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Título: TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA : UMA CRIAÇÃO OU RECRIAÇÃO COTIDIANA Área Temática: Formação de Professores Autoras: MARLENE GRILLO (1), DÉLCIA ENRICONE (1), JOCELYNE BOCHESE (2), ELAINE FARIA (2), IVANE REIS CALVO HERNÁNDEZ (2), DÉBORA RENATA DA S. NETO (3) Instituição: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Faculdade de Educação - Programa de Pós-graduação em Educação
Introdução É tarefa da educação escolar a conversão do saber objetivo em saber escolar, de modo a torná-lo assimilável pelos alunos ( SAVIANI, 1994). Tal processo de conversão nos encaminha ao estudo da Transposição Didática, que todo o professor de alguma forma realiza, no esforço de possibilitar ao aluno a apropriação e a reconstrução daquele saber. A ciência do sábio, (...) a obra do escritor ou do artista (...) o pensamento do teórico não são diretamente comunicáveis ao aluno; é necessária a intersecção de dispositivos mediadores, a longa paciência de aprendizagens metódicas, (...) a elaboração de 'saberes intermediários' , que são tanto imagens
artificiais
quanto
aproximações
provisórias,
mas
necessárias
(FORQUIN, 1993, p. 16).
Segundo CHEVALLARD (1988), ao longo de seu processo de escolarização, o saber objetivo (ou científico), para se transformar em noções suscetíveis de aprendizagem, passa pela didatização – uma série de operações até certo ponto polêmicas, que podem levar este saber a reducionismos e até mesmo a falsificações, pelo grau de distância que o separa do
escolar. Este último
apareceria, então, como um saber sem produtor, sem historicidade e temporalidade, conforme é encontrado com deficiência em livros didáticos. Entretanto, críticas são feitas a CHEVALLARD (PETITJEAN, 1998), afirmandose que a escola não ensina saberes em estado puro, mas conteúdos de ensino, pressionada por inúmeras exigências, como especificidades da instrução, do currículo, dos alunos e do próprio professor. As transformações
por que passa o saber objetivo devem ser, pois, consideradas mais como diferenças do que como simplificações ou desvalorizações. A Transposição Didática, portanto, não constitui um mal inevitável, tampouco distorção ou vulgarização do saber, pois sempre exige uma atividade de produção original. A cada novo período letivo, o conhecimento a ser ensinado é parcialmente recriado pelo professor num desafio inédito partilhado com os alunos. Pretendemos, assim, com o presente estudo – ainda em realização – ampliar o conhecimento sobre o tema, buscando investigar a construção ou reconstrução do saber do professor, e também do aluno, no processo de Transposição Didática, bem como os fatores condicionantes da organização do saber disciplinar. Contextualização teórica Transposição didática no cotidiano do professor Todo projeto de ensino e de aprendizagem apresenta uma historicidade e uma temporalidade que o caracterizam como um projeto social. Este se fundamenta na identificação de saberes objetivos, eruditos ou sociais oriundos da cultura extra-escolar que são transformados em conteúdos objetos de ensino. Tais conteúdos objetos de ensino (explícitos nos programas de ensino e implícitos no conhecimento público da comunidade social) em geral são anteriores à sua definição, pois já ocupam um lugar na cultura e no coletivo que os criou e dos quais são tomados como empréstimo (CHEVALLARD, 1988). Os conteúdos de ensino, portanto, assim como se apresentam, são criações didáticas que buscam responder às necessidades de ensino, oriundas de um determinado projeto social. Um conteúdo de saber objetivo, selecionado como um saber a ser ensinado, necessita ser escolarizado e, para tanto, sofre uma série de transformações adaptativas até se tornar objeto de ensino. É assim que CHEVALLARD (1988 , p. 39) explica o processo de Transposição Didática: passagem de um conteúdo de saber preciso a uma
