprensa não divulgou absolutamente nada, a cerca levantada em torno do patriarca funcionou. Porém, sendo a pessoa mais íntima nos últimos três anos, entendi que lhe devia transmitir a realidade, com as devidas precauções. Usei a técnica das doses homeopáticas. Nas visitas semanais fui ministrando pequenos comentários, preparando o espírito do velho capitão, até que, na edição de 31 de dezembro do Correio da Bahia saiu a primeira notícia, na página Propaganda e Mercado, assinada por Nelson Varón Cadena. No final de um breve relato sobre marcas e propaganda, o colunista registrou discretamente: “Como a Dannemann, a Suerdieck, recentemente desativada, é uma referência internacional para o nosso estado”. Utilizei a lacônica informação como passaporte para o fim da Suerdieck chegar ao conhecimento de Geraldo. No segundo sábado de janeiro de 2000 mostrei-lhe a página do jornal. Visivelmente abatido, mas dando provas de estar acostumado às notícias ruins, proferiu um comovente comentário: — É muito triste acreditar nisto. É doloroso aceitar o desmoronamento de um legado que levou décadas para ser construído. Dói verificar que deixaram esvair totalmente o sangue e o suor injetados por Ferdinand Suerdieck, pelo meu pai e por mim. É penoso ficar sabendo que o trabalho de inúmeras pessoas, de gerações que deram suas vidas à empresa, tenha sido levado à destruição total! Especulou-se muito que o desaparecimento da Suerdieck poderia ter sido evitado. Diversos empresários do setor fumageiro foram da opinião de que, em 1995, quando ocorreu a quebra na safra do fumo, os dirigentes sabiam de suas graves conseqüências, pois a tempestade chegaria num momento de fragilidade financeira. Por conta dos vultosos investimentos e empréstimos feitos nos últimos anos, a Agro estava descapitalizada e vulnerável. As alegações eram de que, dispondo de informações Nesta idade avançada, privilegiadas, e no intuito de proteger a Suerdieck, deveriam tênada mais me entristece la desvencilhado da controladora, a Agro Comercial Fumageira do que a avalanche dos S.A., onde nasceria o olho do vendaval que destruiria todo o noticiários denunciando grupo empresarial. A opção legal seria a venda da Suerdieck, corrupções no governo, com a entrada do capital no caixa da Agro. Esta alternativa desvios de dinheiro, falcatruas e outros garantiria a continuidade da empresa e preservaria a tradição escândalos financeiros. internacional dos seus charutos. Hoje, E por que esta fórmula preventiva não foi aviada? 23 de novembro de 2000, A resposta foi dada pelo diretor administrativo-financeiro, quando completo 82 anos, Geraldo Andreas Meyer Suerdieck, no adendo inserido no rezei muito e pedi a Deus que proteja o Brasil e as Capítulo 36. Na apresentação das causas que determinaram o gerações futuras. encerramento das atividades da empresa, o jovem executivo gms abordou também a questão da Suerdieck não ter sido
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desatrelada da Agro. No dia 3 de março de 2001, um sábado, fui pela última vez à casa de Brotas, onde estivera mais de 200 vezes, desde que começara a escrever o livro, em 1997. As entrevistas com GMS eram sempre nas manhãs dos sábados. Quando não podia ir compensava o impedimento no domingo. Extraordinariamente, para tirar dúvidas, ou quando o assunto requeria urgência, comparecia em dias úteis. Nesta derradeira visita encontrei os carregadores iniciando a mudança. A Chácara Suerdieck tinha sido vendida para o consórcio Embracil/Almeida Matos construir três prédios, cada um com 18 pavimentos e quatro apartamentos por andar, num total de 216 unidades residenciais. No sábado seguinte, 10 de março, estive com GMS em seu novo endereço, na Graça. Da varanda do apartamento, no oitavo andar, ele fez uma viagem ao passado, levando-me como passageiro e sendo o guia. Esticando o braço direito, apontou: — Este prédio aqui, bem defronte, foi construído no local da casa de meus pais, onde morei quando era solteiro. Ao casar-me, comprei aquele bangalô amarelo lá embaixo, na esquina. Externamente ainda conserva as características originais, mas não é mais residencial. Hoje é uma casa de chá, Fios de Mel. Com Aída morei ali durante seis anos. Vendi quando mudamos para a casa que construi na Manoel NAS ESQUINAS DA GRAÇA A primeira residência de Gerhard em Salvador foi numa casa na Graça, na Avenida Humberto Savóia 8, próxima da Igreja de Nossa Senhora da Graça. Neste endereço permaneceu de 1933 até o final de 1935. Desta casa, onde hoje se posiciona o Edifício Eng. Oscar Pontes, na atual Avenida Princesa Leopoldina, Gerhard mudou-se para o palacete que construiu na Avenida Euclides da Cunha 16, esquina com Amélia Rodrigues. Ao casar-se, Geraldo trocou a esquina paterna por outra esquina, situada logo atrás, na Rua Barão de Capanema 16, confluência com Catharina Paraguaçu. Em 1948 o casal se transferiu para uma nova esquina, também bem próxima da casa dos pais de Geraldo, pelo lado da frente: Rua Manoel Barreto 18, na desembocadura da Antônio Rocha, onde GMS construiu uma esplêndida mansão, que seria posteriormente demolida para o surgimento do Edifício Itaeté. Por causa do fim do casamento com Aída, Geraldo trocou em 1962 o bairro da Graça por Brotas, passando a residir na antiga casa de veraneio, localizada na Rua Padre Daniel Lisboa 155. Trinta e oito anos depois, em março de 2001, voltou à Graça, instalando-se novamente numa esquina, a quarta na sua interação com o bairro: Rua Amélia Rodrigues 65, confluência com Euclides da Cunha. E pela primeira vez, no Brasil, foi residir num apartamento, o de número 801 do Edifício Carlo Crivelli, bem defronte ao Edifício Serra da Graça, erguido no terreno onde ficava a casa paterna, na primeira esquina da história iniciada em 1936.
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Reprodução
Matéria preparada na assessoria de imprensa da Suerdieck e publicada pelo Correio da Bahia, em 30 de maio de 1997. Com informações maquiadas e quantitativos fantasiosos, a empresa tentava vender uma pujança que já não possuía. Condenada pela crise na Agro, a Suerdieck estava na realidade ingressando no corredor da morte. A foto de Gisela foi a última que saiu num jornal de Salvador.
Peugeot deixa Clientes na mão
A única concessionária Peugeot de Salvador (BA), a Nancy, fechou suas portas em julho passado, deixando sem assistência técnica cerca de 500 consumidores. O grupo Suerdieck, responsável pela revenda, alega problemas financeiros. Quatro Rodas: pág.13, outubro 1997.
