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UM DIA AINDA VAMOS RIR Jorge de Palma O Marido e a Maria viviam bem, apesar das dificuldades financeiras. Justamente por causa disso e pela luta por um melhor salário, estavam sempre mudando e foram morar na Cidade Pequena. Ali, o marido teria um emprego garantido. Maria se ressentiu da mudança, mas guardou as mágoas para si e continuou com o sonho de morar na Cidade Grande. Foram anos de luta, com derrotas e pequenas conquistas, nada que se pudesse dizer "estamos
acabados", ou que "vencemos". O casal e filhos só iam vivendo, com dificuldades, como muitos seres deste mundo. Mas tinhanm sua casa naquela pequena cidade. Um dia, o Marido conseguiu um emprego na cidade grande. Mas precisou ter uma conversa séria com Maria.-Não dá para ficar viajando todos os dias. Teremos que deixar nossa casa, que nem é totalmente nossa, mas financiada, e mudar para uma casa nova. Na verdade, nem é uma casa, mas um "apertamento", que o patrão vai nos alugar. É logico, que ele vai dar um desconto no aluguel, é lógico que haverá dificuldades, mas alguém tem que decidir! Maria reviveu todos os seus sonhos de morar na
Cidade Grande. Não era só por ela, mas também pelos filhos. Podiam perder a casa, mas os filhos teriam a oportunidade de frequentar faculdade! Olhou para o Marido e disse: -Vamos! Os próximos dias viraram uma correria. O emprego não podia esperar. O Marido começou a preparar tudo o que podia Separou documentos, juntou algum dinheiro para pagar o caminhão da mudança, desmontou alguns móveis e, deixou como sempre fazia, que Maria empacotasse tudo. E assim foi ela para a sua vigésima primeira mudança, em busca de um emprego/vida melhor! Tão desesperado em conseguir algo novo, o marido nem atentou para os detalhes do
apartamento. Estava situado num lugar próximo à firma onde iria trabalhar. Estava em bom estado, embora depois se descobrisse que apesar de acarpetado, tinha traças e algum bolor. Mas no mais era legal, andar térreo, sem escadas ou elevador, muito bom. Maria nem tinha tempo para pensar, de tanto "arrumar" as coisas, muito emocionada. No dia da mudança, foi tão humilde que viajou com os filhos junto com o motorista, na cabine do caminhão. O marido foi dentro da carroceria, imprensado entre um guarda-roupas e um colchão. Conseguiram fazer a abençoada mudança. Descarregaram tudo, pagaram o frete e ainda sobrou algum dinheiro. Com toda a tensão do
dia, Maria começou a arrumar a nova casa. Anoiteceu, mas aí veio o drama. O apartamento não tinha energia elétrica. Os moradores antigos não tinham acertado a conta com companhia de eletricidade, e por isso a energia foi cortada. Devido ao horário, não dava para pagar a conta e pedir o religamento. Assim o casal taria que passar uns dois dias sem energia. O jeito seria utilizar o fogão a gás para equentar água para o banho, fazer uma comida improvisada e comprar velas. "Pelo menos iremos jantar em apartamento novo e às luz de velas", disse o marido em tom de brincadeira. E saiu para comprar as velas. Maria estava sob muita presão. A decisão, a mudança, as espectativas e por fim a decepção
de não encontrar tudo perfeito. Mesmo assim enfrentou tudo com muita coragem e foi fazer a jantar na penumbra. Então aconteceu a tragédia. Procurou, procurou e por fim ela desmoronou. Saiu correndo para a rua, encontrou o marido voltando da venda, com o pacote de velas, nas mãos. Deu suspiros profundos e disse: "Não tem feijão!" E chorou copiosamente. Quando relembra a cena, o Marido imagina o falecido amigo Tito Menito. Nas melhores, ou piores situações, ele dizia: "Um dia ainda vamos rir de tudo isso"