versão didática deste objeto de saber ou ainda transformação de um objeto de saber a ensinar em objeto de ensino. Nessa passagem, o saber é condicionado por fortes exigências, entre as quais a instrução escolar – com finalidades e objetivos amplos e gerais – e o sistema didático – com finalidades e objetivos mais restritos e direcionados. O saber objetivo, então, é didatizado por meio de diversas operações, como: Descontextualização / recontextualização – O saber é retirado de suas origens, da sua lógica original, deixa de pertencer a um lugar definido (descontextualização) e é transformado em noções passíveis de aprendizagens especializadas (recontextualização). Despersonalização – Mesmo se mantiver a denominação original, o saber designado para ser objeto de ensino é desligado do seu autor, do saber de referência e de sua produção histórica. Separa-se a pessoa do saber (autor e produto). Programabilidade – O saber sofre fragmentações: é cortado e reorganizado em outros saberes e outras modalidades, dentro de uma seqüência progressiva, segundo especificidades curriculares, sociais, culturais e limites temporais. Publicidade – O saber passa por uma definição explícita em textos oficiais, é socializado e exposto às críticas de colegas, apresentado em livros didáticos, manuais e publicações. Entretanto, não é unânime a aceitação desse conceito de Transposição Didática. Para alguns autores como MARTINAND (1986), HALTÉ (1989), CHERVEL (1988),
trata-se de um conceito restrito e discutível, pela dificuldade de
generalização a todas as disciplinas escolares, o que coloca em debate a questão das “fontes de empréstimo” ao saber disciplinar. CHEVALLARD (1988) é enfático ao enfocar a relação entre saberes de referência científicos e saberes didatizados, e ao afirmar que a transposição conclui antes mesmo de chegar à sala de aula. Seus sucessores é que continuam o estudo, tratando de conteúdos a serem ensinados, conteúdos ensinados, aprendidos e avaliados, gerando novos esquemas de análise da teoria. O alargamento do conceito em questão parte do princípio de que os conteúdos objeto de ensino não são oriundos, necessariamente, de saberes
científicos transpostos, mas também de práticas sociais, até mesmo de práticas sociais não escolares. A Transposição Didática, nesta perspectiva, deveria ser pensada não tanto na relação saber científico => saber a ensinar, mas na busca da pluralidade de saberes de referência, pois os saberes conteúdos de ensino podem ser tomados de outras fontes potenciais de empréstimo, como da engenharia, das artes e de outras instituições de formação, ampliando, então, o conceito analisado. Deixando de lado esta discussão mais aprofundada, pode-se reconhecer que o saber de referência percorre sempre uma trajetória representada pela seqüência: objeto de saber => objeto a ensinar => objeto de ensino, onde a primeira seqüência (objeto de saber => objeto a ensinar) marca a passagem do implícito ao explícito, do pré-construído ao construído. A segunda seqüência (objeto a ensinar => objeto de ensino) marca a presença da ação do professor entre um currículo formal e um currículo real. Pela didatização, os saberes doutos são encaminhados ao cenário dos saberes escolares, reorganizados em novas noções, com graus de complexidade diversos. Por este percurso inevitável do saber até chegar à aprendizagem efetiva do aluno, a Transposição Didática é questionada, sendo freqüente na literatura específica a indagação – a Transposição Didática é boa ou ruim? (CHEVALLARD, 1988, p. 45).