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Barreto, especialmente para ela! Na Bahia chegou-se a comentar que o retorno de Gisela à Alemanha, dois anos antes do fechamento da fábrica de charutos, foi para ir gozar a riqueza que teria transferido para lá. Esta versão era totalmente inverídica. Ela voltou porque os filhos, preocupados com o seu estado de saúde, deliberaram afastá-la do epicentro da tempestade. Gisela estava emocionalmente muito abalada com os problemas na Agro. Em Hamburgo sua sobrevivência seria assegurada por uma aposentadoria, onde também tinha à disposição a boa assistência médica do governo alemão. Com o fim da Suerdieck, e depois de um período trabalhando com o sogro, Geraldo Andreas ingressou na Laport, empresa de consultoria e corretagem de seguros. Sua base de atividades ficou sendo em Barreiras, no oeste baiano. A irmã foi residir em Hamburgo, para poder cuidar da mãe, já acometida pelo mal de Alzheimer, doença degenerativa do cérebro, progressiva e incurável. Lá conseguiu emprego na Taby, uma prestadora de serviços portuários, onde Gisinha vem se destacando como especialista na logística de transportes dos tankcontaineres. Para finalizar, o último segredo do homem que mais tempo esteve no comando da Suerdieck, contado por ele mesmo, de maneira extremamente sincera e bem humorada: Já que você escarafunchou toda a minha vida e fez questão de colocar no livro a primeira experiência sexual que tive, nos idos de 1933, lá em Maragogipe, com a cariboca Baçu, vou também lhe revelar como se deu a última vez. Digo a última porque, viúvo e com 83 anos, acho improvável que volte a me relacionar com alguma mulher. Já estou resignado com a solidão na cama. Por coincidência, o epílogo foi como no ato inaugural, com uma auxiliar de serviços domésticos, dentro do seu local de trabalho. Ocorreu no final de um veraneio em Morro de São Paulo, numa circunstância muito emocionante, de retorno à adolescência, sendo que desta vez o adolescente beirava os oitenta anos, que pacientemente teve de esperar que um casal de visitantes fosse dormir, para que a Monica pudesse ir aos meus aposentos. Era uma estagiária na casa, mas não foi a Monica do Bill Clinton, como também não necessitei de charutos no quarto!
Salvador, 5 de janeiro de 2003.
Ubaldo Marques Porto Filho.
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Suerdieck, inesquecível Na minha vida profissional passei, sempre na Bahia, por cinco níveis da administração: iniciativa privada, economia mista estadual, economia mista federal, serviço público estadual e serviço público municipal. Trabalhei em nove órgãos diferentes, sendo que em três mais de uma vez. A partir do terceiro, da cronologia abaixo, passei a exercer funções como bel. em administração. Dos catorze períodos enumerados, que compõem o patrimônio profissional, como empregado, excluída a fase em que fui dono de uma pequena editora, a passagem pela Suerdieck foi, inquestionavelmente, a mais marcante. Lá vivi, em três anos e sete meses, uma temporada ímpar, que não encontraria em nenhuma outra casa de trabalho. A Suerdieck enfeixava uma rica atuação regional, nacional e internacional. Cronologia: 01. Telefones da Bahia S.A. – Tebasa. 02. Suerdieck S.A. Charutos e Cigarrilhos. 03. Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – Coelba. 04. Banco Econômico S.A. 05. Telefones da Bahia S.A. – Tebasa, depois Telecomunicações da Bahia S.A. – Telebahia. 06. Empresa de Turismo da Bahia S.A. – Bahiatursa. 07. Departamento de Administração Geral do Estado da Bahia. 08. Indústria Gráfica Jornal Feira Hoje Ltda. 09. Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – Coelba 10. Empresa de Turismo da Bahia S.A. – Bahiatursa. 11. Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – Coelba. 12. Secretaria de Governo do Estado da Bahia. 13. Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia – Coelba. 14. Prefeitura Municipal de Salvador. umpf
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bibliografia
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Geraldo Meyer Suerdieck foi o idealizador e coordenador do Boletim Trimestral, um jornal de quatro páginas, no formato tablóide. Foram 43 edições, que circularam nacionalmente, durante onze anos, de janeiro de 1949 até dezembro de 1959.
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ICONOGRAFIA
ICONOGRAFIA Baptista (Cachoeira): 75. Chagas (Cachoeira): 100. Claudionar Jr. (Salvador): 09. Eric Hess (Rio de Janeiro): 253. Ernesto (Salvador): 172,359. Fernando Bizerra: 212. Foto Real (Salvador): 358. Fred Kraus (Rio de Janeiro): 299. Fredo (Rio de Janeiro): 359. Geraldo Ataíde: 11. Geraldo Meyer Suerdieck (Salvador): 182, 330, 372. Gerhard Meyer Suerdieck (Salvador): 264. Gonsalves (Salvador): 26,30,31,48,50,51,54,56,88,91,92,94,99,122,123,124,263,350. Ingrid Suerdieck (Bergfelde/Alemanha): 39. João Ramos (Maragogipe): 227. José Augusto Rodrigues Viana (Salvador): 13, 374, contracapa. Karina Cerqueira Meyer Suerdieck (Salvador): 357. Kurt Julius (Hannover): 261. Leão Rozemberg (Salvador):15,158,229,280,322,359. Lourdes (Salvador): 84. Ludovico Perfler (Salvador): 103. M. Philipsen: 31. Marc Ferrez: 83. Maurício Requião (Salvador): 355,359. Pinheiro (Salvador): 35,51,52,54,55,97,119,120,121,123,155. Ralf Kircher (Rio de Janeiro):176. Royal Foto (Salvador): 332. Stefan Hörttrich: 220. Ubaldo Marques Porto Neto (Salvador): 359. Val Araújo (Salvador): 40,130,131,132,141,142,143,144,211,242,285,286, contracapa . Vavá (Salvador): 359. Voltaire Fraga (Salvador): 141,142,143,144,149,176,358. Não foi possível identificar o autor das fotos que se encontram sem o respectivo crédito.
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Com estúdio em Salvador, na Rua Chile 4, Gonsalves foi o fotógrafo com maior número de registros. Com a foto acima, feita antes do início da II Guerra Mundial, completou 23 inserções neste livro. A marca Suerdieck Brazil destinava-se à exportação, sendo que a submarca Flor Fina, de domínio público, indicava a utilização de fumos especiais, finíssimos.