Não existe, porém, uma resposta que dê conta da complexidade do
assunto. O certo é que a Transposição Didática tem reconhecidas algumas utilidades:
tornar
ensináveis
os
saberes
construídos
coletivamente
e
acumulados pela cultura, e possibilitar ao aluno sua apropriação. Tem, no entanto, desvantagens: pode falsificar, simplificar ou banalizar o objeto de ensino. De qualquer forma, porém, ela é indispensável. Afirmam alguns que o saber objetivo, até chegar à sala de aula, apresenta-se sem origem, sem lugar, sem autor (LOPES, 1997) pelos cortes, segmentações, simplificações a que é submetido. Na realidade, nessa passagem, sempre ocorre uma ruptura, um distanciamento entre o saber de referência e o saber objeto de ensino, no esforço de se remanejarem e de se ajustarem os elementos tomados de empréstimo da cultura extra-escolar, e de
transformá-los em noções a serem aprendidas. O que importa, porém, é que esse saber se mantenha suficientemente próximo do saber de referência e suficientemente afastado do senso comum, para justificar sua permanência num projeto social de ensino. A ocorrência da Transposição Didática muitas vezes se evidencia por manifestações distorcidas do objeto de ensino em relação ao saber de referência ao qual aquele (objeto de ensino) corresponde. Por isso CHEVALLARD (1988)
recomenda o exercício da “vigilância epistemológica”. Compete à
academia, seja ela representada pelos autores das teorias concernentes ou pelos próprios professores, interessar-se pelo tratamento didático a que é submetido o saber objetivo, examinando a validade da seleção do mesmo, a distância que o separa do saber escolar, as diferentes modalidades em que é apresentado sob a forma de conteúdos de ensino, desdobrados daquele saber extra-escolar. A vigilância epistemológica é, pois, um poderoso recurso para se evitar a possível falsificação do saber de referência como conseqüência das várias transformações por que passa até chegar à condição de saber ensinado e/ou aprendido. Tal recurso deve estar presente em todo o processo de ensino. Trata-se de um questionamento sistemático que o professor propõe a si mesmo para evitar o ensino de fórmulas prontas, de procedimentos estereotipados, caracterizados como "receitas", ignorando a origem e a história desse saber e a relação que ele mantém com o que lhe dá origem. Só assim a Transposição Didática ficaria livre das dúvidas e dos questionamentos a ela endereçados. Este princípio da vigilância epistemológica pode, paradoxalmente, esbarrar no próprio professor como um forte fator restritivo, devido ao despreparo, ao desinteresse, ou ao insuficiente domínio dos conteúdos e das relações destes últimos com os saberes de referência. Se o professor os conhece apenas por meio dos textos didáticos e manuais, vai encontrar dificuldades para criar ou recriar melhores exemplos, analogias, metáforas que facilitem ao aluno a apropriação de um saber muitas vezes árido e desvitalizado, conforme é apresentado, com freqüência, em livros didáticos, ou trabalhado na escola. O formalismo redutor que se atribui à Transposição Didática é, com freqüência, responsabilidade do professor.
DURKHEIM (Apud PETIJEAN, 1998)
alerta para o papel do docente nesta
questão afirmando: um programa só vive pela maneira como ele é aplicado(...) É preciso que o professor, encarregado de fazer dele uma realidade, o queira (...). Não é suficiente prescrever-lhe o que é preciso fazer, é preciso que ele esteja em condições de julgar estas prescrições, que esteja a par das questões para as quais estas prescrições tragam soluções provisórias(...). Num sistema didático organizado em torno do saber, do aluno e do professor, este último tem, pois, um papel decisivo para realizar Transposições Didáticas internas no espaço de sua aula, movimentando-se entre um currículo formal e um real. Por força de sua formação, de seu conhecimento, de sua experiência, e pela interação com o aluno, na realidade o professor põe em ação o currículo oculto, possibilitando a transformação do saber a ensinar em saber aprendido. Estas afirmações mostram que, apesar de críticas feitas à Transposição Didática como prescritiva e determinista, o professor tem atuação destacada no estágio saber a ensinar => saber ensinado. O próprio CHEVALLARD subestima o poder decisório do professor ao afirmar que a Transposição Didática se encerra quando a aula começa, pois preparar uma aula é, sem dúvida, trabalhar sobre a transposição didática e não fazer a transposição (...) Quando o docente intervém (...) para dar seu curso, a transposição didática já começou há muito tempo (1988, p. 17). Mesmo reconhecendo-se o valor das teorias de referência na construção dos saberes a ensinar, CHEVALLARD é criticado por considerar falsificado ou degradado o conteúdo objeto de ensino, e não como algo recriado didaticamente em função dos alunos por um esforço do professor. A este cabe examinar as transformações didáticas a que são submetidos os saberes de referência, e julgar a possibilidade de integrá-los conscientemente aos saberes contextualizados, construídos nas interações da vida de aula entre os três pólos – professor, aluno e saber – que constituem o sistema didático, o qual é sempre aberto ao contexto e responde às exigências que acompanham e justificam o projeto social do qual ele é originado. O docente assume, então, um papel ativo, toma decisões considerando o aluno e o saber situados num tempo e num espaço, o que pode tornar compreensíveis sugestões de especialistas para repensar a adequação do