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ÍNDICE ONOMÁSTICO
ÍNDICE ONOMÁSTICO A A. TOURINHO: 29 ABDON SENA: 196 ABELARDO JUREMA: 337, 338, 381 ABELARDO MAGALHÃES SACRAMENTO: 333 ABÍLIO ALVES PEIXOTO: 53 ADA REEVE: 344 ADALBERTO MARQUES PORTO: 381 ADALMIR DA CUNHA MIRANDA: 128 ADERBAL PINTO: 199 ADOLF FISCHER-GURIG: 381 ADOLF HITLER (FÜHRER): 61, 65, 66, 68, 73, 75, 79, 92, 107, 108, 109, 114 AFONSO IMHOF: 05 AFRÂNIO PEIXOTO: 122 AGENOR BANDEIRA DE MELLO: 381 AGENOR DE JESUS SOUZA: 231 AGUINALDO NEVES BARBOSA: 2a capa interna. AGNALDO PODESTÁ LIMA: 365 AGNELO SILVA NASCIMENTO: 365 AGOSTINHO GISÉ: 216 AGRAIR SCHMIDT: 05, 262, 280, 330, 331 AGUIDA ALICE DA COSTA CUNHA: 42, 45, 106, 259 AÍDA MARIA DA CUNHA RIBEIRO / AÍDA RIBEIRO SUERDIECK / AÍDA RIBEIRO: 05, 82, 83, 109, 111, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 175, 176, 181, 184, 224, 260, 261, 262, 280, 316, 330, 331, 356, 370, 371, 372, 377 ALAIM MELO: 333 ALBÉRICO SPÍNOLA BARBOSA: 208, 213 ALBERTINO VIEIRA DE MELLO PEIXOTO: 37 ALBERTO CAVALCANTI DE ALBURQUERQUE: 115, 116, 381 ALBERTO DINIZ GONÇALVES: 168 ALBERTO VELOSO DA ROCHA PASSOS: 129 ALBRECHT WOLFGANG MEYER SUERDIECK (WOLF/VOSCANTE): 05, 42, 58, 77, 94, 102, 138, 184, 189, 197, 250, 259, 265, 266, 267, 297, 311, 313, 340 ALBRECHT WOLFGANG MEYER SUERDIECK JÚNIOR: 259 ALDERICO MARQUES DE SOUZA: 365 ALEXANDRE ALVES PEIXOTO: 126 ALEXANDRE MARCONDES FILHO: 76 ALEXANDRE ROBATTO FILHO: 128 ALFRED WILLY PAUL HAENDEL: 75, 95, 97, 98, 128, 313 ALICE RIBEIRO: 176 ALMA CLASON: 344 ALMA STUPPE /ALMA SUERDIECK: 59, 64, 69, 258 ALMEIDINHA: 223 ALMERINDA RIBEIRO: 82 ALMIRO ANDRADE: 28 ÁLVARO ALMEIDA: 29 ÁLVARO DE CASTRO CORREIA: 283 ALVIMAR CARNEIRO DE REZENDE: 230 ANA MARIA SERRANO SUERDIECK: 259 ANANIAS DOS SANTOS: 104 ANDREW CARNEGIE: 243 ÂNGELA MARIA DA SILVA CALDAS: 05, 332
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ANGELINA CHAGAS SERRA DE OLIVEIRA: 365 ÂNGELO CALMON DE SÁ: 199, 214 ANÍBAL PEDREIRA BRANDÃO: 05 ANÍSIO MALAQUIAS: 36 ANNA MARIA CHARLOTTE MEYER: 22, 258 ANNA NIEDERBUCHNER: 344 ANTOINETTE CAROLINE MEYER: 257 ANTON RUDOLPH SUERDIECK: 22, 258 ANTÔNIO ABELARDO DE OLIVEIRA (PINTA): 124 ANTÔNIO BARBOSA: 205 ANTÔNIO CAETANO DA SILVA (CAETANO DA ENSEADA): 31 ANTÔNIO CARLOS MAGALHÃES: 315 ANTÔNIO CARLOS TAVARES: 171 ANTÔNIO COUTO: 29 ANTÔNIO DA COSTA ALMEIDA: 361 ANTÔNIO DA COSTA RIBEIRO (RIBEIRINHO): 114, 175, 176 ANTÔNIO DAS NEVES / ANTÔNIO NEVES MEYER: 42, 45, 106, 259 ANTÔNIO DELFIM NETO: 207 ANTÔNIO ELOY DA SILVA: 95, 97, 98, 129, 189, 253, 311, 313, 367 ANTÔNIO FERNANDO SILVANY: 158 ANTÔNIO FERREIRA DE OLIVEIRA BRITO: 196 ANTÔNIO JORGE CERQUEIRA MARQUES(Queno): 399, 2a capa interna. ANTÔNIO LOMANTO JÚNIOR: 166 ANTÔNIO LOUREIRO: 128 ANTÔNIO MENDONÇA MONTEIRO: 156 ANTÔNIO NONATO MARQUES: 314 ANTONIUS HEINRICH SUERDIECK: 22 ANTUNES NERI: 280 APOLINÁRIO CANDEIAS LOPES: 323, 361 APRÍGIO JOSÉ LOBO: 26 ARCHIBALD OLIVEIRA BROWN: 77 ARCHIMEDES PEREIRA GUIMARÃES: 381 ARLINDO SENA: 199 ARMANDO ARRUDA PEREIRA: 230 AROLDO DA CUNHA RIBEIRO: 223, 315 ARTHUR DA COSTA E SILVA: 147 ARY MARQUES PORTO: 303, 362, 368 ASDRÚBAL PEDREIRA BRANDÃO: 184 AUGUST WILHELM SUERDIECK: 11, 22, 25, 26, 27, 29, 30, 33, 34, 37, 38, 39, 42, 43, 57, 58, 63, 74, 129, 137, 228, 234, 252, 253, 257, 258 AUGUSTE CHARLOTTE WOBBEKING: 257 AUGUSTO ÁLVARO DA SILVA / CARDEAL DA SILVA: 119 AUGUSTO GOLDSCHMIDT: 92 AUGUSTO MARTINS JÚNIOR: 313, 365, 372, 373 ÁUREA MARQUES PORTO: 371 AURELINO ALVES DA SILVA (LELÉ): 332 AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA: 27 AURÉLIO DE LYRA TAVARES: 147 AURÉLIO: 69 AVANY DE ASSUMPÇÃO: 365 B BAARK: 79 BAÇU: 45, 338, 379 BARTOLOMEU BORGES PARANHOS: 207, 208, 209, 352, 367
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BARTOLOMEU BRITTO SOUZA: 36 BARTOLOMEU: 101, 102 BEN FOORT: 70 BENIGNO REBOUÇAS: 28 BENITO MUSSOLINI (DUCE): 109 BERNHARD FERDINAND FLORENZ SUERDIECK: 21, 22, 24, 381 BILL CLINTON: 379 BLAIR: 191 BOAVENTURA SANTOS: 313 BODIL KOCH: 344 BRUNO W. F. ANDRESEN: 60, 79, 111, 153, 381 BULPITT: 191 BUSSE: 60 C CARL GELES: 313 CARLA MEYER: 56, 83, 381 CARLOS AZEVEDO: 327 CARLOS DREHER NETO: 314, 315 CARLOS GERALDO MEYER SUERDIECK: 260, 316 CARLOS JOÃO DA COSTA CUNHA / CARLOS MEYER: 42, 45, 46, 106, 259 CARLOS MARINHO: 158 CARLOS RENAUX: 230 CARLOS ROBERTO DE MELLO KERTÉSZ: 05 CARLOS URBANO ROCHA BANDEIRA: 372 CARMEN MIRANDA: 99 CARYBÉ: 138 CASIMIR PRINZ WITTGENSTEIN: 59 CATHARINA PARAGUASSÚ: 141 CATHERINE DE MÉDICIS: 347 CHARLES CHAPLIN: 216 CHARLES GOUNOD: 373 CHARLOTTE ELISABETH ALTMANN: 122 CHARLOTTE LOUISE MEYER: 257 CHRISTIAN JOHANNES EUGEN MEYER: 257 CÍCERO BAHIA DANTAS: 158 CID JOSÉ TEIXEIRA CAVALCANTE: 05, 12 CILLY: 80, 112, 177 CLARKE: 191 CLEMENTE MARIANI: 315 CLEMENTINO DOLORES: 35 CLEMENTINO SACRAMENTO: 50, 333 CONDOM: 325 CONRAD GRAVE: 313 CONSTANTIN VON OESTERREICH: 161, 167, 169 CORBINIANO ROCHA (BILOCA): 76, 95, 128, 313 D D. MARIA: 347 D. PEDRO I: 49, 324 D. PEDRO II (Imperador do Brasil): 8, 28, 1a capa interna DANIEL MAURÍCIO DAS NEVES: 365 DÉCIO DE QUADROS: 36 DELMIRO GOUVEIA: 230 DÉRCIO LIMA DE SOUZA: 399, 2a capa interna. DIÓGENES MENEZES FERREIRA: 313
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DIOGO ÁLVARES CORRÊA (CARAMURU): 141, 143 DISSEN: 60 DITTMER: 79 DOMINIQUE BONA: 381 DONDINHO: 225 DORIVAL CAYMMI: 99 DUDU DA SUERDIECK: 223 DULCE MELO: 333 DURVAL DE MIRANDA MOTTA: 49 DWIGHT EISENHOWER: 146 E EDGAR BRITO: 157 EDILBERTO COUTINHO: 128 EDITH SCHMALZ: 258 EDUARD HENNE: 79 EDUARDO BARRETO DE ABREU: 05 EDWALDO AYRES DE LACERDA: 372 EGON WILLY ZOBIAK: 215 ELIESE MARIA NIEMEYER / ELIESE SUERDIECK: 43, 258 ELISABETH CABÚS DE AMORIM: 95, 313, 365 ELISABETH HUCH: 226 ELMAR ARAÚJO: 199 ELPÍDIO BARBOSA: 31 ELPÍDIO DA PAZ GUERREIRO: 33 ELSE NIEMANN: 61, 78, 111, 153, 177, 262 ELZA SAUER: 154 ELZELI DUARTE DE PINHEIRO: 04, 05 EMANOEL RAIMUNDO SARMENTO BANDEIRA (MANECA): 223 EMÍLIO GARRASTAZU MÉDICI: 206, 207, 208, 210 EMÍLIO ODEBRECHT: 33 EPAMINONDAS DA SILVA BANDEIRA: 95, 106, 189, 223, 313 EPIFÂNIA (NENÉM CHARUTINHA): 341 ERICO PAULO ESCH: 180, 299, 327 ERNANI GALVÊAS: 208 ERNESTO ALBRECHT: 208 ERNESTO SIMÕES FILHO: 105 ERNI: 61, 111 ERNST EHL: 90 ERNST FERDINAND MEYER: 42, 43, 63, 113 ERNST HITZEMANN: 102, 381 ERNST LAUER: 79 ERNST TOBLER: 161 ERNST VON RATH: 69 ERWIN MORGENROTH (Erwin Israel Frederico Otto Morgenroth): 158, 316 ERWIN NIEMANN: 61, 92, 154 EUGÊNIO SALES: 206, 207, 208, 209, 210 EUGENIO SALLER: 217, 218, 219, 252 EURIBERTO FERREIRA: 223 EURICO GASPAR DUTRA: 110, 145 EUVALDO LODI: 230 F FANNY SOPHIE ADELE GERHARDINE MEYER / ADELE BRÖCKELMANN: 80, 104, 257 FARIAS: 81 FELIX HÜLSEN: 79
388
FERDINAND JOSEF SUERDIECK: 22 FERNANDO ALBERTO FRAGA: 05, 317, 318 FERNANDO MELO: 60 FERNANDO MEYER SUERDIECK: 42, 58, 94, 102, 125, 126, 137, 138, 175, 185, 189, 190, 196, 197, 223, 231, 250, 259, 265, 266, 267, 269, 311, 313, 327, 336, 340 FERNANDO MEYER SUERDIECK JÚNIOR: 259 FERNANDO ROTH SCHMIDT: 365 FERNANDO WILSON ARAÚJO MAGALHÃES: 147, 205 FIDEL CASTRO: 171, 172, 216 FIRMINO CORREIA DE ARAÚJO PEIXOTO: 101 FLORISVALDO JOSÉ DE SOUZA / PADRE FLORISVALDO: 119, 137, 156 FRANCISCO ARAGÃO: 163, 165 FRANCISCO BARÃO: 29 FRANCISCO GOMES DA SILVA FILHO: 399, 2a capa interna. FRANCISCO LEITE: 156 FRANCISCO MATARAZZO: 230 FRANCISCO MIGUEL DO PRADO VALLADARES: 117 FRANCISCO RIBEIRO DE CARVALHO: 05 FRANZ HIMBERGER: 215, 220 FRANZ KRUTHAUP / FREI HILDEBRANDO KRUTHAUP: 77, 120, 121 FRAU HORN: 74 FRED S. SUERDIECK: 05, 22, 39 FREDERIC MEURON: 11 FREDERICO HILMANN: 77 FREITAS (GUANABARA): 326 FRIEDRICH AUGUST GERHARD ALBRECHT WOLFGANG MEYER: 41, 42, 43, 107, 257 G GAL COSTA: 333 GASTÃO DO REGO MONTEIRO: 157 GEORG ERNST EDUARD MEYER: 41, 257 GEORG MAX DIETRICH KOCH: 161, 165, 167, 168, 169, 170 GEORGE BURNS: 323 GERALDO ANDREAS MEYER SUERDIECK (DINO): 180, 183, 232, 243, 245, 246, 247, 248, 249, 250, 260, 375, 376, 378, 379 GERALDO DA COSTA LEAL: 381 GERALDO DANNEMANN NETO: 05, 139 GERALDO DANNEMANN: 11, 26, 170 GERALDO FERNANDES: 116 GERALDO MEYER SUERDIECK (BUBI/GMS): 8, 11, 12, 13, 15, 42, 43, 44, 45, 47, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 90, 92, 93, 95, 97, 98, 104, 107, 108, 109, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118,120, 122, 127, 130, 137, 153, 154, 168, 169, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 179, 180, 181, 183, 184, 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 194, 196, 197, 202, 205, 206, 207, 208, 210, 211, 213, 214, 215, 219, 221, 222, 223, 224, 225, 226, 228, 229, 231, 234, 236, 237, 250, 252, 253, 259, 260, 262, 266, 267, 271, 298, 299, 302, 311, 312, 313, 314, 315, 316, 319, 320, 321, 322, 323, 324, 325, 326, 327, 328, 329, 330, 331, 332, 333, 334, 335, 336, 337, 338, 339, 340, 341, 343, 345, 347, 350, 353, 355, 356, 357, 363, 364, 365, 367, 368, 369, 370, 371, 372, 373, 374, 375, 376, 377, 382, 399, contracapa, orelhas. GERALDO MEYER SUERDIECK NETO: 259 GERALDO NELSON BANDEIRA MORAIS: 158 GERFRIED SEEBOHM: 59 GERHARD ALBERT WOLFGANG MEYER (GERD): 42, 43, 83 GERHARD BAUMERT: 90 GERHARD BEHRENS: 90, 313 GERHARD MEYER: 381 GERHARD MEYER / GERHARD MEYER SUERDIECK: 30, 34, 36, 37, 38, 41, 42, 44, 45, 46, 56, 62, 63, 64,
389