conceito de Transposição Didática, substituindo-o por “elaboração didática” (HALTÉ, 1989)
ou “mediação didática” (LOPES, 1997), pois elaboram-se
constantemente novas noções, esquemas particulares, explicitações e avaliações originais, uma vez que o conhecimento não existe pronto sob a forma de um repertório que o professor consultaria quando necessitasse para desenvolver seu programa (PERRENOUD, 1994). Ocorrem criações ou recriações sustentadas pelo domínio que possui o docente do conteúdo objeto de ensino e da forma de tratá-lo, pela reflexão sobre a prática, pelo intercâmbio com colegas e alunos e ainda pelo “habitus” que traduz sua relação com a cultura e com o mundo. Contrariando referências à Transposição Didática como um processo de transmissão, estudos recentes e mais próximos da realidade (GRILLO et al., 1999) têm demonstrado que, na prática, estabelece-se um diálogo com os alunos. Dos questionamentos surgem indagações e problemas que encaminham à produção de um novo saber, construído na própria prática, fabricado artesanalmente, segundo palavras de PERRENOUD (1993). Epistemologia do saber a ser ensinado A conversão do saber erudito em saber escolar fundamenta-se em aspectos epistemológicos que, embora estreitamente inter-relacionados na prática, serão considerados separadamente para os fins desta pesquisa. Conforme estudo realizado por SAVIANI (1998), tais fundamentos podem ser analisados quanto ao seu caráter a) lógico – ligado à estrutura do objeto cognoscível, ou seja, do saber a ser convertido; b) sociológico – centrado nas relações entre escola e sociedade; e c) psicológico – envolvendo a lógica da apropriação dos saberes pelos sujeitos cognoscentes. Isso significa que, ao organizar o saber disciplinar selecionando as formas e os caminhos pelos quais se possibilita tal apropriação, professores e demais agentes pedagógicos devem, simultaneamente, a) olhar para o saber de referência, b) considerar as exigências sociais que determinam a escolha de um (e não de outro) saber, tendo em vista a inserção da escola em um contexto mais amplo e, finalmente, c) levar em conta a psicologia do aluno, suas representações, seus présaberes,
para
conhecimentos.
propiciar
a
confrontação
necessária
com
os
novos
A consideração da estrutura lógica do saber de referência como um dos fatores determinantes para uma aprendizagem significativa implica, segundo MOREIRA e MAZINI (1982, p. 46),
a relação e a hierarquização dos conceitos de
cada disciplina, bem como a organização de corpos conceituais ligados a conjuntos de disciplinas ou áreas de conhecimento, tendo em vista uma seqüencialização de conteúdos que, de certa forma, reflita a própria estrutura conceitual da matéria. Além disso, esse tipo de consideração orienta a seleção de recursos e procedimentos que, de acordo com os autores, visam a facilitar a passagem da estrutura conceitual da disciplina para a estrutura cognitiva do aluno. O estudo de SAVIANI (1998, p. 96) conclui que – seja para recuperar o lugar do conhecimento no processo de ensino-aprendizagem (tendência verificada nos Estados Unidos a partir dos anos 60), seja para elevar o nível de pensamento dos escolares (tendência com maior força nos países socialistas) – a ênfase na estrutura da matéria como eixo organizador dos saberes veiculados pela escola pode acarretar uma padronização de currículos, bem como uma certa rigidez no estabelecimento da relação entre estrutura lógica e estrutura psicológica, o que, por sua vez, deixaria de considerar o caráter dinâmico da organização do conhecimento (p. 113-14). A relação entre escola e sociedade como eixo estruturador do currículo põe em relevo a função política da primeira, na medida em que considera a produção do conhecimento como um ato de criar e recriar coletivo – conforme concepção de Paulo FREIRE. O conhecimento assim concebido deveria conduzir à conscientização, realizável mediante uma pedagogia libertadora cujo princípio básico é a desmistificação do saber institucionalizado a partir do questionamento de seu caráter ideológico. Assim, se por um lado a escola tradicionalmente vem assumindo um papel de reprodutora dos mecanismos de exclusão social, cabe a ela, em contrapartida, a importante missão de socializar o conhecimento elaborado, transformando-o num instrumento de luta contra as desigualdades sociais e fazendo do ensino o pressuposto básico para a constituição de uma sociedade mais democrática. Nessa perspectiva, os conteúdos de ensino são estabelecidos em função de sua relevância social, selecionados a partir do acervo cultural disponível e convertidos em saber escolar de modo a possibilitar uma compreensão reflexiva e crítica da realidade, bem como a produção de novos conhecimentos. O compromisso