67, 68, 70, 71, 73, 74, 76, 77, 78, 80, 81, 83, 91, 92, 94, 96, 97, 99, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 111, 112, 114, 116, 120, 121, 127, 128, 137, 139, 155, 185, 227, 228, 230, 252, 257, 259, 263, 264, 265, 266, 288, 313, 336, 355, 374, 376, 377 GETÚLIO VARGAS: 75, 129, 222, 295, 307 GIBSON JUNIOR / GIBSON ALVES VILLA NOVA JUNIOR: 05 GIGHIA: 222 GIL MARQUES PORTO: 371 GILMAR DO COUTO SOUZA: 2a capa interna GILBERTO FONTES DE LACERDA: 182, 223 GISELA HEDWIG FRANZISKA HUCH / GISELA HUCH SUERDIECK: 177, 179, 180, 181, 182, 183, 191, 196, 213, 231, 232, 234, 235, 236, 237, 238, 243, 244, 245, 246, 247, 249, 252, 253, 260, 261, 262, 266, 313, 356, 371, 374, 375, 378, 379 GISELA ELISABETH HUCH SUERDIECK (GISINHA): 05, 180, 182, 183, 232, 243, 244, 245, 248, 249, 250, 252, 260, 375, 376, 378, 379 GLACY PENOVARRO SERRANO: 259 GÓES CALMON: 35 GREGORIUS: 99, 150, 373 GUIOMAR DE CARVALHO DÂMASO: 268, 269, 270 GUSTAV BOCK: 284 GUSTAV STAHMER: 79 GUSTAVO REIS: 323 GUSTAVO SCHMIDT: 68 H H. AICHINGER: 85, 86 HANS JOACHIM PETERS: 231 HANS W. JULIUS PETERS: 67, 73, 74, 79, 112, 231 HAROLD WILSON: 203 HEINRICH CASPELHERR: 75, 313 HEINRICH FERDINAND SUERDIECK: 26, 27, 28, 30, 33, 34, 43, 64, 137, 228, 252, 253, 258, 313, 376 HEINZ MECKLENBURG: 79 HEITOR DIAS PEREIRA: 206 HEITOR VILLA-LOBOS: 344 HELENA SÁ MARQUES PORTO: 371 HELGA TOURÉE: 61, 62 HÉLIO GUERTZENSTEIN: 301 HÉLIO ROCHA: 326 HENRIETTE ADALIE KNEMEYER: 257 HENRIQUE KAUFMANN ROOS: 337 HERBERT LIMMER: 235 HERBERT MOSES: 146 HERBERT STERN (ESTRELA): 64, 76, 189, 298, 313, 368 HERMANN JOSEF ABS: 315 HERMANN MÜLLER: 107 HERMANN OVERBECK: 315 HERMINE ADOLPHINE GERHARDINE MEYER / HERMINE SUERDIECK (MINNI): 26, 34, 37, 38, 39, 44, 57, 257, 258 HERMÓGENES PRÍNCIPE DE OLIVEIRA: 326 HERSHEL GRINSPUM: 69 HILDA CUNHA: 106 HILDA LOPES: 361 HILDA PINTO CERQUEIRA: 270 HILDEGARD STUMM: 176 HILDEGARDO FIGUEIREDO CÂMARA: 313 HILGENSTOCK: 60 HIROHILTON VULPIAN VIVAS: 365
390
I IGNES SCHUBACH DE OLIVEIRA: 365 ILDEFONSO DE PAULA CARVALHO: 188 INDIRA MESQUITA MARQUES PORTO: 05 J J. DAMIANA: 29 J. PEREIRA: 29 JAIME I: 347 JAIME VIEIRA LIMA: 226 JAKOB MULDER: 192 JAMES WOOD: 191, 192, 194 JANDIRA BESSA DE MEIRELES MENDONÇA: 95 JAVIER PEREIRA: 323 JEAN BAPTISTE NARDI: 347 JEAN NICOT: 347 JESS: 79 JESSY AMORIM: 223 JOÃO ADOLPHO JONAS JÚNIOR: 161, 162 JOÃO BENTO MARQUES PORTO: 371 JOÃO CASSIMIRO DE MELLO: 26 JOÃO DA SILVA LEAL: 313 JOÃO DA SUERDIECK: 223 JOÃO DE AZEVEDO CAVALCANTI: 163 JOÃO FALCÃO: 315 JOÃO GALANT JÚNIOR: 315 JOÃO GOULART (JANGO): 196, 337 JOÃO VARGAS LEAL: 363, 367 JOBST AUGUST WERNER MEYER: 42, 43, 62,113, 154 JOCHEN WEBER: 79 JOEL PRESÍDIO: 155, 156 JOHAN FOSTER DULLES: 344 JOHANN ADOLF JONAS: 26 JOHANN CHRISTIAN GERHARD MEYER: 41, 103, 104, 105, 257, 381 JOHANN FRIEDRICH CRISTOPH SUERDIECK: 21 JOHANN FRIEDRICH SUERDIECK: 21, 22, 258 JOHANN HEINRICH SCHINKE: 76, 90, 99, 313, 336 JOHANN SEBASTIAN BACH: 373 JONAS SILVA: 71 JORGE ALBERTO COSTA (BOGA): 326 JORGE AMADO: 361 JORGE CALMON MONIZ DE BITTENCOURT: 166, 336 JORGE GUERRA: 314 JORGE HAGE SOBRINHO: 226 JORGE STREET: 230 JORGE VALENTE: 326 JORGELITO MAUADIÉ: 313 JOSÉ BARBOSA: 199 JOSÉ CARLOS BAIÃO FERREIRA: 4 JOSÉ DE MELO FIGUEIREDO: 208 JOSÉ DUARTE MARQUES: 54 JOSÉ FÁBIO PEIXOTO: 37 JOSÉ GOES DE ARAÚJO: 05 JOSÉ GOMES DÂMASO: 268 JOSÉ HAROLDO CASTRO VIEIRA: 05
391
JOSÉ MARIA DE FRANÇA (Zé de Roque): 2a capa interna JOSÉ MIRANDA DOS REIS NETO: 05 JOSÉ PARSIFAL BARROSO: 221 JOSÉ PEREIRA GUEDES: 42 JOSÉ RUAS BOUREAU: 98, 106, 137, 138, 154, 189, 313, 362, 365, 367, 368, 369, 399, contracapa. JOSÉ SILVEIRA: 114, 115, 117, 127 JOSEF MÜLBERT: 86, 87, 90, 313 JOSEPH KARL FRANZ HOECHERL (PEPPY): 184, 189. 313 JOSEPH SUERDIECK: 25, 258 JOSEPHINE WILHELMINE MARGARETHA GERHARDINE MEYER: 257 JÚLIA MARIA DE CARVALHO DÂMASO / JÚLIA MARIA DÂMASO SUERDIECK / JULINHA SUERDIECK: 05, 175, 259 JULIE CHRISTIE: 371 JULIETA: 107 JÚLIO ADALBERTO MARQUES PORTO: 53, 371 JÚLIO AMORIM BOTELHO: 158 JÚLIO BANS: 26 JÚLIO CEZAR LEITE: 162 JÚLIO DOS SANTOS SÁ: 33 JÚLIO ELOY PASSOS: 129 JÚLIO VIRGÍNIO DE SANTANA: 157 JURACY MAGALHÃES: 155, 205, 315 K KARINA CERQUEIRA MEYER SUERDIECK: 260 KARL AUGUST EDUARD MEYER: 41 KARL FRIEDRICH HORN: 38, 74, 75, 108, 266 KARL LUDWIG RUDOLF GERHARD MEYER (VIDE GERHARD MEYER) KARL MARTIM BAUDER: 167 KÄTHCHEN ANDRESEN: 111 KEITH ALAN SUERDIECK: 21, 381 KLAUS PETER ANDREAS HÄFELE: 05, 39, 105 KURT ADOLF HEINZ JOACHIM HASSE: 76, 313 KURT AUGUST EDUARD MEYER: 102 KURT AUGUSTO GUILHERME STUMM: 92, 176, 180, 299, 327 L L. BANDEIRA: 29 LARA CERQUEIRA MEYER SUERDIECK / LARA SUERDIECK: 260 LAURINDO RÉGIS DE OLIVEIRA FILHO: 88 LAURO DE ALMEIDA PASSOS: 129, 307 LAURO FARANI PEDREIRA DE FREITAS: 105, 155 LÊDA COSTA SANTOS: 365 LEONEL RIBAS: 313 LEONÍDIA PEREIRA GUEDES: 42 LISBETH ANNA HEDWIG LEWIS / LISBETH MEYER: 42, 43, 62, 63, 71, 103, 113, 154 LO MARX-LINDNER: 177 LOUISE JULIANE GERHADA MEYER: 257 LOUISE: 80 LOURDES: 80, 81 LOURIVAL VULPIAN VIVAS: 189, 313 LUDWIG KRÜDER: 26 LUIZ AUGUSTO SCHROEDER: 189, 313 LUIZ CARLOS FLORES RAMOS: 5, 399 LUIZ CARLOS FRAGA MAIA: 365 LUIZ DA COSTA PENNA: 333