político da escola e demais instituições do ensino exige, portanto, dos educadores o domínio do conteúdo a ser trabalhado, bem como dos métodos e técnicas que melhor possibilitem sua transmissão/ assimilação/apropriação (SAVIANI, 1998, p.49),
sempre com base em situações vivenciadas pelos alunos e
em suas experiências como seres históricos, inseridos numa sociedade em transformação. Finalmente, a contemplação dos aspectos psicológicos na organização do saber escolar destaca a importância de se tornar a aprendizagem significativa a partir do que o aluno já sabe. Segundo PIAGET e AUSUBEL (Apud SAVIANI, 1998, p. 121),
os conhecimentos anteriores dos estudantes deveriam ser
“aproveitados” pelos professores como organizadores prévios ou pontes cognitivas, para a confrontação do “nível de entrada” dos alunos com o “saber sábio” a ser por eles apropriado. Para esses autores, a aprendizagem se define tanto pelas transformações conceituais que produz no indivíduo quanto pelo produto de saber que lhe é dispensado. Vai daí que, estando a aquisição de conceitos científicos intimamente relacionada com os elementos relevantes da estrutura cognitiva do sujeito que aprende, o grau de significação da aprendizagem depende não apenas da disponibilidade desses elementos – de acordo com o nível de desenvolvimento dos alunos – como também da natureza dos conceitos a serem aprendidos e da forma como são apresentados – o que, por sua vez, exige a estruturação significativa da matéria de ensino (Idem, p.96).
Um exemplo do inter-relacionamento desses três aspectos é ressaltado pela autora (ibidem, p. 121) ao reportar-se a ASTOLFI e DEVELAY (1991), cujo foco de atenção está voltado para a didática das ciências. De acordo com esses autores, na integração de conceitos e/ou conhecimentos do saber científico ao contexto do saber escolar, é preciso levar em consideração as práticas sociais a que esses conceitos se referem – e das quais emergem –, os níveis de formulação que aceitam, bem como o modo como se articulam em redes ou tramas conceituais. Tudo isso, conclui a autora, exige uma constante vigilância epistemológica contra a dogmatização e a simplificação do conhecimento (re)construído e veiculado na/pela escola, de modo a repensá-lo criticamente, numa postura reflexiva por parte de professores e demais organizadores do currículo.
Elaboração pedagógica dos conteúdos Uma das questões desta investigação é analisar de que estratégias o professor lança mão para tornar o conteúdo didatizado. Entretanto, para que essas estratégias sejam bem sucedidas, é preciso igualmente investigar como se dá a elaboração e reconstrução do saber por parte do aluno, e qual o papel do professor como facilitador deste processo. Por isso, nosso objetivo nesta pesquisa é, também, conhecer o processo de construção do conhecimento discente desencadeado pelo professor quando adota procedimentos que possibilitam ao aluno construir um conhecimento de forma autônoma e consciente. A ação didática do professor deve ter por objetivo enriquecer as competências e habilidades dos educandos para que possam adquirir domínio dos saberes escolares. Nesse sentido, a intervenção pedagógica, auxiliando o aluno a ser sujeito de sua própria aprendizagem, deve estar fundamentada em pressupostos filosóficos, pedagógicos e epistemológicos. As metodologias utilizadas levam em conta estes novos paradigmas? Para a construção do conhecimento, a metodologia na perspectiva dialética vai buscar sua orientação básica no resgate do próprio processo de construção de conhecimento da humanidade. Ao analisarmos esse processo, percebemos que a produção do conhecimento é resultado da ação do homem por sentir-se problematizado, desafiado pela natureza e pela sociedade, na produção e reprodução da existência (VASCONCELLOS, 1995, p. 84).
Enfatizamos, aqui, a importância da Transposição Didática, isto é, a relevância de tornar ensináveis os saberes construídos coletivamente e acumulados pela cultura e possibilitar ao aluno sua apropriação. Não queremos modelos, receitas prontas, nem uma volta ao tecnicismo; mas
que
o
docente
reflita
constantemente
sobre
suas
aulas, faça
questionamentos sobre sua prática, torne o aluno partícipe de sua própria aprendizagem. Com este enfoque, o professor busca realizar uma investigação constante, aplicando a pesquisa na sala de aula; e não, por exemplo, um simples questionamento sobre o texto ou o livro didático.