392
LUIZ DE OLIVEIRA BARRETTO FILHO: 296, 339, 340 LUIZ EDUARDO MEYER SUERDIECK: 260, 372, 375 LUIZ ELOY PASSOS: 126, 129 LUIZ TARQUÍNIO: 53, 230 LUIZ VIANA FILHO: 196, 199, 205, 208, 214 LYCIA MAGDALENA BORGES PEREIRA: 365 M M. GASPAR: 230 MAMÃE GALINHA MIJA: 77 MANOEL DE AQUINO BARBOSA / PADRE BARBOSA: 104, 121 MANOEL JOAQUIM FERNANDES DE BARROS SOBRINHO / MANOEL BARROS SOBRINHO: 199 MANOEL PARAGUASSÚ: 140 MANOEL TIMÓTEO CERQUEIRA SANTIAGO: 28 MANOEL VIEIRA DE MELLO: 7, 235 MARCELO CERQUEIRA MEYER SUERDIECK: 259 MÁRCIO SANTOS SOUZA: 05, 397, 398 MARGHERITA LA FLORESTA: 59, 60 MARGRET KÄTHE HELENE SCHWARTZ (MAGY): 05, 236 MARIA AMÉLIA DAS NEVES: 42, 45, 106, 259 MARIA ANNA ELISABETH SPECKMANN: 258 MARIA APARECIDA ALMEIDA MARQUES PORTO: 366 MARIA AUGUSTA DE OLIVA MORGENROTH: 158, 176 MARIA AUGUSTA MASCARENHAS CARDOZO: 04 MARIA BERNARDETE DA COSTA MELGAÇO (DETINHA): 332, 333, 371 MARIA DE LA LUZ JOHANNA GERHARDINE MEYER: 257 MARIA DOLORES COSTA MELO: 105 MARIA HEILMANN: 38, 39 MARIA JOANA CATHALÁ LOUREIRO: 05 MARIA OLÍVIA PARAÍSO VIVAS: 365 MARIÁ MENEZES SILVA: 176 MARIANNE FERGUSON: 147 MARIE MEYER: 257 MARILDA MASCARENHAS: 230 MÁRIO AMERINO DA SILVA PORTUGAL: 05, 09, 10, 231, 246 MÁRIO DA FONSECA FERNANDES DE BARROS: 167, 175 MÁRIO DA SILVA CRAVO: 154, 166 MARIO FERNANDES DE ALMEIDA: 76, 313 MÁRIO OLIVEIRA DE REZENDE: 05 MARYON VALENTINER: 71, 79, 80, 81, 82, 98, 111, 112, 113, 114, 153, 154, 176, 177, 183, 331, 369, 370, 374 MAURICE DE VLAMINCK: 151, 344 MAX LIEBERMANN: 381 MAX STERN: 64, 70, 76 MELINA MERCOURI: 371 MICHAEL F. BARFORD: 228 MIGUEL DO PRADO VALLADARES: 117 MIGUEL MACEDO DOS SANTOS: 04 MILTON DA SILVA ANDRADE: 313 MILTON EVERALDINO CERQUEIRA: 365 MILTON NUNES TAVARES: 313, 333, 339, 370 MONICA: 379 MORVAN DIAS DE FIGUEIREDO: 230 N NEILING: 112
393
NELSON ALMEIDA TABOADA: 5 NELSON CORREIA DE ARAÚJO: 128 NELSON GONÇALVES DE OLIVEIRA: 361 NELSON PITTA MARTINS: 162 NELSON VARÓN CADENA: 376 NELSONITA: 54 NELY MARIA HIRSCH: 365 NEMÉSIO DIÓGENES: 57 NESTOR JOST: 211, 212 NEUSA PINTO CERQUEIRA / NEUSA CERQUEIRA SUERDIECK (NEUSINHA): 184, 213, 260, 261, 262, 356, 371, 375 NEWTON SPÍNOLA CARDOSO: 157 NICANOR ROCHA DO NASCIMENTO: 55 NICODEMOS: 29 NICOLAU MEYER SUERDIECK: 05, 42, 57, 58, 94, 102, 106, 138, 173, 175, 189, 197, 223, 250, 259, 265, 266, 267, 311, 313, 340, 362, 368 NICOLAU MEYER SUERDIECK JÚNIOR: 259 NODGI ENÉAS PELLIZZETTI: 05 NORMA LACERDA BLUM: 146 O ODORICO TAVARES : 337 OMAR SHARIF: 371 ORÉADE MESQUITA MARQUES PORTO: 05 ORLANDO BAPTISTA PEREIRA: 163 ORLANDO GOMES DOS SANTOS : 333, 370 ORLANDO MOSCOZO BARRETO DE ARAÚJO: 315 OSCAR CARDOSO: 370 OSCAR SCHMIDT: 60, 68, 69, 70, 71, 81, 154, 262, 326, 330, 331 OSVALDO ARANHA: 58 OTÁVIO MANGABEIRA: 105, 155 OTTO BERNSTORF: 381 OTTO MAX SELINKE (OTTITO): 60 P P. LEON: 302 PAI ZEZINHO: 101, 102 PASCUAL HNOS: 337 PAUL PANZER: 153, 372 PAUL VON HINDENBURG: 107, 108 PAULINO JAGUARIBE DE OLIVEIRA: 161 PAULO GEORG MUELBERT: 05, 86, 87, 89 PEDRO DE ALCÂNTARA PEREIRA: 85, 86 PEDRO DE AZEVEDO GORDILHO: 35 PEDRO LABATUT (Pierre Labatut): 7, 8, 1a capa interna PEDRO TOMÁS PEDREIRA: 49 PEDRO VARGAS: 370 PELÉ: 225 PÉRICLES DRUMMOND: 98, 223 PETER HERMANN WIMMER: 215, 217, 219, 220, 252 PLUMLEY: 191 PRATINI DE MORAES: 205, 212 R RAFFAELLA PALOMBI: 59 RAIMUNDO ELOY DE ALMEIDA: 128, 175, 313 RAIMUNDO HERÁCLITO DE CARVALHO: 214 RAMIRO ELOY: 26, 129
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RAUL AYRES DE LACERDA: 95 RAUL DO CARMO CARVALHO: 381 RAUL MELO: 333 RAULINA DA COSTA CUNHA (MANINHA): 42, 259, 333 RAYMOND BLACKBURN: 147 RAYMUNDO COSTA E SOUZA: 363 RAYMUNDO DANTAS: 238 REGINA CÉLIA ZOBIAK: 05 REI DA DINAMARCA: 325 RENAN RODRIGUES BALEEIRO: 168 RENATO FURTADO DE SIMAS: 58 RENATO ARAÚJO SAMPAIO: 327 RICARDO HOWLLING: 146 RINNE: 79 RIP: 192 ROBERT C. WICKENDEN: 191, 193 ROBERT DYCKERHOFF: 167 ROBERTO COCHRANE SIMONSEN: 230 ROHDE: 79 ROLAND BURCHARD: 59 ROMPEL: 60 ROSALVO SICOPIRA DA SILVA (Zavo de Coimbra): 399, 2a capa interna. ROSELIESEL CHRISTIANSEN (ROLI): 64 RUBEM DOS SANTOS LAMEIRA FILHO (Rubinho Lameira): 2a capa interna. RUDI BRAUM: 79 RUDOLF ANTON FRAUNHOFER: 215, 218, 219 RUDOLF SPECHT: 83 RUDOLPH BERGER: 224, 225 RUTH CERQUEIRA MEYER SUERDIECK: 259 RUTH PINTO CERQUEIRA / RUTH CERQUEIRA SUERDIECK: 184, 259, 311 S SANDRA LÚCIA DO SACRAMENTO (Sandrinha do INSS): 2a capa interna. SANTA: 54 SCHLEICHER: 108 SCHMELING: 70 SÉRGIO ALMEIDA: 199 SÉRGIO LIMA VIEIRA: 05 SILVANA PAMPANINI: 344 SÍLVIO SÓLIS: 373 SOLANGE RIBEIRO MEYER SUERDIECK: 113, 114, 117, 176, 178, 260 SORAYA SILVA NUNES: 2a capa interna. STAMM: 79 STEFAN ZWEIG: 121, 122, 271, 381 STÉLIO ROCHA BANDEIRA: 365 SUSANA MEYER SUERDIECK: 368 SUSANA MEYER: 42, 259 SZILÁRD RISKÓ: 365 T TÁCITO DE OLIVEIRA: 206 TED VALENTINE: 177 TERESA CRISTINA DE BOURBON (Imperatriz do Brasil): 8, 1a capa interna. THEMÍSTOCLES ANTÔNIO SANTOS GUERREIRO (Tek de Coqueiros): 5, 7, 8, 399, 2a capa interna. THEODOR VON DER LINDE: 26 THEODORE ROOSEVELT: 243 THEREZINHA MARIA ELOY GOES DE ARAÚJO: 26, 253
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TIBÚRCIA PEREIRA GUEDES / TIBÚRCIA GUEDES MEYER SUERDIECK: 12, 42, 44, 45, 56, 57, 58, 62, 63, 64, 71, 73, 74, 78, 102, 106, 108, 111, 113, 120, 176, 197, 230, 250, 254, 259, 263, 264, 265, 266, 267, 268, 269, 270, 311, 331, 332 TILO VON DONNER: 60 TIMCKE: 60 TÖNS WELLENSIECK: 215 TRIFON MARGIARO: 362, 363, 365, 367, 368 U UBALDO MARQUES PORTO: 366 UBALDO MARQUES PORTO FILHO: 04, 08, 11, 12, 13, 14, 49, 139, 250, 360, 366, 371, 379, 380, 398, 399, capa, contracapa, orelhas. URBANO VIII: 347 V VASCONCELOS MAIA: 128 VERA LÚCIA MARIA DOS SANTOS (Vera da Saúde): 2a capa interna. VERBENA MARIA DE OLIVEIRA BOUREAU: 137 VIRGÍNIA DÂMASO SUERDIECK: 259 VIRGULINO FERREIRA DA SILVA (LAMPIÃO): 102 VIVALDO FONSECA BARRETO: 313, 365 VIVIAN BENSUSAN: 145 VON LEISEWITZ: 224 W W. GANTOIS: 168 WALDO HERONDINO AZEVEDO: 76, 313 WALKYRIA MALGAÇO KNITTEL: 371 WALTER BRITO: 326 WALTER MAX JULIO STRAUS: 302 WALTER MELGAÇO KNITTEL: 05 WALTER STUMM: 05 WELLINGTON CUNHA COSTA PINTO: 05 WERDEVAL PITANGA: 36 WERNER BRADTMÖLLER: 113 WERNER THIELE: 79 WESTPHAL: 60 WILHELM BRÖMMELMEIR (WILLI): 44, 58, 80 WILHELM BUSCH: 102, 381 WILHELM WEILAND: 381 WILHELMINE AUGUSTE GERHARDINE SUSANNE MEYER: 257 WILLIAM HOLDEN: 172 WILLY KOCH: 81, 112, 113, 153, 154, 266 WILLY OVERBECK: 107 WILMA COSENZA SUERDIECK: 05 WILSON ROCHA: 196 WINSTON CHURCHILL: 145, 146, 323, 343 WOLFGANG ALBERT ARNOLD MEYER: 05 WOLFGANG ARTHUR HANS MEYER: 42, 43 Y YVETTE MARQUES PORTO PAVÃO: 05 Z ZINO DAVIDOFF: 216
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SOBRE O AUTOR
Por Márcio Santos Souza
Nascido em Salvador, no dia 5 de janeiro de 1945, Ubaldo Marques Porto Filho é escritor, historiador e biógrafo. Formado em administração de empresas pela Universidade Federal da Bahia, especializou-se em marketing, turismo e comunicação empresarial. Defendendo a tese Turismo, Indústria do Desenvolvimento, obteve o primeiro lugar no 1º Concurso Nacional de Turismo, promovido em 1970 pela Embratur. De 1972 a 1974 escreveu 59 artigos técnicos sobre turismo, publicados no semanário Jornal da Cidade do Salvador. Pioneiro na Bahia na literatura técnica de turismo, participou da fundação da seção baiana da Associação Brasileira dos Jornalistas e Escritores de Turismo (Abrajet). Como administrador, trabalhou em várias empresas importantes, tais como Suerdieck, Coelba, Grupo Banco Econômico (gerente de marketing turístico) e Telebahia (assessor de comunicação social). Na Bahiatursa, órgão oficial do turismo baiano, prestou relevantes serviços como gerente do Departamento de Planejamento (1975/76); como coordenador dos grupos de Articulação Municipal e de Desenvolvimento Turístico (1986/87); e como gerente de Mercado (2005/2006). Na primeira vez que trabalhou na Bahiatursa, foi diretor da revista Viverbahia, que ele reformulou e transformou num veículo de circulação nacional e internacional, colocando a Bahia em destaque e obtendo premiações no país e no exterior. Na segunda passagem pela estatal do turismo, coordenou na Bahia a implantação do primeiro Clube da Terceira Idade. O projeto foi executado em parceria com a Embratur, fomentadora desses clubes no país com o objetivo principal de motivar os aposentados a viajar nos períodos da baixa-estação turística. Na última vez que esteve na Bahiatursa, escreveu o livro Bahia, Terra da Felicidade, obra que resgatou a história do turismo na Bahia e também da própria Bahiatursa. Como editor, foi proprietário da SGS, produtora de jornais, revistas, mapas e guias turísticos, que entre 1979 e 1985 lançou diversos produtos encomendados por dezenas de municípios baianos. Para a Prefeitura de Alagoinhas criou e comandou o Alagoinhas Jornal do Município e em Feira de Santana, para o grupo mantenedor do jornal diário Feira Hoje, implantou e dirigiu a revista Hoje, de circulação mensal em todo o Estado da Bahia. Como técnico em marketing, coordenou o setor editorial de duas campanhas eleitorais, para os poderes executivos em Alagoinhas (PDS) e Cachoeira (PMDB), ambas em 1982. Na Prefeitura de Salvador foi durante seis anos, de 1997 a 2002, administrador regional da AR-VII, com área de jurisdição sobre nove bairros, dentre eles o Rio Vermelho. No Rio Vermelho, onde reside desde 1958 e pelo qual é um eterno apaixonado, Ubaldo presidiu a Associação dos Moradores e Amigos do Rio Vermelho (Amarv)