Devemos considerar que na sala de aula, não chega a ocorrer “investigação” (no sentido científico), na medida em que existe a orientação do professor, que dirige, dispõe do objeto, (...) e o aluno sabe onde vai chegar(...). O desafio é conseguir que o aluno construa seu conhecimento, faça o seu percurso de elaboração de um conhecimento produzido socialmente. (...) Deve articular, pois, a disposição da “investigação” com os resultados da “exposição” (dialética investigação – exposição) (VASCONCELLOS, 1995, p. 90).
No cotidiano da sala de aula, o tratamento didático precisa se aproximar mais da investigação, em função da necessidade de incentivar os educandos a construir o seu saber. Por isso, a postura que o professor tem diante do conhecimento condiciona a qualidade da aprendizagem e a atitude do aluno frente ao saber. Portanto, a reflexão sobre todas as dimensões do saber deve ser constante. A escola pode constituir-se no espaço de formação de um jovem que se aproxime da realidade de outras formas, que aprenda de modo diferente e que possa construir novos saberes para a cultura de seu tempo. Essa mudança de prisma é fundamental para que o professor – não o centro do processo, mas sempre o protagonista das inovações escolares – defina as melhores estratégias para levar o aluno a construir o conhecimento, exercendo a sua autonomia intelectual e tornando-se capaz de gerar novos saberes, a partir da produção individual e coletiva iniciada no cotidiano da sala de aula. Investigação A área temática deste estudo é a Transposição Didática na prática pedagógica de docentes universitários, desdobrada nas seguintes questões de pesquisa: 1. Onde e quando o professor adquiriu os conhecimentos que ensina atualmente? 2. Que mudanças nos conteúdos ou tratamento dos mesmos acontecem desde o início do exercício docente? 3. Em que o professor se baseia para decidir o que ensinar do conteúdo programático da disciplina, ou do curso?
4. Como
o
professor
possibilita
ao
aluno
a
construção
do
conhecimento? Essas
questões
de
pesquisa
fundamentaram
entrevistas
semi-
estruturadas realizadas com docentes do ensino superior de áreas de conhecimento e instituições diversas, tomando-se como critério de seleção o exercício do magistério há mais de cinco anos . As respostas dos professores, submetidas à Análise de Conteúdo (Moraes, 1999), estão indicando a emergência de três categorias: a) Categoria construção do conhecimento profissional docente – trata dos saberes mobilizados pelos professores na articulação entre os elementos constitutivos da trajetória objeto de saber => objeto a ensinar
=>
objeto
de
ensino,
realizando
uma
transposição/assimilação/apropriação de conhecimentos produzidos na e a partir da prática. b) Categoria epistemologia do saber escolar – considera as bases lógico-psico-sociológicas que orientam a organização do conteúdo, a partir das concepções que os professores têm sobre a estrutura de sua disciplina, a relevância social dos conteúdos ensinados e o modo como seus alunos aprendem. c) Categoria construção do conhecimento discente – refere-se às alternativas de tratamento pedagógico do conteúdo ensinado que se oferecem aos professores no momento em que eles efetuam a Transposição Didática, levando em conta o seu conhecimento profissional e a epistemologia do saber a ser ensinado para selecionar estratégias que possibilitem ao aluno construir um conhecimento de forma autônoma e consciente. Embora não tenhamos, ainda, respostas conclusivas sobre o tema investigado (principalmente sabendo que nunca as teremos de forma definitiva), uma análise preliminar das entrevistas está a indicar a preocupação dos professores com a base epistemológica de seus saberes, além de uma visão mais ampla do conceito de Transposição Didática daquela apresentada
por CHEVALLARD. Notas (1) Doutoras em Educação - Professoras Titulares da PUCRS - Coordenadoras da Pesquisa. (2) Professoras da PUCRS - Doutorandas em Educação. (3) Aluna do Curso de Graduação da PUCRS - Bolsista CNPq.
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Saber escolar, currículo e didática : problemas da
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