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por dez anos, a partir da sua fundação, em 1986, quando criou e dirigiu o Jornal do Rio Vermelho. Atualmente preside a Academia dos Imortais do Rio Vermelho (Acirv), mantenedora do portal oficial do Rio Vermelho (www.acirv.org). Foi um dos fundadores do jornal Folha do Rio Vermelho, que se encontra sendo editado pela Central das Entidades do Rio Vermelho, da qual é um dos diretores. Fora do Rio Vermelho, dentre outras entidades que integra, é membro da Associação Comercial da Bahia, fundada em 15 de julho de 1811, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, fundado em 13 de maio de 1894, e do Instituto Genealógico da Bahia, fundado em 14 de abril de 1945. Como escritor, Ubaldo é autor de dezenas de trabalhos centrados nas temáticas em que é especialista: turismo, cultura, história do Rio Vermelho, biografias familiares e empresariais. Dos quatorze livros publicados, dez são dedicados ao Rio Vermelho. Esse quantitativo lhe confere um recorde nacional: é o escritor com o maior número de obras sobre um único bairro de cidade brasileira. Com ‘Suerdieck, Epopeia do Gigante’, Ubaldo resgatou a monumental historiografia da empresa que chegou a ser a maior empregadora de mão-de-obra e maior pagadora de impostos na Bahia. Uma gigante que muito contribuiu para disseminar pelo mundo os nomes da Bahia e do Brasil.
São Paulo, julho de 2011
Márcio Santos Souza Empresário baiano radicado em São Paulo. Comanda a Make Travel Turismo e Viagens e a THB Hotéis e Turismo. No Grupo Bradesco, onde trabalhou mais de 30 anos, foi Diretor Geral da Bradesco Turismo, Vice-Presidente da Bradesco Administradora Cartões de Crédito e Diretor Departamental do Banco Bradesco S.A.
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AGRADECIMENTOS FINAIS DO AUTOR In Memoriam
José Ruas Boureau e Geraldo Meyer Suerdieck Agradeço a José Ruas Boureau e Geraldo Meyer Suerdieck, que foram muito importantes na minha passagem profissional pela Suerdieck e também durante a elaboração desta obra. Entre eles, encontro-me na fotografia da contracapa. Em janeiro de 2003, os dois viram este livro concluído e artefinalizado, mas não alcançaram a publicação. José Ruas Boureau faleceu em Salvador, no dia 24 de julho de 2006, aos 83 anos, de enfisema pulmonar, no Hospital da Bahia. Foi sepultado no Cemitério Jardim da Saudade. Geraldo Meyer Suerdieck também faleceu em Salvador, no dia 16 de dezembro de 2009, aos 91 anos, em sua residência, dormindo. Foi sepultado no mausoléu da família, no Cemitério do Campo Santo. A Luiz Flores e aos Vereadores de Maragogipe Após anos de tentativas na busca do patrocínio para viabilizar a publicação deste livro, numa verdadeira epopeia de frustrações, que daria para escrever um volumoso livro, eu já havia desistido do projeto da sua impressão gráfica. Porém, ao conhecer Luiz Carlos Flores Ramos, produtor cultural nascido em Maragogipe (continuo escrevendo seu nome à moda antiga e mundialmente consagrada pela Suerdieck, com dois g), as esperanças renasceram, pois ele abraçou o projeto da impressão e saiu em busca de um patrocinador que não discriminasse a história do fumo e dos charutos. O Luiz encontrou no jovem presidente da Câmara Municipal de Maragogipe, Themístocles Antônio Santos Guerreiro, o Tek de Coqueiros, um entusiasta com o livro, que imediatamente visualizou a importância da obra. E ele veio me visitar em Salvador, acompanhado pelos vereadores Antônio Jorge Cerqueira Malaquias, vice-presidente, Dércio Lima de Souza, 1º secretário, Rosalvo Sicopira da Silva, 2º secretário, e por Francisco Gomes da Silva Filho, assessor especial da Câmara. No encontro que tivemos, recebi o honroso convite para fazer uma palestra sobre o livro e a história da Suerdieck na Câmara Municipal de Maragogipe, na sessão do dia 20 de junho de 2011. Encontrei o plenário do histórico Paço Municipal completamente lotado e a luz verde acesa para a viabilização de tornar realidade o sonho de ver este livro impresso. A acolhida que me foi proporcionada pelos nove vereadores que compõem o legislativo municipal não poderia ter sido melhor. Salvador, julho de 2011. Ubaldo Marques Porto Filho
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José Augusto Viana
O autor entre Geraldo Meyer Suerdieck e José Ruas Boureau, em dezembro de 2000.
Val Araújo
ESTE LIVRO É UM MARCO DOS MAIS RELEVANTES, É UMA REFERÊNCIA OBRIGATÓRIA NA HISTÓRIA DOS FABRICANTES DE CHARUTOS, NÃO SOMENTE NA BAHIA E NO BRASIL, MAS NO CONTEXTO MUNDIAL. Câmara do Charuto da Bahia SELO DE QUALIDADE
EDITORIAL CÂMARA DO CHARUTO DA BAHIA
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